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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

26.ª SESSÃO

EM 23 DE ABRIL DE 1909

SUMMARIO.- Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, tendo segundas leituras o projecto de lei relativo a um legado e um relatorio sobre a situação colonial portuguesa e oito projectos de lei da iniciativa do Sr. Deputado Antonio Cabral. Foram admittidos. - O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (D. João de Alarcão) envia para a mesa uma proposta de lei sobre a convenção telegraphica entre as colonias do Congo português e do Congo francês. - Refere-se ao processo que pelo juiz de instrucção lhe foi instaurado o Sr. Brito Camacho, fazendo outras considerações. - Fala o Sr. Egas Moniz sobre assuntos da região de Aveiro. - Os Srs. Frederico Ramirez e Penha Garcia mandam para a meta - projectos de lei, e o Sr. Augusto de Castro uma participação e uma proposta.- O Sr. Emygdio Lino da Silva fala sobre a epidemia de peste na Terceira.- O Sr. Moreira de Almeida requer a contagem.- É rejeitada a urgencia do assunto (tratado com o Transvaal) para que o Sr. Pereira dos Santos a requererá. - Apresentam requerimentos os Srs. Claro da Ricca e Ribeiro da Cunha. - Achando-se na Camara dos Dignos Pares os Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Guerra, o Sr. Presidente (Mendes Leal) interrompe a sessão até S. Exas. poderem comparecer, para se entrar na ordem do dia (projectos constitucionaes). - Reaberta a sessão, começa a falar o Sr. Archer da Silva. - Em virtude da agitação produzida pelo abalo de terra, não havendo numero sufficiente de Srs. Deputados para os trabalhos proseguirem, o Sr. Brito Camacho requer a contagem e a sessão é encerrada.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios - os Exmos. Srs.

João José Slnel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada: - Ás 2 horas e 30 minutos da tarde.

Presentes: - 12 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 horas e 3 1/2 da tarde.

Presentes: - 58 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Abel Pereira de Andrade, Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Julio Vieira Ramos, José Mathias Nunes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis da Gama, Manuel de Brito Camacho, Miguel Augusto Bombarda, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomas de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Vicente de Moura Continho de Almeida de Eça, Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã e Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: Alexandre Braga, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde de Mangualde, Conde de Paçô-Vieira, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Francisco Miranda da Costa Lobo, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, Jorge Vieira, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria de Oliveira Mattos, Jo.se Maria de Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luis Filippe de Castro (D.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Manuel Tèlles de Vasconcellos, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Paulo de Barros Pinto Osorio e Thomas de Aquino de Almeida Garrett.

Não compareceram a sessão os Srs.: Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro Rodrigues Valdez Penalva, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio José de Almeida, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Cabral Metello, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Feliciano Marques Pereira, João José da Silva Ferreira Neto, José Antonio da Rocha Lousa, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Malheiro Reymão, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Paulo Monteiro Cancella, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manuel Francisco de Vargas, Manuel de Sousa Avides, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 26 DE 23 DE ABRIL DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Marinha, remettendo nota das armações, cercos, veleiros e vapores de pesca inscritos nos departamentos maritimos do continente do reino, pedida pelo Sr. Deputado José Maria Pereira de Lima.

Para a secretaria.

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo exemplares das quatro notas trocadas por occasião da assinatura do tratado de commercio e navegação de 30 de novembro de 1908 entre Portugal e a Allemanha, para serem, remettidas á commissão dos negocios externos.

Foram enviadas com urgencia á commissão dos negocios externos.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A freguesia de S. Martinho, concelho do Funchal, é uma das mais populosas do mesmo concelho, sendo no entanto de acanhadas dimensões a respectiva igreja parochial, tão acanhadas que aos actos cultuaes ahi celebrados apenas pode assistir um numero bastante limitado de seus habitantes.

Para obstar a este inconveniente ambiciona a população d'aquella freguesia, seguramente uma das da diocese do Funchal onde mais arreigadas se acham as crenças e sentimentos religiosos, se lhe construa um templo que tenha maior capacidade do que o existente, ao qual portanto possa ter ingresso um maior numero de fieis.

Varias tentativas neste sentido teem sido feitas, mas todas ellas infelizmente até hoje sem resultado.

De todas a mais importante teve logar no anno de 1881 em que uma commissão presidida pelo parocho da freguesia abria, para aquelle fim, uma subscrição que attingiu a somma de 2:539$260 réis, com a qual foram iniciados os primeiros trabalhos de construcçap de um novo templo, cujo projecto foi feito pelo então capitão de engenharia Antonio Augusto Duval Telles, elevando-se a 38 contos de réis a importancia a despender com essa construcção. Sendo, porem, diminutissima a quantia subscrita e reconhecendo o Estado quão justa era a aspiração d'aquelles povos de possuirem um templo que lhes permittisse assistir com relativa commodidade e desafogo aos actos do culto e mais cerimonias religiosas, abonou o mesmo Estado para aquelle fim as seguintes quantias:

Por portaria de 16 de junho de 1881 .... 3:000$000
Por portaria de 10 de novembro de 1882 .... 1:000$000
Por portaria de 12 de novembro de 1882 .... 2:000$000

as quaes somnadas com os 2:539$260 réis, producto da subscrição publica, perfaz um total de 8:539$260 réis despendidos já, achando-se apesar disso a construcção do novo templo por assim dizer em inicio, porquanto, acima das fundações, apenas existem paredes construidas até a altura aproximadamente de 2 metros.

Por falta de recursos tem permanecido estacionaria aquella construcção, a qual se acha ainda hoje no mesmo pé com que ficara ao findar o anno de 1882, epoca em que foram interrompidos os trabalhos iniciados um anno antes.

As difficulclades financeiras com que de ha muito luta o erario publico e a má situação economica em que se acham os habitantes da freguesia em questão, por effeito de varias e repetidas crises que de 1881 para cá teem assoberbado a agricultura no districto do Funchal, não teem permittido ao Estado e á população d'aquella freguesia concorrer com os meios necessarios e indispensaveis para a conclusão da igreja já começada.

