SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO DE 1888 457
fica, porque o direito consuetudinario deixou de ser um elemento subsidiario pelo artigo 3.° do projecto.
(Interrupção do sr. Vicente Monteiro.)
Parece me, portanto, que o primeiro argumento apresentado pela commissão nada prova, porque os bons principios estão do lado do uso e não contra o uso.
E, só assim não é, diga-nos o sr. relator quaes são os bons principies offendidos, visto que a commissão teve todo o cuidado em não nol os indicar no seu relatorio.
Do que expuz, parece-me poder concluir que os bons principios estão consignados no artigo 3.° da proposta, do sr. ministro da justiça.
O segundo argumento em que a commissão se baseou para não admittir os usos mercantis como subsidiarios, foi por virem modificar sem vantagem, e antes com inconvenientes, o estado actual do nosso direito patrio.
Permitta-me s. exa. que lhe diga que, segundo o nosso direito, os usos commerciaes estavam em vigor pelo nosso codigo do commercio como subsidiarios.
S. exa. citou o artigo 1.º do codigo, onde se considera como subsidiario o direito civil; mas, se vir o artigo 3.° do decreto que poz em vigor o codigo commercial, s. exa. encontrará que se revogaram somente os usos e costumes que forem contrarios á lei ou ao espirito d'ella.
Portanto, parece-me que se não póde dizer que não estão ainda em vigor pela nossa jurisprudencia actual os usos, logo que não vão de encontro á lei.
E antes do codigo commercial muitas disposições havia, que eu não cito agora para não fatigar a camara, nas quaes se mandavam observar os usos e estylos commerciaes.
Como eu conhecia estes diplomas, notei que o sr. Oliveira Martins, publicando um brilhante artigo sobre o codigo commercial, fóra menos exacto, defendendo os usos como subsidiarios, mas desistindo da sua opinião por lhe parecer que era uma innovação no nosso direito, e por entender que os codigos não são azados para fazer propaganda.
Não era innovação nem propaganda, era simplesmente a conservação do direito actual, que devia continuar a subsistir.
Supponhâmos, porém, que os usos não são considerados subsidiarios pelo nosso direito actual. Quem ha ahi que tenha pratica do commercio, que possa dizer, de boa fé, que nos nossos tribunaes se não está julgando pelos usos e costumes?!
Se isto assim é, se os usos conseguem triumphar, apesar da prohibição da lei, facilmente se conclue a sorte que espera o artigo 3.° do projecto. As leis não se respeitam, quando não estão em harmonia com as necessidades que regulam: tomam se obsoletas.
Prohibir os usos equivale a remar contra a maré.
E tanto estas considerações são geralmente acceitas, que os recentes codigos commerciaes da Allemanha, da Italia e da Hespanha respeitam os usos como subsidiarios, e admittem-nos em primeiro logar, recorrendo-se á lei civil sómente na falta de usos. E acho rasoavel esta preferencia dada aos usos.
Se os actos commerciaes - como pondera Mancini - se afastam da lei commum, é porque esta regra foi reconhecida inadequada e insufficiente para os regular, e é porque o uso corresponde melhor ás necessidades do commercio.
Se o direito commercial se separou do direito civil por uma evolução gradual, visto que a natureza dos actos que regulam, se ia diversificando successivamente, como é que os principios de direito civil hão de poder applicar-se a casos de direito commercial?
Se o direito commercial maritimo não tem nenhumas ligações com o direito civil, que subsidios póde este dar para a interpretação d'aquelle?
Pondere-se, alem d'isto, que no direito commercial ha uma grande boa fé, que dispensa grandes formalismos, e que ha necessidade de muita rapidez para se não entorpecer o desenvolvimento do commercio.
Sendo assim, applicando-se aos actos commerciaes os principies geraes de direito civil, podem succeder flagrantes injustiças.
Exemplo:
As letras, não sendo protestadas em tempo util, não têem valor como obrigações commerciaes, e valem apenas como titulos de obrigações civis.
Se uma letra, n'estas condições, for do valor de reis 1:000$000, como se ha de cobrar civilmente, se o codigo civil não admitte para prova das dividas de mais de réis 400$000 senão as escripturas publicas?
Em todo o caso, o uso supplantou tudo e essa letra é paga integralmente, apesar das disposições da legislação civil.
A terceira rasão encontra-se no seguinte periodo do relatorio: - «... se os usos tivessem de prevalecer em commercio ao subsidio do direito commum e geral, consignado no codigo civil, indispensavel seria formar o codigo de commercio, não só com as disposições de especialidade ou excepção que o constituem, mas com todas as outras, que á maneira dos mais codigos especiaes, não repete por estarem na regra e como regra serem de cumprir».
Este argumento não tem força nenhuma. Não é necessario reproduzir no codigo commercial os principies geraes que estão consignados no codigo civil, porque esses principios não são peculiares de um ou de outro codigo; são principios geraes do direito privado.
Se se encontram no codigo civil, fui por este direito se formar primeiramente. E, desde que estão consignados n'um codigo, desnecessario é trazel-os tambem para o outro.
Se esses principios geraes se codificassem primeiro no codigo commercial, não era preciso trazel-os para o codigo civil.
O ultimo argumento da commissão é a difficuldade que ha em se saber o que deve entender-se e a que deva satisfazer esse uso para se considerar estabelecido, difficuldade que o deixa o arbitrio arvorado em lei.» Se a commissão se mostra tão hostil ao arbitrio, devia ter eliminado a segunda parte do artigo 2.° e marcar taxativamente os actos commerciaes, para não surgirem na pratica nenhumas difficuldades.
E qual é o modo por que pretende acabar com o arbitrio? Qual é a substituição que apresenta para acabar com os usos subsidiarios? São os principios geraes de direito civil que são variaveis para cada magistrado, porque cada um entende as cousas por seu modo, visto que taes principios são extremamente vagos.
Mas ainda ha mais, segundo o relatorio da commissão, fica em vigor o artigo 16.°, que regula os casos omissos no codigo civil e que manda attender aos «principios de direito natural, conforme as circumstancias do caso.»
Pois haverá cousa mais vaga, mais arbitraria do que os principios de direito natural?
Não são esses principios diversos, conforme a escola phylosophica em que cada um se filia?
Esta imperfeição do codigo civil não devia introduzir se no codigo commercial.
Deixar os principios de direito natural como subsidiarios, é deixar uma arbitrariedade tão grande, que cada juiz pôde interpretar a lei como quizer e fazer o que quizer.
Disse o sr. Julio de Vilhena e repito eu: Pois não é o uso alguma cousa mais palpavel do que estes principios?
O uso não é a sugestão de qualquer negociante, é a pratica seguida e conhecida no commercio. Os usos são factos que podem provar-se e não são theorias de philosophia que admittem controversias interminaveis.
Se o uso póde dar logar ao arbitrio, o que ha de di-