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SESSÃO DE 11 DE MAIO DE 1887

Presidencia do exmo. Sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá-se conta de um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo, em satisfação a um requerimento do sr. Lopo Vaz, algumas representações das christandades da India a El-Rei. - Tem segunda leitura a proposta do sr. Arroyo, apresentada na sessão antecedente, com referencia ao acontecimento que teve logar na sala, depois de fechada a sessão do dia 7 do corrente. Não foi admittida. - Justificam faltas os srs. Oliveira Valle. Jacinto Cândido e Alfredo Brandão. - Apresenta o sr. Dias Ferreira uma moção de ordem, e justifica-a, recommendando ao governo que ponha o sr. deputado Ferreira de Almeida, preso, á disposição do juiz do respectivo districto criminal de Lisboa, a quem, por lei, competir a instrucção do processo preparatorio. Sobre este assumpto usam tambem da palavra os Srs. presidente do conselho, Amorim Novaes, Laranjo, João Pinto, Eduardo José Coelho. Ruivo Godinho e Barbosa de Magalhães. - O sr. Fuschini requer que se prorogue a sessão até se votar a proposta do sr. Dias Ferreira. A camara não approva o requerimento e fica pendente a discussão da proposta para a sessão seguinte, antes da ordem do dia.

Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 98 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Dias Gallas, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Pereira e Matos, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Pinto de Mascarenhas, Santos Moreira, Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Mancellos Ferraz, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro Victor, Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Urbano de Castro, Santos Crespo, Victor dos Santos, Elizeu Serpa. Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Francisco Matoso, Francisco Ravasco, Cardoso Valente, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Barbosa Collen, Laranjo, Simões Dias, Julio Graça, Julio Pires, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho, Visconde de Monsaraz, e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo de Oliveira, Campos Valdez, Antonio da Fonseca, Conde de Villa Real, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Lucena e Faro, Soares de Moura, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros. Scarnichia, Vieira de Castro, Ferreira de Almeida, José de Napoles, José Maria dos Santos e Pedro Diniz.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio dos negocios estrangeiros, enviando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Lopo Vaz de Sampaio e Mello, documentos relativos á questão da concordata recentemente celebrada.

Para a secretaria.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro que, se estivesse presente na sessão do dia 9, teria rejeitado a proposta do sr. Julio de Vilhena, e approvado a do sr. Francisco de Campos.

Declaro igualmente, como já o fez em meu nome o sr. Oliveira Valle, que faltei a algumas sessões por motivo de doença. = Antonio Lucio Tavares Crespo.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Tenho a honra de participar a v. exa. que faltei ás sessões de 5 e 6 do corrente, por motivo justificado. = Alfredo Cesar Brandão, deputado pelo circulo n.° 62.

2.ª Declaro que faltei á sessão de hontem 10 do corrente, por motivo de doença. = O deputado pelo circulo n.° 99, Jacinto Candido.

3.ª Declaro que faltei á sessão de hontem por motivo justificado. = Dr. Oliveira Valle.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De José Ferreira da Costa, primeiro official aposentado da secretaria da camara dos senhores deputados, pedindo melhoria de aposentação.

Apresentado pelo sr. deputado Francisco de Medeiros, e enviado á commissão do orçamento.

O sr. Alfredo Brandão: - Parece-me, sr. presidente, que não se acha consignado na acta que eu tivesse votado contra a urgencia da proposta apresentada pelo sr. Arroyo.

Peço a v. exa. que fique consignado na acta o meu voto.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do sr. Arroyo apresentada na sessão antecedente, para que seja no-

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meada uma commissão de inquerito parlamentar, que syndique de todos os actos relativos á occorrencia que teve logar na sala das sessões, no sabbado, 7 do corrente.
Foi lida na mesa.
Não foi admittida.
O sr. Dias Ferreira:- Vou fallar á camara do tristissimo incidente occorrido ha dias, n'esta casa, entre um deputado e um ministro da corôa, sem voltar sobre questões já decididas por votações parlamentares, porque respeito, como me cumpre, as deliberações da assembléa.
Não venho renovar questões já discutidas, comquanto não estejam ainda findas, nem para a camara, nem para o paiz. Não discuto por isso, nem a conveniencia de se proceder a inquerito parlamentar para verificar a verdade dos factos, que tão desfigurados têem sido, nem a legalidade da prisão do deputado, sr. Ferreira de Almeida, que aliás foi feita contra as disposições das leis, e contra todos os principios constitucionaes. Não quero irritar os debates, nem excitar as paixões. Pelo contrario vou apresentar uma proposta, que o governo pode acceitar, a fim de pôr termo á continua violação das leis e ás inquietações que com justa rasão estão lavrando n'esta assembléa.
Ninguem póde ser indifferente á prolongação dos debates, tanto por parte da opposição, como por parte da maio na e do governo, a proposito de um acontecimento, que póde ter as mais graves consequencias, se o governo não remover promptamente a causa da inquietação e desasoeego geral.
Creio que o governo se illude, pensando que a questão póde ser abafada simplesmente por votações parlamentares. (Apoiados.)
A camara é quem resolve, e eu acato todas as suas resoluções.
Mas, emquanto subsistir em toda a sua plenitude a causa da agitação e da inquietação publica, as votações desta assembléa, contrarias ás leis e ás immunidades parlamentares, servirão para aggravar, mas nunca para restabelecer a tranquillidade geral. (Apoiados.)
A prisão é já um facto, e facto repprovado por todos os principios em que assenta o nosso systema representativo. Não prolonguemos ainda as consequencias d'esta arbitrariedade.
Já não foi pequena violencia a prisão. Não a aggrave o governo, conservando na cadeia o preso á sua ordem ou dos seus delegados. É preciso entregal-o immediatamente ás justiças criminaes ordinarias, que são as competentes para instaurar o processo preparatorio crime.
Sr. presidente, todo o individuo que commette crime em territorio portuguez, ainda que seja o primeiro faccinora do mundo, ainda que seja accusado dos crimes de assassinato, de roubo, de incendio, e de moeda falsa, que não for pronunciado dentro de oito dias a contar da prisão, é immediatamente posto em liberdade, sem prejuizo de nova prisão, se mais tarde for indiciado.
São já decorridos cinco dias depois, que foi preso um deputado, e continúa entregue ao commando geral da armada, ou ao governo sem ter começado ainda a instrucção da causa!
Podia estar já concluido o processo preparatorio: cinco dias eram sufficientes, e eram de mais para se praticarem todos os actos do processo preparatorio crime, por um facto presenceado por testemunhas, que moram todas na sede da comarca.
Deviam estar já aqui os autos para a camara resolver sobre, a continuação do processo, e para decidir se o sr. deputado devia ou não ser suspenso do exercicio das suas funcções.
Pela nossa legislação ha de o ministerio publico dar a querela dentro do praso de quarenta o oito horas a contar da vista do corpo de delicto, quando o réu está preso, por mais grave e affrontoso que seja o crime do que elle é arguido.
O sr. deputado Ferreira de Almeida está preso ha cinco dias, sem ainda estar feito o corpo de delicto, que no caso presente se faria em duas horas!
Sr. presidente, n'este debate não influem no meu animo nenhumas considerações pessoaes.
Quasi não conheço o nosso collega que está preso, e tenho as melhores relações com o sr. ex-ministro da marinha. Deploro como portuguez o incidente com todas as suas consequencias, que nos envergonham, e humilham aos olhos de nacionaes e de estrangeiros. Repugnam ao nosso caracter estes factos, que nunca foram praticados em Portugal, nem na occasião das mais agitadas luctas politicas.
Até o nosso regimento se destaca dos regimentos de todos os parlamentos da Europa e do mundo, em não providenciar para este e outros casos identicos, por presumir que nunca occorreriam em parlamento portuguez.
As disposições que se encontram nos regimentos parlamentares, ainda das nações mais civilizadas do mundo, para conter em respeito, e manter no cumprimento dos seus deveres os representantes da nação, nunca foram julgadas necessarias em côrtes portuguesas.
O nosso regimento excepcional honra o caracter portuguez, e pena é que a maioria d'esta assembléa assista impossivel ao despedaçar das liberdades publicas pelas mãos do poder executivo. (Apoiados.)
Mas as minhas boas relações com o ex-ministro da marinha não me obrigam a associar-me áquelles, que querem considerar o sr. deputado preso, como um prescripto ou como um exilado politico. (Apoiados.)
Não venho discutir, nem privilegios de individuo, nem regalias de classe. Pugno pela inviolabilidade parlamentar, pugno por um principio que supponho base fundamental de systema representativo. A immunidade parlamentar em ; caso nenhum póde ser atacada, nem mesmo estando suspensas as garantias. A suspensão das garantias, admittida na carta para os casos de rebellião ou de invasão de inimigos, que ponham em perigo a segurança do estado, não 1 póde abranger as funcções de par ou deputado, porque a lei só permite dispensar n'estes casos extremos algumas das formalidades que garantem a liberdade individual, e a humanidade parlamentar não é garantia individual, mas necessidade social, e condição impreterivel do governo representativo na nossa constituição politica.
N'este momento, porém, não discuto nem a garantia parlamentar, nem a illegalidade da prisão Parto do facto da prisão, e proponho um meio conciliador para tranquillamente sairmos de um estado violento, e entrarmos no caminho da legalidade.
O governo encontra se na mais deploravel situação, e eu, no interesse do paiz, quero proporcionar-lhe a occasião de saír dos expedientes tumultuarios, que tem sido a sua vida constante n'este desgraçadissimo incidente, para o caminho da legalidade.
Os srs. ministros, n'esta desgraçada questão, nem ao menos estão de accordo uns com os outros. Ao passo que o sr. presidente do conselho empenha esforços desesperados; para provar que a prisão do sr. Ferreira de Almeida foi feita em flagrante delicto, o sr. ministro da guerra administra a extrema micção a este argumento do seu collega, chefe do gabinete, expondo leal e sinceramente como as cousas se passaram, exposição que excluo absolutamente o flagrante delicto.
E para que dá o governo tanta importancia ao flagrante delicto, se tem preso á sua disposição o sr. Ferreira de Almeida, não como deputado, mas como tenente de marinha, que na qualidade de tenente podo ser preso em nome da disciplina militar, independente de flagrante delicto ? (Apoiados.)
Sr. presidente, v. exa., que foi um magistrado distinctissimo, e que é um habil jurisconsulto, sabe perfeitamente que a prisão em flagrante é incompativel com o mandado de prisão. Prende-se em flagrante delicto o criminoso en-

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contrado a praticar o crime, para não o deixar escapar á espera do mandado de prisão.
Em regra, ninguem póde ser preso senão por mandado da auctoridade competente, preceito estatuido na constituição e nas leis secundarias para salvaguardar as garantias individuaes da prepotencia da auctoridade publica.
Por excepção, admitte-se a prisão sem mandado, no caso de flagrante delicto, prisão que póde ser feita por qualquer pessoa do povo, que n'este caso tem o direito de deitar a mão ao delinquente para o entregar logo á auctoridade competente.
Pois o governo sustenta que a prisão em virtude de mandado, deliberado em conselho de ministros, é prisão em flagrante delicto, e que as onze horas e meia da noite, em que teve logar a prisão, são a hora seguida ás seis horas e meia da tarde, em que teve logar o conflicto (Muitos apoiados.)
Mas o direito de prender já não envolve o direito de metter o preso na cadeia por conta do captor.
O preso deve ser logo entregue ao juiz de direito, que póde mandal-o em paz com fiança, ou mesmo sem necessidade de fiança, se entender que a formação da culpa póde ter logar com o réu solto.
O principio geral estabelecido na constituição e nas leis é que ninguem, ainda com culpa formada, será conduzido á prisão ou n'ella conservado, estando já preso, se o crime admittir fiança e o réu a prestar, ou se a pena for tão leve que o réu possa livrar-se solto, independentemente de fiança.
O governo, pois, que prendeu em flagrante delicto, como qualquer pessoa do povo poderia prender, não podia conservar o preso á sua ordem, que o mesmo é conserval-o preso á ordem do commandante geral da armada, seu empregado de confiança, como á sua ordem não podia conserval-o preso qualquer pessoa do povo que o capturasse.
O governo devia tel-o entregue logo ao juiz do districto criminal, a cuja jurisdicção pertence o edificio das cortes, onde occorreu o facto, para elle proceder como justiça criminal commum á formação da culpa, e admittir fiança ao réu, se este lha pedisse, ou mesmo deixal-o solto, se entendesse que a pena correspondente ao delicto nem a fiança obrigava.
O governo não tinha o direito de escolher os tribunaes que haviam de formar a culpa, dando demais a mais a preferencia a tribunaes incompetentes para este processo.
Os tribunaes militares são tribunaes especiaes que só processam os réus que julgam.
Pelo contrario, o juiz de direito da comarca é auctoridade competente para formar a culpa por todos os crimes praticados dentro da area da sua jurisdicção.
O juiz de direito prepara os processos contra os réus que julga, e contra os réus que são julgados por outros tribunaes.
É assim que as justiças criminaes ordinarias preparam os processos contra os membros da familia real, contra os ministros d'estado, contra os conselheiros d'estado, contra os pares e contra os deputados, de cujos delictos individuaes conhece a camara dos dignos pares; e na reforma judicial se acha determinado o modo como o juiz de direito ha de proceder, quando indiciar algum membro da familia real ou do corpo legislativo, ou algum ministro d'estado, ou conselheiro d'estado.
Tambem podem correr perante o juiz de direito os processos por crimes commettidos, fora do exercicio de suas funcções, pelos juizes do supremo tribunal de justiça, das relações, e de primeira instancia, e pelos respectivos agentes do ministerio publico, crimes de que conhece o supremo tribunal de justiça ou a relação; e no nosso codigo de processo criminal estão marcados os termos a seguir quando for lavrada a pronuncia contra delinquentes d'esta categoria.
Processam ainda os juizes de direito crimes que são julgados nos tribunaes militares.
Aos tribunaes militares é que a lei não deu jurisdicção para preparar processos que outros juizes hajam de julgar, e por isso em lei nenhuma se acha regulada a remessa do processo, depois de feito o preparatorio nos tribunaes militares, ao tribunal que ha de conhecer do plenario da accusação.
O governo nem sequer ainda pensou em que a ordem por elle dada para a prisão de um deputado foi de tal modo arbitraria e violenta, que não exime de responsabilidade criminal os seus agentes que lha cumpriram.
Pela nova reforma penal o executor da ordem iniqua, dada pelo governo contra um dos membros do corpo legislativos, não salva a sua responsabilidade com a responsabilidade do governo.
Pelo direito anterior, a ordem dimanada da auctoridade superior livrava de responsabilidade o subordinado, pesando a responsabilidade sobre o funccionario que ordenára, e não sobre o inferior que executára.
Esta jurisprudencia ainda se mantem no moderno codigo penal, exceptuando porém o caso de ter sido commettido o crime contra par ou deputado.
Se for effectuada a prisão de qualquer membro do corpo legislativo por ordem de quem não tenha poderes para o prender, fica responsavel por abuso de auctoridade, não só o funccionario que deu a ordem, mas o funccionario que a executou, sem que o executor possa salvar a sua responsabilidade com a ordem recebida do superior a quem, deve directamente obediencia.
Os srs. ministros poderão julgar-se livres da responsabilidade em que incorreram por terem ordenado, fóra de todas as prescripcões legaes, a prisão de um deputado, porque é da privativa attribuicão d'esta camara decretar a accusação dos ministros d'estado, e a camara já votou que o governo tinha andado muito bem, prendendo por sua conta, e fóra da lei, um dos membros do corpo legislativo.
Mas os subordinados do governo, que se prestaram a cumprir as ordens dos srs. ministros, prendendo e mandando prender o sr. deputado Ferreira de Almeida, é que estão sujeitos a uma gravissima responsabilidade, de que a camara não póde absolvel-os com votos de confiança, como absolve ou prepara a absolvição dos ministros.
O que são as cousas d'este mundo, sr. presidente!
Como se renovam, e em que condições, em 1887 as scenas de 1844, periodo o mais agudo da política cabralina.
Tambem n'esse tempo os Cabraes prenderam dois deputados; mas ainda assim effectuaram essas prisões á sombra da lei da suspensão das garantias, que tinha investido o governo de poderes discricionarios.
Abriram se as côrtes em 21 de fevereiro, e leu-se logo na mesa o officio que o deputado, então preso, dirigiu ao presidente da camara, participando-lhe o motivo por que não podia comparecer á sessão e protestando contra a violencia de que era victima.
O officio diz assim:
«Participo a v. exa., para o fazer sciente á camara, que achando-me detido a bordo da fragata Diana, desde o dia 9 do corrente mez, não me é possivel, por isso, assistir às sessões da mesma camara. Outro sim solicito da intelligencia e rectidão da camara, como primeira e natural defensora das prerogativas de seus membros, que tomando em consideração tão insolito procedimento o resolva como mais justo lhe parecer.
«Deus guarde a v. exa. muitos annos. Bordo da fragata Diana, em 21 de fevereiro de 1844.- Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados.»
O procedimento dos Cabraes, porém, em 1844 ainda tinha attenuantes, porque o governo estava armado com a lei da suspensão das garantias, tinha recebido das cortes poderes discricionarios, e lavrava no paiz uma revolta popular e militar.