E no entanto com aquelle fim foram já despendidos 8:539$260 réis, dos quaes 6 abonados pelo Estado, que ficariam por completo perdidos se não fora a generosidade de um filho d'aquella freguesia, José de Abreu, fallecido em agosto de 1907, o qual, por disposição testamentaria de 22 de junho de 1905, legou ao parocho Manuel Pinto Correia (e no caso deste não sobreviver ao testador, ao seu successor) o remanescente da sua herança depois de deduzidos varios legados que no mesmo testamento são especificados, com o encargo de applicar esse remanescente, na sua totalidade, ás obras de construcção do templo que foi começado em frente da actual igreja.

Da importancia a que chegou a totalidade da herança, que ficar. liquida do pagamento dos legados e encargos especificados na mesma disposição testamentaria, terá de sair o pagamento da respectiva contribuição de registo por titulo gratuito, o que virá reduzir a quantia a apurar com destino á conclusão da igreja.

Portanto, para que não fique perdida a quantia já despendida, tres quartas partes da qual abonada pelo Estado, para poder aparar-se a maior somma possivel com destino á conclusão da projectada e já começada igreja, para poder pôr-se-lhe pronto remate, concluindo a sem demora, satisfazendo assim as legitimas aspirações de uma população de 6:000 habitantes, parece de toda a justiça que o Estado não exija o pagamento da contribuição que, por titulo gratuito, tem a haver pelo legado em questão, como em casos análogos e por mais de uma vez tem feito.

Abundam nesta materia os exemplos na nossa legislação.

Nestes termos, confiando nos vossos sentimentos de justiça, temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, esperando que approvem, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É isento de contribuição de registo, por titulo gratuito, o legado que, era disposição testamentaria de 22 de junho de 1905, foi deixado por José de Abreu, fallecido em agosto de 1907, na freguesia de S. Martinho, concelho do Funchal, ao parocho da mesma Manuel Pinto Correia e na falta deste ao seu successor, para ser applicado ás obras de construcção do templo que foi começado a construir em frente da actual igreja d'aquella freguesia.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos Senhores Deputados, 21 de abril de 1909. = Os Deputados pelo Funchal, Ernesto Jardim de Vilhena = José Ribeiro da Cunha = João Augusto Pereira.

Foi admittido e mandado enviar á commissão de fazenda.

Relatorio

Senhores.- Tendo assumido a gerencia da pasta da Marinha e Ultramar, em 26 de dezembro ultimo, não me permittiu a estreiteza de tempo elaborar, como seria meu desejo, um largo e documentado relatorio, acêrca da situação colonial portuguesa, que fosse, por assim dizer, o necessario e completo prefacio de uma serie de propostas de lei, tendentes a resolver os problemas mais urgentes, que tina exame attento e demorado dessa situação houvesse posto em evidencia. No entretanto, comprehendendo o palpitante interesse que a questão colonial tem para o país, quis bem conhecer a sua importancia, sob os diversos aspectos em que ella pode e deve ser considerada, reunindo elementos, constatando factos, revendo reclamações,

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verificando estatisticas e d'ellas fazendo um estudo comparado, colligindo opiniões autorizadas, relendo documentos, por forma a habilitar-me a avaliar, com mais inteiro conhecimento das circumstancias, a importancia da alta missão que me foi confiada e que desde o primeiro momento se me afigurou de enorme responsabilidade, decerto muito alem do que eu sabia que as minhas proprias forcas comportariam, a despeito do meu- mais sincero e decidido empenho de ser util, quanto nos meus recursos caiba, á nação a que me honro de pertencer.

Sem duvida a questão colonial é uma grande e primacial questão, complicada e difficil, de importancia maxima, e que bem pode chamar-se a questão nacional. A ella estão intimamente ligados os mais valiosos interesses do país, porque, se por um lado as colonias são imperecivel e collossal monumento da velha e gloriosa grandeza de Portugal, invocando e recordando a cada momento as paginas mais brilhantes e mais radiosas da sua historia, são ellas, hoje, tambem, mais do que um fiador seguro da independencia e da liberdade da nação, um forte vinculo entre o passado, que nos assegurou o imperio do mundo, e o futuro, que nos promette largos e prosperos destinos. Nellas revive a antiga alma portuguesa, ousada e heroica, nobre e cavalheirosa, nellas se alimenta, forte e vivificadora, a alma nova da nação, que a liberdade redimiu e que, sob a influencia dos modernos ideaes, se revela fervorosa e crente no levantamento das suas forças vivas, pelo esforço persistente da sua iniciativa, do seu trabalho e do seu patriotismo. Fechado o cyclo laborioso e difficil, por vezes cortado de embaraços e de contrariedades, nobremente vencidas, das reivindicações historicas, definido e perfeitamente assegurado o dominio ultramarino português, resolutamente entrámos na obra reedificadora do velho e não esquecido prestigio. E injustiça seria, e flagrante, que eu não quero commetter, deixar de consignar aqui que nesse benemerito empenho se devotaram os mais nobres esforços, as mais exemplares abnegações e as mais acrisoladas dedicações individuaes e collectivas.

Revendo a historia colonial portuguesa, nos modernos tempos, verifica-se e reconhece-se, com effeito, o que houve de extraordinaria energia, de tacto, de talento e de fé patriotica; que uma singular previdencia do futuro mais evidenceia, no largo periodo decorrido de 1836 a 1876, em que, completa a obra da libertação da raça negra, que fez do valoroso general Marquês do Sá da Bandeira o Lincoln português, se entrou resolutamente numa vida inteiramente nova para o aproveitamento e desenvolvimento do nosso velho dominio de alem dos mares. É extenso e largo o caminho percorrido, nem sempre facil de desbravar, antes pelo contrario abruptamente cortado por difficuldades gravissimas e por embaraços temerosos, determinando pleitos, originando conflictos, suscitando questões, levantando complicações de temer, ferindo susceptibilidades, que sujeitaram a rudes provas aquelles que tinham por dever garantir e salvaguardar os direitos historicos da nação e manter integro o seu grande patrimonio colonial. O mais novo dos modernos Ministros da Marinha e Ultramar cumpre o dever, que por igual lisonjeia o seu espirito de homem do seu tempo e o seu coração do português sincero e leal, prestando aqui homenagem aquelles dos seus illustres antecessores que, na defesa de tão legitimos interesses, nobre e corajosamente lutaram, com honra para o seu nome e com gloria para o seu país.

