452 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
eximir-me, no encargo de relatar o projecto, é meu dever, não direi responder, mas seguir o illustre parlamentar, e se tantas vezes, se como sempre eu preferia calar me a fallar, agora muito mais, pois desejaria que alguem mais competente occupasse o meu logar para responder ás observações mais principalmente dirigidas a mim como relator do projecto, na parte relativa aos usos commerciaes.
Ha n'esta casa, alem dos membros da maioria da commissão, que muito melhor do que eu podiam occupar este logar, um, que de preferencia eu estimava que o fizesse, porque, alem de ser um distinctissimo jurisconsulto, tinha a vantagem de militar nas fileiras da opposição.
Já sabe a camara que me refiro ao sr. conselheiro Dias Ferreira.
Ninguem estranhará que eu invoque a sua auctoridade, se bem que a questão não é de auctoridade, mas de argumentos, a questão aqui é uma questão scientifica, não se vence com auctoridade; mas, sentindo-me tão fraco e tão pequeno, preciso procurar auxilio, e por isso peço licença para lembrar a auctoridade de s. exa., como depois repetirei quando chegarmos a outra altura da discussão.
O illustre deputado começou por explicar a rasão por que não tinha tomado parte na discussão da generalidade.
S. exa. approva a idéa de reformar o codigo commercial, considera opportuna a occasião, felicitou mesmo o ministro, como toda a camara e o paiz o felicitam, por ter chegado a poder concluir este trabalho.
Rasões analogas me fizeram tambem calar na chamada discussão da generalidade, mesmo porque não houve tal discussão, e desculpem-me os illustres parlamentares, que só inscreveram na generalidade, o eu fazer esta nota que apresento, pela simples rasão de dever defender-me de qualquer objeção que se podesse fazer por não ter tomado parte na discussão da generalidade.
Levantaram-se duas questões previas, que já estão decididas pela camara, e aproveitando a mesma inscripção, discutiram dois parlamentares, o sr. Dias Ferreira a questão das dividas contrahidas pelo marido na constancia do casamento, que é uma questão da especialidade, e o sr. D. José de Saldanha.
Não vi realmente, como bem notou o sr. Julio de Vilhena, que ninguem se levantasse a dizer que não era ainda tempo de reformar o velho codigo commercial de 1833; não ouvi ninguém dizer que não era agora que o deviamos fazer; não ouvi ninguém tratar outras questões que eram tambem da generalidade, a questão do methodo e doutrina d'este codigo; e não vendo, portanto, pôr em discussão nenhum d'estes pontos, entendi que não se tratava da generalidade, e por isso dispensei-me de entrar n'ella.
Começada a discussão, e discutido o artigo 1.° do codigo, vou cumprir o meu dever como poder e souber.
No artigo 1.° propoz o sabio jurisconsulto o sr. Julio do Vilhena a sua eliminação e deu como rasão, que elle contém duas partos. Na primeira parte, a affirmativa de que a lei commercial rege os actos commerciaes era desnecessaria, e acompanhou esta sua affirmativa por uma simples consideração de analogia; porque, se mantivermos no codigo commercial uma disposição assim, deviamos no codigo civil consignar-se uma outra analoga, assim como no codigo penal e no codigo do processo.
Parece-me dever concluir-se d'esta maneira como s. exa. apresentou o argumento, que nos codigos civil, penal e do processo não estava uma disposição analoga a esta, mas ainda assim ainda nos restava saber qual era o melhor systema.
O codigo civil diz logo no principio o seguinte:
«Artigo 2.° Entende-se por direito n'este sentido a faculdade moral de praticar ou deixar de praticar certos factos, o por obrigação a necessidade de praticar ou de não praticar certos factos.
No artigo 3.° diz que os direitos e obrigações que constituem a capacidade civil dos cidadãos denominam se direitos e obrigações civis e são regidos pelo direito privado contido no codigo civil, excepto na parte que é regulada por lei especial.
Por consequencia abrimos o codigo civil e vemos que elle diz o que rege o codigo civil, e isto é dito por fórma differente do codigo commercial. Se o codigo civil rege uma materia, o codigo commercial rege outra materia. Podemos discutir se o que é a regra consignada no artigo 1.° não corresponde á verdadeira doutrina, mas dizer que devemos riscar o artigo 1.°, porque não está nos outros codigos, não é natural. E quando mesmo não tivesse esta rasão a invocar, da improcedencia da objecção, por haver nos outros codigos artigos parallelos a este, s. exa. deu mais argumentos para se dever manter o artigo.
Notarei em primeiro logar que não me parece que seja rigorosamente acceitavel a maneira de criticar um artigo seindindo o nas suas differentes partes, mas acompanharei s. exa. na sua argumentação.
Disse o illustre deputado que quanto á segunda parte do artigo, quando se não quizesse deitar fóra, se devia passar para o artigo 2.°
Mas se s. exa. disse que nos codigos se deviam pôr sempre doutrinas claras e estabelecer disposições positivas, como é que quer passar para outro artigo doutrinas ou principios que não têem ahi cabimento? Por essa forma tornava-se a doutrina do artigo difficil de entender.
Portanto, creio ter dado, quanto em mim cabe, as rasões por que a commissão entendeu dever manter a doutrina do artigo.
Passarei ao artigo 2.° Por muito que o illustre parlamentar e distincto jurisconsulto que acaba de fallar tivesse estudado este artigo, por muito grande que seja a sua competencia, eu posso, sem melindrar s. exa., affirmar que s. exa. não estudou nem mais, nem com mais empenho de acertar, nem com mais vontade de apresentar um artigo que podesse ser entendido por todos, e ao mesmo tempo comprehender todos os assumptos, como é indispensavel, do que a commissão.
Este artigo, posso dizel-o, foi o mais discutido e debatido na commissão de legislação commercial, e depois de tudo isto, dos embates que teve talvez da unanimidade da commissão, porque não exagero dizendo que talvez na commissão não houvesse um unico vogal que não fizesse alguma critica, acerca do artigo, e que não propozesse a substituição de alguma palavra; d'isso tudo, repito, o artigo passou tal qual estava na proposta do governo. Isto não faz-o meu elogio, mas o elogio do sr. ministro da justiça, que redigiu o artigo. (Apoiados,)
Ainda vou mais longe. Eu esperava que o meu illustre amigo o sr. Julio de Vilhena, fazendo a critica que fez ao artigo, apresentasse uma substituição, e estava-me já habilitando para o ver, porque assim tiravamos as provas da grande difficuldade de redigir este artigo 2.° e a impossibilidade, talvez, de poder chegar a qualquer modificação.
Como dizia, este artigo foi muito discutido na commissão; quasi que cada vogal d'ella desejava a substituição da uma palavra, o a final chegámos todos á conclusão de que se não podia tocar, porque se se modificasse qualquer palavra d'esse artigo deixava de corresponder á significação com que estavam ali, pesadas, segundo o velho conceito de Bentham, que tantas vezes ouvimos repetido no nosso curso, e tantas outras repetir n'esta casa, pesadas como um brilhante.
Posto isto, passo a apreciar as observações especiaes que a esto artigo fez o sr. Julio de Vilhena. S. exa. antes de passar adiante disse, o que é um facto, que duas escolas se apresentam a disputar a preferencia sobre a maneira de indicar o que sejam actos de commercio - que uns codigos seguem o caminho de definir o que sejam actos de commercio, e outros seguem o da enumeração dos actos que consideram commerciaes - e s. exa. mesmo, repetindo o que se encontra, quer no relatorio do sr. ministro, quer