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O que a camara ou uma parte da camara talvez não saiba é o nome do deputado que assignava este officio, pedindo á assembléa que defendesse as suas prerogativas.
O nome d'este deputado era «Caetano Maria Ferreira da Silva Beirão»!
É singular a coincidencia! É significativa a approximação dos homens e das datas!
Mas, sr. presidente, sobre o facto da prisão não posso eu agora voltar, porque a camara acaba de manifestar grande maioria, a sua satisfação pelo procedimento do governo.
O meu empenho agora é outro; o meu empenho é obstar á continuação das violencias ministeriais; o que eu pretendo é que o governo entregue já ás justiças competentes o preso, que prescinda de o ter á sua disposição, e que se contente com a prepotencia de ter ordenado á prisão.
Submetto portanto á sabedoria da camara a seguinte moção.
«A camara, reconhecendo que o sr. deputado Ferreira de Almeida não póde estar preso á ordem do poder executivo, nem ser por isso privado do exercicio das suas funcções legislativas, recommenda ao governo que ponha immediatamente o preso á disposição do juiz de direito criminal de Lisboa, a quem competir a instrucção do processo preparatorio, e passa á ordem do dia.»
N'esta proposta indico o meio de saírmos do estado tumultuario o, anarchico, creado pelo governo. Foi illegalissima a prisão. Ponha se agora termo ao estado de illegalidade.
Entregue-se o preso, aliás mal preso, á auctoridade competente sem mais uma violencia á constituição do estado. O sr. deputado preso não póde deixar de ser julgado pela camara dos dignos pares durante o periodo da legislatura; e por isso é indispensavel entregal-o ás justiças criminaes ordinarias para lhe instaurarem, com a urgencia na lei marcada para a formação da culpa, quando os réus estão presos, o processo preparatorio, e para deferirem a todos os requerimentos que o réu tiver por conviniente dirigir-lhes desde que lhes seja entregue.
Póde duvidar-se se a competencia para a formação da culpa é tambem da camara dos dignos pares, porque a carta constitucional dispõe no artigo 41.°, que é da attribuição exclusiva da camara dos pares conhecer dos delictos individuaes commettidos pelos membros da familia real, pelos ministros d'estado, pelos conselheiros d'estado, pelos pares do reino, e dos delictos dos deputados durante o periodo da legislatura; e conhecer de um crime e conhecer de um crime pode envolver, alem do julgamento, a competencia para a formação da culpa.
Mas, ou pertença á camara dos pares ou ás justiças criminaes ordinarias, o. preparatorio da causa aos tribunaes militares, que são tribunaes especiaes, que só processam os crimes que julgam, é que não pertence de certo.
Quando em 1860 ou 1861 foi apresentada na outra casa do parlamento a querela contra o sr. Silva Ferrão, par do reino e conselheiro do supremo tribunal de justiça, por ter dirigido uma carta muito inconveniente ao juiz de direito de Felgueiras, que por isso se averbou de suspeito n'um processo, discutiu-se muito n'aquella assembléa se o processo preparatorio havia de correr no mesmo tribunal, a quem a constituição dava competencia para o julgamento ou se á camara dos dignos pares só pertencia o plenario da accusação; e resolveu-se, comquanto por insignificante maioria, que á camara dos pares competia tambem instruir o processo preparatorio, como proceder ao julgamento.
O que, porem, não levantou duvida, nem sequer se discutiu, foi se o processo havia de correr perante o fôro especial, que o arguido tinha como conselheiro do supremo tribunal de justiça, tão corrente era para todos que a qualidade de par ou de deputado sobreleva a tudo, e que qualquer que seja a posição official do par ou do deputado, essa posição desapparece diante da qualidade de membro do corpo legislativo.
Só para este governo é que estava reservada a invenção de que a qualidade de tenente da armada absorve a de par ou de deputado, e de que os membros do corpo legislativo, que aliás representam a soberania da nação, estão a baixo de quaesquer outras funcções publicas, a que a lei dê fôro especial!(apoiados.)
O certo é que temos preso um collega á ordem do commandante geral da armada, ou antes á ordem do governo, de quem o commadante geral da armada é empregado de confiança.
Já não foi pequeno abuso o da prisão, porque fóra de flagrante delicto ninguem póde ser preso senão por mandado da auctoridade competente, e a unica auctoridade competente para expedir mandado de prisão contra um deputado é o presidente da camara em virtude de resolução da mesma camara (apoiados).
A obrigação do governo, pois, desde que commetteu a illegalidade da prisão, era não continuar no caminho da illegalidade, conservando o preso a sua ordem, era entregal-o immediatamente á auctoridade competente. (Apoiados.) O sr. Ferreira de Almeida, se houvesse sido logo entregue á auctoridade judicial, nem teria dado entrada na cadeia, porque não temos ahi tribunaes judiciaes capazes de considerar o delicto, de que elle é arguido, como merecedor da pena mais elevada da escala penal, em que é admissivel fiança nos termos da lei ou em que o réu póde livrar-se solto, sem necessidade de fiança.(Apoiados.)
Felizmente não temos em Portugal juizes capazes de se associarem á jurispudencia dos senhores ministros, que vão procurar os artigos de guerra de 1799 para interpretarem as garantias concedidas aos deputados pela carta constitucional de 1826?(Apoiados.) Teriam feito melhor os srs. ministros em recorrer ás decisões das côrtes de Lamego para explicarem a constituição do estado, porque esse diploma sempre tem mais analogia com as prerogativas de uma assembléa parlamentar, do que os artigos de guerra do seculo passado feitos para manter a disciplina do exercito!
Quer a camara saber os absurdos que resultam da aplicação dos artigos de guerra, publicados no seculo passado, ao facto praticado pelo sr. deputado preso?
Eu lho digo. A prisão mesmo em flagrante delicto não podia ser feita senão havendo o deputado commetido um crime, a que corresponde a pena mais elevada, ou da primeira classe da escala penal, que vem a ser a prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo até dois annos, conforme parecer ao juiz.
Pois a offensa corporal da pessoa do Rei, ou Rainha reinante ou do immediato succesor da côroa, é punida com prisão maior cellular por seis annos, seguida de dez de degredo, ou, em alternativa, com a pena fixa de degredo por vinte annos, isto é, com a pena da 3.ª classe da escala penal!
Assim a jurispudencia do governo leva-nos á conclusão de que é muito maior a penalidade para o deputado que aqui dentro offender com uma bofetada qualquer dos ministros da côroa, do que para o cidadão, deputado ou não deputado, que na praça publica espancar o REI DE Portugal!(Apoiados.)
Mais. O que tentar destruir ou mudar a fórma de governo ou de ordem de succesão á côroa, ou depor ou privar da sua liberdade pessoal o Rei regente, ou os regentes do reino, é tambem punido com a pena de prisão maior cellular por seis annos, seguido de dez de degredo, ou em alternativa, com a pena fixa de degredo por vinte anno isto, é com a pena da 3.ª classe da escala penal!
Assim quem pozer em perigo as instituições que nos regem, ou a liberdade do primeiro magistrado da nação, é

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sujeito á pena da 3.ª classe na escala penal, e quem offender um ministro da corôa soffre a pena da 1.ª classe! (Riso.)
Finalmente, quem espancar a pessoa de qualquer membro da família real ou a pessoa do regente ou regentes do reino, é sujeito á pena de prisão maior cellular por quatro annos, seguida de degredo por oito, ou, em alternativa, á pena fixa de degredo por quinze annos, isto é, á pena da classe 4.ª da escala penal, e quem der uma bofetada n'um ministro d'estado soffre a pena de 1.ª classe da escala penal! (Apoiados.)
Aqui estão as conclusões absurdas a que nos conduzem as theorias jurídicas dos srs. ministros!
Não quero com isto dizer que o facto attribuido ao sr. deputado preso, se for provado, deva ficar impune. Esse facto deve ser punido, mas punido em nome da lei, e na conformidade da lei.
E para que o sr. deputado preso não continue a estar fóra da lei, e sujeito a formulas do processo, que se cifram em definitivo nos caprichos dos srs. ministros e dos seus delegados, é que eu apresento ás côrtes esta moção.
É preciso entregar sem demora o sr. Ferreira de Almeida ao poder judicial, para ahi ser considerado, como qualquer outro presumido delinquente, nacional ou estrangeiro.
Se lhe negam as immunidades parlamentares, consintam ao menos que elle seja tratado como o mais perverso do todos os delinquentes. (Apoiados.)
Se o sr. deputado, depois de arbitrariamente preso, tivesse sido logo entregue ao juiz competente, não teria entrado na cadeia, porque ninguém póde ser levado á prisão, nem n'ella conservado, se o caso admitte a fiança, e o réu a presta, ou se a pena admitte o livramento, independentemente de prisão e de fiança.
Se o ministerio tivesse entregado immediatamente o sr. Ferreira de Almeida ao juiz competente, podia estar já concluído o processo preparatorio. N'esta causa não havia necessidade de expedir deprecada para inquirir testemunhas em Timor ou em Macau.
O facto passou-se nesta casa, as testemunhas são todas moradoras na séde da comarca, em três dias ou em menos podia estar feito o processo, para o qual demais a mais não ha ferias nem dias santificados.
Pois o sr. Ferreira de Almeida preso ha cinco dias continua na cadeia, sem ter começado sequer a instrucção do processo? (Apoiados.)
Aquelle illustre deputado continúa preso á ordem do governo, e á ordem do governo está suspenso do exercicio das suas funcções! (Apoiados.)
É extraordinaria a coragem dos srs. ministros suspendendo, por um acto arbitrario, do exercicio das suas funcções um membro do poder legislativo, pois que é indifferente para o caso que elle se conserve preso á ordem directa dos ministros, ou á ordem do commandante geral da armada, subordinado do governo, e não o entregando logo ao juiz competente! (Apoiados.)
Mas quer a camara saber a opinião auctorisada do sr. ministro da justiça com relação a um facto analogo áquelle que foi aqui praticado pelo sr. Ferreira de Almeida, factos estes, que eu nunca poderia applaudir, pois que sinto por ambos a mais viva repugnancia?
A opinião do sr. ministro da justiça sobre facto analogo ao de que é arguido o sr. deputado preso está consignada n'um documento, que elle escreveu como relator da commissão de legislação criminal, para a camara decidir se o processo em que se achava indiciado um deputado devia ou não continuar, e o réu ser ou não suspenso do exercicio das. suas funcções.
É o caso que, tendo o sr. Pinto Bessa, depois de proclamado deputado pela assembléa de apuramento, offendido corporalmente o governador civil da cidade do Porto, não sei se na própria repartição se em casa deste magistrado, o juízo criminal da localidade instaurou o respectivo processo, e remetteu o, depois da pronuncia sem fiança, á camara para esta conceder ou negar licença para a continuação da causa, e decidir se o réu havia de ou não ser suspenso do exercicio das suas funcções.
A commissão de legislação criminal fui de parecer que se devia negar licença para a continuação do processo, parecer que foi approvado pela camara.
Mas os considerandos do relatorio, escriptos pelo então relator, e hoje ministro dá justiça, parecem leitos expressamente para o caso do sr. Ferreira de Almeida, e eu quero lembrar ao sr. ministro que a justiça deve ser igual para todos (Apoiados.)
Eis o parecer:
«Considerando que o facto incriminado não foi premeditadamente concebido, preparado, e de antemão executado, com firme e unico proposito criminoso, mas antes devido a excessos momentaneos e inesperados, muito para lamentar, provocados, de certo, pelo zêlo com que o queixoso e o querelado pretendiam sustentar os seus direitos como auctoridades.»
Pois não será este o caso em questão? Ninguem dirá que o facto praticado pelo sr. Ferreira de Almeida foi premeditadamente concebido, de antemão preparado, e não devido a excessos momentaneos e inesperados, quando é por todos confessado que foi o ex-ministro da marinha quem, finda a sessão, foi procurar o sr. Ferreira d'Almeida ao logar onde este se achava, dirigindo-lhe algumas palavras, que se dão como origem do conflicto. (Apoiados.)
São tão analogas as circumstancias que acompanharam os dois factos, que parece impossivel que o sr. ministro da justiça se associe agora a tanto rigor e a tanta arbitrariedade para castigar um deputado que offendeu o ministro, que o foi procurar ao seu logar, e não lhe tremesse em 1871 a consciencia de deixar enxovalhada a primeira auctoridade da cidade do Porto, procurada em sua casa ou na sua repartição pelo aggressor, que foi aggressor e provocador, quando o prestigio da auctoridade deve ser igualmente affirmado, quer essa auctoridade seja representada por um ministro doestado, quer por um governador civil. (Apoiados.)
Continúa o parecer:
«Considerando que tal facto não póde classificar-se entre os crimes que, pelo propósito deliberado, e pelo modo cruel ou infame com que são executados, despertam em todos um sentimento profundo de horror ou de desprezo contra o auctor d'elles, sentimento que exige immediata e completa reparação.»
Ninguem dirá, de certo, que o facto praticado pelo sr. deputado preso não esteja comprehendido nos precisos termos d'este considerando.
Finalmente, fechava o sr. Beirão o seu parecer com chave de oiro, escrevendo o seguinte considerando:
«Considerando que o interesse publico exige a presença de todos os deputados na camara, quando se controvertem, projectos de leis tributarias, e quando dentro em pouco deve começar a discussão do orçamento, não convindo, por isso, sem motivos ponderosos, suscitar embaraços que possam interromper, ainda por pouco tempo, a assidua frequencia dos representantes da nação no parlamento.»
Ora todos vêem que está para ser discutido o orçamento do estado, e que nós não faltam; ahi propostas para minguar a bolsa do contribuinte. (apoiados.)
O que eu não posso explicar é o amor e dedicação dos srs. ministros pelos artigos de guerra de 1799, se nós temos lei, reguladora do caso, oitenta e cinco annos mais nova? No codigo penal publicado em 1886, já com a assignatura do actual ministro da justiça, definem-se:
«Crimes militares os factos que offendem directamente a disciplina do exercito ou da marinha, e que a lei militar qualifica e manda punir como violação do dever militar, sendo commettidos por militares, ou outras pessoas pertencentes ao exercito ou marinha.»

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Pois a offensa feita por um militar deputado a um ministro da corôa, depois de uma discussão irritante no parlamento entre os dois, e em seguida ao facto extremamente grave de o ministro, finda a sessão, ir procurar o deputado ao logar d´este, não para lhe dar ordens de serviço, mas para lhe dirigir palavras que originaram o conflicto, importa offensa directa da disciplina, que a lei militar qualifica e manda punir como violação do dever militar?

A lei oitenta e cinco annos mais nova do que os celebres artigos de guerra não qualifica crimes militares todos os factos que offendem a disciplina, mas só aquelle que offende directamente a disciplina do exercito ou da armada. (Apoiados.)

Havemos de voltar ainda sobre o assumpto, se o processo vier a esta casa, e se não se realisarem aquelles boatos sinistros, a que a imprensa começou a dar relevo, de que o governo tenciona recorrer a medidas extremas sobre que terá de intervir o veredictum do paiz! (Apoiados.)

minha moção representa um protesto contra a violencia feita á constituição na pessoa do sr. deputado Ferreira de Almeida, que foi preso por ordem do governo, e que á ordem do governo continua preso. (Apoiados.) Se me tivesse chegado a palavra, que pedi por occasião de se levantar este incidente, a summula do meu discurso seria o pensamento da minha moção, isto é, diria aos meus collegas, que o deputado militar, ou pertença ao exercito ou á armada, não tem outro fôro nas causas crimes senão o fôro politico. (Apoiados.)

O deputado é antes de tudo deputado da nação portugueza, (Apoiados.) e emquanto deputado da nação portugueza não póde estar sujeito em materia criminal, nem ás leis especiaes reguladoras da corporação a que porventura pertença, nem dependente das ordens do poder executivo, se não accumula as funcções da sua classe com o exercicio das funcções legislativas.

Os deputados não têem nem podem ter por superiores os ministros, porque não têem por superiores ninguem. (Apoiados.)

Não determina a carta que o supremo tribunal de justiça conhece dos delictos e erros de officio, que commetterem os seus ministros, os das relações e os empregados no corpo diplomatico?

Não diz a reforma judicial que têem fôro especial nas causas crimes os juizes, quer do supremo tribunal de justiça, quer das relações, quer singulares, e os respectivos agentes do ministerio publico junto d´estes tribunaes?

Pois quando se instaurou o processo crime, a que já me referi, contra o juiz do supremo tribunal de justiça, sr. Silva Ferrão, na camara dos dignos pares, o que se discutiu foi se o processo, preparatorio havia de correr perante as justiças criminaes ordinárias, ou perante a camara dos dignos pares.

N´uma larga discussão, levantada sobre o assumpto, a ninguem passou pela cabeça avançar a peregrina jurisprudencia de que elle havia de ser julgado no fôro de classe.

Sem rasgar a constituição e as leis, e sem passar por cima dos principios liberaes, não podemos admittir aqui deputados na qualidade de officiaes do exercito ou da armada, que é isso incompativel com a soberania nacional. (Apoiados.)

Se alguem aqui tem assento, como official do exercito de terra ou de mar, e portanto como subordinado dos srs. ministros, é preciso rasgar-lhe o diploma antes de entrar as portas da sala; (Apoiados.) porque então esses officiaes não são representantes do paiz, mas delegados dos srs. ministros. (Apoiados)

Sustentar que um membro do corpo legislativo, qualquer que seja a categoria ou classe official a que pertença, é, como par ou deputado, subordinado dos ministros, é proclamar doutrinas subversivas de todos os principios constitucionaes, é santificar a jurisprudencia, altamente anarchica; em que se firmaram os srs. ministros, para praticarem um acto attentatorio das liberdades populares, e que fere de morte o systema representativo. (Apoiados)

Eu combati largamente as ultimas reformas constitucionaes, que desorganisaram completamente as nossas instituições politicas, e sustentei que as funcções de julgamento deviam pertencer aos tribunaes de justiça, com as garantias necessarias á independencia dos representantes da nação, e que as funcções politicas e legislativas deviam ficar no corpo legislativo. (Apoiados.)

Fui vencido. As côrtes decidiram que a camara dos dignos pares continuaria a ser tribunal criminal, e que uma commissão de juizes do supremo tribunal de justiça e da relação conheceria da validade ou nullidade das eleições de deputados! (Apoiados)

Mas nem por isso deixo de respeitar a carta reformada, como se a reforma houvesse saído da minha iniciativa, ou tido a minha approvação.

Ora, o que nos diz a carta ? Qual é o teor das disposições constitucionaes sobre o assumpto?

O que está escripto no pacto fundamental é que cessam interinamente todas as funcções, em quanto duram as de par ou deputado. As funcções que o representante do povo desempenha no ministerio do reino, da guerra, ou da marinha, ou em qualquer outro, desapparecem e escondem-se diante das elevadas funcções que derivam do mandato popular. (Apoiados.)

Quem são os representantes da nação? O Rei e as côrtes geraes. A carta, depois de ter declarado que os poderes politicos reconhecidos pela constituição do reino de Portugal são - o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder judicial - diz logo no artigo immediato que d´estes quatro poderes só dois representam a nação.

Os representantes da nação portugueza, são o Rei e as côrtes geraes, diz a carta no artigo 12.°

Como é então que as cortes são soberanas se os seus membros estão dependentes dos caprichos e das propotencias do poder executivo? (Apoiados) Se nós representâmos aqui a soberania nacional, póde porventura admittir-se algum soberano da nossa soberania? (Muitos apoiados.)

Pois os principios fundamentaes do systema representativo consentem que o poder soberano esteja na dependencia dos ministros, que d´elle derivam a sua força e a sua vitalidade politica? (Apoiados.)

Os srs. ministros, aqui, representam o poder executivo para apresentarem propostas de interesse publico, para as sustentarem e defenderem nos termos das leis, e para responderem pelos seus actos perante os representantes da nação.