Satisfeito este objectivo patriotico, forca é reconhecer que no periodo que seguiu a esta segunda fase da moderna historia colonial portuguesa a obra da restauração das forças vivas das provincias ultramarinas é merecedora dos mais calorosos applausos e dos mais sinceros louvores. Lutando com uma situação financeira difficil, eriçada de difficuldades, vendo dia a dia aggravados os seus encargos, Portugal iniciou no ultramar um conjunto de melhoramentos materiaes da maior importancia e alcance para o desenvolvimento dos seus dominios. A sua iniciativa foi tão intelligente e persistente, como os seus sacrificios foram pesados e duradouros. No entretanto, construiam-se os primeiros caminhos de ferro de penetração e estabeleciam-se as primeiras communicações telegraphico-submarinas entre as principaes colonias e a metropole, desenvolvia-se o lançamento das linhas telegraphicas terrestres, faziam-se as primeiras tentativas para as communicações da via maritima sob a bandeira portuguesa, procurando-se ao mesmo tempo, sob a conjuncção de principios altamente liberaes, lançar as bases de uma administração colonial que inteiramente correspondesse, por um lado, ás responsabilidades historicas da nação, por outro, ás suas legitimas aspirações de prolongar e fortalecer alem dos mares o bom nome e o prestigio da patria.

Organizaram-se neste periodo as expedições de obras publicas no ultramar, que de 1877 a 1880 representaram uma despesa extraordinaria de mais de 2.500:000$000 réis. Hão cabe nos estreitos e apertados limites deste relatorio especificar quaes os resultados praticos d'essas expedições, em que de resto se puseram em evidencia aptidões, que mais tarde foram pfoveitosas e uteis á nossa administração colonial, quer nos Governos das provincias ultramarinas, quer mesmo na gerencia superior dos negocios da marinha e ultramar. Para se avaliar, porem, do valor do trabalho realizado nas colonias portuguesas, sob a influencia de uma patriotica politica de desenvolvimento material, bastará dizer que nos primeiros annos do regime liberal, anteriores a 1836, os rendimentos das provincias ultramarinas não excediam 578:035$000 réis. Pois, tanto quanto foi possivel apurar dos elementos officiaes nos subsequentes periodos decennaes sobre 1835-36, falhando os relativos a 1845-46 e 1855-56, temos que as receitas das provincias ultramarinas se elevaram em 1865-66 a réis 1.216:785$018 e as despesas a 1.450:677$712 réis; em 1875-76 a 2.027:154$220 réis, despesas 1.930:163$828 réis; em 1885-86 a 2.746:663$300 réis, despesas réis 3.405:936$350; em 1895-96 a 6.235:982$368 réis, despesas 6.368:908$827 réis; em 1905-906 a 10.246:783$000 réis, despesas 9.193:756$732 réis, para attingirem réis 10.291:829$405 em 1909-1910, despesas 10.614:653$015 réis. Todas estas notas são referidas a receitas e despesas ordinarias, porque é esta expressão numerica a que mais justamente dá a ideia dos recursos proprios das colonias, isto é, de qual a sua capacidade contribuinte e ao mesmo tempo dos encargos proprios ou dos que lhes são attribuidos pelo systema da contabilidade entre a metropole e as colonias a que ellas teem de satisfazer. De uma rapida analyse das cifras expostas, nitidamente se conclue que não é difficil, dentro da disponibilidade dos recursos proprios das colonias, estabelecer um justo equilibrio entre as suas receitas e as suas despesas, de modo que possam viver do seu proprio esforço, empregado em beneficio do seu progresso, supportar correspondentemente os encargos resultantes dos projectos de melhoramentos materiaes necessarios ao seu desenvolvimento.

Quanto a mim, a questão das finanças coloniaes é a mais instante e urgente para o estudo e para a resolução do Governo da metropole. É indispensavel, porem, como preliminar necessario para uma solução adequada, opportuna e efficaz, promover o incremento gradual e successivo e a arrecadação escrupulosa e cuidada das receitas, que os melhoramentos materiaes opportunos irão acrescentando, e, ao mesmo tempo, proceder a uma revisão acurada dos orçamentos das despesas, estabelecendo regras que uma fiscalização severa torne inilludiveis, para que a autorização de novas despesas esteja proporcionalmente em harmonia com os acrescimos das receitas. E aqui cabe levantar uma questão já debatida, com um certo calor, mas tambem com certa autoridade, ha cerca de quarenta annos, por um dos mais notaveis jurisconsultos portugueses, que brilhantemente tratou de questões respeitantes ao

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nosso dominio colonial - o Sr. Visconde de Paiva Manso - sobre quaes são os encargos que devem ser attribuidos ás colonias e quaes os que devem pertencer ao Estado soberano. Considero esta questão ainda hoje - ou talvez hoje mais do que nunca - do maior mteresse para a solução do problema financeiro colonial. E, porventura, justo, por exemplo, que só as colonias paguem as despesas a fazer com os degredados e deportados que a metropole para lá lhes manda? Uma destrinça razoavel e equitativa entre uns e outros encargos daria com segurança o desejado equilibrio dos orçamentos coloniaes, o que não quer dizer que proporcionalmente aos seus saldos positivos as colonias não tivessem de contribuir com uma quota parte para as despesas reconhecidas como attribuiçao da soberania.

Não sendo, nem podendo ser, adverso aos principios das modernas escolas coloniaes, que defendem a descentralização administrativa, inclino-me, comtudo, a que essa descentralização deva ser graduada, conforme as condições do meio, em- harmonia com as circunstancias, partindo do menor para o maior, preparando assim, pela progressiva actividade dos elementos locaes devidamente educados e disciplinados, o funccionamento dos elementos geraes que hão de constituir a força e assegurar o êxito do systema geral.

