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SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO DE 1888
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José Machado
Luiz de Mello Bandeira Coelho.
SUMMARIO
O sr. presidente declara que tinha recebido duas representações da associação commercial do Porto, a proposito das propostas de lei n.º 9-D e 9-H, apresentadas pelo sr. ministro da fazenda. Foram mandadas publicar no Diario da camara, na conformidade do desejo manifestado pela associação. - Dá-se conta dos seguintes officios: do ministerio da fazenda, enviando 180 exemplares do relatorio, propostas de lei e documentos apresentados nu sessão do 16 de janeiro ultimo; do mesmo ministerio, remettendo esclarecimentos, em satisfação a fim requerimento do sr. José de Azevedo Castello Branco; do ministerio dos negocios estrangeiros declarando, em resposta a um requerimento do sr. Julio de Vilhena, que n'aquelle ministerio não existe nenhum documento que diga respeito ao conflicto que teve logar entre o reverendo bispo de Coimbra e a faculdade de theologia; do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação a um requerimento do sr. Ferreira de Almeida, certos esclarecimentos; do ministerio do reino, remettendo esclarecimentos, em satisfação a um requerimento do sr. José de Azevedo Castello Branco. - Tem segunda leitura o projecto do lei do sr. Augusto Ribeiro, declarando nacional o methodo de leitura Cartilha maternal, de João de Deus. - O sr. Poças Falcão apresenta dois projectos de lei. - O sr. Tavares Crespo, dirigindo se ao sr. ministro da justiça, faz algumas considerações sobre a reforma de que, no seu entender, carece o registo hypothecario. Responde-lhe o sr. ministro da justiça. - Apresentam requerimentos, pedindo informações ao governo, os srs. Ferreira Freire e Avellar Machado. - Apresenta o sr. Dias Ferreira uma nota de interpellação, assignada tambem pelo sr. Pedro Victor, acerca da execução da lei que auctorisou a construcção das obras do porto de Lisboa. - O sr. Jacinto Candido apresenta um projecto de lei creando uma nova cadeira na escola medico-cirurgica de Lisboa.- O sr. Franco Castello Branco nota a ausencia dos srs. ministros na camara antes da ordem do dia, e, lendo um documento, refere-se de novo, não obstante não se achar presente o sr. ministro da fazenda, á exigencia do governador civil de Braga com relação aos fundos das irmandades e confrarias de Guimarães, para os fazer entrar na caixa geral de depositos. Por ultimo apresenta uma representação de um comício que teve logar em Guimarães, em que se criticam certos actos do governo. Responde-lhe o sr. ministro da justiça, justificando a ausencia do governo por se achar empenhado nos debates da outra camara. - O sr. Arroyo refere-se a documentos que tem pedido e que ainda se lhe não enviaram, não obstante ter feito o seu pedido nas sessões de 11 e 13 de janeiro.- Apresentam requerimentos de interesse particular os srs. Poças Falcão, Antonio Centeno, Pereira Borges, Simões Ferreira, Castro Monteiro e Ferreira Freire. - O sr. Lopo Vaz, referindo-se ao doloroso acontecimento que se dera com o sr. Pinheiro Chagas, compraz-se, em seu nome e do grupo político a que pertencia, com a demonstração da camara, manifestando o seu pezar por aquelle facto, e pede ao sr. ministro da justiça que desse ao ministerio publico as instrucções sufficientes para que as investigações judiciaes se fizessem completas, não só sobre o facto em si, mas tambem sobre os factos graves a que a imprensa se tem referido, tanto mais quanto as diligencias policiaes, aliás de boa fé, foram morosas na adopção do umas providencias e deficientes na adopção de outras. Comprehendia que todas as propagandas eram legitimas, mas para isso era preciso que ellas não saissem fóra da lei e da ordem social. Responde o sr. ministro da justiça, que estava, felizmente, n'um paiz em que quando era atacado um homem que pertencia ao parlamento não havia partidos, havia o representante da nação, mormente quando este se impunha a todos pelo seu altíssimo espirito e pelo seu caracter. Que sentia que fosse um acontecimento tão triste o que lhe desse occasião de prestar o testemunho da sua admiração e do seu respeito pelo sr. Pinheiro Chagas. Que na terça feira viera mais tarde paia a camara e não o assistira á demonstração de sentimento que se dera, mas associava-se a ella. Tambem podia affirmar que já dera providencias no sentido indicado pelo sr. Lopo Vaz. - Dá-se como constituída a commissão dos negocios externos, á qual foi aggregado o sr. Elvino de Brito. - O sr. Corrilho requer, por parte da commissão de fazenda, que fossem emitidos ao governo, para informar, um requerimento de Zephirino José da Cruz uma representação da camara municipal da Ponta do Sol. - Justificam as suas faltas a algumas sessões os srs. Francisco de Medeiros e Figueiredo Mascarenhas.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.° 8 (codigo commercial). - Usam da palavra, na especialidade, os srs. Julio de Vilhena (duas vezes), Vicente Monteiro (relator), João Pinto e ministro da Justiça. Foram approvadas as disposições geraes e entrou em discussão o artigo 1.º - O sr. ministro dos negocios estrangeiros apresenta uma proposta de lei approvando, para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado de commercio entre Portugal e a Dinamarca.
Abertura da sessão - Ás duas horas e quarenta minutos da tarde.
Presentes á chamada 65 srs. deputados. São os seguintes: - Alfredo Brandão, Alves da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Gomes Neto, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Pereira Carrilho, Santos Crespo, Augusto Ribeiro, Bernardo Machado, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco Ravasco, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Pires Villar, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Barbosa Collen, Pereira de Matos, Eça de Azevedo, Abreu, Castello Branco, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, José de Saldanha (D..), Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Vicente Monteiro e Estreita Braga.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Ribeiro Ferreira, Tavares Crespo, Jalles, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Firmino Lopes, Soares de Moura, Severino de Avellar, Sá Nogueira, Sant'Anna e Vasconcellos, Candido da Silva, Baima de Bastos, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, João Arroyo, Rodrigues dos Santos, Oliveira Martins, Avellar Machado, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, Simões Dias, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Marcai Pacheco, Marianno de Carvalho, Miguel da Silveira, Pedro de Lencastre (D.) e Wenceslau de Lima.
Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Barão de Combarjua, Conde de Fonte Bella, Eduardo de Abreu, Emygdio Julio Navarro, Góes Pinto, Freitas Branco, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, João Pina, Scarnichia, Santiago Gouveia, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Ruivo Godinho, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme
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Pacheco, José de Napoles, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Pinheiro Chagas, Matheus de Azevedo, Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. José de Azevedo Castello Branco, copia da acta da sessão extraordinária da secção permanente do conselho superior de instrucção publica, na parte respectiva á proposta do conselho escolar do lyceu da Guarda, para a nomeação dos professores provisorios do mesmo lyceu.
A secretaria.
Do ministerio da fazenda, remettendo 180 exemplares do relatorio, propostas de lei e documentos apresentados na camara dos senhores deputados, na sessão de 16 de janeiro do corrente anuo.
A secretaria.
Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado José de Azevedo Castello Branco, o processo do concurso para adjudicação do privilegio de compra de papel sellado para emissão de cautelas das loterias estrangeiras.
A secretaria.
Do ministerio da marinha, remettendo, era satisfação ao requerimento do sr. Ferreira de Almeida, nota das ajudas de custo e comedorias pagas na metropole, nos dois ultimos annos.
A secretaria.
Do ministerio dos negocios estrangeiros, participando, em satisfação ao requerimento do sr. Julio de Vilhena, que n'este ministerio não existe documento algum que diga respeito ao conflicto que teve logar entre o reverendo bispo de Coimbra e a faculdade de theologia.
A secretaria.
Da associação commercial do Porto, remettendo duas representações d'esta associação a proposito das propostas de lei n.os 9-D e 9-H, apresentadas pelo sr. ministro da fazenda.
A commissão de fazenda.
Segunda leitura
Projecto de lei
Senhores.- O paiz tem em aberto uma enorme divida de reconhecimento e de justiça para com o cidadão esclarecido e prestimoso que, no meio do exagerado egoismo da ultima epocha poz, modesta e despretensiosamente, todo o seu talento e todo o seu coração ao serviço da causa sympathica da instrucção popular, procurando concorrer para que progressivamente diminua o vergonhoso deficit, que nas nossas estatisticas avultam dos analphabetos sobre os que sabem ler e escrever!
Deve chegar tambem a hora da justiça para o modesto e laborioso trabalhador, que, afastado dos ruidos mundanos, sem preoccupações vaidosas e sem ambições pretenciosas, alma de poeta, vibrante e sonorosa, desvanecida no culto sacratíssimo do seu lar, comprehendeu como ninguem a necessidade de realisar aquella, nobre e honrada aspiração de Castilho, que almejava por abrir sulco fecundissimo e desbravar o tempo o desolador baldio da alma do povo!
Deve chegar a hora da justiça para João de Deus, o grande e glorioso poeta portuguez, que, na pujança dos seus talentos, como na grandeza do seu coração, bem direito tem a ser considerado como uma das mais notaveis individualidades de uma geração briosa e esclarecida, que, tendo dado na vida academica os exemplos mais brilhantes de uma abnegação e de acrisolado patriotismo, soube, na vida publica, tomar e manter as suas tradições no cumprimento rigoroso e exacto dos seus deveres.
Deve chegar a hora da justiça para o auctor da Cartilha maternal, o prodigioso methodo de leitura que tem já a consagração publica do reconhecimento de milhares de individuos, verdadeiro methodo portuguez que em pouco mais de dez annos de pratica fez alvorecer e definir muita esperança, desanuviando muito destino incerto, assegurando muito futuro vacillante, verdadeiro methodo portuguez que representa um verdadeiro apostolado do bem no meio das indecisões de uma propaganda do presente.
O methodo de João de Deus, a Cartilha maternal, tem incontestavelmente uma consagração nacional. A sua evangelisação está feita e com ella está provada a sua efficacia, o seu exito triumphante. João de Deus tem conquistado o seu direito ao reconhecimento da nação. A sua obra luminosa é uma obra de pae. A uma obra de reconhecimento deve ser uma obra de justiça, mostremo-nos dignos de uma e de outra, sendo dignos de nós mesmos como homens modernos.
Em 1853 o governo que então presidia aos destinos do paiz trouxe á camara uma proposta de lei consagrando os serviços prestados á instrucção popular pelo sr. Antonio Feliciano de Castilho, e nomeando-o commissario geral para o methodo de ensino que este illustre cultor das letras portuguezas havia publicado e cujas vantagens eram então grandemente encarecidas.
Esta proposta do governo transitou, sem maiores difficuldades, pelas commissões de instrucção publica e de fazenda, sendo approvada a respectiva proposta de lei em sessão de 11 de agosto d'esse anno, pondo-se em evidencia pela discussão ser intenção do governo e do parlamento auxiliar a propaganda de um methodo, que parecia offerecer grandes vantagens para o desenvolvimento da instrucção popular.
Era então ministro da fazenda o nobre conselheiro Fontes Pereira de Mello, que, respondendo a algumas reflexões dos partidarios das economias, dizia, franca e lealmente, ser opinião sua de que sempre que se tratasse de despender a favor da instrucção do primeiro grau lhe não parecia que o parlamento devesse fazer questão de alguns centos de mil réis para um homem que pela sua especialidade tanto podia concorrer para ella se augmentar. E disse o illustre estadista uma grande verdade, que hoje recordámos intencionalmente.
Por todas estas rasões e por todos estes precedentes, sem querer nem por um momento estabelecer confronto ou parallelo entre o Methodo repentino de Castilho e a Cartilha maternal de João do Deus, julgando cumprir um dever de honra, que corresponde exactamente ao sentir e ao pensar de todos os homens cultos do paiz, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida e patriótica apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É declarado universal o methodo de leitura Cartilha maternal de João de Deus.
Art. 2.° Fica auctorisado o governo a crear um logar de commissario geral do novo methodo, cuja nomeação, de caracter vitalicio, recairá na pessoa do seu auctor, attribuindo-lhe a pensão annual de 900$000 reis.
Art. 3.° O governo dará o desenvolvimento necessario ás disposições dos artigos antecedentes, para a sua melhor e mais efficaz execução.
Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em
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7 de fevereiro do 1888. = Augusto Ribeiro, deputado por Loanda.
Foi admittido e enviado á commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda.
REPRESENTAÇÕES
Da associação commercial do Porto, pedindo que não seja approvada a proposta n.° 9-H, relativa á adjudicação da exploração commercial do porto de Leixões, apresentada pelo illustre ministro da fazenda.
Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario da camara.
Da mesma associação commercial, contra a excessiva elevação dos direitos de tonelagem, que se projecta pela proposta de lei n.° 9-D, apresentada pelo sr. ministro da fazenda; e que, pelo contrario, se adopte a resolução de equiparar todos esses direitos, quer para a navegação de vela, quer a vapor, ficando todos reduzidos a 30 réis por tonelada liquida.
Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario da camara.
Da mesa do comicio popular de Guimarães, pedindo a rejeição da proposta do lei n.° 9-E, do sr. ministro da fazenda.
Apresentada pelo sr. Franco Castello Branco, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario da camara.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara a copia do relatorio apresentado no referido ministerio pelo empregado da secretaria, que ultimamente inspeccionou a recebedoria da comarca de Thomar. = Avellar Machado.
Requeiro que; pelo ministerio do reino, seja enviada á camara uma nota dos contingentes para o exercito, armada, guarda fiscal e segunda reserva, que tocam a cada um dos concelhos do reino no anno de 1887, e dos recrutas que foram inspeccionados, apurados o remidos na inspecção geral, a que se acaba de proceder. = Ferreira Freire.
Por parte da commissão de fazenda, requeiro que seja remettida ao governo, para informar, pelo ministerio da fazenda, sobre a adjunta representação da camara municipal de Ponta do Sol. = A. Carrilho, secretario.
Por parte da commissão de fazenda, requeiro que seja enviado ao governo, pelo ministerio da fazenda, para os devidos effeitos, o adjunto requerimento de Zeferino José da Cruz. -A. Carrilho, secretario,
Mandaram-se expedir.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR
Do general de brigada reformado, Antonio Maria Camolino, dos majores reformados, Pedro de Oliveira, Sebastião Botelho Pimentel Sarmento, Angelo Baptista Gonçalves Guimarães, José Joaquim do Almeida, do primeiro official reformado, com a graduação de major, Francisco José Moreira, e do major reformado da guarnição da provincia de Moçambique, João Dias Rego, pedindo que seja approvado por esta camara o projecto do lei apresentado na camara dos dignos pares pelo exmo. sr. D. Luiz da Camara Leme, em sessão do 9 do janeiro ultimo, tendente a
melhorar o soldo dos officiaes reformados anteriormente á lei de 22 de agosto do anno findo.
Apresentado pelo sr. deputado A. J. Pereira Borges e enviado á commissão de guerra ouvida a de fazenda.
Do major reformado, Fortunato Fernandes Monteiro, fazendo igual pedido.
Apresentado pelo sr. deputado A. Centeno e enviado á commissão de guerra ouvida a da fazenda.
Do general de brigada reformado, Onofre Lourenço de Andrade no mesmo sentido das antecedentes.
Apresentado pelo sr. deputado Castro Monteiro e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
Do coronel do Africa occidental, Onofre de Paiva de Andrade, pedindo que lhe seja applicado o artigo 3.° da lei de 8 de junho de 1869.
Apresentado pelo sr. deputado Poças Falcão e enviado á commissão do ultramar.
Do major reformado do exercito da Africa occidental, Christiano Paulo Marques, pedindo que lhe seja melhorada a reforma no posto de coronel.
Apresentado pelo sr. deputado Simões Ferreira e enviado á commissão do ultramar.
De João Augusto Madeira, ajudante machinista de 2.ª classe, pedindo para ser promovido desde já a terceiro engenheiro.
Apresentado pelo sr. deputado Castro Monteiro e enviado á commissão de marinha.
NOTA DE INTERPELLAÇÃO
Pretendemos interpellar o governo acerca da execução da lei de 16 de julho de 1885, que auctorisou a construcção de obras do novo porto de Lisboa. = Dias Ferreira. =. Pedro Sequeira.
Mandou-se expedir.