Têem direito a todas as deferencias e considerações que lhes são devidas pela sua posição, e a que nunca poderão faltar, sem comprometterem a sua respeitabilidade, os mandatarios do povo.

Mas param ahi as relações officiaes entre o poder executivo e o corpo legislativo.

Os srs. ministros deviam respeitar mais o seu logar. Pois os srs. ministros, se entendiam que o facto praticado pelo sr. Ferreira de Almeida era d´aquelles que admittiam prisão sem culpa formada, não podiam desde o sabbado, em que teve logar o conflicto, até á segunda feira, preparar Modos os elementos de prova e colligir todos os esclarecimentos necessarios para se apreciarem os factos, mandando proceder ao inquerito, que agora rejeitaram, e pedir na segunda feira á camara a prisão do deputado? (Apoiados.)

Perder-se-ía porventura a patria, e perigariam as instituições, se o sr. deputado agora preso estivesse mais quarenta e oito horas na sua liberdade? (Apoiados.)

Era necessario porventura pôr em movimento toda a força policial, e alarmar a cidade inteira, para prender: um deputado, que honradamente se daria, como se deu á prisão? (Apoiados.)

Elle podia resistir, em nome da lei (Apoiados) porque desde que a auctoridade publica sáe fora da lei constitu-

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cional a resistencia aberta é direito de todo o cidadão (Apoiados.). Não o fez (Apoiados) deu se á prisão, e seguiu para a cadeia.

O acto arbitrario e violento da prisão, que aliás não tem justificação, nem mesmo desculpa, ainda o perdoo ao governo, porque os srs. ministros procederam debaixo da impressão do momento, o que aliás não é permittido aos homens d´estado, e julgaram desaggravar o principio da auctoridade e honrar a magestade da lei, quando não faziam mais do que enfraquecer o prestigio da auctoridade e dar golpes mortaes no respeito á lei! (Apoiados.) A politica dos srs. ministros é muito nervosa. (Riso.) Pois estejam certos de que, se antes da prisão era unanime a opinião contra o procedimento do preso, e todos reconheciam a necessidade de vingar o ultrage á consciencia publica nos termos das leis, depois do acto violento e tumultuario de prisão a opinião é unanime contra o governo (Muitos apoiados.) Perdôo, repito, aos srs. ministros o seu erro, com quanto do meu perdão o ministerio não careça, porque a maioria desta camara, no seu plenissimo direito, já declarou que estava muito satisfeita com o procedimento do governo! Mas não lhes perdôo a continuação da arbitrariedade.
Agora parece-me ver a vingança acrescendo ao arbitrio. Se os srs. ministros não quizessem continuar n'uma situação revolucionaria, feita que foi a prisão entregariam immediatamente o preso ao juiz competente para este deferir aos requerimentos do réu conforme fosse de justiça, e preparar o processo, que já devia estar concluido.

Pois organisa-se um processo contra o mais preverso dos delinquentes dentro de oito dias, ou pelo menos lavra-se dentro de oito dias a pronuncia para elle não escapar á acção da justiça; e não podia estar já organisado o processo contra um homem accusado de dar uma bofetada, quando todas as testemunhas presenceaes do facto vivem na séde da comarca? (Apoiados.) Ponha a camara e o governo termo a esta questão, fazendo immediatamente entrega do preso ao juiz do crime, que não deixará de lhe conceder logo fiança, se não entender que elle póde livrar-se solto, independentemente de fiança; e assim ficará o deputado restituido á plenitude das suas funcções, de que o governo arbitraria e violentamente o privou.

Os srs. ministros não têem rasão de só queixar dos que pugnam pela verdade do systema representativo.

Muito benevola tem sido a opposição parlamentar diante do procedimento inaudito do governo! (Apoiados.)

Quer v. exa. saber o que propunha Mousinho de Albuquerque, um dos homens mais notaveis d'este paiz, no momento em que foi lido á camara o officio do sr. Caetano Maria Ferreira da Silva Beirão, a participar que estava preso, á ordem do governo, a bordo da fragata Diana?...

Mousinho de Albuquerque, a quem n'aquella epocha já não excitavam os fogos da mocidade, mas que sempre deu grandes provas de enthusiasmo pelas liberdades patrias e pelas instituições constitucionaes, apresentava na camara o seguinte requerimento:

«Requeiro que a camara se declare inhabil para funccionar emquanto existir suspensa de facto pelo governo a condição da completa inviolabilidade dos seus membros, condição essencial e indispensavel para a validade das suas deliberações e resoluções.

«Camara, em 21 de fevereiro de l844. = Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque. (Muitos apoiados.)

N´esse mesmo dia a commissão, aliás toda composta de cabralistas, resolveu sobre o requerimento. Resolveu contra as liberdades constitucionaes; mas em todo o caso resolveu logo, no mesmo dia em que o requerimento foi apresentado.

Pensem o governo e a camara na necessidade legal de entregar immediatamente o deputado preso ao poder judicial, para elle ahi poder sustentar, como qualquer outro cidadão, os seus direitos,

A lei não póde ser mais vexatória para o deputado do que para os primeiros faccinoras do mundo.

O deputado está preso ha cinco dias sem culpa formada, quando demais estão pendentes da camara leis tributarias e o orçamento do estado; e os deputados, pela jurisprudencia do sr. ministro da justiça, não devem saír da camara senão por motivos ponderosos, quando estão pendentes leis tributarias para examinar, e o orçamento para discutir.

Em nome dos argumentos do sr. ministro da justiça liquide immediatamente esta questão o governo.

No dia em que o sr. Ferreira de Almeida voltar á sua cadeira e entrar no exercicio das suas funcções, ou no dia em que se apresentar o processo accusatorio ou de pronuncia, poderá a camara abandonar esta questão. Até lá, não.

O sr. deputado Ferreira de Almeida não póde estar privado do exercicio das suas funcções por mero arbitrio do governo.

Só póde ser suspenso das suas funcções em virtude da lei, e por uma resolução soberana da representação nacional.

Requeiro a urgencia da minha proposta.

Vozes: - Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

A camara, reconhecendo que o sr. deputado Ferreira de Almeida não póde estar preso á ordem do poder executivo, nem ser privado por esse facto do exercicio das suas funcções legislativas, recommenda ao governo que ponha immediatamente o preso á disposição do juiz do respectivo districto criminal de Lisboa, a quem por lei competir a instrucção do processo preparatorio, e passa á ordem do dia. = Dias Ferreira.

Foi approvada a urgencia e foi admittida.

O sr. Presidente do Conselho (Luciano de Castro): - Graves são as accusações que
o sr. Dias Ferreira dirigiu ao governo, e ao ouvil-as devemos acreditar que as liberdades publicas estão em perigo, que as immunidades parlamentares foram postergadas, que a constituição do reino foi offendida em uma das suas disposições fundamentaes, e que o governo não tem senão a curvar reverente a cabeça diante dos seus adversarios e a acceitar resignado a sentença que estão fulminando contra elle.

E faz na verdade impressão que uma voz tão auctorisada como a do illustre deputado que acabou de fallar, se levante n´esta camara tão cheia de colera e tão repassada de indignação contra o governo a exigir-lhe a responsabilidade de um acto que a seu parecer é muito grave, e que todavia no entender do governo é perfeitamente regular e conforme ás leis.

Ponhamos primeiramente a questão nos seus verdadeiros termos.

O melhor modo de nos entendermos é discutir placidamente e estabelecer o terreno do debate como elle deve ser estabelecido, a meu ver. (Apoiados.)

De que é que se trata? Trata-se de uma infracção que se diz, commettida pelo governo, porque procedeu á prisão de um deputado sem pedir licença á camara, e sem ser no caso de flagrante delicto a que corresponda a pena mais elevada como
a lei determina.

Mas este ponto já está resolvido pela camara. (Muitos apoiados.)

Póde ou não póde a camara dar licença para a prisão do sr. Ferreira de Almeida? Póde. Ainda ninguem negou isto. (Muitos apoiados.) O que se nega é ao governo a faculdade, o direito de proceder á prisão sem licença da camara, a não ser nos casos de flagrante delicto e pena maior. Mas a camara approvou o procedimento do governo. (Muitos apoiados.)

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O governo deu conta dos seus actos, disse á camara as rasões do seu procedimento, e a camara approvou essas rasões; pergunto eu: a resolução da camara, approvando o acto do governo, não importa a concessão da licença, quando ella fosse necessária? (Muitos apoiados.)

Esta questão está resolvida por quem tinha o direito de resolvel-a. (Apoiados.) Desde que a camara dos deputados, a quem o governo deu couta do seu procedimento e dos motivos por que procedeu, entendeu que o governo procedeu em harmonia com as leis, e se deu por satisfeita com as explicações, não importa essa deliberação a concessão da licença para a prisão do sr. Ferreira de Almeida? (Muitos apoiados.)

Nega alguem á camara o direito de conceder a licença para a prisão? (Apoiados.) Supponhamos que o governo, em logar de mandar proceder á prisão porque julgou o caso de flagrante delicto e porque lhe era applicavel a pena mais elevada da escala penal, vinha pedir simplesmente licença para proceder á prisão nos termos da constituição.

Pergunto: a camara podia ou não podia conceder essa licença? É claro que podia. (Muitos apoiados.) O governo não fez isso. Entendeu que havia n´este caso o flagrante delicto a que podia corresponder a pena mais elevada na escala penal, ordenou a prisão, e veiu á camara no dia seguinte dar conta do seu procedimento e dos motivos que o determinaram. Se n´esse procedimento a camara entendesse que havia alguma irregularidade, o governo declarou que não tinha duvida em confessar essa irregularidade e em pedir a sua absolvição. (Apoiados.)

Mas a camara attendeu ás rasões de ordem publica que o governo invocou em seu favor, approvou o seu procedimento, e declarou-se satisfeita com as suas explicações.

Pois a camara póde, depois d´isto, approvar a proposta que se discute? Não póde, (Muitos apoiados.) porque já ratificou o procedimento do governo. E esta ratificação importa a concessão da licença. (Muitos apoiados.)

Esta questão hoje está morta. (Muitos apoiados.)

Sobre a legalidade do acto do governo recaiu a resolução da camara que cobriu o governo. (Muitos apoiados.)

(Interrupção.)

Eu não acho conveniencia alguma n´estes dialogos. (Muitos apoiados.) Eu não costumo interromper ninguem. (Muitos apoiados.)

O sr. deputado póde discutir o acto da camara, póde achal-o bom ou mau, o que não póde é contestar a legalidade com que esta camara approvou o procedimento do governo. Se ella tinha o direito de dar licença antes da prisão, ninguem póde negar que tinha tambem o direito do ratificar o procedimento do governo depois da prisão. (Apoiados.)

Pergunta o sr. deputado Dias Ferreira, á ordem de quem está preso o sr. Ferreira de Almeida. Á ordem do commandante geral da armada, que é o juiz instructor d´aquelle processo, segundo a lei especial. O governo ordenou ás suas auctoridades que procedessem á prisão por julgar o caso de flagrante delicto. A auctoridade que ordenou a prisão do sr. Ferreira de Almeida foi o commandante geral da armada, que procedeu immediatamente nos termos da lei á instrucção do processo. O réu está sujeito a um processo criminal militar.

Diz o sr. Dias Ferreira - porque não se entregou o sr. deputado Ferreira de Almeida ao poder judicial? Está entregue aos tribunaes judiciaes militares, porque se trata de um crime militar.

Na opinião do sr. Dias Ferreira, que respeito muito, porque é muito auctorisada, o crime não é militar; mas o governo entendeu o contrario, e havia de proceder em virtude da sua opinião e não em conformidade da opinião de s. exa. O governo entendeu que o crime era militar, porque o sr. Ferreira de Almeida, apesar de ser deputado, em todos os actos estranhos ao exercido do seu mandato, estava sujeito ás leis militares. O governo entende que a immunidade do deputado não é um passaporte, nem um privilegio para elle poder injuriar, insultar, ou espancar. (Apoiados.)

O governo mandou que o sr. commandante geral da armada procedesse á prisão, e feita ella, está-se instaurando o processo preparatorio militar. Agora só o poder competente é que póde ordenar a soltura.

Quer o illustre deputado que o governo pratique uma illegalidade?

A auctoridade administrativa póde prender, soltar é que não póde. (Apoiados.)

Perdoe-me s. exa. As auctoridades policiaes, segundo o regulamento de policia podem prender nos casos determinados pela lei; o que não podem é soltar, senão n´um só caso, que é o caso da prisão para averiguações. (Apoiados.)

A prisão podia ser bem ou mal feita; mas o que o governo não podia era, depois de se ter feito, soltar o preso. Isto é rudimentar, e s. exa. sabe-o melhor do que eu, porque é muito mais entendido n´estes assumptos.

Como quer o sr. Dias Ferreira que annuamos á sua proposta ? Eu tinha o maior empenho, e o mais vivo e ardente desejo de subscrever ao pedido do sr. deputado.
Quando vi levantar s. exa. tão cheio de indignação contra nós porque tinhamos rasgado uma das paginas mais importantes da nossa constituição politica, entendi que s. exa. vinha fazer uma proposta que podesse conciliar o respeito que temos pelas leis, e a consideração que devo ao illustre deputado, listava o melhor disposto para acceitar qualquer solução que s. exa. indicasse, uma vez que essa solução mantivesse a nossa dignidade e o acatamento á lei. Mas a proposta do illustre deputado é abertamente illegal, (Apoiados.) S. exa. convida-nos para praticarmos um acto que não podemos praticar, por que nos é absolutamente vedado pelas leis! (Apoiados.)

Pede nos s. exa., que mandemos soltar o sr. Ferreira de Almeida que está entregue ao poder judicial competente, que está sendo julgado nos tribunaes militares de marinha! Se segundo a legislação penal que regula este assumpto, são os tribunaes militares que têem de julgar os crimes praticados pelos militares, quer do exercito, quer da marinha, como quer s. exa. que o governo dê uma ordem para que em logar de se instaurar o processo que se mandou instaurar, se mande soltar o sr. Ferreira de Almeida?! É uma arbitrariedade que não podemos praticar. (Apoiados.) Seria igual ao arbitrio que commetteria a auctoridade policial, que depois de prender em flagrante delicto um réu qualquer, se julgasse no direito de o mandar soltar.

Repito, a auctoridade administrativa tem direito de prender, conforme as leis; póde prender mas nunca soltar, senão no unico caso que a legislação preceitua, que é o da prisão para averiguações. Fora d´esse caso não póde soltar. (Apoiados.)

Não se importa o governo que o tribunal militar, que as auctoridades que têem de intervir n´este assumpto, que estão procedendo ás diligencias preparatorias do processo criminal, julguem que lhes é permittido ordenar a soltura do sr. Ferreira de Almeida; não tem o governo nada com isso; desde que o processo está instaurado, estão abertos os recursos ao sr. Ferreira de Almeida para os tribunaes competentes, e o governo é completamente extranho á decisão d´esses tribunaes. (Apoiados.)

Portanto o governo, por muito que seja o respeito e a consideração que tem pelo sr. José Dias Ferreira, recusa-se a praticar um acto que julga illegal, intervindo directamente no processo instaurado, para arrancar ao juizo competente o sr. Ferreira de Almeida e restituil-o á sua cadeira de deputado. (Apoiados.)

Tambem eu tenho muito sentimento de que a cadeira, que áquelle sr. deputado pertence n´esta camara, não esteja por elle occupada; e declaro a v. exa. que poucas pessoas sentiriam mais áquelle lamentável successo do que eu, por-

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que sendo muito amigo do meu antigo collega o sr. Henrique de Macedo, não posso deixar de dizer, que de ha muito tempo me prendem tambem relações de amisade sincera ao sr. Ferreira de Almeida.

Portanto, ninguem mais do que eu desejaria poder conciliar o respeito que tenho ás leis do reino, que sou obrigado a manter, com as considerações que me impõe a amisade pelo sr. Ferreira de Almeida; mas pondo de lado aqui as relações de amisade, e todas as considerações que debaixo d´esse ponto de vista sobre n'um posam influir, procuro unica e simplesmente inspirar-me na consciencia dos meus deveres, fazer cumprir a lei e respeitar o principio da auctoridade. (Apoiados.)

Disse o sr. Dias Ferreira que se um individuo qualquer offender o Rei, tem uma penalidade muito menor do que um individuo qualquer que offender um ministro da corôa! Citou s. exa. a este respeito um artigo do codigo penal!

Ilude-se s. exa.

Pois se um militar qualquer offender o Rei, não terá uma penalidade mais grave do que a do militar que offender um ministro?! (Apoiados.)

Pois não vê s. exa. que é a legislação militar que tem de applicar-se?
Como quer s. exa. resolver esta questão pelo codigo penal? Não devia confrontar disposições do codigo penal com relação aos crimes communs, com a legislação especial applicavel aos crimes militares. (Apoiados.) São cousas inteiramente differentes.

Disse o sr. Dias Ferreira que um deputado não está sujeito ás leis militares Perdoe-me s. exa. O deputado em quanto o é, no exercicio das suas funcções, não está sujeito ás leis militares; mas fóra do exercicio d'essas funcções, e mesmo quando no exercicio d´essas funcções, praticar um crime militar ou commum, está sujeito ao processo e fôro militar. (Apoiados.)

Se um deputado n´esta camara commetter um crime qualquer, der, por exemplo, um tiro, ou apunhalar qual quer dos seus collegas, ou qualquer outro indivíduo, a immunidade parlamentar cobre esse deputado? Cobre-o para o facto de não poder ser preso sem licença da camara; mas não para deixar de ser punido, segundo a lei especial, por que a immunidade é uma garantia para a funcção, não é um privilegio do individuo. (Apoiados.) Se se julga que um deputado, pelo facto de o ser, póde praticar todo e qualquer crime, affrontar impunemente as leis, allegando a qualidade de deputado, é um engano. (Apoiados.) A immunidade é uma garantia unica e exclusivamente para proteger e cobrir o exercicio de funcções; não póde ser passaporte ou privilegio para praticar qualquer crime. (Apoiados.) Isso não é respeito às leis; é desordem e anarchia. (Apoiados.)

O primeiro dever de um cidadão em um paiz livre, quer seja deputado, quer seja simples funccionario, é respeitar a lei. (Apoiados.)

Entender um individuo, porque é deputado, que póde affrontar impunemente qualquer dos seus concidadãos, injurial-os, molestai os por qualquer maneira, e ficar a salvo da punição devida, é um principio que não podemos admittir, porque é offensivo de todas as normas de boa ordem, essenciaes em uma sociedade. (Apoiados.)