Dada a caracteristica especial, tanto das nossas tradições governativas como das nossas organizações coloniaes, tendo em attenção o valor dos elementos que hoje constituem o que se pode considerar a força promettedora da vitalidade das colonias, creio que para attingir aquelle objectivo, nenhum apoio mais efficaz se poderá encontrar do que aquelle que viria da restauração das influencias do municipalisino, até onde ellas possam determinar-se. E sob este ponto de vista um facto principalmente me impressionou ao estudar o modo de ser da existencia municipalista no ultramar, sobretudo nos concelhos capitães, onde dia a dia se lhes avolumam os encargos obrigatorios, e é o que tem resultado das successivas disposições legaes que a tem embaraçado, impondo-lhe uma sensivel reducção das suas faculdades tributarias mais rendosas, de modo que tem até certo ponto de forçar o uso das que lhe restam, com sensivel aggravo para a grande massa dos contribuintes.

Definir, num espirito de leal conciliação, os interesses locaes com os interesses geraes, regular e fixar as faculdades tributarias dos municipios de acordo com os encargos que legalmente lhes são impostos, mas exercendo sobre a sua administração uma tutela escrupulosa e prudente, que nella estabeleça a ordem e a disciplina necessarias para uma acção verdadeiramente util e proveitosa, afigura-se-me ser assunto de igual necessidade e de igual importancia ao da já esboçada ideia de subordinar a este objectivo a administração geral e especial de todas as colonias, no conjunto, e de cada colonia separadamente.

Sem ordem financeira, não poderá haver ordem economica, e sem uma e outra não poderá haver ordem administrativa. E tanto a uma como a outra se liga, a meu ver, a solução de outro problema dá nossa moderna politica colonial - o do fomento, que nas nossas provincias ultramarinas reveste uma excepcional importancia. Segundo a formula, acima indicada, da descentralização do menor para o maior, deve resultar que, á maneira que se for desenvolvendo a acção e influencia dos elementos locaes, dispondo de recursos para bem se exercer, se iria desafogando a acção e a influencia dos orgãos superiores da administração geral, de modo a facilitar-lhes uma intervenção efficaz na realização de melhoramentos materiaes indispensaveis ao desenvolvimento economico de cada provincia.

Sem que um systema de communicações rapidas e baratas seja estabelecido, sobretudo nas provincias de Angola e de Moçambique, principalmente em Angola, onde a penetração commercial tende manifestamente a afastar-se do litoral e a avançar na direcção da fronteira de leste, todo o fomento agricola e industrial não passará dos dominios de uma theoria irremediavelmente destinada a resultar inutil e esteril, desanimando iniciativas, afugentando capitães, desinteressando dedicações e inutilizando as vontades mais prestadias e mais legitimamente ambiciosas. Se por um lado é indispensavel equilibrar os orçamentos, por outro, urgente se torna elaborar um plano dos melhoramentos materiaes necessarios ao desenvolvimento de cada colonia, classificando-os era grupos, de modo que fiquem em primeiro logar os que forem reputados inadiaveis; no segundo, os que gradual e successivamente devem concorrer para o aperfeiçoamento da funcção dos primeiros; no terceiro, os que deverão completar o systema, de modo que a sua realização vá utilizando os effeitos dos primeiros, desenvolvendo as receitas, aumentando os recursos financeiros da propria colonia, que por forma alguma deverão ser distrahidos de umas para as outras, sobretudo sem possibilidade de. reembolso, como, por diificuldades que, força é confessar, teem sido irreductiveis, tem succedido.

Pelo que respeita aos melhoramentos materiaes das colonias, os caminhos de ferro occupam um dos primeiros logares, senão o primeiro, na escala dos que devem merecer a máxima attenção.

Dos caminhos de ferro do Estado, o de S. Thomé tem em construcção 16 kilometros e em estudo 24, devendo a extensão provavel ser de 40 kilometros. O de Malange, tem 123 kilometros construidos, 17 em construcção, 220 em estudo, 85 em exploração, devendo a extensão da linha, até ao Coango, ser de 360 kilometros. O de Mossamedes tem 117 kilometros construidos, 28 em construcção, tem estudo, 107 em exploração, devendo a extensão da linha, até ao Lubango, ser de 21,0 kilometros, mais 45 até a Chibia. O caminho de ferro de Lourenço Marques tem 8 kilometros, até a fronteira, e está em completa exploração. Finalmente, o caminho de ferro da Swazilandia tem 64 kilometros construidos, 11,5 em estudo e deve ser de 75,5 kilometros a sua extensão.

A meu ver, as receitas dos caminhos de ferro ultramarinos não devem ser desviados do fim a que foram destinadas, a não ser para indemnizar a metropole dos encargos que sobre esta teem pesado, ficando as colonias com as vantagens que da construcção e exploração das linhas ferreas resultam para aumento de riqueza publica. Devem todas as receitas dos caminhos de ferro acima indicados constituir um fundo especial, administrado por uma commissão organizada nos mesmos termos do Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro de Estado, na metropole. Esta commissão seria encarregada de superintender na construcção e exploração dos caminhos de ferro ultramarinos, na gerencia das suas receitas e despesas e na fiscalização das linhas pertencentes a companhias. Seriam, no meu entender, proficuos os resultados, e, em harmonia com esta ordem de ideias, apresentarvos-hei uma proposta de lei criando o Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro Ultramarinos e um fundo especial para a sua construcção e exploração.

Sob o ponto de vista do fomento colonial, carecem a agricultura e industria ultramarina de uma protecção mais segura e mais justa da metropole, visto que uma e outra.