JUSTIFICVÇÕES DE FALTA
Tenho a honra de communicar a v. exa. e á camara que o sr. Francisco de Medeiros falta á sessão de hoje e faltou á de 4 do corrente por motivo justificado. = J. de Menezes Parreira.
Declaro que o sr. deputado Figueiredo Mascarenhas tem faltado ,a algumas sessões e, continuará ainda a faltar a outras por motivo justificado. = Avellar Machado.
Para a secretaria.
PARTICIPAÇÃO
Participo a v. exa. que se constituiu a commissão de negocios estrangeiros, escolhendo para seu presidente o sr. Alves Matheus, para secretario é sr. Antonio Ennes e havendo relatores especiaes.
Requeiro em nome da mesma commissão que se consulte a camara sobre se permitte que lhe seja aggregado o sr. Elvino de Brito Laranjo.
O sr. Presidente: - Recebi uma representação da associação commercial do Porto, relativa á proposta de lei apresentada ao parlamento pelo sr. ministro da fazenda. Os signatarios da representação pedem para que ella seja publicada no diario das camaras.
Resolveu-se afirmativamente.
O sr. Poças Falcão: - Sr. presidente, pedi a palavra
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para mandar para a mesa dois projectos do lei que passo a ler:
(Leu.)
Este projecto está tambem assignado pelo sr. deputado Francisco de Almeida e Brito.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa uma representação dirigida a esta camará pelo coronel de Africa Occidental, o sr. Paiva de Andrade, que reclama contra ã contagem do tempo de serviço feito na secretaria. É de tanta justiça, e vem tão bem fundamentada esta representação, que eu limito-me a pedir a v. exa. que ella tenha o destino conveniente.
O sr. Antonio Centeno: - Mando para a mesa um requerimento de Fortunato Fernandes Monteiro, major ré formado, que pede melhoria de reforma. Peço a v. exa. que lhe dê o destino conveniente.
O sr. Pereira Borges: - Mando para a mesa diversos requerimentos de officiaes reformados, que pedem melhoria de reforma. Peço a v. exa. que os envie á commissão de guerra.
O sr. Simões Ferreira: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento de Christiano Paula Marques, official reformado, que pede melhoria de reforma. As rasões, que elle allega, parecem-me justas.
Peço a v. exa. que o mande á respectiva commissão, para o tomar na devida consideração.
O sr. Castro Monteiro: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento de João Augusto Madeira, actualmente embarcado na canhoneira Rio Lima.
Diz o signatario que se acha aggravado nos seus direitos, por isso que, sendo engenheiro machinista theorico, está inscripto como machinista de 2.ª classe. Peço a v. exa. que o envie á respectiva commissão.
O sr. Tavares Crespo: - Eu desejava dirigir uma pergunta ao sr. ministro da justiça sobre o registo hypothecario.
O sr. ministro da justiça, incansavel trabalhador, (Apoiados.) que apresentou no curto espaço da gerencia da sua pasta, alem de outros trabalhos valiosos, uma reforma do codigo commercial e uma reforma da organisação judiciaria, que fazem honra á sua actividade e talento superior; (Apoiados.) o sr. ministro da justiça, que é um distinctissimo conservador de registo predial, ainda até hoje não apresentou ao parlamento proposta alguma de lei sobre a reforma do registo hypothecario; e todavia, é urgentissimo que s. exa. o faça, não só para evitar novas prorogações de praso no registo dos fóros, censos, pensões e servidões, ou o adiamento indefinido d'esses registos, mas tambem para melhorar e aperfeiçoar o systema de registo.
Pela fórma como estão montadas as conservatorias, e pelo modo como se manifestam os inconvenientes resultantes do estado actual d'estas instituições, póde-se affirmar com segurança que cilas estão longe de preencher o fim a que se destinam, e que, em logar de serem vantajosas na revelação fiel dos encargos da propriedade, são, ao contrario, prejudiciaes.
Devo declarar a v. exa. e á camara que, tendo exercido as funcções de conservador de registo predial ha cerca de vinte e um annos, encontro na pratica difficuldades invenciveis para reconhecer com absoluta exactidão quaes os onus e encargos prediaes, que affectam determinadas propriedades, e por isso affirmei que esta instituição está longe de preencher o fim a que é destinada.
A primeira condição essencial para que a conservatoria possa dar resultados proveitosos é assentar as bases seguras da identificação dos predios, sem a qual todo o systema é irrisorio e impossivel.
Era algumas conservatorias do reino os predios acham-se duplicados, triplicados e multiplicados, com augmento de riqueza apparente da propriedade portugueza, mas com grave damno da verdade dos factos, e com occultavão de encargos e onus reaes, aos que recorrem ás repartições de registo, antes de effectuarem contratos onerosos; e isto, note-se bem, sem que os conservadores tenham responsabilidade material da inexactidão das suas certidões, por lhes faltarem os meios ou elementos indispensaveis para bem conhecerem e distinguirem, uns dos outros, os predios que são submettidos ao registo.
Não ha no systema actual base solida para a identificação dos predios, já porque nos indices pessoaes apparece o mesmo individuo cora diversos appellidos, o que é frequentissimo nas aldeias, já porque nos indices reaes apparece o mesmo prédio repetido com os valores, a descripção e as confrontações tão dissimilhantes, que é impossivel identificarem-se.
As confrontações variam de anno para anno, e o conservador não tem meios seguros, nos indices reaes e pessoaes, de poder verificar se o predio, que de novo submettem a registo é algum dos já descriptos e onerados. Se esta dificuldade é gravissima na identificação dos predios rusticos, o mesmo acontece nos predios urbanos, quando ha alteração nos nomes das ruas, e mudança de numeração policial das casas.
Vou mostral-o com um exemplo:
Havia um predio foreiro á fazenda nacional que foi hypothecado na sua totalidade pelo possuidor, antes de vigorar a lei de l de julho de 1863, ou no regimen da legislação de 1836.
Inscreveu-se o onus hypothecario sobre o prazo sem se descreverem as confrontações, que ao tempo não eram exigidas.
O decreto regulamentar de 4 de agosto de 1864 determinava que para a renovação dos registos de hypothecas nas conservatorias eram dispensadas as confrontações das propriedades, quando o registante não as podesse declarar, o que deu em resultado que aquelle predio foreiro foi inscripto com o onus hypothecario na conservatoria, sem se declararem os nomes, as confrontações e a situação das diversas glebas de que o prazo se compunha.
Depois foi o prazo remido á fazenda nacional, e o individuo que o tinha hypothecado na totalidade começou a hypothecal-o em glebas distinctas como propriedades livres e allodiaes.
Mais tarde comprou terrenos circumjacentes, que addicionou a essas glebas; poz-lhe sebes no centro, dividiu-as com nomes diversos, etc., e deu isto em resultado que o predio, que valia 10:000$000 réis, estava hypothecado em 30:000$000 réis sem os credores novos terem conhecimento official nem particular dos encargos anteriores, porque a conservatoria lh'os não acusava, e porque o devedor tinha particular cuidado em recorrer ao credito em terras distantes.
Chamo muito particularmente a attenção do sr. ministro da justiça para este e outros factos similhantes; sem me alargar em mais desenvolvidas considerações, porque não é agora occasião para discutir amplamente tão importante assumpto.
O sr. ministro da justiça, que é incansavel na dedicação ao serviço publico; (Apoiados) que tem feito no ministerio a seu cargo o que poucos homens publicos têem feito até hoje em tão curto espaço; que redigiu um codigo commercial, trabalho honrosissimo de collaboração com distinctos jurisconsultos e jurisperitos, seus amigos pessoaes; que reorganisou a judicatura, colligindo e modificando toda a vastissima legislação existente sobre este assumpto; s. exa. que merece pelo seu zelo pelos negocios publicos a estima
a consideração de todos, não póde descurar a instituição de registo predial, em que tem sido o modelo dos funccionarios, e em cuja adopção collaborou activa e efficazmente.
Sei pela estima e amisade com que me honra o nobre ministro que s. exa. tem alguns trabalhos n'este sentido, nas é preciso que o paiz o saiba para sairmos do estado de duvida e de incerteza em que se encontram os proprietarios.
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Espero que o illustre ministro se dignará dizer alguma cousa sobre as suas intenções a tal respeito.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - (O discurso será publicada) quando s. exa. o restituir.)
O sr. Castro Mattoso: - Mando para a mesa uma proposta renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 74 de 1876, que estabelece differentes disposições com relação á remissão de foros das camaras municipaes.
Esta remissão com a legislação actual e impossivel e tem dado os peiores resultados que se podem imaginar.
Este projecto já tem parecer das commissões da legislatura de 1876, e estabelece principies que devem dar os resultados desejados.
Peço a v. exa. que se sirva dar a esta proposta o devido destino.
O sr. Ferreira Freire: - Mando para a mesa um requerimento de Manuel Florencio de Andrade, pedindo que seja approvado, quando vier a esta camara, o projecto de lei apresentado na camara dos pares pelo sr. D. Luiz da Camara Leme, em sessão do 9 de janeiro.
ando tambem para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo ministerio do reino.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para pedir ao sr. ministro da justiça que previna o sr. presidente do conselho o ministro do reino, para, logo que s. exa. venha a esta casa do parlamento e que me seja concedida a palavra, pedir a s. exa. me diga se acceita ou não o projecto apresentado n'uma das ultimas sessões pelo sr. Barbosa de Magalhães, reduzindo a 50$000 réis a remissão do serviço militar no anno de 1887.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - É para declarar ao illustre deputado que o sr. presidente do conselho e ministro do reino não póde comparecer á sessão porque está na camara dos dignos pares empenhado n'uma discussão politica; mas logo que esteja com s. exa., o que espero será ainda hoje, communicar lhe hei os desejos do illustre deputado.
O sr. Jacinto Candido: - Mando para a mesa o seguinte projecto.
(Leu.)
Este projecto está tambem assignado pelos srs. Mattoso Santos, Fuschini e Consiglieri Pedroso. Vê-se por estas assignaturas que o projecto não tem, nem póde ter cor alguma politica.
Pedia, por consequencia, que o remettesse ás commissões respectivas, a fim de que lhe dêem o possivel expediente em ordem a resolver-se com a brevidade que a importancia das materias reclama.
O sr. Dias Ferreira: - Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação.
(Leu.)
Vae tambem assignada pelo sr. Pedro Victor Sequeira.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa a justificação de faltas do sr. Figueiredo Mascarenhas, e um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo, pelo ministerio da fazenda.
O sr. Franco Castello Branco: - Disse que não se apressava a pedir a palavra antes da ordem do dia, na esperança de que viesse na altura da sessão o sr. ministro da fazenda, ou o sr. ministro das obras publicas.
Como o sr. presidente estaria lembrado, e de certo o estaria tambem o membro do governo que se achava presente, já mais de uma vez tinha reclamado a presença de qualquer dos dois secretarios de estado; (Apoiados.) especialmente pelo que toca ao sr. ministro das obras publicas, havia mais de quinze dias, por tres ou quatro vezes tinha pedido a dois membros do governo presentes, ao sr. Francisco da Veiga Beirão, ministro da justiça, e parece-lhe que n'outra occasião ao sr. Henrique de Macedo, ministro da marinha, que communicassem aos seus collegas que desejava dirigir-lhes algumas perguntas.
O estado do seu espirito não lhe permittia entrar em largas considerações sobre o facto da ausência prolongada, continua e persistente do sr. ministro das obras publicas ás sessões, principalmente durante o tempo em que se discutem o& assumptos que o regimento permitte que se tratem antes da ordem do dia.
Não é velho parlamentar, era esta a quarta ou quinta sessão em que é deputado; mas o que podia afirmar, e não receia que ninguém lh'o conteste, é que não se recorda de um facto similhante a este durante o tempo e n que o ministerio regenerador occupou aquellas cadeiras.
N'esse tempo, quando a resposta ao discurso da coroa começava a discutir-se em qualquer das duas camaras, durante os primeiros dias d'essa discussão effectivamente era costume e sempre succedeu, estarem presentes todos os membros do governo, por não saberem quaes as questões que de preferencia a opposição iria tratar, ao discutir a resposta ao discurso da coroa; mas decorridas as primeiras sessões e indicado o assumpto, que de preferencia tinha sido escolhido para thema principal da discussão, os ministros, a quem não dizia respeito tão de perto esse assumpto quando era instantemente reclamada a sua presença na outra casa do parlamento, envidavam todos os seus esforços e dispunhum as cousas de fórma, que lhes permittissem prestar-se a responder a quaesquer perguntas que lhes fossem dirigidas. (Apoiados.) E visto que o facto era revestido de mais do que da falta de um cumprimento de um dever constitucional por parte do governo, visto que parecia haver já, no que estava succedendo, um proposito, não sabia se de desconsideração, mas em todo o caso de menos agradavel para comsigo, queria dizer que lhe era completa e absolutamente indifferente o procedimento que com esse caracter para elle tenha aquelle membro do governo; mas que isso não faria senão pôl-o tambem mais á vontade e justificar mais uma vez, pelo procedimento do governo, que, se a opposição por vezes se exalta e se a sua linguagem é por vezes mais acerba e até mais violenta, era isso devido, não á culpa dos oradores, não á responsabilidade propria, mas ás faltas que para com elles commettem os ministros da corôa. (Apoiados.) Essa era unicamente a verdadeira causa d'esses factos, que depois todos fingem lastimar, e que alguns até se atrevem a verberar e a censurar.
Como disse, recordava-se perfeitamente de ha talvez quinze dias pedir, pela primeira vez, a presença do sr. ministro das obras publicas; depois d'isso podia afiançar á camara, sem receio de ser desmentido, que não tinha visto s. exa., nem n'esta camara nem na camara dos dignos pares, a não ser na sessão de sabbado, na camara dos dignos pares.
Mas quando agora se ia entrar em ferias e quando realmente o facto lhe parecia que começava a ter o caracter de lhe ser desagradavel, não podia deixar de renovar as considerações que já teve a honra de apresentar e de insistir, não pela importancia das perguntas, porque as podia julgar importantes e a camara julgar que ellas têem menos valor do que aquelle que lhes dava, mas unicamente porque era preciso que os srs. ministros cumpram com os seus deveres, assim como aos deputados impende a obrigação de cumprir tambem com aquelles que lhes são impostos pelo logar que occupam na camara. (Apoiados.) Alem de s. ex.as não apparecerem para responder ás perguntas que se lhe pretendem dirigir e para que já têem sido convidados, tambem não mandam os documentos que se lhes pedem e nomeadamente pelo ministerio das obras publicas sobre questões aliás importantes de administração, como empreitadas e outras obras, documentos pedidos quasi desde o principio da sessão e não mandados!
E este facto do mais a mais não era novo. O anno passado teve a honra de mandar para a mesa varios requerimentos pedindo documentos officiaes por aquelle ministerio, a nenhum se satisfez!
Era preciso, pois, que se mude de caminho, e que, senão
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por attenção para com os deputados, que não precisava d'ella, pelo menos da sua parte, ao menos em attenção para com a camara e em cumprimento das obrigações e deveres que toem os membros do governo, elles venham aqui, sempre que lhes seja possivel, e que empreguem todos os esforços para que essa possibilidade se realise, em logar de procurarem esconder-se ou desculpar-se com motivos mais apparentes do que reaes.
E, se assim se não fizer; se as cousas continuarem como até aqui, esse facto daria em resultado uma cousa, que não será sendo desagradavel para a opposição pessoalmente, e era que o sr. presidente, em logar de assistir a sessões serenas, como as ultimas que têem corrido, podia ver. Começarem violencias de linguagem, accusações mais vehementes e acerbas do que aquellas que desejaria que se trocassem entre os membros d'esta casa ou que se dirigissem aos ministros. (Apoiados.)
Com relação ao sr. ministro da fazenda, s. exa. sabia que elle, orador, levantara aqui um incidente relativamente a despachos do governador civil de Braga com relação aos fundos das irmandades e confrarias de Guimarães.
N'essa occasião affiançára á camara que o governador civil do Braga tinha ordenado, por despachos seus, que os dinheiros das irmandades e confrarias, que os capitães d'essas corporações, depositados em bancos, entrassem na caixa geral de depositos, e explicou tambem então como tal procedimento era illegal e prejudicialissimo para aquellas corporações.
