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508 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O que a camara ou uma parte da camara talvez não saiba é o nome do deputado que assignava este officio, pedindo á assembléa que defendesse as suas prerogativas.
O nome d'este deputado era «Caetano Maria Ferreira da Silva Beirão»!
É singular a coincidencia! É significativa a approximação dos homens e das datas!
Mas, sr. presidente, sobre o facto da prisão não posso eu agora voltar, porque a camara acaba de manifestar grande maioria, a sua satisfação pelo procedimento do governo.
O meu empenho agora é outro; o meu empenho é obstar á continuação das violencias ministeriais; o que eu pretendo é que o governo entregue já ás justiças competentes o preso, que prescinda de o ter á sua disposição, e que se contente com a prepotencia de ter ordenado á prisão.
Submetto portanto á sabedoria da camara a seguinte moção.
«A camara, reconhecendo que o sr. deputado Ferreira de Almeida não póde estar preso á ordem do poder executivo, nem ser por isso privado do exercicio das suas funcções legislativas, recommenda ao governo que ponha immediatamente o preso á disposição do juiz de direito criminal de Lisboa, a quem competir a instrucção do processo preparatorio, e passa á ordem do dia.»
N'esta proposta indico o meio de saírmos do estado tumultuario o, anarchico, creado pelo governo. Foi illegalissima a prisão. Ponha se agora termo ao estado de illegalidade.
Entregue-se o preso, aliás mal preso, á auctoridade competente sem mais uma violencia á constituição do estado. O sr. deputado preso não póde deixar de ser julgado pela camara dos dignos pares durante o periodo da legislatura; e por isso é indispensavel entregal-o ás justiças criminaes ordinarias para lhe instaurarem, com a urgencia na lei marcada para a formação da culpa, quando os réus estão presos, o processo preparatorio, e para deferirem a todos os requerimentos que o réu tiver por conviniente dirigir-lhes desde que lhes seja entregue.
Póde duvidar-se se a competencia para a formação da culpa é tambem da camara dos dignos pares, porque a carta constitucional dispõe no artigo 41.°, que é da attribuição exclusiva da camara dos pares conhecer dos delictos individuaes commettidos pelos membros da familia real, pelos ministros d'estado, pelos conselheiros d'estado, pelos pares do reino, e dos delictos dos deputados durante o periodo da legislatura; e conhecer de um crime e conhecer de um crime pode envolver, alem do julgamento, a competencia para a formação da culpa.
Mas, ou pertença á camara dos pares ou ás justiças criminaes ordinarias, o. preparatorio da causa aos tribunaes militares, que são tribunaes especiaes, que só processam os crimes que julgam, é que não pertence de certo.
Quando em 1860 ou 1861 foi apresentada na outra casa do parlamento a querela contra o sr. Silva Ferrão, par do reino e conselheiro do supremo tribunal de justiça, por ter dirigido uma carta muito inconveniente ao juiz de direito de Felgueiras, que por isso se averbou de suspeito n'um processo, discutiu-se muito n'aquella assembléa se o processo preparatorio havia de correr no mesmo tribunal, a quem a constituição dava competencia para o julgamento ou se á camara dos dignos pares só pertencia o plenario da accusação; e resolveu-se, comquanto por insignificante maioria, que á camara dos pares competia tambem instruir o processo preparatorio, como proceder ao julgamento.
O que, porem, não levantou duvida, nem sequer se discutiu, foi se o processo havia de correr perante o fôro especial, que o arguido tinha como conselheiro do supremo tribunal de justiça, tão corrente era para todos que a qualidade de par ou de deputado sobreleva a tudo, e que qualquer que seja a posição official do par ou do deputado, essa posição desapparece diante da qualidade de membro do corpo legislativo.
Só para este governo é que estava reservada a invenção de que a qualidade de tenente da armada absorve a de par ou de deputado, e de que os membros do corpo legislativo, que aliás representam a soberania da nação, estão a baixo de quaesquer outras funcções publicas, a que a lei dê fôro especial!(apoiados.)
O certo é que temos preso um collega á ordem do commandante geral da armada, ou antes á ordem do governo, de quem o commadante geral da armada é empregado de confiança.
Já não foi pequeno abuso o da prisão, porque fóra de flagrante delicto ninguem póde ser preso senão por mandado da auctoridade competente, e a unica auctoridade competente para expedir mandado de prisão contra um deputado é o presidente da camara em virtude de resolução da mesma camara (apoiados).
A obrigação do governo, pois, desde que commetteu a illegalidade da prisão, era não continuar no caminho da illegalidade, conservando o preso a sua ordem, era entregal-o immediatamente á auctoridade competente. (Apoiados.) O sr. Ferreira de Almeida, se houvesse sido logo entregue á auctoridade judicial, nem teria dado entrada na cadeia, porque não temos ahi tribunaes judiciaes capazes de considerar o delicto, de que elle é arguido, como merecedor da pena mais elevada da escala penal, em que é admissivel fiança nos termos da lei ou em que o réu póde livrar-se solto, sem necessidade de fiança.(Apoiados.)
Felizmente não temos em Portugal juizes capazes de se associarem á jurispudencia dos senhores ministros, que vão procurar os artigos de guerra de 1799 para interpretarem as garantias concedidas aos deputados pela carta constitucional de 1826?(Apoiados.) Teriam feito melhor os srs. ministros em recorrer ás decisões das côrtes de Lamego para explicarem a constituição do estado, porque esse diploma sempre tem mais analogia com as prerogativas de uma assembléa parlamentar, do que os artigos de guerra do seculo passado feitos para manter a disciplina do exercito!
Quer a camara saber os absurdos que resultam da aplicação dos artigos de guerra, publicados no seculo passado, ao facto praticado pelo sr. deputado preso?
Eu lho digo. A prisão mesmo em flagrante delicto não podia ser feita senão havendo o deputado commetido um crime, a que corresponde a pena mais elevada, ou da primeira classe da escala penal, que vem a ser a prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo até dois annos, conforme parecer ao juiz.
Pois a offensa corporal da pessoa do Rei, ou Rainha reinante ou do immediato succesor da côroa, é punida com prisão maior cellular por seis annos, seguida de dez de degredo, ou, em alternativa, com a pena fixa de degredo por vinte annos, isto é, com a pena da 3.ª classe da escala penal!
Assim a jurispudencia do governo leva-nos á conclusão de que é muito maior a penalidade para o deputado que aqui dentro offender com uma bofetada qualquer dos ministros da côroa, do que para o cidadão, deputado ou não deputado, que na praça publica espancar o REI DE Portugal!(Apoiados.)
Mais. O que tentar destruir ou mudar a fórma de governo ou de ordem de succesão á côroa, ou depor ou privar da sua liberdade pessoal o Rei regente, ou os regentes do reino, é tambem punido com a pena de prisão maior cellular por seis annos, seguido de dez de degredo, ou em alternativa, com a pena fixa de degredo por vinte anno isto, é com a pena da 3.ª classe da escala penal!
Assim quem pozer em perigo as instituições que nos regem, ou a liberdade do primeiro magistrado da nação, é