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lhe podem fornecer materias primas indispensaveis e ao mesmo tempo satisfazer algumas das principaes exigencias da sua importação para consumo. No entretanto, é necessario considerar para este effeito um factor importante, o do valor de muitos d'esses productos coloniaes na origem e o da sua cotação nos mercados da metropole, tenda em vista os encargos que sobre elles incidem, sobretudo em materia de transportes, e ainda os coefficientes de correcção determinados pela concorrencia dos productos similares de outras procedencias. A não ser assim, para, alguns desses productos a luta será impossivel, sobretudo se se mantiver o principio da igualdade de protecção, sem considerar as differenças nos valores dos productos protegidos, que se distanceiam consideravelmente uns dos outros, embora sejam da mesma especie, mas prevalecendo uns sobre os outros pela qualidade, que determina enormes differenças nas cotações. A protecção é invariavel, mas são variaveis os preços do mercado, muitas vezes accusando differenças de 50 a 70 por cento, mas ha tambem productos coloniaes, que teriam fácil collocação nos mercados da metropole, supprindo até certo ponto as importações estrangeiras, que mal supportando os encargos do transporte terrestre e maritimo não comportam o regime invariavel dos direitos, mesmo a coberto do differencial de 50 por cento. No primeiro grupo, mencionarei os cafes, no segundo mencionarei o arroz em casca ou de cascado, o feijão, o milho, os oleos vegetaes e derivados, industria que nas colonias poderia desenvolver-se e pros perar com segurança de completo successo. E sobre a applicação do differencial convivia assentar, para evitar duvidas e contestações, sempre morosas e por isso prejudiciaes, que se definisse que, na eventualidade de uma reducção extraordinaria de direitos de importação para consumo em generos de primeira necessidade para a subsistencias publicas, o differencial seria applicado aos productos similares das colonias portuguesas sobre o direito extraordinariamente fixado e não sobre os direitos especificos da pauta geral das alfandegas da metropole, e que o mesmo principio prevalecesse na hypothese da fixação de qualquer pauta minima determinada por tratados de commercio abrangendo ou podendo abranger producto similares aos das colonias portuguesas.

Em obediencia a estes principios, sujeitarei ao vosso esclarecido exame algumas propostas de lei, tendentes a proteger o cafe, o milho e o açucar coloniaes.

O fomento agricola e industrial das provincias ultramarinas depende da conjugação de elementos reconhecidos como essenciaes ao seu desenvolvimento, como sejam uma direcção technica apropriada, a preparação e educação de auxiliares seleccionados entre os proprios indigenas, que mais directa e efficazmente poderão influir para que se modifiquem as invenciveis tendencias dos nativos para perseverarem nos processos de rotina, a convicção robustecida nos agricultores de que as explorações habil e convenientemente praticadas lhes darão compensações, para o que muito poderá contribuir um regime de protecção adequado, que lhes dê todas as garantias da sua manutenção por prazo certo e determinado. Ligada ao fomento agricola e industrial do ultramar, está a questão da mão de obra indigena, que interesses de ordem diversa, mas de consideravel importancia, sob o ponto de vista da administração colonial, deslocam para a provincia de S. Thomé e Principe, como elemento necessario e indispensavel ás valiosas explorações agricolas d'aquella opulenta colonia, que tão justa e exemplarmente, por um poderoso esforço de trabalho, caracterizadamente português, tem hoje um logar primacial entre as grandes colonias de plantação de todo o mundo e cujos productos, avultando na nossa reexportação, são de ha muitos annos um util factor da economia da metropole, e para as minas do Transvaal, em consequencia de um acordo intercolonial, que sendo de valor para o estreitamento das relações commerciaes entre a provincia de Moçambique, designadamente o districto de Lourenço Marques e a colonia inglesa do Transvaal, muito pode contribuir quando seja opportuno transformá-lo num verdadeiro tratado commercial, para a riqueza e para a prosperidade das possessões portuguesas da costa oriental. De qualquer ponto de vista que se encare este deslocamento de mão de obra indigena, quer para a colonia portuguesa, quer para as explorações mineiras da colonia inglesa limitrophe, reveste elle um capital interesse, representando factores economicos que não podem deixar de ser tomados em consideração, sob o aspecto particular e especial da administração ultramarina.
D'aqui resulta a necessidade de regulamentar devidamente os serviços especiaes de aproveitamento e deslocamento da mão de obra indigena, de modo que, sem deixarem de prestar o concurso agricola e industrial que d'ella é reclamado, garantam ao mesmo tempo as disponibilidades necessarias ao proprio desenvolvimento das suas colonias de origem, quer na agricultura, quer na industria, quer no commercio, quer mesmo nas necessarias obras publicas determinadas pelos planos de execução dos melhoramentos materiaes necessarios.

Um dos capitulos mais interessantes de um plano bem ordenado da nossa administração colonial é decerto o que se refere ao desenvolvimento da instrucção publica, que, a meu ver, deve visar especialmente a educação, e preparação dos indigenas, a fim de os tornar collaboradores uteis do desenvolvimento colonial.

Remodelar o existente, eliminando o que de menos util e de menos pratico resulte da longa experiencia já feita, alargando a acção das escolas indigenas criadas em 1906 pela patriotica e alta iniciativa do meu illustre antecessor e notavel estadista o Sr. Conselheiro Moreira Junior, generalizando as escolas primarias, criando as escolas de artes e officios, de que existem modelos perfeitos no país, em ordem a promover a restauração de tradicionaes industrias caracteristicas, como as de tecidos e estampados, de marcenaria,- de escultura, de bordaria e de purivezaria na India, de tecidos e bordados em quasi todas as colonias, escolas de preparação commercial, em que predomine o ensino pratico das linguas, que principalmente terão cabimento nas possessões da India e de Macau, habilitando os que vão servir nas colonias que a Inglaterra tambem possue na India e em Macau, em Angola e em Moçambique, para os diversos logares dos escritorios e das agencias de casas estrangeiras, a concorrer com os subditos de outros países que taes logares procuram, com segurança de exito, parece-me indispensavel. Ainda o é mais a fundação de escolas normaes, que exclusivamente preparemos indigenas para. o professorado, escolas normaes que necessariamente hão deferir do modelo europeu pois hão de envolver um programma de applicação local, que sobre visar a educação technica e pratica propriamente dita, seja por assim dizer um util auxilio complementar das escolas de artes e officios e, ao mesmo tempo, ponha em foco o ensinamento que possa concorrer para a assimilação do indigena á obra civilizadora e humanitaria da nação colonial, fazendo-lhe comprehender e sentir a salutar influencia das boas regras da hygiene, fazendo-lhe criar necessidades, incitando-o a crer nos seus melhores destinos, confiando na redempção pelo trabalho, perseverante e util, dando-lhe lições e exemplos de civismo, pela justa comprehensão dos seus direitos e dos seus deveres, por uma acção gradual, intuitiva e benéfica, de modo que elle, tendo segurança em si,

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não confie menos na assegurada protecção da nação que o educa e prepara para a luta pela existencia.