Constou-lhe depois que s. exa. o sr. ministro da fazenda leu na camara na sessão seguinte ura telegramma em que se affirmava que era inexacto o que elle, orador, tinha dito. Como não tinha directamente conhecimento do facto, como não tinha noticia d'elle senão por informação, recorreu ao seu informador, e acabava de obter, não só confirmação do que dissera, mas tambem copia textual de um despacho do governador civil de Braga, e podia afiançar a s. exa. que, como este, havia mais uns poucos.
Agora s. exa. o sr. ministro da fazenda não estava presente, e crê que não virá antes da ordem do dia. Amanhã, segundo lhe constava, não tinham sessão, e crê que não a teriam senão para a proxima semana, e por isso passava a ler o despacho a que se referira, para que s. exa. se informe e lhe possa depois responder.
O despacho a que se refere, e que pede aos srs. tachygraphos que transcrevessem, porque não tencionava rever as provas d'estas considerações, era do teor seguinte:
«No orçamento da irmandade do Santissimo e Bom Jesus, da freguezia da Costa, de 1887-1883, diz o governador civil:
«Nos termos do n.° 2.° do artigo 220.° do codigo administrativo approvo este orçamento, reduzindo-se a verba para missas pelos irmãos a l5$000 réis, e devendo o capital existente no banco ser depositado na caixa geral de depositos, quando, com garantia, não seja collocado por hypotheca.
«Braga, 25 de maio de 1887. = O governador civil, Visconde de Pindella.»
Pedia ao sr. ministro da justiça, que estava presente, a fineza de communicar ao seu collega o sr. ministro da fazenda que lera este documento, para s. exa. se informar com o governador civil de Braga, e para que n'uma das mais proximas sessões lhe desse a honra de comparecer na camara a fim de liquidarem se era exacta, ou não, a informação que tinha, e qual é o procedimento que s. exa. entende dever adoptar acerca de um acto que entende que é uma illegalidade, não sabendo como o illustre ministro classifica, porque não apresentou ainda opinião a tal respeito.
Conclue mandando para a mesa uma representação de um comicio que houve em Guimarães, comicio em que se criticaram diversos actos do governo e em que se resolveu representar contra a proposta de lei do governo que reorganisa a caixa geral de depositos, e especialmente, com relação a esta proposta, contra os artigos que se referem aos capitães das irmandades e confrarias e ás fortunas ou haveres dos ausentes.
Pediu que se consultasse a camara sobre se permittia que esta representação fosse publicada no Diario do governo. Como não estava presente o sr. ministro da fazenda, reservava-se para quando s. exa. vier a esta camara discutir com elle diversos pontos administrativos que são postos em evidencia por aquella representação.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Sr. presidente, eu posso assegurar ao illustre deputado e meu amigo, o sr. Franco Castello Branco, que não só da parte do ministro presente, mas de todos os seus collegas, não ha o minimo proposito de desconsideração para com s. exa., ou outro illustre deputado do qualquer das fracções em que a camara se acha dividida, em não virem responder promptamente ás perguntas que lhes são dirigidas.
Posso assegurar isto terminantemente, em nome de todos os meus collegas do ministerio, e especialmente com relação a s. exa., que sabe quanta consideração nos merece.
O sr. ministro das obras publicas, como o illustre deputado lembrou muito bem, tem ido frequentemente ás sessões da camará dos dignos pares, e devo dizer, que ainda hontem o meu collega não póde comparecer em outro acto de serviço publico, como é o da assignatura real, por causa da sessão da outra casa do parlamento.
E agora eu vi, pelo extracto dos jornaes, que n'aquella camara se levantou hontem uma discussão, de feição especialmente respectiva ao ministerio das obras publicas, discussão que, creio, continua ainda hoje.
Eis as rasões por que o meu collega tem comparecido menos ás sessões d'esta camara.
Tornarei, entretanto, a communicar aos meus collegas, que o illustre deputado deseja interpellal-os, e estou certo que s. ex.as aqui virão, tão depressa lhes seja possivel.
O que em todo o caso, repilo, não póde haver da parte de todo o ministerio, é a minima desconsideração para com s. exa. ou qualquer outro illustre deputado.
O sr. Arroyo: - Sr. presidente, pedi a palavra para fazer um pedido ao sr. ministro da justiça.
Nas sessões de 11 e 13 de janeiro, mandei requerimentos para a mesa, pedindo varias notas, documentos e copias, pelos ministerios respectivos, relativas á questão dos tabacos.
Foram-me já entregues varios documentos enviados pelo ministerio da fazenda, muito deficientes e incompletos, pelo menos comparando o que consta d'esses documentos com o que consta do requerido.
Na impossibilidade de ouvir hoje o sr. ministro da fazenda, e não tendo muita esperança de o ver n'esta casa, rogava, pois, ao sr. ministro da justiça, o obsequio de perguntar ao sr. ministro da fazenda, em meu nome, se o que s. exa. me enviou representa tudo aquillo que s. exa. me podia enviar, pela secretaria a seu cargo.
O sr. Presidente: - A requerimento do sr. deputado Franco Castello Branco, vou consultar a camara sobre se consente que a representação por s. exa. enviada para a mesa seja publicada no Diario do governo.
Consultada a camara resolveu afirmativamente.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Declaro ao illustre deputado o sr. Arroyo, que farei essa communicação ao sr. ministro da fazenda, e só eu vier á camará, depois de s. exa. me dar a resposta, no caso do meu collega não poder comparecer, tenha o illustre deputado a certeza que a sua pergunta será satisfeita.
O sr. Arroyo: - Sr. presidente, pedi novamente a palavra para fazer uma rectificação.
Em um dos requerimentos a que ha pouco me referi, pedi, pelos ministérios respectivos, copia da correspondencia
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trocada entre a companhia nacional e o governo, a proposito da questão.
Ora, segundo me consta, por informação perfeitamente particular, a correspondencia foi trocada, não só entre a companhia nacional e o ministerio da fazenda, mas tambem entre essa companhia e o ministerio do reino. Eis a rasão porque eu me referi aos respectivos ministerios.
Portanto a pergunta que dirijo ao sr. ministro da justiça, e que espero s. exa. obsequiosamente transmittirá, é se pelas vias officiaes, tanto pelo ministerio da fazenda, como pelo ministerio do reino, não é possivel enviar mais nenhum documento, em satisfação aos requerimentos apresentados nas sessões de 11 e 13 de janeiro.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Torno a repetir, que póde o illustre deputado estar certo de que eu farei essa communicação aos meus collegas, ministro da fazenda e ministro do reino.
O sr. Laranjo: - Sr. presidente, participo a v. exa. que se acha constituida a commissão de negocios esternos, tendo nomeado para presidente o sr. Alves Matheus, para secretario o sr. Antonio Ennes, havendo relatores especiaes.
Roqueiro tambem a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que a essa commissão seja aggregado o sr. Elvino de Brito.
Consultada a camara, resolveu afirmativamente.
O sr. Lopo Vaz: - Sr. presidente, na ultima sessão a camara, como testemunho do seu sentimento pelo attentado de que foi victima o nosso collega e meu particular amigo o sr. Pinheiro Chagas, e como protesto contra esse acontecimento levantou a sessão.
O sr. Pinheiro Chagas é, acima de tudo, um deputado da nação e um homem illustre d'este paiz. (Muitos apoiados.)
Portanto, o testemunho da camara não respeita especialmente nem ao deputado regenerador, nem ao membro do partido. (Apoiados.} Mas v. exa. e a camara comprehendem perfeitamente que estando o sr. Pinheiro Chagas filiado no nosso agrupamento partidario, e sendo um dos nossos principaes e mais distinctos luctadores (Apoiados), eu não podia deixar de, em nome dos meus amigos politicos, vir registar hoje perante a camara, quanto nos foi agradavel e sensivel a prova de consideração que a camara dispensou áquelle nosso infeliz amigo.
Vi hoje nos jornaes que tudo quanto respeita ao attentado, a que me referi, foi já affecto ao poder judicial. Folgo, pois, de ver presente o sr. ministro da justiça, para lhe pedir que nas suas instrucções ao ministerio publico veja se faz com que as investigações judiciaes sejam feitas escrupulosamente, não só com relação ao caso restricto de que se trata, mas sobre os factos graves que a imprensa tem referido, e de que áquelle póde ser um symptoma.
V. exa., e a camara sabem, ou presumem, que o espirito publico está sobresaltado com o que a este respeito se tem propalado. As diligencias policiaes, pela maneira como foram dirigidas, e devo crer que na melhor boa fé, não satisfazem em todo o caso completamente ao que d'ellas esperava a opinião publica.
Houve morosidade em relação a umas, e deficiencia em relação a outras. Digo morosidade, porque só muito tarde se procedeu a investigações em casa do criminoso; e digo deficiência, porque os jornaes têem relatado que o criminoso era subsidiado e apadrinhado por uni cidadão, e não - consta que esse cidadão tenha sido inquerido no auto administrativo.
É possivel que d'ahi proviesse alguma luz, e é possivel que não; mas era, e é preciso fazer a historia completa do criminoso e apurar as circumstancias que precederam e acompanharam o crime, e para esse fim deviam inquirir-se todas as testemunhas que pudessem esclarecer os diversos factos.
Tambem não consta que fossem inquiridas as testemunhas de vista do crime, quando, aliás, os jornaes dizem que as ha, e tudo isto indica que a investigação policial está mui longe de satisfazer.
Eis o que eu desejo que não se repita na investigação judicial; (Apoiados.) e é preciso que se dêem ao ministerio publico instrucções terminantes para que investigue, não só de todos os promenores relativos ao crime, mas de tudo quanto a proposito d'este assumpto possa apurar-se.
V. exa. e a camara sabem que a opposição parlamentar regeneradora tem sido e continuará a ser energica contra o actual governo, porque em sua consciencia entende que a continuação d'elle no poder é contraria aos interesses publicos; mas em todo o caso a mesma opposição é ordeira, amante das instituições e leal defensora do modo como a sociedade está actualmente constituida, e cumprirá o dever de não faltar ao governo com o auxilio que lhe possa dar, para que n'estes assumptos se faça inteira luz e inteira justiça.
Respeito toda a propaganda rasoavel por meios legitimos; mas tambem quero a repressão para tudo quanto saia dos termos legaes. (Apoiados.)
Não discuto, não aprecio n'este momento até que ponto as doutrinas do partido socialista que começa a entrar, entre nós, no dominio da politica militante, são conformes e harmonicas com o nosso estado social e em geral com os fundamentos em que assentam as sociedades modernas; é certo, porém, que representa idéas ha muito radicadas no espirito e na consciencia de muitos homens illustres e que póde, porventura, ter uma propaganda legitima desde que não saia do meio legal.
Qualquer que seja a proficuidade das suas aspirações, qualquer que possa ser a legitimidade dos programmas das diversas escolas socialistas, ou não, que miram á transformação do modo de ser das sociedades modernas, em nenhum caso póde permittir-se ou tolerar-se que esses programmas ou os meios de execução sejam incompativeis com os limites regulares, isto é, com o estado da legalidade constituida.
Dentro d'estes limites, ha nos paizes liberaes margem vastissima para importantes programmas de evolução e transformação social, e para largas e energicas propagandas.
Chamo a attenção do sr. ministro da justiça para estes pontos, e nomeadamente para que haja todo o cuidado, vigor e escrupulo em qualquer investigação judicial a que se vá proceder, visto que o não houve tanto como era preciso, segundo me parece, na investigação policial, embora isso possa ter resultado de erro de entendimento e não de defeito de vontade, por parte dos empregados de policia.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão):- (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto n.º 8, na especialidade
O sr. Presidente: - Vão ler-se as disposições geraes do titulo I do livro I.
O sr. Julio de Vilhena: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Vicente Monteiro (relator): - V. exa. porventura não sabia que eu tive a honra de ser condiscípulo do sr. Julio de Vilhena na universidade, e que desde então sou seu amigo, mas sabendo-o ficou de certo comprehendendo que eu, pedindo a palavra no cumprimento de um dever, não suppuz acompanhar s. exa. a ponto de convencer a camara.
A distancia que então nos bancos da universidade havia entre nós é a mesma que ainda se mantem; não pensei por conseguinte em conseguir tal effeito.
S. exa. era o primeiro premiado no. meu curso, eu occupava lá a modesta posição que occupo aqui. Como não posso
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eximir-me, no encargo de relatar o projecto, é meu dever, não direi responder, mas seguir o illustre parlamentar, e se tantas vezes, se como sempre eu preferia calar me a fallar, agora muito mais, pois desejaria que alguem mais competente occupasse o meu logar para responder ás observações mais principalmente dirigidas a mim como relator do projecto, na parte relativa aos usos commerciaes.
Ha n'esta casa, alem dos membros da maioria da commissão, que muito melhor do que eu podiam occupar este logar, um, que de preferencia eu estimava que o fizesse, porque, alem de ser um distinctissimo jurisconsulto, tinha a vantagem de militar nas fileiras da opposição.
Já sabe a camara que me refiro ao sr. conselheiro Dias Ferreira.
Ninguem estranhará que eu invoque a sua auctoridade, se bem que a questão não é de auctoridade, mas de argumentos, a questão aqui é uma questão scientifica, não se vence com auctoridade; mas, sentindo-me tão fraco e tão pequeno, preciso procurar auxilio, e por isso peço licença para lembrar a auctoridade de s. exa., como depois repetirei quando chegarmos a outra altura da discussão.
O illustre deputado começou por explicar a rasão por que não tinha tomado parte na discussão da generalidade.
S. exa. approva a idéa de reformar o codigo commercial, considera opportuna a occasião, felicitou mesmo o ministro, como toda a camara e o paiz o felicitam, por ter chegado a poder concluir este trabalho.
Rasões analogas me fizeram tambem calar na chamada discussão da generalidade, mesmo porque não houve tal discussão, e desculpem-me os illustres parlamentares, que só inscreveram na generalidade, o eu fazer esta nota que apresento, pela simples rasão de dever defender-me de qualquer objeção que se podesse fazer por não ter tomado parte na discussão da generalidade.
Levantaram-se duas questões previas, que já estão decididas pela camara, e aproveitando a mesma inscripção, discutiram dois parlamentares, o sr. Dias Ferreira a questão das dividas contrahidas pelo marido na constancia do casamento, que é uma questão da especialidade, e o sr. D. José de Saldanha.
Não vi realmente, como bem notou o sr. Julio de Vilhena, que ninguem se levantasse a dizer que não era ainda tempo de reformar o velho codigo commercial de 1833; não ouvi ninguém dizer que não era agora que o deviamos fazer; não ouvi ninguém tratar outras questões que eram tambem da generalidade, a questão do methodo e doutrina d'este codigo; e não vendo, portanto, pôr em discussão nenhum d'estes pontos, entendi que não se tratava da generalidade, e por isso dispensei-me de entrar n'ella.
Começada a discussão, e discutido o artigo 1.° do codigo, vou cumprir o meu dever como poder e souber.
No artigo 1.° propoz o sabio jurisconsulto o sr. Julio do Vilhena a sua eliminação e deu como rasão, que elle contém duas partos. Na primeira parte, a affirmativa de que a lei commercial rege os actos commerciaes era desnecessaria, e acompanhou esta sua affirmativa por uma simples consideração de analogia; porque, se mantivermos no codigo commercial uma disposição assim, deviamos no codigo civil consignar-se uma outra analoga, assim como no codigo penal e no codigo do processo.
Parece-me dever concluir-se d'esta maneira como s. exa. apresentou o argumento, que nos codigos civil, penal e do processo não estava uma disposição analoga a esta, mas ainda assim ainda nos restava saber qual era o melhor systema.
O codigo civil diz logo no principio o seguinte:
«Artigo 2.° Entende-se por direito n'este sentido a faculdade moral de praticar ou deixar de praticar certos factos, o por obrigação a necessidade de praticar ou de não praticar certos factos.
No artigo 3.° diz que os direitos e obrigações que constituem a capacidade civil dos cidadãos denominam se direitos e obrigações civis e são regidos pelo direito privado contido no codigo civil, excepto na parte que é regulada por lei especial.
