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430 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ao governo portuguez a occupação de Dahomey era que a imprensa ingleza tinha combatido com ardor esta annexação.
A rasão é em verdade peregrina, e não vale mesmo a pena discutil-a.
Eu não alludi á imprensa ingleza, mas ao governo o que é bem diverso! (Apoiados.)
Qual foi então o motivo por que o governo consentiu que o seu delegado fosse ao Dahomey assumir o protectorado d'esta região?
A resposta categórica do sr. ministro da marinha foi que era necessario valorisar a nossa importante possessão de S. Thomé e Príncipe, tornando facil o movimento de emigração de colonos e serviçaes, indispensáveis para fecundarem pelo trabalho aquellas ferazes terras, que até hoje têem soffrido de uma constante falta de braços; e que similhante movimento de emigração sómente seria possível, assumindo nós o protectorado do paiz, que nos havia de fornecer os trabalhadores agrícolas.
(Pausa.)
Depois d'esta resposta official do governo, não sei francamente como hei de começar a leitura dos documentos, que hoje vem publicados no Diario do governo, porque não me atrevo a dizer se sou eu que estou allucinado e não comprehendo o que aqui vem escripto; ou se é o sr. ministro da marinha que, com bem pouco respeito pela representação nacional, veio hontem fazer declarações a esta camara que são formalmente desmentidas hoje pelos documentos que se acham publicados no Diario.
Eu vou começar a ler á camara diversos trechos desses documentos, para que ella por si propria aprecie se são exageradas as minhas palavras.
Os principaes documentos a que vou referir-me são: o tratado de protectorado celebrado no palacio de Aguanzum e mais tarde ratificado em S. João Baptista de Ajuda; um officio relatorio do curador geral interino dos serviçaes e colonos da província de S. Thomé, dando conta de uma commissão que foi desempenhar ao territorio de Dahomey e que consistia no resgate de serviçaes para a província; a acta de uma sessão do conselho do governo de S. Thomé e Príncipe; finalmente, dois officios do governador geral da província, um dos quaes reservado para o governo.
Começarei pela leitura de alguns trechos do relatorio do curador dos serviçaes e colonos.
Peço á camara que attenda bem nesta circumstancia que é importante: a commissão a que se refere o relatorio é de mais de um mez anterior á celebração do tratado do protectorado! (Apoiados.)
O curador dos colonos e serviçaes foi ao território de Dahomey a fim de contratar trabalhadores para a província de S. Thomé e Príncipe. Quer v. exa., sr. presidente, saber o que anteriormente á assignatura do tratado dizia esse magistrado a respeito da facilidade ou difficuldade de obter braços para S. Thomé? A camara vae ouvir e creio que com verdadeiro espanto!!
«Segundo o que observei no decurso do tempo que estive em Ajuda e Abomey, bem como no que gastei nas povoações por onde passei, quando me dirigi da cidade de Ajuda para a de Abomey, e desta para aquella, principalmente n'aquellas onde me demorei para tomar alimento e descanso, pareceu-me e parece-me que nem pelo que diz respeito á pessoa do rei, nem pelo que toca á dos indivíduos que estão sujeitos ao seu vasto domínio, não só não surgirá o menor obstáculo ao justo tentamen, creado n'aquelle nosso domínio, mas mesmo me parece que haverá facilidade em se sustentar e conservar a corrente dos serviçaes e colonos, que já se acha aberta, e estabelecida d'aquelle ponto para esta provinda.»
E mais adiante:
«Em face, pois, do que deixo exposto... facilmente se collige a facilidade que ha em estabelecer-se a emigração dos serviçaes e colonos do reino de Dahomey para esta provincia.»
Então em que fica a rasão dada pelo sr. ministro da marinha, de que assumiu o protectorado de Dahomey, porque lhe era indispensavel estabelecer a emigração de colonos para S. Thomé, se já muito antes da assignatura do tratado esta emigração se fazia com a maior facilidade, permittindo-nos o rei dahomeano todas as larguezas e realisando-se os contratos unicamente em virtude do regulamento geral dos serviçaes e colonos de 20 de novembro de 1878, do regulamento especial da província de 17 de agosto de 1880, e das demais leis reguladoras do trabalho livre era vigor na nossa colonia?! (Apoiados.)
Mas não era necessária a confissão do curador dos serviçaes, para que o parlamento ficasse convencido de que a rasão apresentada pelo sr. ministro da marinha e ultramar na sessão de hontem não era a verdadeira! (Apoiados.)
Eu vou ler á camara as clausulas do já celebre tratado luso-dahomeano, pedindo a todos os meus collegas que pesem bem cada uma das palavras dos seis artigos que n'este instrumento diplomatico se contêem.
«Artigo 1.° Toda a costa marítima do reino de Dahomey, comprehendendo as cidades de Cotonum, Godomé, Avrêquête, Ajuda e Pescaria, fica sob o protectorado portuguez.»
Cotonum, sr. presidente! Que pungente e humilhante recordação! Cotonum é a primeira povoação de onde tivemos que arriar a nossa bandeira em presença das reclamações de urna nação estrangeira, que assim o exigia! (Muitos apoiados.)
Mas passemos adiante.
«Art. 2.° Os cidadãos portuguezes, os europeus e os indivíduos geralmente conhecidos pela designação de brancos, que residirem ou transitarem nas terras do protectorado, ficam com todos os seus heveres sujeitos á soberania de Portugal. Esta disposição é extensiva às famílias dos indivíduos acima mencionados.
«Art. 3.° O governo de Dahomey não poderá em tempo algum fazer qualquer tratado que diga respeito ás terras do protectorado sem a intervenção e o consentimento do governo portuguez.
«Art. 4.° O bairro e o porto de Zômai, em continuação e a oeste da cidade de Ajudá e do porto de Adra, ficam declarados territorio portuguez.
«Art. 5.° A jurisdicção ecclesiastica do ordinário de S. Thomé estende-se a todas as terras do protectorado.
«Art. 6.° A execução do presente tratado depende de approvação superior por parte do governo portuguez.
«E não havendo nada mais a tratar se deu por concluido este acto, a que foram presentes o tenente Francisco José Rego, governador do forte portuguez, e os negociantes José Guerreiro Nuno, Manuel da Graça Costa e Silva, Manuel Gonçalves de Oliveira e Germano Julião de Sousa, os quaes todos vão assignar.»
Onde está n'este tratado uma unica palavra que se refira ao resgate de serviçaes para a província de S. Thomé? Onde está?! (Muitos apoiados.)
Mas ha mais alguma cousa, sr. presidente! Nem a decantada cessação dos sacrifícios humanos, que durante mezes inteiros por ahi se celebrou, como a maior gloria do sr. ministro da marinha, figura neste documento! O que é este tratado a final?!
É simplesmente um logro em que caímos; é um contrato leonino, pelo qual vamos assumir as responsabilidades inherentes ao protectorado de um vasto territorio, sem que em compensação nos sejam dadas garantias algumas de tirar d'elle algum proveito! Eis o que significa o tratado!
Disse o sr. ministro que a occupação do reino de Dahomey nos era indispensavel para o desenvolvimento da nossa colonia proxima; mas não ha n'este tratado uma unica disposição que possa contribuir para esse desenvolvimento.