N´este ponto permitta-me a camara que lhe diga que estranho que até o representante das idéas mais avançadas n´esta casa, do partido republicano, venha pugnar pelas immunidades parlamentares. A boa, a verdadeira democracia não quer immunidades para ninguem, nem para o deputado, nem para qualquer individuo que exerça funcções publicas na sociedade. (Apoiados.) A verdadeira democracia quer igualdade para todos. (Apoiados.)

O que eu não poderia estranhar era que s. exa. viesse propor a extincção dos privilegios parlamentares em relação aos crimes commettidos pelos deputado. Quem commette um crime, quer seja deputado, quer particular, deve ter tantas garantias como qualquer outro cidadão. (Apoiados.) A circunstancia de ser representante do povo ira põe lhe ainda mais o dever de não faltar ao que deve a si proprio e ao respeito que deve á lei; não lhe dá o direito a nenhuma excepção, nem a nenhum privilegio. (Apoiados.)

O sr. Dias Ferreira allegou tambem o precedente do sr. Pinto Bessa. Mas que tem esse precedente com a questão de que se trata? (Apoiados).

O sr. Pinto Bessa esteve preso creio que quatro dias no Porto mas estavam as côrtes fechadas quando se deu esse incidente. (Apoiados ) E essa questão não se tratou na camara senão debaixo do ponto de vista da camara dar licença para o processo (Apoiados.)

Ora a questão da licença para a continuação do processo ha de vir aqui e deve naturalmente vir em pouco tempo, e então a camara resolverá em sua alta sabedoria o que deve fazer. (Apoiados.)

Mas que tem o caso do Sr. Pinto Bessa com a questão que se trata ?(Apoiados.) É necessario não confundir. Uma cousa é a prisão e outra cousa é o processo. (Apoiados.)

A prisco parece-me que já está legalisada por uma resolução da camará. (Muitos apoiados} O processo ainda ha de vir aqui; e n´essa occasião é que s. exa. póde allegar o precedente do sr. Pinto Bessa (Muitos apoiados)

Antes d´isso parece-me que é fóra de tempo. (Apoiados.)

Eu disse muito summariamente o que me occorreu em resposta às observações do sr. Dias Ferreira.

As considerações que acabo de expor á camara bastam para mostrar que o governo não póde approvar a proposta de s. exa. (Muitos apoiados.) E a maioria, se a approvasse estaria em contradição com a resolução que approvou ante-hontem, (Muitos apoiados.) porque, desde que a camara achou boas as rasões do governo e approvou o seu procedimento, votando uma moção em que entendia que o governo tinha procedido nos termos das leis com relação á prisão do sr. Ferreira de Almeida, não poderia approvar hoje a proposta do sr. Dias Ferreira, que a levaria a praticar um arbitrio, uma illegalidade que de modo algum podemos approvar. (Muitos apoiados.)

É por isso que eu entendo, em nome do governo, que não posso acceitar a proposta do sr. Dias Ferreira.

Por ora não tenho mais nada que dizer.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso).

O sr. José Novaes: - Sr. presidente, e ainda nos fallam em observar a lei e no respeito a ordem!

Elles, os Pavias do parlamentarismo que tiveram a ousadia de exautorar o parlamento para fazer a dictadura mais violenta e condemnavel que eu conheço! (Apoiados.)

Elles, os Cabraes posthumos do constitucionalismo, que riscaram da constituição os artigos que garantiam as immunidades parlamentares! (Apoiados.)

Fique ao menos o paiz com o conhecimento da sua contricção.

Sr. presidente, não quero irritar o debate: muito tem elle já excitado o espirito da camara, e muitissimo tem levantado a opinião publica, que, se muitas vezes parece dormir o sono do indifferentismo, agora assiste de perto e vigilante ás discussões parlamentares, aonde se pleiteiam os principios da liberdade, da liberdade por que muitos combateram, da liberdade de que outros são filhos. (Apoiados.)

Mas venho com o aprumo de quem defende as suas immunidades, e com o desassombro de quem não receia que os dictadores me obriguem a fazer-lhes continencia. (Apoiados.)

E ainda fallam no respeito às leis, os ministros que as calcaram aos pés. (Apoiados.)

Peçam antes a sua absolvição, que a camara ainda não

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absolveu o governo do seu procedimento illegal e arbitrario.

O acto praticado pelo governo foi uma infracção violenta da constituição, que só um bill de indemnidade, votado por ambas as casas do parlamento, póde absolver. (Muitos apoiados.)

A camara dispensou, é verdade, uma moção de confiança ao governo, com uma benevolencia que eu admiro; mas esta moção não absolve, nem póde absolver, o governo da infração de lei que praticou. (Apoiados.)

De nada lhes vale, pois, srs. dictadores, a moção de confiança que a maioria d'esta camara, compadecida, lhes dispensou. (Apoiados.)

Diz o artigo 3.° do segundo acto addicional: «nenhum par vitalicio ou deputado, desde que for proclamado na respectiva assembléa de apuramento, póde ser preso por auctoridade alguma salvo por ordem da respectiva camara, menos em flagrante delicto a que corresponda a pena mais elevada da escala penal».

O sr. Ferreira de Almeida é deputado da nação portugueza, e, emquanto durar o seu mandato, só como deputado é que tem de ser considerado no caso sujeito.

Se assim não fosse, não poderia o sr. - Ferreira de Almeida discutir e censurar os actos do sr. ministro da marinha. (Apoiados.)

Se assim não fosse teria de calar muitas vezes a voz da sua consciencia e trahir o seu mandato para se não insubordinar contra os actos do sr. ministro. (Apoiados.)

Se assim não fosse, não podia nem devia o sr. ministro da marinha discutir com elle, procural-o para lhe dar explicações, e muito menos para o provocar, que um superior militar não consente censuras aos seus actos, não discute nem dá explicações ao seu subalterno. (Apoiados.)

E como deputado e unicamente como deputado é que a lei o considera.

E, apesar d'isto, o sr. deputado Ferreira de Almeida foi mandado prender por ordem escripta do governo, passada em conselho de ministros, quando a ordem de prisão só podia ser dada por esta camará! (Apoiados.)

E é com a moção de confiança votada pela maioria e affirmando, com ousadia notavel, que o sr. Ferreira de Almeida foi preso em flagrante delicto a que correspondia a pena mais elevada da escala penal, que se apresentam perante o parlamento negando-lhe o direito de insistir na accusação! (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, ainda agora, o sr. presidente do conselho de dictadores, e digo - de dictadores - porque ali não está o poder executivo, mas uma dieta dura continua e violenta, nos deu um novo argumento, que é mais um desastre para a sua defeza. (Apoiados.)

Disse s. exa.: «o militar que aggredir El-Rei terá de certo pena mais severa do que a que corresponde ao delicto do sr. Ferreira de Almeida». (Apoiados.)

Mas então, sr. presidente, a pena correspondente ao delicto do sr. Ferreira de Almeida não é a ultima da escala penal. (Muitos apoiados.) Logo não podia ser preso, mesmo em flagrante delicto porque, ao acto praticado não corresponde (é o nobre presidente do conselho quem o affirma) a pena mais elevada da escala penal. (Muitos apoiados.)

Isto é logico e não tem subterfugios. Os dictadores nem argumentos têem para a sua defeza, antes aggravam a sua posição de réus. (Apoiados.)

Demais: qual é a lei, sr. presidente, qual é a lei, srs. dictadores, que permitte ao poder executivo o passar mandado para ser preso em flagrante delicto um deputado que não fugiu, que se demorou n'este sala, que atravessou soce-gadarnente o atrio onde está a guarda das cortes, que percorreu livremente os centros mais policiados da cidade, e que só, passadas seis horas, é que foi preso porque voluntariamente se entregou á prisão? (Apoiados.)

Que lei o auctorisa?

E este é o flagrante delicto que o illustre presidente do conselho e o sr. ministro da justiça cerebrinamente defenderam, para terem depois o desmentido pleno e categorico do brioso militar, o sr. ministro da guerra, quando respondia ás perguntas que lhe fez o sr. Pinheiro Chagas?! (Apoiados.)

Uma prisão em flagrante delicto, que foi resolvida e ordenada em conselho de ministros! (Apoiados.)

E eu, sr. presidente, senti deveras que v. exa. não d'esse a palavra ao nobre ministro da guerra, apesar de bem alto a ter pedido e ser inscripto, porque certamente s. exa. rasgaria ainda mais fundo nas feridas que abrira em a desgraçada defeza dos seus collegas. (Apoiados.)

Feridas que já se converteram em chagas. Sr. presidente, o procedimento do governo foi uma verdadeira arbitrariedade, uma infracção violenta da lei constitucional; não é, pois, uma simples moção de confiança que o absolve.

Faça o governo a sua contricção e apresente á camara um bill de indemnidade. (Apoiados.)

E que se apressem, sr. presidente, que o governo, pelos seus desatinos, conseguiu encarnar em o sr. Ferreira de Almeida um principio de liberdade, que foi violada e que agora veste sambenito em as prisões de um couraçado de guerra. (Apoiados.)

E para que, sr. presidente?

Quizeram inutilisar um partidario que receiavam?

Praticaram um acto de força?

Seria. Mas ali! sr. presidente, que esta força é extraordinariamente similhante á fraqueza dos condemnados que se suicidam. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

E o governo tambem já está condemnado pela opinião publica.

E a proposito da proposta que se discute, como respondeu o illustre presidente do conselho ao sr. Dias Ferreira?

Disse s. exa. que não podia mandar soltar o sr. Ferreira de Almeida porque já tinha sido entregue aos tribunaes judiciaes.

Mas quem lhe pediu isso, sr. presidente do conselho? (Apoiados.)

O que se lhe pede é que não conserve arbitraria e illegalmente preso o sr. Ferreira de Almeida, que, por ser deputado, se acha sem tribunal perante o qual se defenda, sem nota de culpa, e em condições bem peiores que as de um grande criminoso. (Apoiados.)

O que se lhe recommenda é que ponha immediatamente o preso á disposição do juiz do respectivo districto criminal, a quem por lei possa competir a instrucção do processo preparatorio. (Apoiados.)

E isto não é um pedido, é lembrar unicamente ao governo o cumprimento de um dever, em obediencia á lei e á justiça. (Apoiados.)

É isto o que se lhe lembra, é isto o que elle deve fazer.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Frederico Laranjo: - Sr. presidente, vejo-me na realidade embaraçado para discutir um assumpto que devia de certo estar em discussão, em vista da moção que mandou para a mesa o sr. Dias Ferreira, moção que a camara consentiu que se discutisse, e que não vi discutir ainda!

Sobre que é que se tem fallado? Sobre que é que se tem discutido?

Tem-se fallado, tem-se discutido se o acto que o governo praticou no sabbado passado foi um acto legal ou illegal, e mais nada; (Apoiados.) e essa discussão é uma discussão terminada, finda (Apoiados.) por uma votação d'esta camara; é uma discussão que não póde voltar, porque, segundo o regimento, quando sobre uma proposta qualquer recáe uma votação, por esse facto termina o debate, que não póde reviver, porque aliás estariamos sempre no mesmo terreno. (Apoiados.) Isto mesmo confessou o sr. Dias

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Ferreira quando mandou para a mesa a sua moção; todavia a moção não se discute, e eu, não a encontrando discutida pelo illustre e estimavel orador que acaba de fallar, não sei em que campo me hei de collocar para lhe responder. A questão que se tratou na segunda feira não volto: seria caír no mesmo abuso que deploro. (Apoiados.)

Não me admira, sr. presidente, esta falta de regularidade em que, em regra, as discussões andam aqui ha alguns dias.

Estamos todos nervosos; todos, maioria e minoria, pois perdemos um collega que estimavamos, em consequencia de um acto verdadeiramente lamentavel. (Apoiados.)

Estamos todos nervosos; vós, d´esse lado, porque suppondes que foi atacada a liberdade, que foram desacatadas as immunidades parlamentares; nós, d´este lado, porque temos de confessar tristemente que não havia remedio senão proceder assim para se sustentar a ordem, para manter desenxovalhado o principio da auctoridade. (Apoiados.)

Vós dizeis que o governo praticou um acto arbitrario, e que era preciso que viesse aqui pedir um bill de indemnidade.

Na votação que aqui já teve logar a esse repeito nós não reconhecemos que o governo tivesse delinquido, reconhecemos que o governo tinha praticado um acto justo; (Apoiados.) mas, se algum arbitrio tivesse havido na nossa votação, estaria incluído o bill de indemnidade, de que se falla agora. (Apoiados.)

Diz-se que só o sr. presidente podia mandar prender o sr. deputado.

Estamos outra vez na mesma questão em que estivemos e que findou segunda feira, estamos outra vez longe da moção do sr. Dias Ferreira, longe e mal.

O artigo 25.° da carta não auctorisa o presidente da camara a ordenar a prisão do deputado ou par.

Quando se não dêem as circumstancias conjunctas de flagrante delicto de pena capital, circumstancias que os illustres deputados defendem que não houve, não é o presidente, é a camara toda, e só ella que póde ordenar a prisão (Apoiados.)

E visto que fallei em pena capital, seja-me permittido, sr. presidente, dizer alguma cousa a este respeito.

Eu ouvi aqui hontem um discurso eloquente e sonoro. lacrimoso e tetrico, de um illustre deputado, muito respeitavel pela sua illustração, e pelos seus talentos, mas que parecia que ou não sabia, ou não queria, saber do que se tratava (Apoiados.)

Fallava o illustre deputado em livrar um homem da morte!

Realmente quem estivesse nas galerias, e fosse pouco conhecedor do assumpto que se tratava, podia julgar que das nossas resoluções, do modo por que nós votassemos dependia a vida ou a morte de um dos nossos collegas, e todavia não
se tratava d´isso, nunca se tratou d´isto; discutia apenas se a prisão devia ter Sido feita por um modo ou por outro, e isso não influía nada, não augmentava, nem diminuía um apice a pena a applicar. (Apoiados.)

Que illusão pois nos espíritos ou que illusão no publico (Apoiados.)

Que illusão nos espíritos, dizia eu, e illusão tal, sr. presidente, que cada dia se tem uma lembrança, cada dia apresentam os illustres deputados d´aquelle lado da camara um alvitre, uma proposta differente. (Apoiados.)

Ora querem que se solte o sr. deputado preso ao menos por vinte e quatro horas,; ora que o restituam á sua cadeira; ora que o entreguem ao juizo criminal! (Apoiados.)

O sr. Novaes: - Nós não pedimos que o mandassem soltar.

O Orador: - Pois em que consistia a proposta que a opposição fez ao governo logo no dia seguinte ao do incidente? (Apoiados.)

E de passagem o digo, seria uma illegalidade a acceitação d´essa proposta, é isso elementar em direito, e não me canso em o demonstrar á camara. Hoje vem o sr. Dias Ferreira, e pede que o sr. deputado preso seja posto á disposição do juizo criminal.

Mas á disposição de quem está elle? Exactamente á disposição do juiz criminal. (Apoiados.)

Querem v. exas. saber o que diz um livro que não tem paixões, porque os livros não têem paixões ...

O sr. Franco Castello Branco: - Nem os romances?

O Orador: - Mas isto não é romance; é o processo criminal de Nazareth, e por não ter paixões é que eu o trago para aqui, porque me parece que nós temos paixões do mais. (Muitos apoiados.)

(Leu )

A camara dos pares é sómente competente para o processo de accusação e não para o preparatorio; o processo preparatorio, que é de que se trata agora, ficou no juizo a que naturalmente pertencia.

Vozes: - Qual era?

O Orador: - E o tribunal militar de marinha; e se o accusado e os illustres deputados julgam ou julgaram que aquelle juizo em que se instaura o processo não é o competente, na lei ha meios para o fazer encaminhar por outra fórma ; ha a excepção de incompetencia. (Apoiados.)

Vem o sr. Dias Ferreira e diz: «Colloquem o deputado á disposição do juiz criminal».

Nós respondemos : Lá está. (Apoiados.)

Vem em o sr. Novaes e diz: «Soltem o deputado!»

Não podemos soltal-o.( Apoiados)

O sr. Novaes: - O que eu disse foi que o entregassem ao poder judicial.

O Orador: - Já lá está.

Outro dia diziam: «Soltem o deputado, soltem-n´o e conversaremos».

Não se podia soltar; já estava entregue ao poder judicial.

O sr. Pinheiro Chagas: - A prova de que não estava, é que o conselho de investigação foi nomeado hontem.

O Orador: - Ainda que não estivesse; se não estava entregue ao poder judicial, estava entregue ao poder administrativo, que não tem competencia para mandar soltar; mas a realidade dos factos é que estava entregue ao commandante geral da armada, que é o juiz instructor do processo.

(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas.)

Este anno tem se seguido aqui uma norma celebre nas discussões. Fallam d´aquelle lado da camara, e nós estâmos em respeitoso silencio; falla se d´este lado e é se interrompido constantemente. (Apoiados.)

Ha mesmo mais. A maioria d´esta casa tem sido até aqui ...

O sr. José Novaes: - V. exa. falla para mim, e o dever de v. exa. e fallar para o presidente da camara.

Quando se dirigirem aos deputados, nós responderemos.

O Orador: - Eu não fallo ao nobre deputado, fallo a todos.

E agora, voltando-me para este lado da camara, digo que é preciso que isto acabe. (Apoiados.)

No primeiro dia d´esta discussão, fallava se aqui em liberdade de tribuna. Não, não e liberdade de tribuna, sr. presidente, o que falta; tem havido mais do que liberdade; tem havido licença de tribuna. (Apoiados.) Ninguem, por exemplo, sr. presidente, chamara liberdade de tribuna a palavras aqui proferidas ha dias, relativas a toda a maioria, dizendo que ella votava da mesma maneira que uns certos animaes saltam! (Apoiados.)

(Interrupção do Sr. Luiz José Dias.)

E a este proposito, e visto que fallei d´isto, permitta-se que eu faça uma pequena observação.

D'este lado da camara, vota-se, é verdade, em geral, de uma maneira uniforme, mas d´esse outro lado vota-se,

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em geral, de uma maneira uniforme tambem. O defeito d'aqui, se o houvesse, seria o mesmo defeito d'ahi; mas ainda bem, ainda bem, que as cousas se passam assim; o illustre deputado republicano, que me ouve, sabe que na Franca, sabe que n'outros paizes os estadistas, os homens do governo andam á procura de organisar os partidos de maneira que não se fraccionem demasiadamente nas votações, e que não se torne impossivel todo e qualquer governo. (Apoiados.)