Por consequencia abrimos o codigo civil e vemos que elle diz o que rege o codigo civil, e isto é dito por fórma differente do codigo commercial. Se o codigo civil rege uma materia, o codigo commercial rege outra materia. Podemos discutir se o que é a regra consignada no artigo 1.° não corresponde á verdadeira doutrina, mas dizer que devemos riscar o artigo 1.°, porque não está nos outros codigos, não é natural. E quando mesmo não tivesse esta rasão a invocar, da improcedencia da objecção, por haver nos outros codigos artigos parallelos a este, s. exa. deu mais argumentos para se dever manter o artigo.
Notarei em primeiro logar que não me parece que seja rigorosamente acceitavel a maneira de criticar um artigo seindindo o nas suas differentes partes, mas acompanharei s. exa. na sua argumentação.
Disse o illustre deputado que quanto á segunda parte do artigo, quando se não quizesse deitar fóra, se devia passar para o artigo 2.°
Mas se s. exa. disse que nos codigos se deviam pôr sempre doutrinas claras e estabelecer disposições positivas, como é que quer passar para outro artigo doutrinas ou principios que não têem ahi cabimento? Por essa forma tornava-se a doutrina do artigo difficil de entender.
Portanto, creio ter dado, quanto em mim cabe, as rasões por que a commissão entendeu dever manter a doutrina do artigo.
Passarei ao artigo 2.° Por muito que o illustre parlamentar e distincto jurisconsulto que acaba de fallar tivesse estudado este artigo, por muito grande que seja a sua competencia, eu posso, sem melindrar s. exa., affirmar que s. exa. não estudou nem mais, nem com mais empenho de acertar, nem com mais vontade de apresentar um artigo que podesse ser entendido por todos, e ao mesmo tempo comprehender todos os assumptos, como é indispensavel, do que a commissão.
Este artigo, posso dizel-o, foi o mais discutido e debatido na commissão de legislação commercial, e depois de tudo isto, dos embates que teve talvez da unanimidade da commissão, porque não exagero dizendo que talvez na commissão não houvesse um unico vogal que não fizesse alguma critica, acerca do artigo, e que não propozesse a substituição de alguma palavra; d'isso tudo, repito, o artigo passou tal qual estava na proposta do governo. Isto não faz-o meu elogio, mas o elogio do sr. ministro da justiça, que redigiu o artigo. (Apoiados,)
Ainda vou mais longe. Eu esperava que o meu illustre amigo o sr. Julio de Vilhena, fazendo a critica que fez ao artigo, apresentasse uma substituição, e estava-me já habilitando para o ver, porque assim tiravamos as provas da grande difficuldade de redigir este artigo 2.° e a impossibilidade, talvez, de poder chegar a qualquer modificação.
Como dizia, este artigo foi muito discutido na commissão; quasi que cada vogal d'ella desejava a substituição da uma palavra, o a final chegámos todos á conclusão de que se não podia tocar, porque se se modificasse qualquer palavra d'esse artigo deixava de corresponder á significação com que estavam ali, pesadas, segundo o velho conceito de Bentham, que tantas vezes ouvimos repetido no nosso curso, e tantas outras repetir n'esta casa, pesadas como um brilhante.
Posto isto, passo a apreciar as observações especiaes que a esto artigo fez o sr. Julio de Vilhena. S. exa. antes de passar adiante disse, o que é um facto, que duas escolas se apresentam a disputar a preferencia sobre a maneira de indicar o que sejam actos de commercio - que uns codigos seguem o caminho de definir o que sejam actos de commercio, e outros seguem o da enumeração dos actos que consideram commerciaes - e s. exa. mesmo, repetindo o que se encontra, quer no relatorio do sr. ministro, quer
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no parecer da commissão, concordou que as censuras feitas a um e outro systema são procedentes. E difficil senão impossivel dar uma definição completa do que sejam actos de commercio, é tambem difficil, senão impossivel, fazer uma enumeração completa, que não possa ser arguida de lhe faltar qualquer ponto.
Os proprios codigos que seguem este segundo systema, que fazem uma enumeração dos actos, têem todos elles a cautela de precisar que não é taxativa esta enumeração, confessando desde logo que é impossivel fazer uma enumeração completa d'estes actos. O sr. Julio de Vilhena sabe tudo isto, e apenas arguiu o artigo do projecto; porque disse que este artigo continha todos os defeitos que se arguem nos dois systemas, sem ter a vantagem de nenhum d'elles.
Passando depois á analyse das palavras contidas no artigo, disse s. exa., que este artigo era traduzido, mas mal traduzido, do codigo italiano!
Eu respondo a s. exa. que este artigo poderá dizer-se traduzido, mas não mal traduzido. O que é verdade é que elle não é, traduzido, elle acompanhou-o...
(Interrupção do sr. Julio de Vilhena.)
E é então por isso que s. exa. diz que é mal traduzido!
O artigo do codigo italiano antes de promulgado e depois de promulgado, levantou duvidas, levantou dificuldades de interpretação, que foram pesadas pelo illustre ministro ao redigir a sua proposta, e creio que S. exa. evitou todas essas duvidas com a substituição de palavras, a que s. exa. chama má traducção. A palavra «exclusivamente», a que s. exa. se referiu, o fecho do artigo como está aqui, a divergencia que ha entre o emprego das palavras similares do codigo italiano foi muito de proposito introduzida aqui. O que diz o artigo?
Eu vou explicar; e depois tratarei de responder ás observações feitas pelo sr. Julio de Vilhena.
O artigo diz: «que são considerados actos de commercio todos aquelles que se acharem especialmente regulados n'este codigo.»
S. exa. pareceu-me dizer que n'esta primeira parte concordava, e que não tinha nada a, objectar; são actos de commercio os que estão especialmente incluidos no codigo commercial; por consequencia, todos aquelles actos, que como tal estão especialmente consignados, não precisam de que se expliquem mais.
E acrescenta o artigo: «e alem d'elles todos os contratos e obrigações dos commerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrario do proprio acto não resultar».
Aqui é que s. exa. fez as suas censuras. Diz s. ex.ª: «os contratos feitos por pessoas não commerciantes são ou não são commerciaes?!» E eu, olhando para o artigo, e só para o artigo, respondo a s. exa. muito simplesmente:, a que os actos feitos por pessoas que não sejam commerciantes, os actos e contratos só são commerciaes quando estiverem comprehendidos na primeira parte do artigo, isto é, quando estiverem especialmente regulados n'este codigo. Todos os outros, que são os que não estão no codigo, quando praticados por não commerciantes, não são commerciaes.»
Isto é clarissimo, todos o entendem.
Vamos á inversa.
Diz a proposta.
(Leu.)
Qualquer acto praticado pelo commerciante é commercial? Responde o artigo:
«O acto é commercial se não tiver uma natureza exclusivamente civil, ou se do acto não constar que não é commercial.»
Ha um acto, um contrato qualquer praticado por dois commerciantes. Será ou não será esse acto um acto commercial?
Exemplifiquemos.
Supponhamos o casamento, clara e nitidamente, para que todos entendamos.
Poderá alguem dizer que o casamento é um acto commercial?
Não.
E porque?
Porque é um acto exclusivamente civil. (Apoiados.)
(Aparte do sr. Julio de Vilhena.)
Quer seja, quer não. Como é um acto exclusivamente civil, não toma nem póde tomar a feição commercial.
E a emphyteuse?
E um contrato exclusivamente civil.
Está no codigo alguma palavra de onde possa deprehender se que a emphyteuse é um contrato commercial?
Não está com toda a certeza.
Mas vamos aos exemplos que s. exa. citou; á compra e venda, o penhor, o mutuo:
Aqui o que precisâmos fazer é applicar rigorosamente o artigo, nada mais e nada menos.
Dois commerciantes praticam um acto de compra e venda.
E commercial ou civil este acto?
É commercial pelo facto de serem commerciantes os que contrataram, porque este acto não é exclusivamente civil, salvo o caso de resultar o contrario do proprio acto.
Apresento um exemplo.
Um commerciante compra a outro uma casa, e não diz mais nada.
Ê commercial o contrato, porque elle não declara que comprou para dotar uma filha, pai a sua propria habitação, ou para outra cousa especial.
Se menciona alguma circumstancia que signifique que o acto não é commercial, desde logo fica conhecido que elle effectivamente não é commercial.
Se isto não é claro, não sei o que seja clareza.
(Aparte do sr. Julio de Vilhena.)
Não é o maximo da clareza?
Eu já emprazei s. exa. para que apresente uma definição mais clara, e que ao mesmo tempo satisfaça a esta doutrina.
Assim é que se póde ver se se consegue um artigo mais claro, mais preciso, que dê satisfação a todas as difficuldades do assumpto e que dê mais garantias.
S. exa. é o proprio que confessa que este artigo, é de grande alcance, e que está n'elle a chave do codigo.
Não tenho a menor duvida em concordar com s. exa.
Mas, se assim é, o que devemos fazer?
É fácil fazer critica; a difficuldade está em se produzir melhor do que aquillo que se critica.
Se s. exa. apresentar uni artigo que desfaça todas as difficuldades, eu não tenho duvida em dizer que todos os vogaes da commissão e toda a camara o acceitarão.
Mas, realmente, é difficil fazer,, em poucas palavras, um artigo de lei que resolva todas as questões que se podem suscitar. (Apoiados.)
Este artigo é, como s. exa. disse, a chave de todo o codigo commercial, e era na verdade difficil redigil-o.
Estas são as rasões do artigo.
Passemos ao artigo 3.°
O artigo 3.° é o artigo dos usos.
Ainda ha de fallar sobre o projecto do codigo, e ainda bem que assim ,ha de acontecer, por que d'esta discussão ha de aproveitar-se alguma cousa para melhorar a lei, o que é o meu empenho e o de todos os meus collegas da commissão e da maioria, e por isso acceitâmos todo o que for reconhecidamente util. Se não houvessemos a esperar isto, o illustre parlamentar o sr. Julio de Vilhena não entraria na discussão.
Tambem espero que o sr. Dias Ferreira ainda falle sobre este projecto, pelo menos no ponto relativo ás fallencias, conforme s. exa. mesmo já annunciou, e então eu es-
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pero que o illustre deputado tome tambem a palavra, vindo em meu auxilio, e em auxilio da commissão, defendendo a alteração feita ao projecto do sr. ministro da justiça.
Devo agora dizer a s. exa. que, havendo no seio da commissão dois grupos, commercialistas e civilistas, eu apesar de ter por necessidade de profissão, feito alguns estudos especiaes de materia commercial, abandonei os chamados commercialistas, e fui enfileirar-me francamente ao lado dos civilistas, e com elles combati até ao ponto de convencel-os a eliminar do codigo os usos. Mas eliminal-os como?
Porventura algum dos meus collegas de commissão julgou que ficavam eliminados de todos esses usos, esses costumes a que em commercio ligam tanta importancia? De certo que não. E a observação feita pelo illustre deputado, de que em um ou outro ponto do codigo, como eu mesmo digo no relatorio, se encontram referencias aos usos, essa observação foi de certo com alguma rasão, porque no codigo estão essas referencias muito propositadamente.
Os usos que nós entendemos dever manter sempre são os usos que vem completar a lei, que vem completar um contrato, e ensinar qual é a obrigação das partes ao tomarem uma deliberação ou ao fazerem um contrato. Os usos que nós julgâmos que não deviamos conservar são os usos arbitrados em lei, são os usos, como chamava a velha lei da boa rasão, que tinham foros de lei, que podiam derogar outras leis estas; é que nós rejeitâmos, e não me peza em nada este serviço praticado pela commissão.
O que quer dizer em um codigo de commercio, que tudo quanto não estiver comprehendido n'elle será supprido pelos usos? Era o mesmo que dizer, que se rasgava o codigo civil, que é uma gloria da nação, para não dizer do partido regenerador; porque era necessario regular-se, que alem de tudo quanto não estivesse em disposição especial no codigo commercial, tinha de ser regido pelos usos, toda e qualquer questão que se dissesse civil ou não, se se tratasse de assumpto entre commerciante, tinha de ser regida pelos usos. Ora, d'aqui nasciam difficuldades, e proveiu então a necessidade de fazer desapparecer tudo quanto se podesse chamar uso. Foi n'isso que pensaram os civilistas, a maioria da commissão e eu.
Mas diz o illustre deputado não ver no parecer outra rasão senão a de que os usos dão logar a arbitrios, porque não são nada positivos, praticos e palpaveis; o respondeu s. exa. com ar triumphante: «Os principios geraes de direito não são nada arbitrarios, ninguem os tem em sua casa!» Parece-me que foram estas as palavras de s. exa., e parece-me que se isto não são ares triumphadores, então não sei o que são.
Ora, vamos mais devagar.
Quem diz principios geraes de direito, diz, porventura, algumas cousa que não esteja na lei
Essa pergunta teria de a fazer o illustre parlamentar, mas era em 1867, quando se discutia o codigo civil. Estávamos então na universidade; mas o illustre deputado deve acceitar a responsabilidade de tudo isto, e de muito mais, porque tem força para tanto. O que diz o codigo civil?
Para o codigo civil não ha casos omissos; regula toda a materia, porque assim está ali consignado expressamente. Portanto, nós que vamos fazer a reforma de um codigo, invocâmos o direito civil para regular os casos omissos. Quer isto dizer que achâmos que a fórma mais positiva, mais pratica, de resolver as dificuldades é appellar para a materia civil, que comprehende maior numero de casos, que se applica a maior numero de casos, e comtudo ainda na pratica se não encontrariam dificuldades na applicação d'esses principios.
Por consequencia, ou o principio do codigo civil é mau, e então temos de o substituir por alguma cousa melhor, ou havemos de o manter para a generalidade dos casos.
O que não podemos ter é duas leis para os casos omissos.
Foram estas as rasões que levaram a commissão a fazer essa pequena alteração no projecto, relativamente aos usos, redigindo o artigo como hoje se encontra.
Terminou o illustre deputado as suas considerações sobre as bases geraes do projecto com algumas observações quanto á redacção do artigo 4.°
Bastava esta consideração de serem duvidas de redacção para eu ter todo o escrupulo de dizer de prompto a s. exa. que essas duvidas procedem ou não, sem a commissão ser ouvida.
Quando as duvidas suscitadas forem de doutrina, não podemos dizer immediatamente as rasões em que a commissão se fundou para estabelecer essa doutrina; mas quando forem duvidas de redacção, essas tem de ir á commissão para ella então resolver o que tiver por melhor.
Entretanto, creio que a idéa do artigo está clara. O que se diz no artigo é o que se diz no artigo analogo do codigo italiano.
Foi cortar de vez uma questão, que se lavantava muitas vezes no direito internacional sobre a distincção entre o modo, o cumprimento e a fórma externa.
Os estudos profundissimos que n'estes ultimos dez ou doze annos se tem feito sobre direito internacional, tem levantado grandes duvidas a este respeito; é por isso que o codigo italiano civil, ou do commercio, posterior ao nosso, é o primeiro que faz distincção entre os tres tempos. Todos os escriptores de direito internacional o recommendam.
Creio ter acompanhado, tanto quanto pude, o illustre deputado dando lhe as explicações necessarias.
Vozes: - Muito bem.
(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas ao seu discurso.)
O sr. João Pinto dos Santos: - Se o distincto advogado, o sr. Vicente Monteiro, se confessava embaraçado por ter de responder ao sr. conselheiro Julio de Vilhena, o que direi eu, tendo de entrar n'um debate para que não tenho competencia nem merito?!
No entanto, discutindo este assumpto, cumpro como meu dever, desde que possa contribuir com alguma cousa para o aperfeiçoamento da lei commercial. E, antes de mais nada, começo por prestar a homenagem do meu respeito ao sr. ministro da justiça por ter apresentado no parlamento a sua proposta de codigo commercial, que sem duvida representa um importante melhoramento; e devo tambem accentuar que não tenho a pretensão de discutir por politica ou facciosismo, e que o meu intuito visa unicamente a melhorar quanto possivel a lei que se discute.
Por isto, vou entrar na analyse dos primeiros artigos do codigo.
Parece-me que, apesar das considerações feitas pelo sr. Vicente Monteiro, ficaram de pé todas as observações apresentadas pelo sr. conselheiro Julio de Vilhena.
Effectivamente é desnecessario o primeiro artigo do codigo, que diz:
«A lei commercial rege os actos do commercio, sejam ou não commerciantes as pessoas que n'elles intervem.»