Para completar a obra educadora das escolas, ter-se-ha de ir, pouco a pouco, fazendo a obra necessaria da vulgarização, por meio de bibliotecas, de museus, de mostruarios, de exposições, de jardins experimentaes, de officinas modelos, de missões inoveis especiaes, que vão fazer o ensino pratico dos processos agricolas e industriaes e para propaganda civilizadora, visando sobretudo os indigenas, que não tenham podido obter nas escolas pelo menos as noções necessarias.

A revisão e remodelação do capitulo orçamental relativo á instrucção nas colonias, poderá talvez facilitar consideravelmente a solução deste problema, pois as economias, que julgo possiveis, poderão dar compensações para os encargos que porventura hajam de resultar da reorganização do ensino nas colonias portuguesas.

Os meios de transporte entre as colonias e a metropole é outro ponto de estudo que se me afigura interessante, para se chegar ao resultado pratico de conseguir e desenvolver as relações commerciaes com as provincias ultramarinas e dar aos seus productos a collocação necessaria e a devida expansão. Portugal quasi não possue marinha mercante, de modo que a questão do frete é uma das que mais merecem attenção e cuidado.

Se ha, pois, o justo desejo de dar maior largueza ás transacções commerciaes com as colonias, concorrendo assim para o seu desenvolvimento e progresso, é impreterivel a organização, em larga escala, da nossa marinha mercante, que, alem d'isso iria occupar em trabalho util e proveitoso, centenas e centenas de braços.

O transporte dos generos coloniaes, com a concorrencia, tornar-se-hia mais barato, e asseguraria aos agricultores e industriaes do ultramar e ás casas commerciaes da metropole um aumento de lucros que daria, como resultado, o engrandecimento progressivo dos nossos vastissimos territorios da Africa.

Expostas as impressões, que resultaram de um primeiro exame da situação geral das colonias portuguesas, logrei esboçar apenas, os pontos que principalmente prenderam a minha attenção, de Ordem administrativa, de ordem economica e de ordem financeira, estes sobrelevando a todos. É manifesto que, revestindo elles, no conjunto, problemas de alta importancia, seria pretensão demasiada propor, em tão curto lapso de tempo, soluções menos reflectidas e differentemente preparadas, em que a exteriorização das formulas theoricas não correspondesse realmente aos necessarios resultados dos seus objectivos praticos, sobretudo entendendo eu que, em materia de administração colonial, o que é primordialmente indispensavel é assentar principios, formular planos e executar medidas que facilitem realmente o desenvolvimento material e moral das colonias, que incitem e promovam o incremento das suas receitas, aproveitando, sem exageros e, sobretudo, sem uma forçada assymetria, os seus naturaes recursos, attenta a divergencia das circunstancias e das condições de cada colonia, o que de resto não exclue a unificação do regime de protecção que a metropole a todas deve, que igualmente disciplinem as suas despesas, regulando-as pelas suas proprias forças, de modo que cada colonia, contando absolutamente com o seu esforço e com o seu valor, possa ter a compensação dos sacrificios que lhe sejam impostos, na segurança de que elles lhe serão proveitosos e uteis.

Não é facil tarefa a revisão do orçamento colonial, que porventura poderá determinar uma remodelação de serviços, simplificando-os, tornando-os harmonicos com as condições e circunstancias de cada colonia, estabelecendo graduações nos quadros, nacionalizando o systema da carreira e de promoção, de modo que os funccionarios, começando pelas colonias secundarias, vão successivamente; transitando para as superiores, por forma que, ascendendo ás primaciaes, logrem uma justa compensação do seu dedicado trabalho e dos seus comprovados serviços, servindo-lhes este objectivo inilludivel de forte incentivo a que bem procurem cumprir o seu dever. Se puder assentar estes principios de ordem geral, que se me afiguram necessarios á normalização da nossa administração colonial, e se conseguir começar a dar-lhes soluções praticas, sentir-me-hei feliz, porque assim demonstrarei o leal e sincero empenho, que me inspira e determina na gerencia da laboriosa e difficil pasta da Marinha e Ultramar, tanto mais que não posso deixar de reconhecer que não disponho das aptidões, nem posso contar com as condições excepcionaes em que puderam exercer a sua grande, prestimosa e util acção illustres antecessores meus, como Sá da Bandeira, Rebello da Silva, Mendes Leal, Andrade Corvo, Thomás Ribeiro, Jayme Moniz, Julio de Vilhena, Barbosa du Bocage, Pinheiro Chagas, Conde de Macedo, Barros Cromes, Antonio Ennes, Dias Costa, Eduardo Villaça, Teixeira de Sousa, Rafael Gorjão, Moreira Junior, Ayres de Ornellas e tantos outros, que nesta alta missão serviram com sincera boa vontade dê serem uteis e prestadios ás colonias portuguesas, e que bem mereceram da nação.

As provincias ultramarinas e a metropole

Expostas as ideias geraes, que um primeiro exame da situação colonial portuguesa me fez determinar, vou procurar, pela reunião dos elementos estatisticos que foi possivel apurar, indicar qual o valor do concurso que as colonias dão á vida economica da metropole. Assim, começarei pela estatistica do commercio entre a metropole e as colonias portuguesas, de 1900 a 1906, isto é, até onde alcançam as estatisticas officiaes publicadas.