Esse facto, portanto, que d'ahi nos atiraram como uma exprobação, e que foi tão bem levantado por um ministro, que nós sentimos que não esteja aqui presente, (Apoiados.) esse facto, que nos exprobam, e que podem exprobar-se a si proprios, é um facto honroso para o paiz; é um facto que n'outras partes se procurava com affinco para se poder ter um governo estavel; porque nada se póde fazer de util para uma nação com as surprezas constantes a que dão logar os pequenos grupos, com a instabilidade constante dos governos, com a falta de unidade de plano e direcção dos negocios. (Apoiados.)

O sr. Consiglieri Pedroso: - Mas a Franca não manda deputados para bordo dos navios de guerra. (Apoiados.)

O Orador: - Com effeito, a Franca não manda deputados para bordo dos navios de guerra; mas os deputados em Franca não fazem, felizmente para a Franca, o que, infelizmente para nós, aqui se tem feito. (Apoiados.)

Mas, voltando ao assumpto, porque me desviaram um pouco d'elle as largas interrupções, que me têem sido feitas; voltando ao assumpto eu digo que a moção do sr. Dias Ferreira, ou é inutil, ou pede uma illegalidade, e que as rasões com que a defendeu são contraproducentes.

O que pede a moção? Que se entregue o sr. deputado preso ao juizo criminal que for competente. Isso já estava feito; apenas o juiz competente não é o que s. exa. indica.

Que rasões se adduzem?

O sr. Dias Ferreira disse-nos aqui que um criminoso qualquer não póde estar preso por mais de oito dias sem culpa formada, e já lá vão mais de oito dias sem estar formada a culpa ao sr. Ferreira de Almeida; depois, de mais de oito dias, que eram necessarios para a sua argumentação, passou a perto de oito dias; depois passou a cinco dias; e apesar d'estas redacções, que destroem o argumento, ainda não ficou na reducção, que era rasoavel, porque de sabbado até agora, quarta feira, ainda não passaram quatro dias completos. (Apoiados.)

Estava-se portanto dentro da lei, mesmo que se suppozesse applicavel a lei commum, e a maioria tem plena confiança em que as cousas te hão de passar, de fórma que, no mais breve espaço de tempo possivel, venha a esta camara o processo pedindo auctorisação para elle continuar já, ou para continuar depois de fechadas as camaras.

Nós então resolveremos; mas por em quanto estamos dentro da lei, e por isso não têem logar, nem a moção do sr. Dias Ferreira, nem as considerações com que a sustentou. (Apoiados.)

Eu lamento, sr. presidente, ter de fallar este anno pela primeira vez nesta camara, em um assumpto d'esta natureza; era de certo muito mais grato, para mim e para a maioria, ou melhor para toda a camara, não ter assistido ao facto que aqui se passou. (Apoiados geraes.) não termos tido que intervir n'este debate.

Era-me muito grato, a mim, entrar na discussão de um assumpto economico, de um assumpto, que não levante paixões, do que n'este assumpto desusado e triste. Infelizmente a maioria não pôde, por muito que estime o seu collega, por muitas que fossem as relações de amisade que com elle tivesse, e tinha-as intensas e intimas, ficar silenciosa; e não póde ficar silenciosa porque o seu silencio podia parecer um acto de desapprovação ao governo, e ella não desapprova; (Apoiados.) porque, se zelâmos, como devemos zelar, as immunidades parlamentares, se zelâmos a liberdade, e somos aqui apostolos d'ella, tambem. somos apostolos da auctoridade e da ordem; e a raça latina, nas circumstancias actuaes, na hora que atravessa, precisa mais de ordem do que de liberdade; de liberdade está ella embriagada; tem liberdade até ao abuso, tem liberdade até ao excesso. (Apoiados.)

O sr. Pinheiro Chagas: - Excesso não é liberdade. Quem ataca a ordem é o governo, que prende quem não deve prender.

(Interrupções.)

O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que não interrompam o orador. Podem inscrever-se e usar da palavra no logar competente.

O Orador: - Se formos a julgar pela critica do sr. Pinheiro Chagas, quando o governo ataca a ordem e a liberdade, então não ha um minuto, nem um segundo em
que o governo não ataque a ordem e não suffoque a liberdade. (Riso.)

Hão de permittir os illustres deputados que nós tenhamos um criterio diverso do seu, que não tenhamos as suas opiniões, mesmo tambem por uma rasão muito simples, mas muito forte, porque, se tivessemos as opiniões de alguns dos srs. deputados que tenho ouvido fallar n'esta camara, não tinhamos opinião nenhuma, (Apoiados. - Riso.); porque na onda das palavras, de certo eloquentes, arrebatadoras, cheias de magia, que encantam a maioria, a minoria e o publico das galerias, vem ás vezes as idéas as mais desencontradas. Por exemplo, n'uma das sessões passadas, o sr. Pinheiro Chagas esteve sustentando durante muito tempo n'uma parte do seu discurso que o governo não podia mandar prender o sr. Ferreira de Almeida, e na segunda parte do mesmo discurso o mesmo sr. Pinheiro Chagas esteve a demonstrar ou disse que o sr. ministro da marinha, quando foi aggravado pelo sr. Ferreira de Almeida, não devia desforçar-se ou tentar desforçar-se; o que devia fazer era prendel-o immediatamente. (Riso.)

O sr. Pinheiro Chagas: - Como official de marinha podia prendei o, mas como deputado não.

O Orador: - Eu tirei a conclusão do que s. exa. disse e mais nada.

Dizia eu que me era desagradavel esta discussão, e que só por uma necessidade de affirmar que estamos dispostos a zelar pela manutenção das liberdades publicas, e pela manutenção da ordem, (Apoiados.) é que tinha tornado a palavra.

Repito, nas circumstancias actuaes, nas que atravessa principalmente a raça latina, o principio que mais robustecido precisa é o principio da auctoridade; do que mais se necessita, porque é o que mais falta, não é de liberdade, mas de ordem. Se não se tivesse prejudicado tanto um d'estes principios fundamentaes da sociedade no supposto interesse de outro; se houvesse menor divergencia de idéas; se não estivessem tanto á larga os interesses individuaes em frente dos interesses sociaes, não assistiriamos a esta phase, embora transitoria, de certo decadente da raça a que pertencemos. (Apoiados.)

Tem-se dito que o regimen parlamentar está decadente; é uma verdade que exemplificam tristemente os factos de outros povos e tristemente tambem o que se passa entre nós. Revelam-o a falta de proporção dos debates com a importancia dos assumptos que se discutem, a divagação da materia que se discute, a falta de sobriedade de palavra, e sobretudo as ultimas palavras do diccionario, que muitas vezes, e não raro sem reclamações, vem á tela da discussão, e o julgar-se quasi sempre que bem mereceu as corôas cívicas e os louros da victoria aquelle que mais fez rir.

Se alguma vez se tiver de fazer uma reforma de modo a levantar o regimen parlamentar, essa reforma não ha de ser para se conseguir e para se ter mais liberdade de

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tribuna, porque ha mais do que a que é precisa, mas para se trazer um pouco mais de proporção, de ordem e um pouco mais de respeito reciproco entre os que discutem, para os debates que se levantam. (Apoiado.)

Tenho dito.

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados e por alguns dos srs. ministros.)

O sr. João Pinto dos Santos: - Sr. presidente, o orador que acaba de fallar disse: que as raças latinas necessitavam mais de ordem do que de liberdade, e fez sobre este assumpto uma larga dissertação! Effectivamente, depois de atravessarmos um periodo de dictadura em que se decretou a reforma administrativa, e se remodelaram muitos dos serviços publicos, era preciso que o ministerio viesse á camara, não só tomar a responsabilidade dos seus actos, mas dizer e sustentar publicamente, pela voz dos seus homens mais distinctos, que o paiz não carece de liberdades e necessita sómente de um regimen auctoritario.

Esta phrase caracterisa perfeitamente o governo que ali está sentado. (Apoiados.)

Sr. presidente, não respondo detidamente ao discurso do sr. dr. Laranjo, pois foi tão entrecortado de apartes de incidentes, que não pude seguir bem a ordem de idéas de s. exa.

Eu, como s. exa., prefiro a discussão serena e grave, e gosto de que no parlamento se discuta com seriedade, prestando-se toda a attenção aos oradores que fallam.

A opposição lucra com este systema, pois que são taes e tantos os actos arbitrarios do governo que, correndo as discussões serenamente, não pode deixar o ministerio de ficar em má posição. As sessões tumultuosas, cheias de incidentes, favorecem immenso o governo, porque se distrahe a attenção para as pequenas cousas, afastando-se dos assumptos graves e vitaes.

A opposição reconhece isto mesmo e procura, quanto possivel, ser serena nos debates; mas é preciso tambem que da bancada do ministerio e das cadeiras da maioria se conserve a mesma attitude.

O sr. Laranjo: - A minoria é que faz interrupções.

O Orador: - Não digo que os srs. deputados da maioria são menos serenos e não discutem com placidez; mas, como nos dominam pelas suas votações, á minoria resta simplesmente a liberdade de se lamentar, porque a lagrima é livre.

Não quero com isto dizer que votam contra a sua consciencia, porque os respeito e considero, assim como quero para mim o respeito de todos. (Apoiados.)

Muitas vezes os illustres membros da maioria em certos assumptos votam, não em harmonia com os seus principios, mas por conveniencia partidaria, e eu tenho a franqueza de confessar que, se me sentasse d'esse lado da camara, talvez votasse como s. exa. em obediencia ao principio da disciplina.

Voltando ao assumpto, continuo a affirmar que gosto que os debates corram com a serenidade que devem ter; mas que é indispensavel que, quando se façam accusações aos srs. ministros, accusações graves e severas, s. exa. assistam a ellas seriamente, sem se rirem e sem menosprezarem os direitos constitucionaes. (Apoiados.)

Gosto que as instituições do paiz sejam levantadas á sua verdadeira altura, e que quando fallam os deputados da minoria, se escute a sua palavra, quer tenha muita ou pouca importancia, porque nós estamos aqui em nome da nação e temos direito a ser ouvidos. (Apoiados.)

Sr. presidente, quando eu vejo que uma causa como esta, defendida por um homem tão notavel como é o sr. presidente do conselho, foi posta nos termos em que o foi, considero-a uma causa perdida para o governo. (Apoiados.)

O sr. presidente do conselho, no primeiro dia em que se apresentou aqui, tratando de justificar a prisão do sr. Ferreira de Almeida, disse que se davam n'ella todos os requisitos do artigo 26.° da carta constitucional, modificado pelo artigo 3.° da carta de lei de 24 de julho de 1885.

S. exa. sustentava então que havia flagrante delicto, a que correspondia a pena mais elevada da escala penal.

Hoje s. exa. vem apresentar-nos, não para sustentar os mesmos principies, mas para confessar que a maioria já tinha ratificado a medida tomada pelo governo.

Ora, se a maioria ratificou agora a medida tomada pelo governo, já só vê que o governo não tinha procedido legalmente, pois de outra fórma não carecia o seu procedimento das ratificações de ninguem.

Se implicitamente se confessa que houve uma violação de lei, não se ha de remediar esse attentado por meio de um bill de indemnidade?

Poderá uma votação sobre uma moção de confiança sanar um acto tão importante como este?

Não comprehendo nem posso admittir taes theorias de direito publico.

Sr. presidente, a ordem do processo não póde ser alterada pelo ministerio, como não póde ser pela camara dos deputados, sómente ha de ser alterada por todos os poderes que tem para isso a competencia.

Desde que na carta constitucional se estabelece que para um deputado, durante a legislatura, ser preso, é necessario que a respectiva camara de o seu assentimento, não póde inverter-se a ordem do processo, prendendo-se primeiro e solicitando-se depois o consentimento da camara respectiva.

Esta inversão na ordem do processo, ou representa uma lei nova, que não póde fazer-se sem o concurso de todo o poder legislativo, ou é um attentado á constituição do paiz que só póde sanar se por um bill de indemnidade approvado em ambas as casas do parlamento.

O ministerio devia, portanto, ter-se apresentado a pedir em primeiro logar ordem á camara dos deputados para prender o sr. Ferreira de Almeida, e depois é que devia mandal-o prender. Alterando esta ordem do processo, calcou aos pés a constituição do estado.

Sr. presidente, eu não quero demorar-me na apreciação da questão que foi aqui levantada brilhantissimamente pelo sr. Dias Ferreira. S. exa. é um dos mais notaveis jurisconsultos do paiz e a sua palavra é tão auctorisada que qualquer cousa que eu podesse dizer n'este mesmo sentido, pouca importancia tinha, depois dos argumentos adduzidos por s. exa.

Parece-me que a doutrina do sr. Dias Ferreira é perfeitamente verdadeira. (Apoiados.)

Disse s. exa. que, se o sr. Ferreira de Almeida tivesse offendido o sr. ministro da marinha quando a sessão estava aberta, era considerado simplesmente como deputado e não como official de marinha. Isto é evidente. E eu tambem digo que o sr. Ferreira de Almeida, dando se o conflicto quando a sessão acabava de se encerrar, não podia ser considerado ainda senão como representante do paiz. (Muitos apoiados.)

A carta constitucional no artigo 31.º diz: «O exercicio de qualquer emprego, á excepção dos de conselheiro d'estado e ministro d'estado, cessa interinamente, emquanto durarem as funcções de par ou deputado».

E a lei de 13 de julho de 1849 diz no artigo 1.º: - «Os pares do reino e deputados ás côrtes, que forem empregados publicos em Lisboa, poderão accumular, querendo, as funcções de pares e deputados ás do emprego que exercerem, quando forem requisitados pela respectiva camara em proposta do governo por motivo determinado de utilidade publica.»

Ora se estas leis apontadas declaram que para os empregos publicos cessa inteiramente o exercicio de seus cargos emquanto são pares ou deputados, e só accumulam, querendo, os seus cargos com as funcções legislativas, é claro que elles não são considerados durante a legislatura empregados publicos, mas pares ou deputados. (Apoiados.)

Logo se os officiaes militares, que são empregados pu-

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blicos, exercem as funcções de deputado, deixando interinamente o exercicio de seus cargos, é de justiça que, praticando algum crime durante o periodo em que não estão no exercicio das suas funcções militares, sejam punidos pelo direito commum, pelo codigo penal. (Muitos apoiados.) Esta doutrina garante melhor a independencia do poder legislativo.

E não diga o sr. presidente do conselho que d'esta fórma se perturba completamente a ordem. (Apoiados.)

Não, a ordem não fica violada, porque, alem das leis militares, ha as leis geraes que regulam todos os cidadãos, ha o codigo penal. (Apoiados.)

Se um deputado militar, dentro d'esta camara ou fóra d'ella, pratica um crime qualquer, não fica impune. (Apoiados.) A responsabilidade ha de ser lhe imposta, senão pelo direito militar, pelo direito geral, pelo codigo penal. (Apoiados.)

Não se altera a ordem, pelo tacto de se applicar a um deputado o direito militar. A ordem altera-se mas é procedendo-se do modo como procedeu o sr. presidente do conselho com todo o ministerio, violando a constituição do estado com uma prisão arbitiaria. (Muitos apoiados.)

A ordem mantem-se, fazendo se leis sabias e justas e cumprindo-os rigorosamente, porque o primeiro preceito de ordem é a obediencia á lei, vindo dos altos poderes do estado.

Mas não se mantem nunca quando o sr. presidente do conselho, sem fazer caso dos preceitos constitucionaes, depois de ter feito uma larga dictadura, vem fazer a propria dictadura ao seio da representação nacional, arrancando-lhe um dos seus membros e muito distincto. (Muitos apoiados )

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Eduardo José Coelho: - Estava longe de entrar hoje n'este debate, porque, entre outras rasões, devia reputar-se questão finda o assumpto principal da moção do sr. deputado Dias Ferreira, depois da votação da camara, que julgou regular e correcto o procedimento do governo na prisão do deputado Ferreira de Almeida. (Apoiados.) Renovando, porém, a discussão, só muito constrangido entre n'ella, por motivos que julgo necessario expor á camara. Primeiro que tudo, tenho um dever agradavel a cumprir: é felicitar o illustre deputado que me precedeu, pela brilhante estreia parlamentar que fez, e felicitar a camara que folga sempre com as manifestações de talentos novos, promettedores das mais fundadas esperanças. O illustre deputado confirmou na estreia parlamentar os creditos de talento provado, de que já gosava, pelo que, repito, o felicito e á camara. (Apoiados.)

O assumpto que ha bastantes dias prende a attenção da camara é em verdade grave, mas devia ser tratado, segundo creio, no ponto restricto que lhe deu origem. Não era isso amesquinhal-o, antes engrandecel-o, para o não confundir com discussões que terão cabimento opportunamente. (Apoiados.)

Não posso, pois, ser arguido se porventura fizer algumas considerações alheias ao ponto restricto da questão, visto que tenho de acceitar o debate, como elle foi proposto pela opposição. Ainda assim espero fazel-o com sobriedade.

Por motivo do desagradavel incidente parlamentar, que a todos contristou, e especialmente a mim, fallou-se muito, e continua a fallar-se da dictadura. Pois eu digo á opposição que, quando, em tempo e logar opportuno, discutirmos as responsabilidades do governo por assumir faculdades extraordinarias e decretar medidas com caracter legislativo, não desertaremos do nosso posto: cá os esperâmos sem arrogancias, mas sem tibiezas. (Muitos apoiados.)

Discutiremos então o que é a dictadura do governo, se podia evitar-se, ou se foi um facto historico, fatalmente imposto pelas circumstancias, e para o qual correram principalmente os erros do partido regenerador. (Apoiados.)

Falla-se tanto em dictadura, repete-se tanto que ella foi um enorme attentado, que eu estou verdadeiramente preoccupado. Não ha incidente parlamentar, que não seja pretexto para declamações apaixonadas contra a dictadura. E todavia a responsabilidade do governo tem, pela ordem natural das discussões parlamentares, momento proprio para se liquidar. Pois não é a discussão sobre o bill o ensejo apropositado para absolver, ou condemnar o governo. (Apoiados.)

Noto ainda, que se falla, a proposito de tudo, e sem interrupção contra, a dictadura, mas faz-se com tal exaggero e paixão, que receio bem o paiz chegue a apaixonar-se por ela. (Riso - Apoiados. )

E não pareça isto paradoxo. Com o tempo todas as declamações, se gastam causam-se todos de repetir as mesmas apostrophes violenta, o espirito publico irrita-se, e o que primeiro parecêra indignação de patriotismo é considerado antes má fé dos partidos. (Apoiados )

E por isso que um publicista notavel, no intuito de castigar todas as demastas e exaggeros, disse com sobrado motivo, que convinha evitar todos os excessos até contra o proprio vicio, porque á força de o condemnar com excessiva exaltação, podia acontecer, que a opinião publica começasse por suppol-o victima, e por ultimo acabasse de se apaixonar por elle. E por isso que eu tenho receio tambem de que o paiz acabe por se apaixonar pela dictadura, considerando a victima, pois que os illustres deputados d'esse lado da camara não fazem senão fallar de dictadura, e, permitta-se-me dizel-o, com uma exageração, que excede todos os limites (Apoiados.)