Na primeira parte d'este artigo não ha mais mada do que um circulo vicioso: «a lei do commercio rege os actos do commercio».
Dizer isto e não dizer nada equivale á mesma cousa, com a differença sómente de que não ficou na lei uma inutilidade.
Na segunda parte do artigo ha outra inutilidade, porque se o codigo do commercio abrange todos os actos commerciaes, não importa nada que sejam praticados ou não por commerciantes.
Apesar d'isto, não mando para a mesa proposta para que este artigo se elimine. E perfeitamente inutil, mas não traz complicações na pratica dos tribunaes. Creio até que o sr. ministro da justiça, pondo-o na sua proposta, quiz accen-
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tuar bem que a caracteristica dos actos commerciaes não depende da profissão que se exerce, ponto em que esta lei modificou o codigo vigente.
De maior importancia é o artigo 2.º, que, francamente, se póde considerar como a base fundamental do codigo. Como já ponderou o sr. Julio de Vilhena, que depende da redacção d'este artigo um sem numero de questões.
Conforme se adoptar uma ou outra theoria sobre a natureza dos actos commerciaes e modo de a traduzir na lei, assim apparecerão diversos inconvenientes que é preciso attenuar quanto seja possivel.
É necessario, pois, pôr todo o cuidado na redacção d'este artigo, a fim de se circumscrever bem a esphera do direito commercial. Conseguiria isto o legislador? De certo não. É o proprio relator do projecto, o sr. Vicente Monteiro, que reconhece os defeitos do artigo 2.°, e que responde quando lh'os apontam, que é mais facil fazer criticas do1 que resolver as dificuldades. Estou de accordo com s. exa., mas é d'estas criticas, feitas com as melhores intenções, que podem resultar observações uteis que, consignadas no projecto, resolva um grande numero de questões que surgirão nos tribunaes.
Vale mais prevenir do que remediar.
Diz o artigo 2.° na primeira parte:
«Serão considerados actos de commercio todos aquelles que se acharem especialmente regulados n'este codigo.»
Se ficasse por aqui, se não contivesse mais nenhuma outra disposição, podia ter o inconveniente de enumerar taxativamente os actos commerciaes, o obstar assim a que de futuro fossem regulados pela lei commercial actos que fossem apparecendo com todas as caracteristicas de actos de commercio; mas em compensação acabava com um grande numero de pleitos sobre competencia de processo, visto que só eram commerciaes os actos regulados expressamente no codigo. O legislador, porém, não quiz fazer isto sómente, e acrescentou ao artigo 2.° o seguinte:
«... e, alem d'elles, todos os contratos e obrigações dos commerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrario do proprio acto não resultar.»
N'esta segunda parte do artigo ha uma grande margem para o arbitrio. Se na lei se não definiram os actos commerciaes (e a meu ver, com muita rasão, porque as definições são perigosas em direito), tal jurisconsulto julgará commercial um acto que outro reputará exclusivamente civil, e intentar-se-hão pleitos, ora nos tribunaes commerciaes, ora nos tribunaes civis, pleitos' que mais tarde os juizes annullarão por incompetencia, com gravame para as partes.
Se a dificuldade está em distinguir um acto civil de um acto commercial, que importa que a lei diga «se o contrario do proprio acto não resultar»?!
Como se ha do apreciar esse resultado? A disposição do código é idem per idem.
Fica, pois, uma larga margem para o arbitrio.
Para ser de todo o ponto justo, devo dizer que supponho que o sr. conselheiro Beirão e a commissão já quizeram resolver talvez esta dificuldade, introduzindo o adverbio exclusivamente.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Apoiado.
O Orador: - Conheceram os grandes inconvenientes de enumerar taxativamente os actos commerciaes, assim como pozeram de parte o systema de os definir. O direito civil está tão. ligado com o commercial, que ha uns actos que tanto podem reputar-se civis como commerciaes, porque estão na linha divisória d'estes dois direitos privados. Este facto não é isolado; dá-se em muitos outros casos. Assim não se póde bem discriminar aonde acaba a responsabilidade civil, e aonde começa a responsabilidade criminal, e o que vale o mesmo que afirmar que se não podem precisar bem os limites do direito civil e do direito penal.
Da mesma fórma se confundem os limites do direito publico e de direito administrativo.
Sendo assim, tendo de exigir necessariamente um certo numero de actos com participação da natureza civil e commercial, o sr. Beirão, que não quiz, por uma enummeração taxativa, separar radicalmente estes dois direitos, consignou na lei que se consideravam actos de commercio «todos os contratos e obrigações de commerciantes que forem de natureza exclusivamente civil»
Pretendeu por esta fórma delimitar as raias dos dois direitos e acabar com o arbitrio dos juizes; mas parece-me que o não conseguiu, porque ainda lhes fica para discutir se tal acto é ou não exclusivamente civil. Apesar d'isto o adverbio exclusivamente que a lei emprega, sempre minora, alguma cousa o mal.
Ora, não querendo o sr. ministro da justiça seguir o systema da enumeração taxativa dos actos de commercio, e desejando que outros actos, alem dos regulados no codigo, sejam regidos por esta lei, não devia referir este beneficio somente aos contratos e obrigações dos commerciantes, devia estendel-o a todos os actos praticados por quem quer que fosse, logo que não tivesse o caracter de exclusivamente civis. Eu me explico.
Se os actos que não estão regulados no codigo podem ser commerciaes, desde que sejam praticados entre commerciantes, e não sejam de natureza exclusivamente civil, qual é a rasão por que os actos praticados entre individuos não commerciantes não hão de ter a mesma natureza de commerciaes, se o são com effeito? Se a commercialidade do acto não depende da pessoa que o pratica, como determina o artigo 1.°, para que havemos de fazer excepções a este principio geral logo no artigo 2.°, quando não ha necessidade de tal excepção?
Alem d'isso tem este inconveniente. Pelo uso apparecem uns certos actos evidentemente commerciaes, mas como não são praticados por commerciantes, apesar do toda a gente reconhecer que são actos commerciaes, estão sujeitos á legislação civil. Quer dizer, fica no codigo commercial esta estranha aberração de se julgar por leis differentes actos iguaes pelo facto de serem praticados por pessoas que exercem ou não o commercio, e isto quando se estabelece no artigo 1.°, que a commercialidade de um acto não depende da profissão da pessoa que n'elle intervem!
Ora, desde o momento em que no artigo 2.° fica sempre alguma cousa de vago, que dá logar ao arbitrio, lembrava que, pelo menos se eliminassem n'elle as palavras - dos commerciantes. Assim ficava o arbitrio para todos os actos similhantes, mas preenchia-se uma lacuna que ha de fazer-se sentir de futuro, se não for attendida a minha emenda.
Apresento este alvitre que, se não remedeia completamente o mal, remedeia, pelo menos, me parece, a incoherencia do codigo reputar commerciaes ou não actos iguaes, conforme são praticados ou não por commerciantes.
Mas como hão de determinar-se os actos commerciaes não mencionados no codigo? Como hão de caracterisar-se?
Um acto não é commercial ou civil pelo simples facto de vir no codigo do commercio ou no codigo civil; vem n'um ou n'outro, conforme satisfaz ou não a umas certas condições, a umas certas caracteristicas que se não apresentam nas leis, mas que ficam detrás d'ellas nos principios da sciencia. E por esse motivo que, sendo-nos apresentados diversos factos, nós os classificâmos de commerciaes ou de civis, independentemente de vermos se os códigos respectivos os regulam.
É verdade que, em muitos casos, a discriminação é difficil; mas a dificuldade provem da propria confusão d'esses actos, que têem a natureza de civis e de commerciaes por estarem na linha divisoria d'esses dois ramos do direito privado.
Para esta hypothese é que regula a segunda parte do artigo 2.° do projecto em discussão.
Eu queria, porém, que o artigo se não referisse sómente
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aos actos dos commerciantes e que abrangesse todos os actos que tivessem caracteristicos de commerciaes.
São estas as considerações que eu tinha a fazer sobre o artigo 2.°
Com respeito ao artigo 3.° do projecto, que poz de parte os usos como direito subsidiario para só admittir, nos casos omissos, os principies geraes de direito civil, proponho que esse artigo seja substituido pelo artigo 3.° da proposta do sr. ministro da justiça, em que os usos commerciaes eram subsidiarios, e, na falta d'elles, os principios geraes de direito civil.
O relator do projecto, apesar do seu nome distincto no foro, e não confiando muito na força da sua argumentação Contra os usos, teve o cuidado de affirmar á camara que tambem tinha combatido os usos no seio da commissão de legislação commercial o sr. Dias Ferreira, uma notabilidade no fôro e um dos jurisconsultos mais distinctos do paiz. (Apoiados.)
Apesar de ser o primeiro a reconhecer as qualidades distinctas d'estes illustres jurisconsultos e os seus variadissimos conhecimentos, não posso, todavia, deixar de divergir da opinião de s. ex.as, pondo-me ao lado do sr. ministro da justiça, que me parece, n'este ponto, sustentara os bons principies; vejamos.
Estudando-se o relatorio da commissão, podem reduzir-se a quatro os argumentos em que se fundou para não chamar os usos mercantis como direito subsidiario.
Rejeitou esta doutrina, em primeiro logar, por lhe «parecer confraria aos bons principios». Acho esta rasão de todo o ponto destituida de fundamento.
Se attendermos á evolução histórica do direito commercial, vejo que se foi formando pelos usos á medida que se alargava e desenvolvia o commercio. Nos seculos XVI e XVII é que o direito commercial começou principalmente a constituir-se pelos trabalhos dos jurisconsultos italianos, trabalhos que foram condensados nas Ordenanças francezas de Colbert de 1673 com respeito ao commercio de terra, e de 1681 relativa ao commercio maritimo. Depois d'estes diplomas legislativos, publicou-se o codigo commercial francez de 1807, em que se deu corpo de doutrina a todos os usos commerciaes.
Posteriormente a essa codificação, fizeram-se novas descobertas, crearam-se outras instituições, alargou-se a area do commercio, modificando-se assim as relações commerciaes, e appareceram novos usos consentaneos com o modo de ser de todos esses progressos realisados. Esses usos dispersos foram a seu termo codificados. Assim entre nós publicou-se em 1833 o codigo de Ferreira Borges, que satisfazia completamente ás necessidades commerciaes d'essa epocha e que foi reputado um. padrão de gloria para o seu auctor. Passados trinta annos, já se sentia a necessidade de o reformar, porque estava em desaccordo com muitas das nossas instituições e era omisso para muitos casos frequentissimos no fôro. Se só agora se reforma o codigo vigente, foi por as commissões não terem apresentado os seus trabalhos.
Vê-se, pois, que ao lado das leis se vão formando usos que se transformam a seu tempo em leis, e que assim continuará successivamente.
Portanto n'uma nova codificação não se póde nem se deve acabar com os usos mercantis como direito subsidiario.
Um codigo não é uma lei de occasião, é uma lei organica que ha de vigorar por um largo periodo; não pôde estar a ser modificado a todos os instantes. E preciso, pois, pôr na lei os, usos como uma especie de correctivo, como uma valvula de segurança, para se não crearem peias á formação de novo direito Commercial.
Encontrâmos a confirmação d'isto em exemplos apontados pelo sr. ministro da justiça no relatorio que precede a sua proposta. Assim s. exa. regulou a conta corrente, contrato frequentissimo, a que o «uso tem dado um caracter especial e effeitos peculiares» e que não estava no nosso codigo.
Da mesma fórma regulou uma operação hoje muito frequente e que actualmente constitue um contrato sui generis com regras proprias, conhecido sob a denominação de neporte, e que é praticado usualmente sem haver lei que o regule até hoje.
Como estes, podiam apontar-se mais exemplos de actos e contratos que se dão todos os dias na pratica, que são regulados somente pelos usos e que nenhum commerciante se recusa a cumprir com o fundamento de não serem legaes.
A commissão, acabando com os usos mercantis como subsidiarios, embaraçou com esta funcção innovadora dos usos que ia regulando successivamente as novas invenções como o telegrapho, o telophone, etc., emquanto a lei não providenciava sobre o caso.
A determinação da commissão não tem só este inconveniente. Supprimindo os usos como subsidiarios, acabou tambem com a funcção interpretativa que elles exercem nos diversos actos de commercio.
Mas tão extraordinaria é esta doutrina, que o sr. Vicente Monteiro, respondendo agora ao sr. Julio de Vilhena, viu-se na necessidade de confessar que ficam ainda em vigor alguns usos indispensaveis para interpretar certos contratos.
Esta transacção que s. exa. já fez comnosco admittindo...
(Interrupção do sr. Vicente Monteiro.)
O artigo 3.° que regula os casos omissos e o direito subsidiario não falla em usos. Não acho n'elle nada que auctorise o emprego dos usos.
O sr. Vicente Monteiro: - Acha-o pelo codigo adiante..
O Orador: - Acho-o pelo codigo adiante?!
N'esse caso, o que noto é a contradição do artigo que analysâmos com os outros que admittirem os usos.
(Interrupção do sr. Vicente Monteiro.)
Então o que são os usos, se não são subsidiarios?
S. exa. não lhe dá a força do direito subsidiario, logo, onde os não mandar observar por lei expressa, não póde recorrer-se aos usos, ainda que seja como elemento de interpretação, porque o artigo 3.° não falia d'elles. E é uma falta irremediavel, porque o direito commercial, fundado na boa fé, não póde ser tão explicito como o direito civil. Os contratos no commercio são muito laconicos e carecem de interpretar-se pelos usos e estylos das praças e das localidades em que são feitos.
Tudo quanto tenho dito com respeito á funcção interpretativa dos usos em materia commercial, é o que se encontra em qualquer commercialista e nomeadamente nos commentadores do codigo italiano.
Não tenho feito mais do que reproduzir a doutrina por elles sustentada, e com a qual estou plenamente de accordo.
Para concluir a resposta ao primeiro argumento da commissão, devo ainda ponderar que os usos até foram respeitados pelo codigo civil.
No artigo 684.° diz-se: «É nullo o contrato, sempre que dos seus termos, natureza e circumstancias, ou do uso, costume, ou lei, se não possa deprehender qual fosse a intenção dos contrahentes...»
No artigo 704.° diz-se: «Os contratos obrigam tanto ao que é n'elles expresso, como ás suas consequencias usuaes e legaes».
Ora, se em direito civil, que é muito diverso do direito commercial, pois que se forma muito mais lentamente o exige muito mais numero de formalidades, se admittem ainda os usos com o elemento interpretativo, porque não havemos de consignar esse principio no codigo commercial? O sr. Vicente Monteiro diz que cá fica, e eu digo que não
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fica, porque o direito consuetudinario deixou de ser um elemento subsidiario pelo artigo 3.° do projecto.
(Interrupção do sr. Vicente Monteiro.)
Parece me, portanto, que o primeiro argumento apresentado pela commissão nada prova, porque os bons principios estão do lado do uso e não contra o uso.
E, só assim não é, diga-nos o sr. relator quaes são os bons principies offendidos, visto que a commissão teve todo o cuidado em não nol os indicar no seu relatorio.
Do que expuz, parece-me poder concluir que os bons principios estão consignados no artigo 3.° da proposta, do sr. ministro da justiça.
O segundo argumento em que a commissão se baseou para não admittir os usos mercantis como subsidiarios, foi por virem modificar sem vantagem, e antes com inconvenientes, o estado actual do nosso direito patrio.
Permitta-me s. exa. que lhe diga que, segundo o nosso direito, os usos commerciaes estavam em vigor pelo nosso codigo do commercio como subsidiarios.
S. exa. citou o artigo 1.º do codigo, onde se considera como subsidiario o direito civil; mas, se vir o artigo 3.° do decreto que poz em vigor o codigo commercial, s. exa. encontrará que se revogaram somente os usos e costumes que forem contrarios á lei ou ao espirito d'ella.
Portanto, parece-me que se não póde dizer que não estão ainda em vigor pela nossa jurisprudencia actual os usos, logo que não vão de encontro á lei.
E antes do codigo commercial muitas disposições havia, que eu não cito agora para não fatigar a camara, nas quaes se mandavam observar os usos e estylos commerciaes.