Importação e exportação reunidas

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

1900 .... 19.619:100$000
1901 .... 16.780:200$000
1902 .... 14.862:500$000
1903 .... 19:564:600$000
1904 .... 20.699:400$000
1905 .... 19.717:600$000
1906 .... 17:908:000$000

No quadro do movimento commercial da metropole figura como elemento de alta importancia a reexportação colonial para o estrangeiro, valor ouro, que muito contribue para a liquidação das contas das importações do estrangeiro para consumo da metropole e das colonias. Como facilmente se reconhece do seguinte quadro, esse valor não pode deixar de exercer, como exerce, uma apreciavel influencia no nosso meio commercial:

Reexportação colonial

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

1900 .... 9.064:900$000
1901 .... 9.496:500$000
1902 .... 7.957:400$000
1003 .... 10.811:200$000
1904 .... 11.175:100$000
1905 .... 10.811:200$000
1906 .... 9.434:241$000
1907 .... 10.499:986$000

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Os nossos grandes valores de reexportação colonial são o cacau, cuja reexportação se elevou em 1907 a 24:624 toneladas no valor de 6.655:647$000 réis a borracha, que, regulando na media por 3:000 toneladas, flexionou em 1906 para 2:580 e em 1907 para 2:393 toneladas, representando respectivamente o valor de 3.204:887$000 e 3.064:825$000 réis; o café, cuja depressão já accusa uma diminuição de cerca de 50 por cento de 1906 para 1907; Em 1906 a reexportação excedeu 4:177 toneladas, em 1907 baixou para 2:640 toneladas. Aproximada depressão se nota, comparados os dois annos, na cera e nas sementes oleaginosas, tendo comtudo aumentado a reexportação da goma copal.

Para se avaliar o valor dos mercados coloniaes em relação á metropole e na reciproca dos mercados da metropole em relação ás colonias, julgo sufficientes os seguintes quadros estatisticos:

Exportação da metropole para as colonias

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

1900 .... 8.592:600$000
1901 .... 5.807:300$000
1902 .... 5.200:300$000
1903 .... 6.853:000$000
1904 .... 7.606:500$000
1905 .... 7.004:200$000
1906 .... 6.791:700$000

Importação para consumo das colonias na metropole

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

1900 .... 1.703:600$000
1901 .... 1.447:800$000
1902 .... 1.704:900$000
1903 .... 1.778:500$000
1904 .... 1.897:800$000
1905 .... 1.892:900$000
1906 .... 1.660:800$000

Tem igual interesse a especificação do movimento commercial de importação e exportação entre a metropole e as colonias e reexportação dos productos d'estas pela metropole:

Angola

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

[Ver tabela na imagem]

Cabo Verde

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

[Ver tabela na imagem]

Guine Portuguesa

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

[Ver tabela na imagem]

S. Thomé e Principe

Valores em contos de réis, numeros redondos

[Ver tabela na imagem]

Moçambique

Valores em contos de réis, numeros redondos

[Ver tabela na imagem]

A nota estatistica de reexportação refere-se aos productos de origem das diversas provincias ultramarinas reexportados da metropole para o estrangeiro. De Angola avulta o cafe e a borracha, cuja depressão é sensivel, de S. Thomé e Principe o cacau, cuja quantidade tem aumentado, como em estatistica propria se verificará, mas cujo valor tem soffrido sensiveis oscillações. Na importação para consumo da procedencia de Moçambique, a progressão dos valores tem sido principalmente determinada pela concorrencia do açucar d'aquella provincia despachado para consumo na metropole, e na exportação da metropole para Moçambique o aumento do valor deve ter sido determinado principalmente pela exportação de vinhos nacionaes, sobretudo de vinhos de pasto communs brancos ou tintos de 15° a 17º.

Na importação para consumo, os cafés da provinda de Angola, sensivelmente depreciados, carecem de uma mais directa protecção para poderem concorrer com os productos similares estrangeiros, que vão conquistando vantagens consideraveis no mercado de consumo. Com relação ao commercio entre a metropole e a India Portuguesa, a provincia de Macau e o districto de Timor, a falta de communicações regulares directas, que muito conviria fossem estabelecidas sob a bandeira portuguesa, com um regime de fretes que facilitasse a permuta entre os productos da agricultura e da industria da metropole e os d'aquellas distantes possessões portuguesas, as notas estatisticas accusam um movimento em extremo reduzido como se vae verificar das seguintes notas:

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India portuguesa

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

[Ver tabela na imagem]

Macau e Timor

(Valor em contos de réis, numeros redondos)

[Ver tabela na imagem]

Com relação a Timor, um producto ha, que podo ter collocação nos mercados da metropole, se tiver melhores facilidades obtidas nos fretes - o cafe. No Ministerio da Marinha e Ultramar, verifiquei que se tem procurado attingir este objectivo, tendo-se conseguido em 1908 substituir os vistos consulares dos portos de trasbordo, que sobrecarregavam as facturas, por certificados de origem passados pela alfandega de Dilly o directamente dirigidos ás alfandegas da metropole, facilidade economica esta que se deve á boa vontade com que a Administração Geral das Alfandegas procurou annuir ás instancias do Ministerio da Marinha e Ultramar.

No entretanto, si falta de carreiras directas entre a metropole e Timor faz com que o café d'aquella origem tenha mais vantagens dirigindo se para os mercados mais proximos, sobretudo para os da Australia, onde tem vantajosa collocação. O que se dá com o magnifico cafe timorense, começa a dar-se com o cacau, cuja cultura e exploração ali foi iniciada sob os mais promettedores auspicios, se attendermos ás classificações, que esse producto obteve nos mercados da metropole nas primeiras remessas aqui recebidas e que inteiramente corresponderam ás cotações dadas na Australia. Decerto que a exploração agricola de Timor é susceptivel de um largo desenvolvimento, podendo contribuir para reduzir os deficits que pesam sobre o seu orçamento, mas, para que esse objectivo possa ser attingido, o concurso dos capitaes nacionaes é indispensavel. Sem que esse concurso exista, sem que pela valorização dos terrenos explorados a producção e consequentemente a exportação vão aumentando successivamentc, a ideia do estabelecimento de communicações directas entre a metropole e aquella ilha não seria facilmente realizavel sem aggravamento dos encargos financeiros que os serviços de navegação colonial já trazem á metropole, visto que os nossos recursos não permittem adoptar a formula seguida pelas grandes potencias commerciaes de fazer das suas linhas de navegação, largamente subsidiadas, aguarda avançada das suas explorações para a gradual conquista de novos e lucrativos mercados, onde obtenham, com pensadora collocação os productos da sua progressiva industria, que dia a dia aumenta prodigiosamente, tendo adquirido uma tal força de penetração e de expansibilidade que já concorre nos principaes mercados do mundo com os productos das mais poderosas industrias dos outros países.