Descansem os illustres deputados da opposição. As responsabilidades do governo hão de discutir se, e é elle o primeiro a desejar que com promptidão se discutam. (Apoiados.) Convem liquidar este assumpto promptamente, e de um modo decisivo. (Apoiados.)

O governo foi dictador levianamente, por estimulos de vaidade, commetteu enormes attentados contra as leis e contra, a constituição.? N'esse caso a representação nacional póde e deve condemnal-o. (Apoiados.)

Mas o governo foi impellido pelas circumstancias a ser dictador, não podia governar sem assumir faculdades extraordinarias, e, assumindo-as, usou d'ellas com manifesto proveito para a causa publica? Então a representação nacional não só póde e deve absorvel-o, mas póde ir mais longe, declarar que elle bem mereceu do paiz. (Muitos apoiados.)

Esta é talvez a, questão mais momentosa da presente sessão parlamentar; mas, liquidada ella, e julgado o governo, convem entrar na discussão de outros assumptos. (Apoiados.) Os illustres deputados da opposição deviam ser os primeiros a dar esta batalha ao governo, mas parece que preterem discutir accidentalmente a questão, e isso, que não prejudica o governo, parece-me que pouco approveita a opposição. (Apoiados.)

Restringindo-me, porem, ao assumpto em discussão, estou deveras admirado. A divisão dos poderes é a base fundamental do systema representativo; a opposição é a sentinella vigilante da lei; todos os dias a todos os momentos, e sob todos os pretextos, ataca, aggride o governo por ser dictador, isto é, por invadir attribuições de outros poderes, e defende calorosamente a moção do meu illustre amigo e mestre, o sr. Dias Ferreira, que convida o governo a intrometter-se nas attribuições de um dos poderes do estado! (Muitos apoiados.) A moção do sr. Dias Ferreira é um convite á dictadura, que aliás aqui levanta clamorosas indignações. (Apoiados.)

E não ha que dissimulal-o. Houve um acontecimento parlamentar imprevisto e
lamentavel; o governo ordenou a prisão do deputado, que foi envolvido n'esse acontecimento, e em seguida entregou-o á auctoridade militar competente.

O governo abusou, attentou contra as leis? Não é já li-

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cito discutil-o aqui, porque a camara já votou, que o governo procedeu bom e em conformidade com as leis. Para accusar de novo o governo por este motivo, é preciso atacar a deliberação da camara, o que equivale a pôr em duvida a justiça das suas decisões. (Apoiados.) Bem sei que os factos d'esta camara, as suas decisões, estão sujeitos á critica da historia, aos juizos austeros da consciencia publica; mas duvido que a propria assembléa, que o proprio parlamento possa todos os dias, e sob todos os pretextos, atacar as suas decisões, ou attribuil-as a motivos, que não sejam impostos pelos dictames da consciencia e rasão individual de cada um dos seus membros. (Apoiados.) Se isto é possivel, então é forçoso concluir, que a propaganda mais efficaz contra o credito e prestigio das instituições parlamentares está no proprio seio d'ellas. (Apoiados.)

Não é menos certo, que o governo não tem, não pode ter a menor ingerencia no processo, que está instaurado por causa dos acontecimentos parlamentares, de que se trata.

Pedir agora qualquer cousa ao governo sobre este assumpto, é reconhecer o direito de intervir no julgamento, e isso é contra todos os principios e é contra a divisão dos poderes. (Apoiados.) E portanto, se o governo não póde ter a menor intervenção no processo, não comprehendo a moção do sr. Dias Ferreira. (Apoiados.) Por outro lado, não comprehendo que se renove a questão da prisão do illustre deputado envolvido no processo, nem a questão de saber se elle perdeu a sua qualidade de militar da armada, da qual é distinctissimo official, porque tudo isso foi já discutido e julgado pela camara, quando julgou que se dava a excepção prevista no artigo 27.° da carta constitucional e parallelo da ultima reforma d'esta.

Vê-se, pois, que a moção do sr. Dias Ferreira, sobre ser attentatoria da independencia dos poderes, é um pretexto para renovar uma questão, que, por todos os motivos, se deve aqui julgar terminada. (Apoiados.)

Tem-se fallado, continua a fallar-se, nas apregoadas immunidades parlamentares. Tenho ouvido proferir apostrophes tão violentas, juizos criticos tão severos, que não resisto ao desejo de fallar, ainda que rapidamente, n'este assumpto. Já aqui se proclamou, que estamos assistindo ás exequias parlamentares, pois que são atacadas as garantias, as immunidades dos deputados da nação. Cumpre distinguir a questão de facto, e a questão de principios; cumpre não confundir a theoria e a pratica. Não se atacam as garantias parlamentares de facto, porque a lei reconhece o caso excepcional em que o deputado póde ser preso, e para conhecer se essa excepção se dá, peço licença para declarar ao sr. Pinheiro Chagas, um dos talentos mais privilegiados do paiz, que isso não é questão de poesia ou romanticismo, mas uma questão de jurisprudencia. (Apoiados.) Tudo se reduz a interpretar a lei, applicando-a a um caso occorrente.

A questão, ou se resolve pela jurisprudencia, ou não se resolve. (Apoiados.)

A questão de principios, ou theorica, anda tambem desvairada. Parece inculcar-se, que não ha parlamentarismo possivel sem as inculcadas immunidades parlamentares, que tanto exalta os illustres deputados d'esse lado da camara. E todavia esta questão é muito velha, e para não ir mais longe em datas, basta dizer, que o eminente publicista, o sr. Silvestre Pinheiro Ferreira o discute na critica, que faz aos artigos da carta agora trazidos para o debate. Não é preciso encarecer a auctoridade d'este escriptor; basta apontal-o. (Apoiados.) E sabe a camara o que elle affirma, e o que elle proclama, como a melhor doutrina?
É que estas, agora chamadas immunidades parlamentares, são contra a indole e divisão dos poderes. Affirma e sustenta que a carta é nesta parte imprevidente e defeituosa. Do que diz e affirma auctoridade tão distincta no assumpto, posso concluir, que as immunidades parlamentares, de que aqui se falla com tanta paixão, não são indispensaveis para a independencia do deputado, e para o esplendor das instituições parlamentares. (Apoiados.) Mas tenho outra auctoridade, que talvez surprehendo a camara, e que sobre tudo deve impressionar os illustres deputados regeneradores. E lembra me esta auctoridade, porque vejo diante de mim o sr. visconde de Moreira de Rey. Refiro-me ao sr. Antonio Rodrigues Sampaio.

Não ignora a camara, que a proposito das inculcadas immunidades parlamentares, que agora agitam os espiritos, houve uma polemica notavel entre aquelle illustre finado e o sr. visconde de Moreira de Rey. Essa polemica está publicada num livro de trezentas paginas, cuja leitura seria muito opportuna, e talvez poupasse muitas declamações apaixonadas, senão estereis. (Apoiados.)

O sr. Rodrigues Sampaio, que tanto amava a liberdade, que a serviu, como ninguem a serviu melhor, na tribuna parlamentar, na tribuna da imprensa; que por ella padeceu tanto nas luctas partidarias e até na guerra civil, combateu de frente e sem treguas estes privilegios, que agora fazem o enlevo dos illustres deputados regeneradores. (Muitos apoiados.) Não combateu só na imprensa; honrou-se com a iniciativa parlamentar, para serem alterados os artigos 27.° e 41.° da carta constitucional. (Apoiados.) Não me recordo bem da data do projecto de lei, que elle apresentou nesta casa do parlamento, mas parece-me que elle tem a data de 1 de junho de 1866.

Não amaria aquelle grande espirito a liberdade? (Apoiados.) Não comprehenderia aquelle homem notavel as garantias e immunidades dos deputados? (Apoiados.) O que são as nossas declamações, o que valem as nossas apostrophes, diante do raciocinio frio e esmagador d'aquelle homem que tinha a penna de Tacito, e que a isso reunia a auctoridade do martyrio, porque lidou e soffreu pela causa liberal? (Muitos apoiados.)

Parecem-me, pois, inopportunas tantas exclamações, e mais innoportunos e infundados os receios de que sem estas immunidades não ha parlamento possivel. (Apoiados.)

Resumo pois: de facto, tudo se reduz a saber se houve abuso de poder, e a camara já julgou que o não houve; theoricamente, a theoria das immunidades parlamentares que são um privilegio, ou uma excepção ao, direito commum, não mereço tamanho enthusiasmo. (Apoiados.) Quem póde condemnal-as com as grandes auctoridades de Silvestre Pinheiro Ferreira e Antonio Rodrigues Sampaio não se sobresalta, se porventura ellas desapparecerem um dia dos codigos politicos. (Apoiados.)

E de passagem direi ao meu illustre amigo, o sr. Consiglieri Pedroso, tão enthusiasmado por esta immunidade, que ao menos confesse esta superioridade da constituição monarchica sobre muitas constituições republicanas. Já vê que ha no regimen monarchico alguma cousa, que excede em garantias os gabados regimens republicanos de s. exa. (Apoiados.)

Devia terminar aqui as minhas considerações; mas não quero eximir-me a dizer alguma cousa, no que reputo a questão mais melindrosa; porque, ainda que eu fuja ás referencias pessoaes, é impossivel esquecer os nomes envolvidos na questão de facto, que pela minha parte continuo a respeitar e estimar, qualquer que seja a situação em que se encontrem. (Apoiados.)

Tenho por indubitavel, que a qualidade de deputado não extingue a qualidade official do individuo. O deputado é inviolavel pelas opiniões que proferir no exercicio das suas funcções.

Aqui está a grande, a indispensavel immunidade. (Apoiados.)

Fóra do exercicio de suas funcções, mantem na sociedade a posição que tinha antes. Não póde ser de outra fórma. (Apoiados)

O delicto individual, commettido pelo deputado durante o periodo da legislatura, ha de ser classificado attendendo ao facto, considerado crime pela lei, e póde acontecer, que

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não possa prescindir-se da posição official do presumido delinquente. Eu tenho a honra de pertencer á magistratura judicial do meu paiz; a qualidade de deputado não me faz desapparecer a minha posição de funccionario judicial. No parlamento e no exercicio do meu mandato popular, não sou juiz; mas durante o periodo da legislatura, posso exercer e exerço a judicatura. Se tiver a infelicidade de commetter um crime, como magistrado, é evidente que terá de applicar-se a lei que prevê e classifica esse crime.

Não posso invocar a qualidade de deputado. (Apoiados.)

É tambem certo, que posso commetter um crime alheio á minha posição de magistrado. N'esse caso a classificação do crime entra na regra commum.

A minha posição de magistrado póde aggravar a minha responsabilidade, mas em nada concorre para a classificação do crime. (Apoiados.)

Na vida militar accentua-se ainda melhor esta distincção.

Todas as leis militares consideram crimes militares as infracções que offendem directamente a disciplina do exercito ou violam algum dever exclusivamente militar.

Tambem se consideram crimes militares algumas infracções, em rasão de qualidade militar dos delinquentes, do logar e circumstancias em que são commettidas. (Apoiados.)

Mas é menos certo, que é considerado dever militar o respeito ao superior, tanto no serviço como fóra d'elle.

Ora a immunidade parlamentar consiste por um lado, em que o deputado que é militar é inviolavel pelas opiniões que preferir no desempenho do mandato popular, e por outro lado, que só póde ser preso nos casos excepcionaes previstos na constituição.

Ha ainda a immunidade parlamentar, relativa ao fôro especial para o julgamento, durante o periodo da legislatura

É, pois, claro que todas estas immunidades nada têem com a classificação de qualquer crime, que possa commetter um official do exercito de terra ou da armada. (Apoiados.)

É, pois, evidente que o crime póde tomar a natureza de crime militar, ou porque offende directamente a disciplina do exercito, em rasão da qualidade militar do delinquente, e attendendo a muitas outras circumstancias que as leis militares prevêem e definem.

É baldado o empenho em invocar a qualidade de deputado em casos taes, porque as disposições legaes são claras e terminantes. (Apoiados.)

Comprehende v. exa. e a camara, que estou discutindo em these, e procuro, quanto possiível, afastar do meu espirito os factos que dão causa a estas acaloradas discussões. (Apoiados.)

Mas não posso illudir a realidade dos factos. A camara entendeu que houve violação do dever militar. Não ha duvida que o exercito da armada e marinha se regula ainda por uma legislação antiga, mas não revogada.

N'estas condições, e liquidada já a responsabilidade do governo, parece-me que o resto pertence aos tribunaes. (Apoiados.)

Não quero agora inquirir, a quem está entregue o illustre deputado, de quem se trata. Sei apenas que, preso, bem ou mal, um militar, o primeiro dever, de quem realisa a captura, é fazer entrega do preso á auctoridade militar competente. (Apoiados.) Foi isso o que fez o governo. (Apoiados.) O processo ha de seguir os termos regulares, mas isso é alheio á responsabilidade do governo. (Apoiados.) Não posso crer, que agora se innove uma fórma de processo. Não póde ser.

O illustre official da armada ha de ser julgado segundo os tramites legaes, e sempre usados.

Terminado o processo preparatorio, esta camara dará ou negará a licença para proseguir, ou deixar de proseguir o processo, durante o periodo da legislatura.

É seu direito examinal-o então, e é dever seu fazel-o com inteira imparcialidade. (Apoiados.) Saberá exercer esse direito, e não faltará ao cumprimento dos seus deveres. (Apoiados.)

Termino aqui as minhas considerações; e não posso deixar de insistir, que a moção do sr. Dias Ferreira é um convite ao governo para que elle viole a constituição do estado. (Apoiados.) E moções d'esta natureza, quando os animos se inflammam tanto contra as dictaduras, quando a todos os momentos se ouvem vozes eloquentes e apaixonadas contra a invasão dos poderes por parte do governo; quando se accusa com a maior violencia o governo, porque não respeita a divisão dos poderes estatuida na carta, declaro a v. exa. e á camara, que não chego a comprehendel-as! (Apoiados.)

O governo está dentro da constituição, e a opposição exalta-se, agita-se, quasi se enfurece, porque elle não accede ao seu pedido, violando-a. (Apoiados.) Estou convencido que os meus collegas d'esse lado da camara não têem, n'este momento, a seu favor a carta constitucional.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos deputados, e pelo sr. ministro da
fazenda.)

O sr. Ruivo Godinho: - Chega-me a palavra em muito má hora; depois de terem fallado tão distinctos jurisconsultos e parlamentares tão abalisados, levantar a minha humilde voz nesta sessão, é quasi uma ousadia; mas sou forçado a isso porque quiz interromper o sr. presidente do conselho, quando ha pouco estava fallando; e um attentado d'estes, principalmente praticado por mim, que entro pela primeira vez no parlamento, e que sou o ultimo de seus membros, carece de explicação.

Foi isto principalmente que me obrigou a pedir a palavra.

Sr. presidente, digo agora a v. exa. e á camara, que não estou arrependido por ter pedido licença ao sr. presidente do conselho para o interromper, quando estava fallando, porque tenho do meu lado a opinião da maioria, que se tem revoltado contra o afastamento da questão, que se discute; era o que eu queria respeitosamente observar ao sr. presidente do conselho, que foi quem deslocou a questão; as censuras da maioria n'este ponto são contra s. exa., e dão-me rasão a mim.

Eu queria dizer ao sr. José Luciano, que estava em discussão a moção do sr. Dias Ferreira, e que s. exa. estava discutindo a prisão do sr. Ferreira de Almeida, que já estava julgada por uma votação da maioria.

S. exa. dizendo que ainda se podia discutir a decisão da maioria, tratou de demonstrar que esta tinha sido justa, e dizia que qualquer falta que tivesse havido no procedimento do governo estava sanada com a votação da maioria, de sorte que com a sua opinião justificava a votação da maioria, e com a votação d'esta justificava o procedimento do governo, auxiliavam-se mutuamente.

Já se não trata de saber se a prisão do sr. Ferreira de Almeida foi ou não bem feita; a este respeito já o governo está absolvido, mas já que todos os illustres deputados da maioria tem discutido ainda este ponto apesar de notarem, que não é esta a questão que se discute, posso eu tambem ainda emittir a este respeito a minha opinião, mas permitta-me v. exa. que eu note já aqui que a circumstancia do sr. presidente do conselho deixar a proposta do sr. Dias Ferreira, que estava em discussão, para discutir um ponto, que já está decidido, é um argumento muito forte a favor da proposta em discussão.

Uma digressão d'estas feita por um jurisconsulto tão distincto e parlamentar tão abalisado, como é o sr. presidente do conselho, não indica senão fraqueza para discutir a questão que se controverte, por que quem foge do logar para onde é chamado, e onde devia estar, não se sente ahi bem. Isto é claro.

Feita agora apenas esta observação, e para acompanhar

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os illustres deputados da maioria, que nos censuram por discutirmos um assumpto já discutido, e que s. exas. sempre vão discutindo seguindo o exemplo do sr. presidente do conselho, direi que a minha opinião é que a prisão do sr. Ferreira de Almeida, foi illegalmente feita, e para isso basta, que não tenha sido feita em flagrante delicto, por que só n'este caso é que em certas circumstancias póde um deputado ser preso sem licença da camara.

Eu não comprehendo flagrante delicto com mandado de captura: o mandado de captura repelle a idéa de flagrante delicto.

O sr. presidente do conselho veiu aqui dizer-nos, que se tinha reunido com os seus collegas para deliberarem sobre o caso aqui succedido, e que tinham dado ordem para se prender o sr. Ferreira de Almeida, e esta ordem foi aqui lida por um illustre deputado da opposição; e depois disse-nos tambem, que a prisão tinha sido feita em flagrante delicto, porque tinha havido continuidade na perseguição do delinquente.

ntão quem é que o perseguia emquanto os srs. ministros deliberavam, e passavam mandado de captura?