Como eu conhecia estes diplomas, notei que o sr. Oliveira Martins, publicando um brilhante artigo sobre o codigo commercial, fóra menos exacto, defendendo os usos como subsidiarios, mas desistindo da sua opinião por lhe parecer que era uma innovação no nosso direito, e por entender que os codigos não são azados para fazer propaganda.
Não era innovação nem propaganda, era simplesmente a conservação do direito actual, que devia continuar a subsistir.
Supponhâmos, porém, que os usos não são considerados subsidiarios pelo nosso direito actual. Quem ha ahi que tenha pratica do commercio, que possa dizer, de boa fé, que nos nossos tribunaes se não está julgando pelos usos e costumes?!
Se isto assim é, se os usos conseguem triumphar, apesar da prohibição da lei, facilmente se conclue a sorte que espera o artigo 3.° do projecto. As leis não se respeitam, quando não estão em harmonia com as necessidades que regulam: tomam se obsoletas.
Prohibir os usos equivale a remar contra a maré.
E tanto estas considerações são geralmente acceitas, que os recentes codigos commerciaes da Allemanha, da Italia e da Hespanha respeitam os usos como subsidiarios, e admittem-nos em primeiro logar, recorrendo-se á lei civil sómente na falta de usos. E acho rasoavel esta preferencia dada aos usos.
Se os actos commerciaes - como pondera Mancini - se afastam da lei commum, é porque esta regra foi reconhecida inadequada e insufficiente para os regular, e é porque o uso corresponde melhor ás necessidades do commercio.
Se o direito commercial se separou do direito civil por uma evolução gradual, visto que a natureza dos actos que regulam, se ia diversificando successivamente, como é que os principios de direito civil hão de poder applicar-se a casos de direito commercial?
Se o direito commercial maritimo não tem nenhumas ligações com o direito civil, que subsidios póde este dar para a interpretação d'aquelle?
Pondere-se, alem d'isto, que no direito commercial ha uma grande boa fé, que dispensa grandes formalismos, e que ha necessidade de muita rapidez para se não entorpecer o desenvolvimento do commercio.
Sendo assim, applicando-se aos actos commerciaes os principies geraes de direito civil, podem succeder flagrantes injustiças.
Exemplo:
As letras, não sendo protestadas em tempo util, não têem valor como obrigações commerciaes, e valem apenas como titulos de obrigações civis.
Se uma letra, n'estas condições, for do valor de reis 1:000$000, como se ha de cobrar civilmente, se o codigo civil não admitte para prova das dividas de mais de réis 400$000 senão as escripturas publicas?
Em todo o caso, o uso supplantou tudo e essa letra é paga integralmente, apesar das disposições da legislação civil.
A terceira rasão encontra-se no seguinte periodo do relatorio: - «... se os usos tivessem de prevalecer em commercio ao subsidio do direito commum e geral, consignado no codigo civil, indispensavel seria formar o codigo de commercio, não só com as disposições de especialidade ou excepção que o constituem, mas com todas as outras, que á maneira dos mais codigos especiaes, não repete por estarem na regra e como regra serem de cumprir».
Este argumento não tem força nenhuma. Não é necessario reproduzir no codigo commercial os principies geraes que estão consignados no codigo civil, porque esses principios não são peculiares de um ou de outro codigo; são principios geraes do direito privado.
Se se encontram no codigo civil, fui por este direito se formar primeiramente. E, desde que estão consignados n'um codigo, desnecessario é trazel-os tambem para o outro.
Se esses principios geraes se codificassem primeiro no codigo commercial, não era preciso trazel-os para o codigo civil.
O ultimo argumento da commissão é a difficuldade que ha em se saber o que deve entender-se e a que deva satisfazer esse uso para se considerar estabelecido, difficuldade que o deixa o arbitrio arvorado em lei.» Se a commissão se mostra tão hostil ao arbitrio, devia ter eliminado a segunda parte do artigo 2.° e marcar taxativamente os actos commerciaes, para não surgirem na pratica nenhumas difficuldades.
E qual é o modo por que pretende acabar com o arbitrio? Qual é a substituição que apresenta para acabar com os usos subsidiarios? São os principios geraes de direito civil que são variaveis para cada magistrado, porque cada um entende as cousas por seu modo, visto que taes principios são extremamente vagos.
Mas ainda ha mais, segundo o relatorio da commissão, fica em vigor o artigo 16.°, que regula os casos omissos no codigo civil e que manda attender aos «principios de direito natural, conforme as circumstancias do caso.»
Pois haverá cousa mais vaga, mais arbitraria do que os principios de direito natural?
Não são esses principios diversos, conforme a escola phylosophica em que cada um se filia?
Esta imperfeição do codigo civil não devia introduzir se no codigo commercial.
Deixar os principios de direito natural como subsidiarios, é deixar uma arbitrariedade tão grande, que cada juiz pôde interpretar a lei como quizer e fazer o que quizer.
Disse o sr. Julio de Vilhena e repito eu: Pois não é o uso alguma cousa mais palpavel do que estes principios?
O uso não é a sugestão de qualquer negociante, é a pratica seguida e conhecida no commercio. Os usos são factos que podem provar-se e não são theorias de philosophia que admittem controversias interminaveis.
Se o uso póde dar logar ao arbitrio, o que ha de di-
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zer-se dos principios de direito natural e dos principios geraes de direito civil?!
Parece-me ter demonstrado que as rasões allegadas pela commissão nada provam contra os usos, e que ficaria melhor o codigo, se tornasse a ser substituido este artigo pelo artigo apresentado pelo sr. ministro da justiça.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripo, vae votar-se.
Ha sobre a mesa umas propostas apresentadas pelo sr. D. José de Saldanha, mas que se referem a disposições geraes.
O sr. Vicente Monteiro: - Peço a v. exa. que essas propostas sejam remettidas á commissão para sobre ellas dar o seu parecer.
Posta á votação aparte do codigo, que se denomina «Disposições geraes», foi approvada.
O sr. Presidente: - Vae ler se o titulo l do capitulo I.
O sr. Julio de Vilhena: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. João Pinto: - Não me occuparei de defender a proposta apresentada pelo sr. Julio de Vilhena, porque já foram expostas as rasões que a fundamentam e que de certo merecem toda a attenção por parte da commissão.
Em assumptos importantes como a feitura de um codigo, não basta que se façam discursos habeis para se refutarem os alvitres que no decorrer do debate se vão apresentando. N'esses torneios da palavra, todos os oradores produzem as suas subtilezas que podem impressionar de momento os ouvintes, mas que não conseguem fazer desapparecer os erros e as contradicções, se porventura existem no projecto era discussão.
São assumptos demasiado sérios para que se apreciem com, rasões do momento. Peço, pois, á illustre commissão que pondere bem o valor da proposta do sr. Julio de Vilhena, a fim do a tomar na devida consideração.
Mas como pela resposta do sr. ministro da justiça me pareceu que a modificação do sr. Julio de Vilhena não será acceita, não penso em defendel-a e vou apresentar uma substituição nos artigos 10.° e 15.° do projecto, collocando-me no ponto de vista da commissão, a fim d'esta doutrina sair o mais perfeita possivel.
Devo desde já observar que os titulos I e II que agora se discutem, estão muito imperfeitos, já, pela collocação pouco logica das materias, já pelas lacunas que toem, já pelas contradicções que apresentam.
E verdade, verdade, os artigos 10.° e l5.° que pretendem regular o pagamento das dividas dos commerciantes casados, são defeituosissimos. Havendo diversos regimens matrimoniaes - costumo do reino, simples communhão de adquiridos, separação do bens e regimen dotal- o projecto não especifica a responsabilidade dos conjuges commerciantes em cada uma d'estas especies de matrimonio.
No direito civil, este assumpto está muito mal regulado, e o código é muito pouco explicito, o que tem dado origem a variadissimas questões judiciaes.
Pois o codigo commercial que devia remediar todos os inconvenientes notados pelos jornaes de jurisprudencia e pelos tribunaes com respeito á lei civil, deixa de pé todas essas dificuldades, não especifica as responsabilidades dos conjuges em cada um dos regimens matrimoniaos e é contradictorio até nas poucas disposições que coutem sobre esse assumpto.
E pena que, procedendo-se á feitura de um codigo, se não regule convenientemente materia tão importante.
No intuito de a melhorar um pouco, já que não posso resolver a questão completamente, vou analysar conjunctamente os artigos 10.º e 15.° do projecto e mandar para a mesa uma substituição.
Diz o artigo 15.°:
«As dividas provenientes de actos commerciaes contrahidas só por um dos esposos que for commerciante, ou só pelo marido commerciante, sem outorga da mulher, presunir-se-hão applicadas em proveito commum dos conjuges.»
Como hão de ser pagas essas dividas? O artigo não o diz.
O sr. Vicente Monteiro: - Está no codigo civil.
O Orador: - O que está no codigo civil vi eu. São então pagas essas dividas pela meação do casal?
Sendo essa a intenção da commissão quando fez o artigo 15.°, porque o não declarou expressamente na lei?
Parece-me, porém, que o artigo 15.° se não póde assim interpretar, porque está em contradicção flagrante com o artigo 10.° Vejamos.
Supponhamos que o artigo 15.° que legisla para aã dividas da mulher e do marido commerciantes, se desdobra em duas partes, ficando assim uma. - As dividas provenientes de actos commerciaes contrahidas só pelo marido commerciante, sem outorga da mulher, presumir-se-hão applicadas em proveito commum dos conjuges.
Como serão pagas essas dividas?
Dil-o o artigo 10.°:
«O varão casado responde pelas obrigações commerciaes contrahidas, quer antes quer depois do casamento, sem autorga da mulher, quando por direito necessaria, pelos seus bens proprios, e, na falta ou insufficiencia d'estes, pela sua meação nos bens communs.»
No entretanto, o sr. relator respondeu me ha pouco que taes dividas eram pagas pela meação do casal por se presumir que foram applicadas em proveito commum.
Então qual vigora? O codigo civil ou o artigo 10.° do projecto?
Como está na lei, vigora o artigo 10.° que contem prefeitamente uma das hypotheses a que se refere o artigo 15.° e d'esta sorte de nada valle a presumpção estabelecida no dito artigo 15.°, visto que o pagamento das dividas commerciaes contrahidas pelo marido, sem autorga da mulher, não é feito pela meação commum, mas pelos seus bens proprios ou só pela sua meação.
Ora, como o sr. relator já mo disse que na hypothese do artigo 15.° vigorava o artigo 1:114.º, § 2.° do codigo civil, é evidente que o artigo 10.° do projecto está mal redigido.
É, pois clarissima a contradicção entre os artigos 10.° e 15.° do projecto.
Desdobrando o artigo l5.° na outra parte, temos:
«As dividas provenientes do actos commerciaes contrahidas só pela mulher caiada que for commerciante, presumir-se-hão applicadaa em proveito commum dos cônjuges.»
Como hão de ser pagas essas dividas? Regula tambem o codigo civil e devem ser pagas pela meação commum dos conjuges. Mas, se o marido provar que as dividas contrahidas por sua mulher commerciante não foram applicadas em proveito commum dos conjuges, como hão de sor pagas? Qual é o artigo que providenceia para esta hypothese? Não encontro nenhum, porque o artigo refere-se sómente ao varão casado.
O projecto é, portanto, omisso n'este ponto.
Disse no principio e torno agora a repetir que vou mandar para a mesa uma proposta que não representa as minhas idéas cm quanto ás responsabilidades dos cônjuges commerciantes, mas que é feita segundo o modo ver da commissão e que visa simplesmente e deixar a lei isenta de difficuldades e contradicções.
A proposta é o seguinte:
(Leu.) _
Não sei bem se a minha proposta exprimirá com exactidão o pensamento da commissão, porque não pude deprehender do relatorio e do artigo 10.° se queriam que as disposições do § unico d'este artigo fossem somente applicaveis á hypothese das dividas contrahidas pelo marido.
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SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO DE 1888
Que a letra da lei abrange só esta hypothese ninguem póde pol o em duvida; mas seria essa a intenção do legislador? Não. estará este artigo deficiente?
Supponhamos que a mulher casada commerciante contrahe uma divida e que se prova que não foi applicada em proveito do casal. Essa divida ha de ser paga pelos bens proprios da mulher, e, na falta ou insufficiencia d'estes, pela sua meação dos bens communs.
O credor segue a acção competente contra a devedora; mas, quando quizer dar á execução a sentença judicial, ha de esperar pela dissolução do matrimonio ou pela separação, ou poderá dal-a immediatamente á execução nos termos que regulam a hypothese para o homem casado commerciante?
Quereria o legislador collocar a mulher commerciante n'uma posição differente do marido, concedendo-lhe o beneficio de não serem exequiveis as suas dividas, senão depois da dissolução do matrimonio ou separação judicial?
Não o diz nenhum artigo do codigo e parece até contraditar essa supposição o artigo 11.° que não permitte que a mulher commerciante reclame contra o que derivar dos actos commerciaes que pratica.
O sr. Vicente Monteiro: - Essa hypothese está no codigo civil, não precisa acautelada.
O Orador: - Se esta hypothese se refere ao pagamento de dividas commerciaes, o seu assento proprio e no codigo commercial. Se porventura ha no codigo civil alguns artigos que regulem casos commerciaes, estão lá indevidamente colocados, e o legislador, procedendo á feitura do um novo codigo commercial, ou transplanta para elle as disposições que erradamente se acham no codigo civil, no caso de se conformar com ellas, ou por novas disposições que modificam as outras. Se o codigo civil invadiu a esphera do direito commercial, o que é uma imperfeição, não havemos de deixar que o codigo commercial seja imcompleto, respeitando essa falta de methodo.
Cada doutrina no seu codigo e no seu logar proprio.
Por esta analyse ligeira se vê já quanto este assumpto das dividas dos conjuges commerciantes está mal regulado no projecto em discussão.
Podia se talvez aproveitar um trabalho que mo dizem - muito importante, do sr. Hintze Ribeiro, no qual se explanam as diversas hypotheses do pagamento das dividas dos conjuges commerciantes nos differentes regimens matrimoniaes.
Não posso pessoalmente dizer nada do merecimento d'esse trabalho, porque não tive occasião de o ler, mas lembro-o á commissão para o tomar na devida consideração, porque todos os elementos são poucos para redigir claramente as leis.
Se o codigo civil é deficientissimo no modo como regula o pagamento das dividas dos conjuges, se essas deficiencias e obscuridades têem dado na pratica origem a um sem numero de questões, sirva nos isto de ensinamento e procuremos remediar todos os defeitos apontados. - N'esse intuito, mando para a mesa a minha proposta que, se não é completa como eu desejava fazer-a, remedeia comtudo alguns inconvenientes.
Espero que a illustre commissão meditará bem esto assumpto.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Mando para a mesa uma proposta de lei relativa ao tratado de commercio com a Dinamarca..
É a seguinte:
Proposta de lei n.° 13-G
Senhores. - Obedecendo ao preceito do artigo 10.° do primeiro acto addicional á carta constitucional, tenho a honra de submetter á vossa apreciação, o tratado de commercio e de navegação, celebrado com a Dinamarca em 20 de dezembro de 1887.
Os motivos que determinaram o governo a concluir este acto, e que justificara as clausulas estipuladas constam de documentos, que na presente sessão vos são apresentados.
Julgo, pois, desnecessario recapitular agora os fundamentos do referido ajuste, que facilmente se colligem por esse exame: e se d'elle vos resultar, como espero, o convencimento das vantagens do novo tratado, confio em que mereça a vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado de commercio e de navegação entre Portugal e a Dinamarca, assignado em Copenhague, em 20 de dezembro de 1887.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 10 de janeiro de 1888.= Henriques de Barros Gomes,
Sua Magestade o Rei da Dinamarca e Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal e dos Algarves animados de um igual desejo de melhorarem e desenvolverem as relações commerciaes entre os seus respectivos estados, resolveram substituir a convenção relativa ao commercio entre a Dinamarca e Portugal, assignada em Lisboa a 26 de setembro de 1766 por um novo tratado de commercio e de navegação e nomearam para este fim por seus plenipotenciarios; a saber:
Sua Magestade o Rei de Dinamarca o Senhor Otto Ditlev, barão de Rosenöru-Lehn, seu ministro dos negocios estrangeiros, gran-cruz da sua ordem de Danebrog, e condecorado com a cruz de honra da mesma ordem, gran-cruz da ordem da Torre e Espada do Portugal, etc. etc.
