SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO DE 1886 431
E se eu me engano, digam-me. Onde está ella?! Não vejo tambem clausula alguma que se refira á faculdade ou ao direito do governo portuguez lançar ou cobrar impostos no territorio do protectorado, condição necessaria para que a soberania que vamos assumir não seja apenas um encargo financeiro. (Apoiados.)
Mas o que foi fazer o governo a Dahomey, torno a repetir?! Resgatar colonos e serviçaes, não foi de certo: porque o confessa indirectamente o curador de S. Thomé no sen relatorio, e dil-o de um modo bem claro a letra do tratado!
Eu bem sei que o sr. ministro póde responder-me que ha promessas, promettimentos, ou pelo menos esperanças de mais alguma cousa se alcançar; mas eu respondo que o tratado está aqui, que este tratado o que é, e que o mais ha de ser o que o rei de Dahomey quizer! (Muitos apoiados.)
E depois não confessa este mesmo documento que em tudo o que não vem estipulado nos seis artigos, foi impossivel chegar a um accordo?
Não será então possivel saber-se o que o governo foi fazer a Dahomey?
Vejamos.
A acta da sessão do conselho do governo de S. Thomé e Principe de 28 de agosto de 1885, é preciosa pelas revelações que contém; mas antes de entrar na sua analyse, eu não posso furtar-me ao prazer de dirigir daqui os mais sinceros encomios aos dignos membros d'aquelle conselho, (Riso.) pela illimitada confiança que mostraram na perspicacia e no tino do governador geral (Riso.) porque francamente são tantos os enthusiasmos, vem logo tão espontaneamente a unanimidade de pareceres, os parabens são tão affectuosos, e tudo isto na presença do enygmatico sigillo que o mesmo governador houve por bem guardar ácerca das rasões verdadeiras que o tinham levado a negociar, o protectorado, que chegamos a admirar-nos da candida singeleza dos illustres conselheiros. (Riso.)
Que confiança, sr. presidente, n'aquelle que tinha, orgulhoso, o pendão de tão potentosa campanha, promettedora de tantas futuras prosperidades para a patria! (Riso.)
Mas occupemo-nos da parte infelizmente séria da questão.
Não leio á camara senão o trecho d'esta acta, que me parece mais interessante, para que uma vez mais o sr. ministro da marinha vá responder d'aquellas cadeiras á minha pergunta: o que foi fazer o governo a Dahomey?
O trecho é como segue:
«S. exa. o governador, presidente, usando da palavra, disse: que conscio de que o fim para que havia convocado o exmo. conselho era da maxima importancia para a provincia de S. Thomé e Principe, e suas dependencias, e principalmente para a corôa portugueza, entendia dever consultar o mesmo conselho para que, com a sua opinião esclarecida, desse o seu parecer sobre o assumpto que ia expor, e, primeiro que tudo, se este devia ou não ser considerado de necessidade urgente.
«Em seguida, apresentando o exmo. dr. Bernardo Meirelles Leite, disse que o havia convidado a assistir a esta sessão, porque o assumpto de que se ia tratar podia talvez ser elucidado n'alguns pontos pelo mesmo doutor, ao que elle da melhor vontade se havia promptificado.
«Passando a ler os nos. 1.° e 17.° do artigo l5.° do decreto de 1 dezembro de 1859, patenteou s. exa. o governador, presidente, o que lhe era defezo fazer, bem como lendo o § 2.° do artigo l5.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, demonstrou que os exmos. governadores do ultramar podem, ouvido o conselho do governo, tomar as providencias indispensaveis para acudir a alguma necessidade tão urgente que não possa esperar pelas decisões das côrtes ou do governo.»
Aqui só ha a admirar a perfeita conformidade entre a opinião do governador de S. Thomé e a do sr. ministro da marinha. (Riso.)
N'este ponto e apezar da singularidade da interpretação, não ha a mais pequena divergencia entre o sr. ministro e o seu delegado de confiança. (Riso.)
Mas passemos adiante.
«Isto exposto, apresentou o mesmo exmo. governador o tratado e ratificação feito ultimamente entre Sua Magestade o Rei de Portugal e o Rei de Dahomey, por intermedio do exmo. dr. Bernardo Meirelles Leite, que ao dito reino de Dahomey fôra como delegado de s. exa. o governador, pelos quaes foram dados direitos de soberania e protectorado em diversos pontos de Dahomey, e tendo lido a minuta do officio que enviara a s. exa. o ministro da marinha, communicando-lhe o regresso a esta ilha do dr. Bernardo Meirelles Leite, disse, que por via de S. Vicente telegraphára ao governo de Sua Magestade, participando que se havia feito tratado vantajoso com o Rei de Dahomey.
«Relatou, em seguida, que a missão franceza «Propaganda fide» em Ajudá, parece querer ali hostilisar nos nos nossos intentos,e que, alem d'isso, rasões de politica externa, que para si guardava, e das quaes daria opportunamente parte ao governo de Sua Magestade, o levaram a tomar a, resolução de tornar desde já effectiva a occupação dos pontos a que se refere o tratado do Rei de Dahomey, hasteando n'elles a bandeira nacional, e estabelecendo junto d'ella um representante portuguez.»
Que diz a isto o sr. ministro da marinha?!
Que diz a isto a camara?!...
Rasões de politica externa! Pois o facilitar a corrente de emigração para S. Thomé, conforme o sr. Pinheiro Chagas disse, é porventura uma rasão de politica externa?! (Muitos apoiados.) Não sabia eu mesmo que os governadores das provincias ultramarinas procediam em virtude de rasões de politica externa, que o governo da metropole desconhecia! (Apoiados.) Isto é um pouco serio! (Riso.) E de mais a mais rasões, que guardava para si! Isto é extraordinario! E pasmoso. (Muitos apoiados.) Talvez seja erro de imprensa, e eu não quero estar a argumentar sobre a possibilidade de um engano de composição. E possivel que o exemplar do Diario que o sr. ministro da marinha está lendo, traga outra cousa. (Riso.)
Mas que rasões de politica externa seriam estas que o sr. governador de S. Thomé e Principe, nem mesmo aos membros do seu conselho se atrevia a revelar?! (Apoiados.)
Confesso, sr. presidente, que bastante intrigado com este mysterio, quiz a todo o custo achar a decifração do enygma. Felizmente pouco tive que procurar. Juntamente com os documentos a que me tenho referido, apparece um officio, reservado, do mesmo governador para o sr. ministro da marinha, em que finalmente se desvendam os tenebrosos arcanos! (Riso.)
Vou ler todo este documento, porque é a primeira vez que elle se apresenta á camara. Alem d'isso como é de um alto valor para a apreciação das affirmações do sr. ministro da marinha, preciso se torna que o parlamento tenha perfeito conhecimento d'elle. (Apoiados.)
O officio é do teor seguinte:
«Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar - Direcção geral do ultramar - 2.ª repartição - Copia - Governo de S. Thomé e Principe - Reservado - Illmo. e exmo. sr. - Em harmonia com o telegramma official que n'esta data faço expedir, por via de S. Thiago de Cabo Verde, para v. exa., tenho a honra de lhe communicar que tendo em 5 d'este mez mandado a canhoneira Sado a Ajudá, conforme disse a v. exa. que tencionava fazer, em meu officio n.° 179, de 26 de julho ultimo, regressou a mesma ao porto d'esta ilha em 18 do corrente, trazendo a seu bordo o dr. juiz de direito Bernardo Meirelles Leite e o tenente da guarnição da provincia, José Gomes de Sousa,