Desde que se reconhece e confessa, que entre o delicto e a prisão houve deliberação e em virtude d'esta se passou um mandado de captura, e que foi em cumprimento d'esse mandado que se effectuou a prisão é juridicamente impossivel affirmar-se que essa prisão se fez em flagrante delicto; e está prejudicada n'este caso a questão de saber se o sr. Ferreira de Almeida deve ser considerado militar ou simplesmente deputado, por que em qualquer dos casos só podia ser preso em flagrante delicto, como o proprio sr. presidente do conselho reconheceu. (Apoiados.)

O silencio do sr. ministro da justiça, tão competente n'esta materia, indica bem que esta é que é a verdadeira doutrina. (Apoiados.)

Exposta rapidamente a minha opinião sobre um ponto que já não devia admittir discussão, e que eu não discuti senão para acompanhar os illustres deputados da maioria, vou occupar-me restrictamente da questão que se ventila, e cingindo-me a ella parece-me que não podemos deixar de votar pela procedencia da moção do sr. Dias Ferreira. (Apoiados.)

A circumstancia da camara votar a urgencia d'esta moção, já é um forte argumento a favor d'ella. (Apoiados.) É mais do que um argumento, é uma approvação implicita, porque o que é urgente tem de se fazer e é indispensavel.

É na verdade, o que pede o sr. Dias Ferreira?

Que seja entregue ao poder competente um deputado que foi illegalmente preso, que está illegalmente na prisão, porque já passaram mais de vinte e quatro horas depois de preso e ainda lhe não entregaram a nota da culpa, de sorte que não só negam aos deputados os privilegios, que a carta lhes dá, mas até lhes tiram as garantias que tem qualquer cidadão portuguez!

O illustre deputado que me precedeu, e que tratou habilmente a questão, disse que já está satisfeito o que se pretende na moção do sr. Dias Ferreira, porque o preso já está entregue ao tribunal militar, que é o competente.

Se o preso já está entregue a um tribunal para organisar o processo preparatorio, está satisfeita a primeira parte da moção; resta-nos apenas saber se esse tribunal deve ser o civil, como se pretende na moção, ou se deve ser o militar, como pretende o illustre deputado que me precedeu. S. exa. julga que deve ser o militar, porque o sr. Ferreira de Almeida ao mesmo tempo que é deputado é militar, e por isso está sujeito ao fôro militar.

Não posso admittir similhante doutrina; a qualidade de deputado prevalece sobre qualquer outra que tenha o individuo que é deputado. A carta, no artigo 26.°, diz terminantemente que nenhum deputado, durante a sua deputação, póde ser preso sem auctorisação da camara, a não ser no caso de flagrante delicto de pena capital. Não faz distincção alguma, e o illustre deputado, que é um magistrado distinctissimo, sabe perfeitamente que onde a lei não distingue, não é licito ao julgador distinguir. (Apoiados.)

E se assim não fôra, isto é, se não prevalecesse a qualidade de deputado sobre a de militar, não seria preciso esforçarem-se para demonstrar que se tinham dado os casos, em que o deputado póde ser preso sem licença da camara; bastaria demonstrar, que se davam aquelles, em que o póde ser o militar.

O sr. Laranjo lendo ha pouco um trecho do processo criminal de Nazareth mostrou, que ha casos, em que os militares perdem o fôro militar; e um d'esses casos é sem duvida quando são deputados. (Apoiados.)

O sr. presidente do conselho disse tambem, que os privilegios da carta são uma garantia para a funcção e não para o individuo; isto tambem assim não é; se fossem uma garantia para a funcção, deviam ser applicados só ao exercicio da funcção e não ao individuo, e a carta refere-se ao deputado ou par, e não á funcção de par ou de deputado. Assim como os privilegios que s. exa. tem como ministro o acompanham por toda a parte emquanto for ministro, tambem os privilegios de deputado o acompanham sempre emquanto for deputado, por isso julgo que o sr. presidente do conselho disse erradamente, que o privilegio que a carta concede ao deputado é uma garantia da funcção e não do individuo. (Apoiados.) E sendo assim não póde ter influencia nenhuma qualquer outra qualidade que um individuo reuna á de deputado, e não vem nada para o caso o averiguar-se se o sr. Ferreira de Almeida é militar ao mesmo tempo que é deputado; basta que se saiba que é deputado.

E tanto assim é, que nem as funcções de deputado se podem accumular com as de outro cargo (menos o de ministro) sem auctorisação da camara, dil-o a carta terminantemente, e aqui dá-se a circumstancia do que o sr. Ferreira de Almeida não estava auctorisado a accumular as funcções de militar com as de deputado.
Portanto, se é simplesmente deputado, não ha nada que ver com o fôro militar, e deve seguir-se a regra geral.

Disse tambem o sr. Laranjo, que se entendemos que o fôro militar não é o competente, póde o réu deduzir a excepção de incompetencia, e os tribunaes julgarão, mas tambem o réu podia ser entregue ao tribunal civil, e que deduzisse o ministerio publico a excepção de incompetencia se o julgasse conveniente, isto seria mais favoravel ao réu; e é um principio de jurisprudencia criminal applicar a lei como for mais favoravel ao réu, principalmente quando não é clara e ha ou póde haver motivo de duvida.

Termino aqui as minhas considerações, porque a questão é simples e seria abusar da benevolencia da camara demorar-me a demonstrar o que é facil de se comprehender; mas não termino sem dizer que nós não queremos a impunidade dos criminosos, quando sejam deputados, como nos têem dito d'aquelle lado da camara; nós queremos a punição dos crimes, sejam quem forem os criminosos, mas queremos tambem que se observem as formalidades legaes, que são garantia da justiça, e que a ninguem é licito desprezar. E permitiam que aqui termine as minhas
considerações.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Sr. presidente, tinha pedido a palavra quando estava no uso brilhante d'ella o nosso distinctissimo collega o sr. Rodrigues dos Santos, porque entendi que seria um acto de defferencia da parte da maioria, que tão grandes talentos conta no seu seio, não oppor nenhum d'elles á palavra elegante e fluente d'esse auspicioso orador, que fazia hoje a sua estreia, mas sim oppor-lhe apenas a minha voz humilde, e bem tremula em occasião tão solemne como esta, em que, pela primeira vez tambem, tenho a honra de a fazer ecoar n'esta casa.

Eu comprehendo bem que nenhum assumpto ha que mais possa inflammar as nossas paixões do que este; mas comprehendo tambem que nenhum impõe a todos nós mais severa

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obrigação de reprimir todos os excessos de linguagem, e de o tratar com a serenidade e boa paz, com que a final todos querem mas nem todos conseguem que elle seja tratado, com a serenidade de juizes, já que abdicámos as funcções politicas e legislativas, para estarmos aqui a interpretar a lei e a applical-a a factos, para estarmos aqui a discutir excepções de incompetência - questões e factos que, pela carta constitucional, são entregues a poderes independentes de nós.

Não quero dizer com isto que a camara pratique um abuso; o que eu quero notar é que ha uma grande indisciplina nos espirites, uma grande anarchia nas opiniões, uma grande falta de comprehensão da organisação e das obrigações dos publicos poderes.

Essa falta de comprehensão, ou antes falsa comprehensão tornava-se muito mais saliente, na occasião em que pedi a palavra, que foi quando o sr. Rodrigues dos Santos acabava de dizer que, em seu entender, o governo só podia salvar-se da responsabilidade enorme em que incorrera, pedindo ás côrtes um bill de indemnidade. Pois, sr. presidente, é exactamente n'isto que se nota, como eu disse, a indisciplina dos espiritos, e a falsa comprehensão das nossas e das alheias attribuições. Pois, porventura, não se diz expressamente na carta que só da respectiva se camara precisa licença para a prisão de um deputado?

Esta camara é apenas um ramo secundario...

Vozes: - Oh!

O Orador: - É secundario, e vou demonstral-o; digo secundario, porque o fecho do poder legislativo, segundo nos diz a carta, é o Rei com a sua sancção.

Acima das duas camaras, a constituição collocou, com o seu veto absoluto e com o arbitrio da dissolução, o poder moderador. O poder moderador é a chave de toda a organisação politica, e compete privativamente ao Rei. Estes são a letra e o espirito da nossa legislação constitucional. Póde não satisfazer isto ás aspirações democraticas dos meus collegas; póde mesmo não satisfazer ás aspirações do meu espirito tão novo, como ambicioso de ver um futuro grande de progresso e brilhante de liberdade para a minha patria: mas o que é certo é que é esta a traducção fiel da carta.

Dizia eu, sr. presidente, que um ramo, e secundario, do poder legislativo é esta camara; e unica e simplesmente d'ella se precisa licença para a prisão de um dos seus membros. Portanto, ainda mesmo que o governo houvesse saltado por cima d'esta disposição legal, que não saltou; ainda mesmo que houvesse praticado um attentado constitucional, que o não é; ainda assim não era preciso, seria mesmo absurdo, apresentar aqui um bill de indemnidade, que tivesse de ser discutido e approvado por esta camara, tambem discutido e approvado pela outra, e a final sanccionado por El-Rei (Apoiados.)

Bastava que a camara fizesse o que fez, para que de todo e qualquer attentado, por mais grave que houvesse sido praticado, por mais tremenda que tivesse sido a responsabilidade d'elle, o governo ficasse absolvido e lavado inteiramente de toda a culpa que podesse haver.

Eu não posso nem devo, por isso mesmo que censuro o modo por que se collocou a questão, não posso nem devo, repito, tratar d'esse ponto agora. Mas o que digo é que, desde o momento em que esta camara é soberana n'este assumpto, soberana no exercicio de funcção que não é legisladora, pois se dirige exclusivamente a manter a propria organisação, a zelar a maneira por que se constitue, e a julgar dos motivos por que qualquer de seus membros póde ser d'ella desviado; e, no uso d'essa attribuição, assim privativamente sua, cobriu a responsabilidade ministerial, seria luxo de parlamentarismo dar ainda ao executivo um bill de indemnidade.

Ouvir tão extraordinaria exigencia foi o que me fez esquecer inteiramente a minha humildade de condições, a rudeza das minhas palavras, e erguer a minha voz sobre questão de tal monta, em que, devendo sentir-me incompetentissimo, me vejo ao contrario, animado por funda convicção de que, este assumpto, o meditei e o comprehendi.

Legitima é a vaidade, tanto em quem diz que aprendeu, como em quem diz ser honrado; pelo que pouco me importa de n'isto, ser acoimado de desvanecido ou vaidoso.

Não posso nem devo alongar a discussão; o meu estado de saude não o permitte; e o respeito que eu devo á camara me prohibe tambem abusar da penhorante benevolencia com que ella me tem escutado, immerecidamente.

Eu desejava, porém, dizer ao sr. dr. Dias Ferreira, mestre de todos nós em codigos e leis, que, se o bom criterio para a applicação de uma lei é só a sua idade, mais nova do que o codigo penal, e portanto do que os artigos de guerra de 1799, cuja velhice o indignou, é a lei, ainda ha poucos dias promulgada, sobre direitos de importação. Talvez devessemos, portanto, e com vantagem, julgar o grave caso que nos occupa, pelos artigos da nova pauta, segundo o seu auctorisado parecer. (Apoiados. - Riso.)

E o que eu não posso é deixar de fazer tambem algumas referencias á questão, tal como ella acaba de ser tratada pelo meu distincto collega o sr. Ruivo Godinho.

Começou s. exa. dizendo que o governo deslocara inteiramente a questão do ponto em que o sr. Dias Ferreira a pozéra, por começar a discutir o facto da prisão; e que isto demonstrava, da parte do governo, fraqueza, visto que abandonava o seu campo, e quem abandona qualquer logar é porque n'elle não está bem. Ora, eu preciso de dizer ao meu illustre collega, cujos talentos já por duas vezes tive muito prazer de ver brilhantemente manifestados aqui, preciso dizer-lhe que não revela fraqueza quem desvia as questões do campo em que alguem, por conveniencia propria ou das opiniões que sustenta, se lembrou de as pôr; antes mostra uma perfeita comprehensão do assumpto, repondo a questão no campo em que ella deve ser legitima e racionalmente discutida; revela, pelo contrario, força, e força grande de logica, de intelligencia e de convicção quem não consente que as subtilezas alheias possam desvairar os espíritos e preverter inteiramente as opiniões. (Muitos apoiados.)

A questão, tal qual foi proposta pelo sr. Dias Ferreira, é precisamente a mesma que aqui foi discutida e votada na sessão de ante-hontem. (Apoiados.)

Não é, nem póde ser outra. S. exa. mesmo confessa que a sua moção era um meio de remediar o mal que suppunha feito; e, sendo assim, tinhamos de discutir primeiramente se existia o mal, e qual era, para vermos depois se era aquelle o efficaz remedio que lhe deviamos applicar.

Esta é que é a única ordem logica das idéas, o unico campo legitimo da discussão.

Bem fez, portanto, o nobre presidente do conselho, e s. exa. não precisa, graças a Deus que o dotou com tão prodigiosos talentos, de que eu lhe diga isto, mas fez bem s. exa. em collocar a questão onde ella deve ser collocada, e d'onde a habilidade e a finissima argúcia do sr. Dias Ferreira a pretendiam desviar. (Apoiados.)

Em seguida disse o sr. Ruivo Godinho, voltando a discutir o facto, que aliás entendia não dever ser discutido por n'elle haver recaído já uma votação solemnissima da camara, que o mandado de captura era incompativel com a idéa de prisão em flagrante delicto. Eu é que não quero, nem devo apresentar agora aqui as minhas idéas sobre o que entendo se póde considerar flagrante delicto; mas o que posso e devo dizer a s. exa., sem que n'isto haja da minha parte o menor animo de offensa á sua intelligencia, e muito menos ao seu caracter, é que o illustre deputado confundiu o termo mandado de captura, que tem na terminologia juridica uma accepção muito restricta e muito especial, com a ordem de prisão, emanada do governo para os seus agentes policiaes.

O sr. Ruivo Godinho: - Para o caso, é o mesmo.

O Orador: - Para a argumentação do illustre deputado,

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convinha que fosse o mesmo, mas, para a verdade dos fatos, para o rigor da doutrina, e para a efficacia da justiça, não é, nem convinha que o fosse. (Apoiados.)

Rasão tive eu em dizer, ha pouco, que não é prova de fraqueza deslocar as questões, é antes prova de habilidade chamal-as para onde devem ser postas. O que s. exa. disse é que o mandado de captura é incompativel com o flagrante delicto. D'accordo; porque o mandado de captura, emanado do juiz competente, é, em regra, o resultado do despacho de pronuncia, o despacho de pronuncia é o resultado do summario, o summario é o resultado da querela, e a querela é, ainda por sua vez, o resultado dos corpos de delicto e das demais investigações. (Apoiados.) Agora o que é compativel com a prisão em flagrante delicto o que é mesmo absolutamente necessario a maior parte das vezes para que, em flagrante delicto, a prisão se possa dar, como aqui se deu, é que qualquer pessoa do povo, ou qualquer funccionario, quando por si não tenha força, nem recursos proprios para conseguir a captura immediata e prompta do delinquente, possa recorrer á auctoridade publica, ou aos agentes d'ella, para que o substituam ou secundem no acto da prisão. Juridicamente, aqui, a ordem do governo correspondeu ao chamamento do soccorro policial. Póde quasi dizer-se que equivaleu ao apito da policia, ou ás vozes populares de acudam! aqui d'El-Rei! agarrem! (Riso.) Esta ordem poderá tambem chamar-se de captura, mas é perfeitamente compativel com a existencia do flagrante delicto; é muitas vezes até, como agora foi, indispensavel para que em flagrante delicto se possa effectuar qualquer prisão.

Não tendo eu a honra de conhecer pessoalmente o meu illustre collega, que acaba de fallar, sei todavia, por tradição da voz publica, que é um jurisconsulto talentoso; estranho, pois, que s. exa., limitado exclusivamente ao campo, embora vastissimo, mas para este caso muito restricto, do processo criminal commum, viesse aqui exigir as formalidades d'elle num processo de justiça militar naval.
Sr. presidente, não tenho duvida em declarar a v. exa. e á camara que nada sei dos termos e formalidades a seguir no processo criminal da marinha militar, pois ainda agora não formava tenção de entrar n'este debate; mas creio que não faço com isto offensa á sciencia do erudito jurisconsulto que me precedeu, dizendo que tambem s. exa. o não sabe; e, n'estas condições, o que posso affirmar a s. exa. é que a legislação reguladora de tal processo não póde deixar de ser especial, como é especial a qualidade dos individuos que estão sujeitos a ella, como são especiaes os delictos que ella se dirige a punir, como são especiaes as penas que ella se determina a impor. (Apoiados.)

Por isso direi, como disse o nosso digno collega o sr. Fuschini: quando não houvesse, para regular este processo, lei especial, devia havel-a para honra de todos nós, (por isso que era a nós que competia estabelecel-a), visto que assim era indispensavel para a boa instrucção e julgamento dos crimes d'aquella natureza especial.

Continuando, o sr. Ruivo Godinho, disse... Eu bem sei que estou cansando a attenção da camara...

Vozes: - Não está, falle, falle.

O Orador: - O que eu não desejo é deixar incompleto o meu pensamento...

(Interrupções que se não perceberam.)

Agradeço á opposição as interrupções que me faz. Como uso fallar muito depressa, aproveito-me d'ellas para poder respirar.

Não posso deixar incompleto o meu pensamento, para não acontecer comigo o mesmo que me aconteceu muitas vezes a mim, ouvindo alguns dos eminentes oradores que me precederam. Fiquei por vezes suspenso, á espera da conclusão final das suas argumentações, e não consegui colhel-a; e n'isto não vae offensa a ninguem pois a ninguem individualiso. Declama-se muito, e ás vezes bem; estabelecem-se muitos principios, e não raro bons; mas, a final, a conclusão não é nenhuma, ou pelo menos o meu espirito não consegue alcançal-a. Posso eu não chegar a conclusões que satisfaçam o espirito dos que me dão a honra de me escutar; mas eu é que preciso de satisfazer essa exigencia do meu espirito, chegando, bem ou mal, a uma conclusão qualquer.

Ia dizendo, que o sr. Ruivo Godinho affirmára - «que a proposta do sr. Dias Ferreira se limitava a ser entregue o réu aos poderes competentes; importava nada mais e nada menos do que restabelecer as cousas no seu verdadeiro estado; e importava nada mais, nada menos do que restituir á liberdade immediata aquelle cidadão!»

E com certeza assim era, se a argumentação de s. exa. procedesse.