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves o sr. Antonio da Cunha de Souto Maior, visconde de Souto Maior, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciário, gran-cruz da ordem de Christo, commendador da ordem da Conceição de Villa Viçosa, gran-cruz da ordem de Danebrog, etc. etc.
Os quaes, depois de se terem communicado os seus plenos poderes, que acharam em boa c devida fórma, convieram nos artigos seguintes:
Artigo 1.° O tratamento de que gosa a bandeira nacional em tudo o que diz respeito aos navios ou á sua carga será reciprocamente garantido aos navios das duas altas partes contratantes nos dois reinos.
Art. 2.° As altas partes contratantes garantem-se reciprocamente o tratamento da nação mais favorecida tanto para a importação, a exportação, o transito, e em geral para tudo o que diz respeito ás operações commerciaes, como para a navegação, o exercicio do commercio ou da industria, e para o pagamento dos direitos que lhes são inherentes. Assim qualquer reducção, favor, privilegio, liberdade, immunidade, ou excepção qualquer, relativas aos direitos de entrada, de saida, de transito e de navegação que haja a cobrar no territorio de uma das altas partes contratantes que tiverem sido ou forem ulteriormente concedidos a nina nação, tornar-se-hão ipso facto gratuitamente applicaveis aos subditos da outra.
D'esta estipulação faz-se excepção para a cabotagem e a pesca nacional, cujo regimen fica sujeito ás leis dos paizes respectivos: todavia os subditos dinamarquezes em Portugal, e os subditos portuguezes na Dinamarca gosarão a este respeito dos direitos que são ou forem concedidos pelas ditas leis aos subditos ou cidadãos de qualquer paiz.
Art. 3.º As estipulações do artigo precedente não poderão ser invocadas no que respeita ás concessões especiaes concedidas ou que o forem de futuro a estados limitrophes, no intuito de facilitar o commercio das fronteiras; mas se uma das altas partes contratantes vier a conceder esses favores a outros estados não limitrophes, a outra será admittida a gosar dos mesmos favores.
Faz-se reserva em proveito de Portugal, do direito de conceder ao Brazil sómente vantagens particulares que não poderão ser reclamadas pela Dinamarca como uma
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consequencia do seu direito ao tratamento da nação mais favorecida.
Fica comtudo entendido que, se Portugal concedesse a outros estados a partilha dos favores que elle houvesse concedido ao Brazil, a Dinamarca seria admittida a gosar dos mesmos favores.
Art. 4.° Os vinhos poruguezes importados na Dinamarca directamente, debaixo de qualquer bandeira, ou em transito por um paiz qualquer, não pagarão direitos de alfandega mais elevados do que os que são ou forem impostos aos productos similares da nação estrangeira mais favorecida, e não estarão sujeitos a nenhum imposto interior quer de consumo, quer de outra natureza, a favor do. estado ou das municipalidades, feita excepção todavia dos direitos de navegação e de porto.
Art. 5.° Os valores ou os bens exportados de um dos dois paizes para o outro em resultado de herança, de emigração, de doação ou de acquisição por um titulo qualquer, não estão sujeitos a nenhum direito de detracção ou de saida, quer a favor do estado, quer em proveito dos municipios ou dos estabelecimentos publicos.
Art. 6.° As disposições que precedem não dizem respeito senão ao reino de Dinamarca (comprehendo a Islandia, e as ilhas de Faroe), e o reino de Portugal propriamente dito (comprehendendo as ilhas da Madeira, Porto Santo e o archipelago dos Açores).
As Antilhas dinamarquezas e a Groenlandia de um lado, e as colonias portuguezas do ultramar, do outro, não serão comprehendidas nas estipulações d'este tratado. Entretanto, os subditos das partes contratantes gosarão respectivamente n'essas possessões, com relação ao seu commercio, e aos direitos da alfandega, tanto á entrada como á saida dos mesmos direitos, privilegios e immunidades, favores e exempções que são ou forem concedidos á nação mais favorecida.
Art. 7.° O presente tratado, que será executorio sete dias depois da troca das ratificações, continuará a estar em vigor por todo o tempo em quanto uma das potencias não houver notificado á outra, com doze mezes de antecedencia, a sua intenção de lhe fazer cessar o effeito.
Art. 8.° As ratificações do presente tratado serão trocadas em Copenhague no espaço de seis mezes, ou mais breve, se for possivel.
Em fé de que, os plenipotenciarios respectivos assignaram o presente tratado, e lhe pozeram os seus sellos.
Feito em Copenhague, a 20 de dezembro de 1887.
(L. S.) O. D. Rosenörn Lehn.
(L. S.) Visconde de Sotto Maior.
Está conforme.- Direcção dos consulados e dos negocios commerciaes, em 10 de janeiro de 1888.= Eduardo M. Barreiros.
O sr. Presidente: - A primeira sessão é na proxima sexta feira e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Representações mandadas publicar n'este Diario
E. N.º 55
Senhores deputados da nação portugueza. - No cumprimento da honrosa commissão que á mesa do comicio popular de Guimarães, realisado na tarde de 22 do corrente, foi confiada pelo povo d'esta cidade e concelho, vem os supplicantes pedir aos representantes dos mais valiosos interesses e direitos da nação a rejeição da proposta de lei n.° 9-E, do ministerio da fazenda, na sua totalidade.
A caixa geral de depositos, que foi primariamente creada no intuito de regular os depositos judiciaes, contra os quaes,
por mal organisados, havia geraes queixas, serviu mais tarde, pela lei de 1 de julho de 1885, para crear novos empregos bem remunerados, a titulo da necessidade de reorganisação do serviço. Tem sido este o pretexto de quasi todas as ultimas reformas de secretarias e outras instituições, sendo sempre o resultado o augmento nos quadros dos empregados, a progressiva concentração de serviços na capital do reino em evidente detrimento da actividade das provindas e a correspondente elevação da despeza publica que vem sempre onerar as localidades.
Sobre estes mesmos intuitos, e obedecendo á mesma pratica da concentração de instituições na capital, á custa das provincias, tendendo á creação de novos empregos, largamente remunerados, fui proposto o recente projecto do lei, cuja rejeição pede o povo de Guimarães.
Sobretudo os artigos 7.º e seus paragraphos e artigo 8.º são os que mais directamente offendem a economia das provincias e a autonomia das corporações.
Collocar as heranças a que se refere o artigo 691.° do codigo do processo civil sob a administração da caixa geral é concentrar mais um avultado serviço na capital, e sujeitar os herdeiros, quando appareçam a pleitear a successão na capital, onde as despezas são maiores, mais demorada a expedição de processos, pela multiplicidade de serviços, e collocar os interessados, quando forem de pequeno valor as heranças, na contingencia de as perderem em beneficio do estado ou de gastarem tanto ou mais para lhe serem entregues!
A conversão de todos os capitães das corporações em titulos de credito, segundo a interpretação que uns dão á proposta, o simples deposito dos titules já existentes, segundo interpretam outros, levantou a indignação do povo de Guimarães, sem distincção de classes e de partidos, não só por ver levada á maxima violencia o systema da absorpção, mas pelos inconvenientes economicos, e pelas difficuldades de administração, pelos previstos prejuizos que resultariam para as instituições que as corporações sustentam e administram.
Estes inconvenientes já se começam a sentir com os despachos exarados pelo governador civil em diversos orçamentos das corporações, ordenando a entrada de capitães depositados em bancos acreditados vencendo o juro de 3 1/2 ou 4 por cento, na caixa geral, onde vencerão apenas 2 por cento passados sessenta dias.
Sobre o justo receio da insolvencia do estado, que póde dar se n'uma epocha mais ou menos proxima, visto o estado tender a augmentar as suas operações de agiotagem cambial, e attento o crescendo de despezas, e a diminuição de recursos, pela penuria geral que invade todas as classes, resulta o prejuizo para as corporações cie beneficencia e de piedade, de afrouxar a devoção dos bemfeitores, que queiram beneficiar as corporações com a administração em que confiam, e não o estado com os seus intuitos, desde que este se não limita a superintender e a tutelar, mas se intromette e interpõe como agente principal das administrações.
Será justa a desconfiança?
Não o será Pouco importa; a confiança não só impõe; as devoções não se decretam, como se não impõem nem decretam nenhuns movimentos da alma.
E a verdade é que só com os factos que já têem sido praticados, alguns testadores declararam abster-se do deixar determinados legados, que viriam sem duvida beneficiar instituições, que tão bons serviços têem prestado e prestam ao infortunio, á instrucção popular, ao culto religioso e até á ordem, que tem na miseria o mais perigoso inimigo.
Alem d'isto, tutelar com excesso corporações de indole particular, que têem tanto direito á liberdade, como quaesquer outras associações civis, é absorver no estado toda a iniciativa privada com offensa de todos os principios liberaes.
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Porque se não exige das sociedades anonymas, dos bancos particulares, das emprezas de caminhos de ferro, das sociedades de instrucção, ou de recreio, os mesmos depositos, as mesmas conversões de capitães e de titulos?
Fará que, pois, tal legislação não deva manter-se, basta invocar a igualdade perante a lei. E já com este fundamento em favor de instituições benemeritas, cuja existencia tradiccional merece todo. o respeito, já com o dos direitos e interesses, injustificadamente feridos, Guimarães pede, não só a rejeição da sobredita proposta, senão tambem a revogação da lei de l de julho de 1880 na parte que torna obrigatorios os depositos dos estabelecimentos pios e humanitarios.
E, aproveitando o ensejo, o mesmo povo lembra a necessidade:
1.° Do alargamento das circumscripções administrativas, judiciaes e fiscaes, cujo acanhamento, como o das freguezias coincidindo com as parochias religiosas e o da maioria dos julgados, comarcas, concelhos e districtos, só serve, depois da actual facilidade de communicações, para gravame dos povos, e por falta de recursos e pessoal para te não satisfazer a nenhuma das exigencias da civilisação;
2.º Da revogação das disposições que envolvam prisão por dividas, penalidades que annullam as conquistas, que Guimarães se orgulha de applaudir, dos liberaes de 1820 e 1834;
3.° Da suspensão da reforma das matrizes, subsistindo o direito de cada proprietario requerer a rectificação da louvação do seu predio, até que se estudem bases mais rascaveis d'este serviço, e se recrute pessoal idoneo.
No Minho, assentou-se, como incontroverso principio, que o collectavel está baixo, e para o levantarem sem attrictos, usa-se de uma felonia: fixam-se As medidas preços extremamente diminutos e augmenta-se o numero d'estas até se prefazer em réis o indicado, pelo menos, na matriz velha. Assim, por exemplo, quem tinha n'esta matriz o genero a 400 réis, fica com elle a 200 réis, mas, se as suas medidas eram duzentas, elevam-se a quatrocentas, ou mais. Actualmente não se torna sensivel a differença, e por isso não se provocam reclamações; mas o falso documento da materia collectavel fica, e mais tarde servirá para o aumento correspondente á rectificação do valor do genero.
Demais, não se abatem nem as indispensaveis despezas annuaes com reparações o enxofração, nem os perdões aos caseiros a que forçam os annos maus.
Quanto ao pessoal empregado, chega a ser irrisorio. Sapateiros, musicou, e até vadios, tudo, menos lavradores habilitados, é o que constituo tão respeitavel tribunal. Resultado: medem-se os terrenos a passos, quadram-se sem attenção as curvas, classificam-se a capricho, etc.
E no meio d'estes processos selvagens, vem ainda a influencia politica recommendar aquelle celebre aphorismo: favor, aos nossos, rigor aos outros.
Em vista de quanto deixa ponderado, a mesa do comicio, dirigindo se ao parlamento, nutre a esperança de que não reclamará em vão um povo que busca, não furtar-se aos encargos indispensaveis e economicamente possiveis, mas apenas pugnar por uma administração equitativa, liberal e compativel com os recursos dos contribuintes e com as justas aspirações provincianas, á conservação do que, sem auxilio do estado, nas províncias se creou á sombra da lei, e á mesma sombra se radicou- e tem fructificado em beneficio especial das localidades e geral do paiz.- E. R. M.cê = Domingos José Ribeiro Guimarães, presidente = Custodio José de Freitas, secretario = Eduardo Manual de Almeida.
E. N.° 53
Senhores deputados da nação. - A associação commercial do Porto, como legitima representante dos mais valiosos interesses do commercio e da navegação d'esta praça, não póde deixar de vir representar mui respeitosamente, mas com a energia e firmeza que procede do convencimento, contra a excessiva e inadmissivel elevação dos direitos do tonelagem que se projecta pela proposta de lei n.° 9 D, apresentada ultimamente á camara dos senhores deputados pelo exmo. ministro da fazenda, e publicada no Diario do governo de 17 de janeiro.
Embora não sejam invenção moderna os direitos chamados de tonelagem e ancorarem, que oneram a navegação e o commercio; embora similhante imposto especial se mantenha ainda hoje em alguns estados da Europa; embora as circumstancias sempre difficeis da nossa fazenda não hajam permittido em Portugal a extincção rasgada e total d'esta, como de outras velhas fórmas de tributação; é certo que os melhores avisos sobre economia publica têem recentemente reconhecido que, longo de aggravar similhantes impostos, muito ao contrario convém diminuil-os, ou abolil os, mesmo completamente, sendo possivel.
Alguns paizes dos mais adiantados no caminho da civilisação e da boa administração mercantil toem ousado pôr por obra essas idéas de largo alcance economico, tornando a navegação e entradas dos seus portos inteiramente isentas de todas as peias e difficuldades administrativas, ou em cargos fiscaes, que necessariamente afrouxam e afugentam o movimento commercial, e depauperam portanto os recursos d'esta fonte de riqueza publica, que provém da navega cão mercante.
O proprio exemplo do porto de Anvers, que no relatorio que precede a proposta de lei n.° 9-D é trazido como termo de comparação para provar que o augmento proposto para os nossos direitos de tonelagem é modico em relação aquelle porto, serve contraproducentemente para confirmar o que aqui se acaba de expender.
O relatorio do exmo. ministro da fazenda foi buscar para exemplo justamente o porto que talvez em toda a Europa apresenta, na apparencia, direitos de tonelagem mais elevados; mas o que não disse foi que, não só estes direitos ali se justificam presentemente pelos grandes encargos e sacrificios que o estado teve de tomar com o estabelecimento de magnificos cães, docas, e outras obras realisadas em beneficio da propria navegação, e que o tornam um dos portos melhores para o trafico mercantil, desembarcando-se as mercadorias directamente para os cães e para os caminhos de ferro, sem mais despezas algumas (o que aqui em Portugal se não dá); mas, alem d'isso, que os direitos apontados no relatorio só se pagam pela primeira e segunda vez que o navio entra no porto, pagando-se á terceira uma quarta parte, á quarta metade o pela quinta e pelas restantes viagens que a embarcação fizer dentro do mesmo anno fica pagando a quarta parte, de sorte que no fim do todas essas viagens repetidas, se se tirar a media, achar-se-ha um encargo muito inferior aquelle que em Portugal se exige por cada viagem!
O exemplo adduzido no relatorio é pois manifestamente contraproducente.
Seria para desejar que o nosso paiz, que tanto carece de animar a sua navegação e de attrahir aos seus portos o movimento commercial, e a frequencia e a preferencia do commercio maritimo, seguisse as boas doutrinas economicas que aconselham a maxima liberdade e facilidade, e todas as possíveis franquias para a navegação.
N'um futuro bem proximo o estado teria só a applaudir se de ter seguido rasgadamente os exemplos estranhos n'aquelle sentido, e os resultados não tardariam a fazer-se sentir vantajosamente, mesmo sob o ponto de vista dos proprios interesses do thesouro publico.
Hoje que temos emprehendido e construido umas poucas de linhas ferreas internacionaes ou destinadas a pôr-nos em communicação com as nações vizinhas, abrindo para o movimento commercial d'ellas esses caminhos que atraves do nosso territorio vão ter ao mar, e tendo dado a
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essas linhas por testa os nossos portos maritimos para attrahir a estes o movimento correspondente, como succede, por exemplo, ao Porto com o caminho de ferro de Salamanca; por certo é contradictorio e inexplicavel que ao mesmo tempo se trate de aggravar extraordinariamente as dificuldades e encargos fiscaes á navegação, por fórma que acabe por acaso de aniquilar esse pequeno movimento de navegação mercante que nos resta, definhando o commercio e a riqueza publica, e inutilisando os sacrificios feitos com as vias ferreas!