Sendo verdade que o poder competente para julgal-o não era o judicial da armada, mas o criminal commum; podendo o réu apresentar-se, como mero particular, perante qualquer tribunal civil, talvez que a pena correspondente ao delicto que commettêra, houvesse de ser-lhe imposta em simples processo de policia correccional, e elle se livrasse solto, até sem necessidade de fiança; mas para que tal se d'esse, preciso era que se verificasse exactamente o mesmo que o meu illustre collega deixou de demonstrar. Em primeiro logar, era preciso que o fôro militar não fosse o competente para formar culpa ao réu, e em segundo logar, era necessario que fossemos nós os competentes para declarar a incompetencia d'esse fôro!

O poder legislativo póde fazer e revogar leis, mas não póde estorvar a applicação das que não revogou. Pois o poder legislativo, e n'este caso restricto á camara dos deputados sómente, póde acaso ordenar a um tribunal, que suspenda as suas legitimas funcções, e entregue um réu, sem processo, a outro tribunal que o instrua?

Isto não pôde, nem deve ser assim.

O sr. Ruivo Godinho: - Quem entregou o réu ao poder militar foi o governo, e tanto o podia entregar ao poder militar como ao civil.

O Orador: - O governo praticou n'este caso o mesmo que pratica qualquer pessoa do povo quando presenceia um delicto. Portanto, o governo tinha de cumprir o mesmo dever que a lei impõe a qualquer pessoa que em flagrante delicto pratica uma prisão: - entregar o preso á primeira auctoridade judicial que encontrasse.
E sabe v. exa. qual era? Supponha que era o juiz ordinario; exactamente o que não tem competencia, nem para a instrucção nem para o julgamento do processo criminal. Supponha que era o juiz criminal: exactamente o que não tem competencia nem para a instrucção, nem para o julgamento dos crimes militares. E quem ha de julgar dessa competencia senão os proprios juizes ou tribunaes?

Pois póde, porventura, qualquer juiz receber ordem do governo para julgar ou não julgar? Póde, porventura a camara dos deputados declarar competente ou incompetente qualquer tribunal?

Não póde.

Portanto, o governo andou como lhe cumpria, exercendo a sua acção repressiva por meio das ordens que transmittiu á policia e ao commando geral da armada.

Não quiz o sr. Ferreira de Almeida entregar-se aos agentes policiaes, invocando a sua qualidade de militar. Foi pois o poder militar que o prendeu, foi o fôro militar que chamou a si o conhecimento da questão, e está tratando d'ella. Se está tratando a questão incompetentemente, lá tem o interessado recurso para o tribunal superior; se a está tratando com competencia, nada tem a opposição que censurar.

Outra verdade é que esta questão de competencia ou incompetencia, tratada aqui por nós, não prejudica em nada a justiça do supposto réu.

Ha diversas auctoridades competentes para a instrucção do processo preparatorio criminal, que o não são para o seu julgamento.

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Para a formação dos corpos de delicto, (e outra cousa não faz o conselho de investigação), é indifferente que seja esta ou aquella auctoridade; e tanto a lei liga pouca importancia a este facto, que dá competencia cumulativa a muitas auctoridades para o formar, e até a simples agentes da auctoridade para levantar autos que o substituam.

Mesmo n'este ponto o sr. Ruivo Godinho está em contradicção com o sr. Dias Ferreira. Pretende aquelle illustre deputado que o governo ponha o preso á disposição dos tribunaes civis. Poz este em duvida o modo como o governo devia agora proceder, lembrando que se levantara ha annos na camara dos pares grande questão ácerca da competencia dos tribunaes ou da propria camara para instruir o processo que por ella tenha de ser julgado.

Ora isso era no tempo em que não vigorava o actual regimento da camara dos pares constituida em tribunal de justiça, onde expressamente se diz que para aquella camara só vae o processo depois de n'elle lançado o respectivo despacho de pronuncia.

Não póde, portanto, haver duvida hoje de que não é competente a camara dos pares para preparar o processo. Affirmo, pois, que o foro especial do deputado é só para o seu julgamento, e que a proposta em discussão, portanto, é alheia á immunidade parlamentar.

E mais affirmo que, fosse qual fosse a verdadeira opinião ácerca d'este ponto, nós é que nada tinhamos a julgar sobre a materia em discussão.

Tambem o illustre deputado se queixou de que dentro de vinte e quatro horas não houvesse sido entregue ao preso a nota de culpa.

Isso é das attribuições do tribunal, em que nós não podemos intervir. (Apoiados.)

Mas n'este ponto, s. exa. afastou-se da opinião dos seus collegas, que diziam até agora que dentro de vinte e quatro horas é que devia ser o réu posto em liberdade, e que a carta constitucional sanccionava este principio.

Isto foi dito a proposito dos tumultos do Porto, pois que, por elles, estiveram muitos indivíduos alguns dias e algumas noites presos sem culpa formada.

S. exa. disse o que eu diria n'essa occasião se tivesse usado da palavra, e é que a lei constitucional não diz nem nunca disse similhante cousa.

Assim como retenção policial não é prisão, tambem a nota da culpa não é o mandado de soltura. E só á nota da culpa se refere a carta constitucional.

Todo e qualquer individuo póde estar retido muitos dias sem culpa formada, quando a auctoridade competente necessite de proceder a investigações, e essas investigações durem mais do que o tempo que aos nossos collegas parece deverem demorar-se. (Muitos apoiados. - Susurro.)

Se v. exas., cada um por sua vez, e em voz alta disserem o que dizem todos juntos, em voz baixa, responder-lhes-hei.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Não posso demorar-me, porque a hora está quasi a dar.

Vozes: - Falle, falle.

O Orador: - Mas eu desejava responder ainda a outras considerações do illustre deputado.

A primeira observação é sobre a cerebrina idéa de que, não permittindo a carta constitucional accumular com outras as funcções de deputado, sem licença da camara, e não tendo o sr. Ferreira de Almeida obtido essa licença, nem sequer exercia outras funcções que não fossem as de deputado.

Isto é curioso, é original! (Apoiados.) E passo por este argumento o mais depressa possível, para não melindrar o illustre deputado.

S. exa. confundiu completamente funcções com qualidade. (Muitos apoiados.)

Ha muita differença entre a qualidade de official de marinha e as funcções de official da armada. (Muitos apoiados.)

Ainda que se não exerça as funcções, nem por isso se perde o caracter ou a qualidade de militar. (Apoiados.)

A disciplina militar abrange a qualidade; a immunidade parlamentar só cobre as funcções.

Os deputados, só quando exercem as respectivas funcções são deputados para o effeito da immunidade parlamentar; e os militares, ainda que não exerçam as funcções de militar, estão sempre sujeitos á disciplina. Esta é que é a differença.

Os membros do parlamento, quando não exercem funcções legislativas, são, pela carta constitucional e pela legislação ordinaria, puramente particulares. (Apoiados.)

Não assim os militares, em cujos delictos é circumstancia aggravante o exercido das suas funcções.

Saiba-se, portanto, distinguir funcções de qualidade. (Apoiados.)

Quasi que se dá com os militares o mesmo que se dá com os sacerdotes, salva a distancia devida. É que a qualidade militar imprime caracter. (Muitos apoiados.)

Portanto, s. exa. ouve agora de mim o que de certo já dizia a si mesmo, com a differença de que o dizia em voz baixa (Riso.): que a qualidade de militar, assim como o caracter sacerdotal, não precisa de auctorisação da camara para ser accumulada com as funcções parlamentares, e que as funcções militares do sr. Ferreira de Almeida nem mesmo com licença da camara podiam ser accumuladas com as de deputado, porque tinha de as exercer fora da capital.

N'estas condições s. exa. bem vê que ha profunda differença entre funcções e qualidade; e que o deputado só póde e deve ser considerado como tal, quando como tal exerce as suas funcções.

E se é inviolavel no exercício das suas funcções, não o é no exercicio das suas forças physicas em qualquer sentido que lhe approuver (apoiados); se é irresponsavel na manifestação das suas opiniões, deve, ainda assim, responder pelos abusos que no uso da palavra praticar.

Faço a v. exa. uma outra observação, e é que a faculdade da camara dar ou negar licença para o processo seguir, se refere só ao seguimento do processo durante o exercicio das funcções de deputado; porque logo que termina a legislatura, o processo póde seguir sem licença, senão tiver prescripto.

Portanto, a questão aqui é apenas de immunidade parlamentar. É porque se entendeu, e com certa rasão, que se não devia deixar ao arbitrio das auctoridades a prisão por qualquer motivo, que podia ser futil, d'um membro do parlamento, onde a sua palavra podia ser indispensavel, ou necessario o seu voto. (Apoiados.)

Registo com prazer os apoiados, tanto mais que elles partem de um lado insuspeito da camara. Mas elles me determinam a estranhar mais, e n'esta parte com o sr. conselheiro Dias Ferreira, que a minoria d'esta casa não levantasse propriamente essa questão, que era a questão capital. Porque, a final de contas, que importava que houvesse ou não flagrante delicto, no sentido restricto da palavra, se a applicação d'este principio, n'estas ou n'outras condições, embora perfeitamente legal, fosse um attentado contra os direitos da minoria?

Se s. exas. me demonstrassem que realmente o sr. Ferreira de Almeida, pelo acto que praticara, não podia nem devia ser preso, porque o acto não era tão grave, quão grave era a privação que a camara soffria com a saída d'elle d'esta casa, n'esse caso é que seria bem cabida a questão, e era natural que a liquidássemos (Apoiados.) Mas s. exas. não trouxeram a questão para este campo; limitaram-se a explorar o escandalo e o sentimentalismo, e a individualisarem o facto. (Apoiados.)

Portanto, individualisaram a questão; desceram para a

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tábua, que não direi rasa, mas que em todo o caso não é alta das conveniencias pessoaes, ou das affeições de classe ou de parentesco, ou das affinidades de occasião; trataram da questão não do deputado que saía d'esta casa privado do direito de funccionar, mas do individuo, como se fosse alguem que lhes fazia conta terem a seu lado para os coadjuvar n'essas polemicas politicas, ou de paixão. Assim foi a questão collocada.

N'essa parte, faço justiça ao sr. Consiglieri Pedroso, que foi quem a levantou à altura dos principios «immortaes», como lhe chamou o sr. Fuschini.

Voltando á questão principal, que é saber se realmente o illustre deputado, que a fatalidade privou do exercicio das suas elevadissimas funcções e a nós nos privou tambem da sua illustradissima cooperação, póde e deve ser considerado como militar, ou como deputado, basta reproduzir n'este momento as palavras sensatamente elequentes, e digo sensatamente, porque a eloquencia nem sempre é sensata, e n'esta casa temos ouvido exemplos de eloquencia bombastica e campanuda, mas a que falta muitas vezes a sensatez (Apoiados.) basta reproduzir, dizia eu, as palavras sensatamente, eloquentes do illustre presidente do conselho, quando disse que a immunidade era concedida â funcção e não á, pessoa.

N'estas condições, qualquer só póde invocar para si a qualidade de deputado, quando realmente exerce essas funcções.

Fóra d'isso, declaro que não comprehendo em caso algum, porque seria odioso, similhante privilegio. Não comprehendo mesmo que, pelo facto de ser deputado, alguem possa vir em certas horas do dia dizer á, camara o que bem quer, bastando que a benevolencia da camara o consinta, como infelizmente a benevolencia de todos nós o tem consentido até agora. Por isso, menos comprehendo ainda, nem quero para mim, pois que o não acho conveniente nos outros, o privilegio de lá fora, ou n'esta camara, antes de se abrir, ou depois de se encerrar a sessão, praticar toda a casta de abuso, sem perigo de ser punido senão com auctorisação d'aquelles mesmos que muitas vezes lucram com esses abusos que não criminam, ou que, pelo menos, não estão dispostos a consentir que sejam punidos.

Isto é que não póde ser. A carta constitucional abriu uma excepção, e uma excepção odiosa, estabelecendo as immunidades parlamentares; e digo odiosa porque, se não o é para nós que nos aproveitâmos d'ella, é o para todos os outros que a não gosam; e cumpre-nos ser suficientemente imparciaes para encarar a questão por cima de nós e dos outros, e não sob o ponto de vista restricto das nossas pessoas ou das nossas qualidades. (Apoiados.)

Ora, dizia eu que, desde o momento em que a immunidade parlamentar é sómente concedida ás funcções de deputado, o sr. Ferreira de Almeida, acabando de exercer essas funcções, passava á categoria simples de cidadão, sem perder, dentro d'essa categoria, a sua qualidade de militar; e sendo militar...

O sr. Franco Castello Branco: - Ih! Jesus!

O Orador: - Pedia ao illustre deputado o sr. Franco Castello Branco que me dissesse a rasão por que empregou esse aparte; que me explicasse qual o ponto da minha argumentação com que não concorda, ou que merece a sua reprovação?! Tal é a boa vontade que tenho, não direi de convencer a s. exa., que de tanto me não sinto capaz, mas de pelo menos, não ficar sob o peso de suppor a camara que não tenho forças para lhe responder.

Ora, eu estou disposto a empregar todos os esforços de que possa dispor para defender as minhas opiniões. (Vozes: - Muito bem.)

O sr. Franco Castello Branco: - Como v. exa. me permitte que o interrompa, direi em primeiro logar, que sou o primeiro a admirar e a respeitar o seu talento e a sua illustração, não posso, porém, deixar de dizer, que não concordo com muitas das considerações que s. exa. fez; e, como ainda ha pouco ouvi censurar que se fizessem ápartes, ainda que não sou d'essa opinião, não faço agora nenhuma outra declaração. No entretanto, como estou inscripto n'este debate, parece-me que o illustre deputado não levará a mal que eu guarde para a primeira sessão, o explicar-lhe as rasões por que não posso concordar com elle; e s. exa. que tem sido tão eloquente no seu discurso, será tambem um pouco paciente, esperando que eu use da palavra no logar que me competir.

O Orador: - Não se póde ser paciente quando se está, como eu, ancioso de ouvir a sua voz auctorisada e de admirar o seu talento brilhantíssimo; por isso que v. exa. póde acreditar que tenho a maxima consideração tanto pela sua pessoa, como pelo seu caracter, como ainda pelo seu elevado talento, ponto de vista este, em que tenho tido maior numero de vezes occasião de o apreciar.

Ora, eu declaro á camara, que, tendo ouvido a s. exa. aquelle phrase Ih Jesus, que demonstrava, não só um completo desaccordo de opiniões, mas até que eu tinha dito qualquer heresia sobre a materia sujeita ao debate, não pude deixar de dirigir-me ao illustre deputado que fazia o aparte, para que me explicasse, qual a heresia que eu tinha proferido, e de que ordem era ella, que assim parecia levantar contra mim uma revolta geral. (Apoiados.)

Eu não podia ficar, como ficava, sob o peso, sob a impressão dolorosa de ter dito uma cousa tão heretica, que nem sequer me atrevera a contrariar quem a notára.

Na proxima sessão, como sempre, e quando infelizmente já não possa ser hoje, terei muito prazer em ser completamente convencido por s. exa. E sabe a camara a rasão porque ás aspirações do meu espirito não desagrada que alguém me convença de um erro que commetti? É porque, se depois de eu ter meditado bem qualquer questão, vem um talento, como o do illustre deputado, destruir todas as rasões em que eu baseara o meu voto, e apresentar outras de tal ordem, que me convencem de que errei, é isso, com certeza, a prova mais cabal de que a ultima opinião é a melhor; e eu, que quero ter sempre a melhor opinião, folgo muito de acceitar, n'este caso, a opinião alheia. (Muitos apoiados.)

Ia depois dizendo que o sr. Ferreira de Almeida, sendo militar, não póde ter as regalias da legislação civil. Não póde ser, portanto, em face d'esta legislação, que o procedimento do governo ou dos tribunaes ha de ser discutido.

É tarde. Vou terminar...

Vozes: - Falle, falle.

O Orador: - A camara está cansada...

Vozes: - Não está, não está.

O Orador: - E porque não quero mesmo privar o sr. Franco Castello Branco de me responder hoje, vou terminar com duas ou tres considerações.

Considerou-se hoje esta questão de vida ou de morte, tendo-se sustentado hontem que ao crime em caso algum podia competir a pena capital. Chamaram depois brioso official de marinha ao sr. Ferreira de Almeida, para affirmar que não fugia ao acto da prisão, e negam-lhe agora a qualidade de militar para poder ser entregue ao fôro civil.

Querem, n'este momento, commetter um attentado contra os tribunaes, para remediar um supposto attentado constitucional! E o sr. Ruivo Godinho estava tão indignado contra este attentado, que desejava por todas as fórmas, sem as discutir, que a proposta do sr. Dias Ferreira fosse approvada, para que, não a immunidade parlamentar, que n'este caso era o menos, mas sim a letra da carta constitucional, que; tambem n'este caso, para a opposição, era tudo, fosse inteiramente acatada. (Apoiados.)

Pois, sr. presidente, posso affirmar a v. exa., e creio que toda a camara já estará d'isto convencida, que, em primeiro logar, nós não poderiamos era caso algum fazer o que a opposição queria que fizessemos, sem perigo de commetter um attentado maior do que o supposto attentado da pri-

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são. Porque isso é que seria violar o principio constitucional da independencia dos poderes.
Em segundo logar, qualquer resolução que se tomasse agora aqui em sentido contrario ao que se fez, podia ser repellida, dentro dos limites da acção legal, pelo proprio tribunal a quem já está incumbida a instrucção do processo militar. (Apoiados.)
Por ultimo, e outra vez, affirmarei, e sem receio de poder ser contestado por alguem, que o poder competente para o processo, é aquelle que o está instaurando; e quando porventura o não seja, é certamente elle o unico competente para declarar que o não é, (Apoiados.} embora com recurso para a sua instancia superior.
A final, em ultima analyse, nada d'isto, infelizmente, aproveita para a salvação do sr. Ferreira de Almeida, salvação que eu sinceramente desejo, e creio que interpreto os sentimentos de toda a camara dizendo que a desejâmos todos nós. Mais ainda: é inteiramente indifferente para o andamento d'esse. calamitoso processo, que approvemos ou rejeitemos a proposta em discussão.
(O orador foi muito cumprimentado por todos os seus collegas.)
O sr. Fuschini: - Pedia a v. exa. que me dissesse se já deu a hora.
O sr. Presidente: - Ainda não deu.
O sr. Fuschini: - Então peço a palavra para um requerimento.
O sr. Presidente: - Tem a palavra.
O sr. Fuschini: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que a sessão seja prorogada até se votar a moção do sr. Dias Ferreira.
Vozes: - Deu a hora.
Posto o requerimento á votação foi rejeitado.
O sr. Presidente: - Ámanhã ha trabalhos em commissões. A ordem do dia para sexta feira é a mesma que estava dada para hoje. Este incidente continua antes da ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais de seis horas.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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