Portanto, vedes, senhores, que ao momento actual tudo conspira para aconselhar que não se aggravem as taxas e encargos da nossa navegação. Em vez de vos propor um tal aggravamento, esta associação pensa que o governo de Sua Magestade deveria propor-vos que se equiparassem os direitos de tonelagem da navegação por navios de vela aos que paga a navegação a vapor. Effectivamente uma tal equiparação teria todo o fundamento de justiça, visto não se descobrir rasão alguma para que os navios de vela paguem ainda hoje 100 réis por tonelada, emquanto que os vapores pagam 30 réis por virtude da rcducção feita pela carta de lei de 1874.
A proposta de lei n.° 9-D, porém, conservando quasi tudo o que estava preceituado na legislação vigente (lei de 27 de dezembro de 1870), alterou-a comtudo no modo de regular a medição e calculo da tonelagem para os effeitos fiscaes, como se vê do artigo 4.° da mesma proposta, exactamente aquelle cm que está o ponto essencial do aggravamento excessivo, e para o qual chamâmos a attenção do poder legislativo e d'esta camara em particular.
O citado artigo 4.° dispõe que a lotação das embarcações em metros cubicos será regulada pela tonelagem bruta determinada pelo processo Moorson. Embora o paragrapho diga que, emquanto o systema Moorson não estiver para todos os effeitos estabelecido no reino, a lotação se deter minará pelo que digam os papeis de bordo, e na falta d'estes pela arqueação feita pelo actual processo da alfândega de Lisboa, ó certo que o mal não fica de nenhum modo, ao que parece, conjurado por esta apparente concessão interina, porque, não só a adopção do systema Moorson vae em breve ter logar pela approvação do projecto de lei sobre tonelagem e arqueação apresentado pelo exmo. ministro da marinha na sessão parlamentar do anno passado em data de 9 de julho, sendo portanto consequencia que d'ahi por diante a medição e calculo das tonelagens será feito por aquelle systema para todos os effeitos (e portanto para os effeitos fiscaes); mas alem d'isso, a questão está na gravissima innovação de se mandarem contar para a tonelagem, quer pelas tabeliãs do systema Moorson, quer pelo systema actual da correspondencia entre o metro cubico e a tonelada maritima, os metros cubicos da tonelagem bruta.
Era isto o que não mandava a legislação vigente até agora, nem a lei de 1870 já citada, nem a lei de 10 de abril de 1874, que alterou aquella, reduzindo o direito geral de tonelagem para todos os vapores a 30 réis, sendo notavel outrosim que nem a proposta de lei actual, nem o relatorio se referissem a esta lei!
Ora o systema Moorson faz differença entre a tonelagem bruta e a tonelagem liquida; e o proprio projecto do ministro da marinha apresentado ás côrtes no anno passado, tambem faz a mesma differença, chamando até á tonelagem liquida tonelagem official. No entanto, pelo projecto agora apresentado, não só se manda apurar a tonelagem pelos metros cubicos calculados pelo systema de Moorson, que adopta o divisor constante de 2,83 para a tonelada, mas alem d'isso aggrava-se ainda enormemente o caso, mandando fazer o calculo pela tonelagem bruta, o que tudo vem a representar, na opinião auctorisnda dos expertos n'esta materia especial, um augmento verdadeiramente extraordinario e inadmissivel, como se póde bem avaliar pelos seguintes exemplos praticos:
Vapor inglez Daylerford: medição bruta 1:403 toneladas; medição liquida 912 ditas:
912 toneladas a 30 réis 27$390
Imposto sanitario, a 15 réis 13$695
Imposto para as obras da barra do Porto, 105 réis. 95$865
136$950
6 por cento addicionaes 8$217
Praça, 5 réis 4$565
149$732
Segundo a proposta de lei n.° 9-D, o mesmo vapor ficaria pagando:
Tonelagem - 3:970 metros cubicos, a 70 réis 277$900
Imposto sanitario - 3:970 metros cubicos, a 15 réis 59$650
Imposto para obras da barra - 3:970 metros cúbicos, a 105 réis 416$950
754$500
6 por cento addicionaes 45$270
Praça, 5 réis 19$950
819$720
Differença a mais pela proposta de lei n.° 9-D 6695988
Galera portugueza America:
Metros cubicos das nossas alfandegas, 1:011:
Direitos do tonelagem - 100 réis 101$10
Direitos sanitarios - 15 réis 15$165
Obras da barra do Porto - 105 réis 106$155
222$420
6 por cento addicionaes 134345
Praça 5$055
240$820
Metros cubicos pelo systema Moorson, 2:861:
Direitos de tonelagem - 70 réis 200$270
Direitos sanitarios -15 réis 42$935
Direitos de barra - 105 réis 300$805
544$010
6 por cento addicionaes 32$640
Praça 14$305
590$955
Differença pela proposta de lei n.° 9-D 350$135
Vê se claramente d'estes exemplos praticos qual a differença que ficaria havendo nos encargos da navegação dos nossos portos, e o augmento extraordinario do imposto de tonelagem que a proposta de lei acarreta. Essa differença e augmento são de tal ordem, que o nosso commercio não poderia absolutamente supportal-os, principalmente o commercio do Porto, onde, como sabeis, acrescera outros impostos especiaes, que pelo mesmo processo do calculo da tonelagem bruta subirão proporcionalmente a quantias enormes, segundo já se aponta nos exemplos dados.
O illustre auctor do projecto confessa no relatorio que esta sua proposta é apenas ura expediente financeiro, e que com as alterações n'elle introduzidas se teve em vista crear um augmento de receita que quasi se reputa bastante para extinguir o deficit calculado para o futuro exercido. Quer-se, portanto, buscar esto augmento de receita e alcançar o equilíbrio orçamental á custa de novos e incom-
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pativeis sacrificios impostos á navegação e commercio maritimo dos nossos portos.
Não será isto um erro economico e um perigo grave, cuja responsabilidade o parlamento iria partilhar, se acaso acceitasse a proposta alludida?
Senhores, convém que penseis maduramente n'este assumpto, que é por si summamente grave, pois que no conceito de muitas pessoas praticas e bem conhecedoras das circumstancias o dos factos, que a direcção abaixo assignada quiz previamente ouvir e consultar, para se fortalecer no seu juízo e para dar maior auctoridade ás suas reclamações, o aggravamento que se propõe nos direitos de tonelagem é sufficiente para afugentar completamente dos nossos portos os navios e vapores que ainda os procuram hoje, para acabar de matar inteiramente a nossa já moribunda marinha mercante, e para transferir a outros paizes as vantagens e os lucios que a industria e o commercio nacionaes auferiam agora, não já sem dificuldades pesadas, privando emfim tambem o thesouro de uma importantíssima fonte de recursos, que mal poderão depois compensar-se.
Pelo que fica exposto, a associação commercial pede á camará dos senhores deputados que não approve a proposta de lei n.° 9-D referente aos direitos de tonelagem; e que pelo contrario adopte a resolução de equiparar todos esses direitos, quer para a navegação de vela, quer para a navegação a vapor, ficando todos reduzidos a 30 réis por tonelada liquida pelo calculo que actualmente se faz e está em pratica nas nossas alfandegas maritimas. - E. R. M.cê
Associação commercial do Porto, 6 de fevereiro de 1888.= Barão de Massarellos, presidente = John H. Andresen Junior, primeiro secretario = A. Augusto Pinheiro da Costa Ribeiro, segundo secretario.
E N.º 64
Senhores deputados da nação portugueza.- Entre as propostas apresentadas ultimamente á camara dos senhores deputados pelo illustre ministro da fazenda, ha uma com o titulo de proposta n.° 9-H, datada de 31 de dezembro passado, a qual, conforme o texto publicado no Diario do governo n.° 13, de 17 de janeiro do corrente anno, consta de um só artigo concedendo auctorisação ao governo para adjudicar em concurso publico a exploração commercial do porto de Leixões segundo umas bases annexas á mesma proposta, que são doze e vem assignadas conjunctamente pelos srs. ministros da fazenda e das obras publicas.
O relatorio do exmo. ministro que precede as suas propostas financeiras apresentadas na mesma occasião, consagrando um capitulo a esta proposta n.° 9-H, pretendo esclarecer, se bera que era termos assaz concisos, o pensamento e fim da proposta relativa ao porto de Leixões, e deixa perceber claramente que se procura ahi um expediente financeiro para alliviar o thesouro de uma parte do peso dos seus encargos.
Como é facil de comprehender, tudo quanto os poderes publicos deliberam ou tratam de decretar em referencia ao porto de Leixões inspira sempre ao corpo commercial da praça do Porto o mais vivo e justificado interesse; pois que é tão grande a importancia que se liga a este emprehendimento, poderá ser tão profunda e de tal magnitude a influencia futura d'elle sobre o destino e desenvolvimento das nossas transacções mercantis e da nossa navegação, que qualquer modificação que se annuncio em similhante objecto não pôde deixar de para logo sobreexcitar e preoccupar fortemente a opinião.
Mas é por isso mesmo tambem que ao commercio importa n'esta questão sobretudo o consideral-a pelo lado do verdadeiro interesse commercial.
O ponto de vista particular e differente, sob o qual a alludida proposta de fazenda o encara, isto é, propondo-se achar combinações por meio das quaes se alliviem os encargos do thesouro á custa de inesperadas modificações no modo do realisação da empreza, é um ponto de vista não só novo e imprevisto, mas que não pôde ser anteposto nem preferido áquell'outro, desde que o estado julgou dever abalançar-se a esse emprehendimento.
Não significa isto que o corpo commercial seja indifferente ás questões de fazenda, ou tenha em menos conta os meios acertados e os esforços prudentes no sentido de melhorar a situação das finanças publicas. Todavia, no caso presente, era face das bases que acompanham a referida proposta de lei, suscitam-se duvidas e aprehensões no espirito de muitos interessados no assumpto momentoso de que se trata, e o commercio vê no plano projectado difficuldades o inconvenientes com que não pôde accommodar-se.
Representando este modo de ver e esta corrente de opinião, a associação commercial do Porto, orgão natural dos interesses mais intimamente ligados á questão do porto de Leixões, vem respeitosamente requerer ao corpo legislativo que sobreesteja na adopção d'aquella proposta n.° 9-H, considerando prematuro por emquanto o momento de convertel-a em lei, pelas considerações que resumidamente passa a expor.
Em primeiro logar, o commercio não pôde jamais concordar em que a direcção e administração do porto commercial (exploração commercial) passe do estado para as mãos de um indivíduo ou companhia particular, embora esta fique sujeita á mais vigilante fiscalisação do governo. Os gravissimos inconvenientes da exploração particular em objecto de tamanha importancia são obvios e patentes. Os interesses da empreza exploradora tenderão, em muitos casos, naturalmente a ser oppostos aos interesses do publico, ou do commercio em geral. D'ahi os attritos, conflictos e dificuldades que a experiencia ensina, e que mal ou difficilmente poderão evitar-se e remediar-se.
Afigura-se talvez menos prudente que o estado se prive da sua plena liberdade de acção e do seu direito, n'um assumpto de administração publica tão melindroso como é este, que ha de implicar forçosamente com as franquias do porto, e da navegação da segunda praça commercial e cidade do reino.
Em segundo logar, a proposta de lei pretende reunir desde já por uni contrato bilateral a construcção das obras que serão adequadas e precisas para o estabelecimento do porto commercial, com a faculdade da exploração do mesmo porto, e esta associação tambem considera inconveniente essa confusão de cousas em si perfeitamente distinctas, opinando que antes de concluidas as obras do porto maritimo não se deverão emprehender outras no sentido de convertel-o em porto commercial, senão pouco a pouco, com extrema cautela e circumspecção, e sómente na estricta medida do que for indispensável e depois de ouvida a opinião do corpo commercial d'esta cidade como entendido na materia sob o ponto de vista pratico.
Se todas essas obras planeadas para o porto commercial fossem feitas por conta e risco da empreza exploradora, sem encargo nem responsabilidade para o estado, de modo que o erro, o excesso, a imprudencia de taes dispendios ficassem a cargo de quem os tivesse realisado, ainda assim não deixaria de offerecer seus perigos essa faculdade latitudinaria concedida a uma empreza particular; mas, desde que o estado se compromette a garantir um juro ou rendimento fixado de antemão a essas despezas de construcção, que podem ser simplesmente aventurosas e estereis (e nas bases da proposta não se põe limite efficaz a taes despezas), antolha-se ahi um risco importante, mesmo sob o ponto de vista dos interesses do thesouro.
Em terceiro logar, facultar desde já a realisação de todas as obras complementares e próprias para a exploração commercial do porto, antes de se ver praticamente quaes os resultados effectivos da construcção, qual a influencia que o novo porto ha de exercer no commercio local, quaes as deslocações que n'elle possa porventura vir a produzir,
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qual a direcção que tomará o movimento commercial, quaes as condições a que elle obedecerá, quaes as circumstancias e necessidades do serviço do porto, que só mais tarde, gradual e experimentalmente, se irão definindo e podendo apreciar com segurança, parece ser um passo precipitado que de futuro venha talvez a reclamar emendas e reconsiderações, sempre difficeis de realisar depois, e sempre onerosas e prejudiciaes em mais de um sentido.
Senhores, o fim da representação que vos dirigimos, confiados nas vossas luzes e prudente patriotismo, não é analysar o merecimento da proposta sob o ponto de vista financeiro; mas, mesmo encarado por este lado, parece que o resultado a esperar da operação que se propõe, não será de tal maneira vantajoso para o thesouro, que attenue os gravissimos inconvenientes apontados, porquanto, se o estado fica sujeito a garantir sempre um rendimento ajustado nos capitães empregados pela empreza concessionaria, é claro que isto significa no fundo uma forma especial de recurso ao credito. Se, pois, o governo contrahisse por concurso publico um emprestimo privativo para a conclusão do porto commercial, e fizesse depois as obras necessarias, e só estas, á proporção que cilas fossem exigidas pelas circumstancias e de accordo com os factos da experiencia; e se finalmente reservasse sempre para si, isto é, para a administração publica, a exploração effectiva e a percepção das rendimentos d'ella, teria obtido o mesmo resultado sem necessidade de partilhar os lucros com terceiro, nem de abdicar da sua liberdade de acção.
Comtudo esta associação não pretende discutir especialmente este ponto, que deixa á illustrada apreciação do poder legislativo.
O que lhe parece é que os inconvenientes acima indicados não contrabalançam com a vantagem de alliviar momentaneamente o peso dos encargos de um orçamento, recorrendo ao credito por um modo menos directo e usual, mas em todo o caso, servindo se d'esse recurso, aliás indispensavel, seguramente.
O que lhe parece inquestionavel é que não convém, por emquanto, permittir a construcção e gastos de consideraveis capitães para obras que não podem planear-se desde já com certeza de exito, por exemplo, a da ligação do caminho de ferro da alfandega com o porto de Leixões, a dos cães acostaveis e outras, em que o futuro poderá vir a exigir modificações impossiveis de prever por agora.
Se para muitos é crença firme que o porto artificial de Leixões ha de vir a produzir resultados de incalculavel melhoramento e progresso para o paiz, e principalmente para o Porto, comtudo ha ainda hoje outros pessoas que não professam uma fé tão viva n'essas promessas e vantagens.
Isto prova que por ora é completamente prematuro ir alem do que já foi planeado o decretado pelos poderes competentes para a construcção do porto maritimo: e que quanto ás condições de transformação d'este em porto commercial, e da sua exploração, só mais tarde o tempo e as circumstancias poderão aconselhar o que melhor convirá.
Assim a associação commercial solicita da camara dos senhores deputados que haja por bem não approvar por ora a referida proposta n.° 9-H, relativa á adjudicação da exploração commercial do porto de Leixões.- E. R. M.cê
Associação commercial do Porto, 4 de fevereiro de 1888. = Barão de Massarellos, presidente = John H. Andresen Junior, primeiro secretario = A. Augusto Pinheiro da Costa Ribeiro, segundo secretario.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.