Expostos os elementos necessarios para conhecer o valor das relações entre a metropole e o ultramar, julgo indispensavel dar os indicadores do concurso que directamente as provincias ultramarinas dão para as despesas da sua administração, especificando as suas receitas nos tres grupos distinctos, que as caracterizam: - impostos indirectos e rendimentos proprios e diversos, nos annos economicos decorridos de 1900-1901 a 1908-1909. Como esclarecimento, é necessario dizer que as receitas de um orçamento são calculadas sobre a media das receitas cobradas nos tres nnnos anteriores:

[Ver tabela na imagem]

É a provincia de S. Thomé e Principe a nossa grande colonia de plantação, de universal renome pela feracidade do seu solo, pelo progressivo desenvolvimento das suas- culturas, pela perfeição das suas installações e pela excellencia do tratamento dado aos trabalhadores indigenas.

Representando um modelar esforço do trabalho português, as plantações, da provincia do S. Thomé e Principe constituem hoje a nossa mais util e mais proveitosa riqueza colonial. As suas propriedades agricolas attingem, segundo os mais autorizados pareceres, valor superior a 150:000 contos de réis.

Para bem se avaliar a intensidade do impulso ciado ás explorações agricolas da provincia de S. Thomé e Principe, bastará dizer que a reexportação do cacau d'aquella procedencia, tendo sido em 1890 apenas de 3:046 toneladas no valor de 625 contos de reis, em 1899 attingia 12:842 toneladas, no valor de. 4:115 contos de reis, mantendo-se a progressão a partir de 1900 como se. pode verificar do seguinte quadro:

Reexportação de cacau

[Ver tabela na imagem]

Os principaes mercados consumidores de cacau do S. Thomé e Principe são pela ordem da sua importancia: Allemanha, que absorveu 8:025 toneladas em 1904, 10:729 em 1905 o 8:803 em 1906; a Inglaterra, que respectivamente importou 6:627, 7:533 e 6:817; a Hollanda, 1:270 1:937 e 2:407; os Estados Unidos, 1:020, 1:424 e 842, todos estes indicadores referidos aos tres annos de 1904 1905 e 1906.

Já são conhecidos os indicadores da producção de cacau em S. Thomé no anno de 1908, que fui de 28:728 toneladas, que, ao preço medio de 3$507 réis os 15 kilos, representam o valor de 6.717:606$400 réis.

Movimento commercial da provincia de Angola

1900 .... 13.136:848$157
1901 .... 8.429:265$792
1902 .... 5.889:927$905

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1903 .... 10.588:191$454
1904 .... 12.482:795$074
1905 .... 11.009:493$992
1906 .... 10.556:477$029
1907 .... 11.984:532$911

A depressão, começada a manifestar se em 1901 e mais accentuada em 1902, foi determinada pela revolta do Bihé e Bailundo e a correspondente acção militar necessaria ao restabelecimento da ordem e subsequente depressão no commercio do interior. Depois de 1903, as oscillações nos valores geraes do commercio reflectem quasi sempre a depressão nos valores dos principaes generes de exportação da provincia, designadamente da borracha e do café.

Movimento commercial da provincia de Moçambique

(Expresso em mil réis, numeros redondos)

[Ver tabela na imagem]

Nota. - A estatistica acima especifica apenas as importações, exportação, reexportação o transito. O movimento gorai abrange as espociliacões o todo o trafego das alfandegas: - cabotagem por entrada e saída, transito maritimo, transferencias, etc.

O porto de Lourenço Marques

O verdadeiro centro do movimento commercial da provincia de Moçambique é Lourenço Marques. É principalmente por elle que se faz o trafego do transito, que caracteriza o movimento commercial da provincia. É muito interessante verificar pelos indicadores estatisticos como o movimento de Lourenço Marques tem progredido desde 1900 até 1908:

[Ver tabela na imagem]

Caminho de ferro de Lourenço Marques

[Ver tabela na imagem]

Movimento commercial dos territorios sob a administração das companhias privilegiadas

Para completar a nota do movimento coramercial da provincia de Moçambique, é necessario incluir nella o dos territorios sob a administração das companhias privilegiadas, que, como se verá, tem importancia sobretudo nos da Companhia de Moçambique, cujo porto a Beira, é o porto natural da Rhodesia, com a qual tem immediata communicação pelo caminho de ferro do Fungue.

Englobando as medias do movimento commercial da costa oriental portuguesa, territorios sob a administração do Estado e territorios sob a administração das companhias, temos que esse movimento já representa valor de cerca de 10.000:000 libras esterlinas. A media do movimento commercial de Angola (Congo comprehendido) pode calcular-se de 12:000 a 15:000 contos de réis, o que permitte avaliar desde já o movimento commercial dos dominios português no continente africano em cerca de 14.000:000 de libras esterlinas.

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Movimento commercial do territorio de Manica e Sofala sob a administração da Companhia de Moçambique

[Ver tabela na imagem]

(a) Este consideravel aumento do movimento commercial pela Beira foi consequencia da guerra sul-africana (1899-1902), como facilmente se comprehende pelos indicadores referidos ao transito e á importação estrangeira.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Rendimento aduaneiro no territorio de Manica e Sofala nos annos de 1900 a 1908

[Ver tabela na imagem]

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Territorios da Companhia do Nyassa

Movimento commercial nos annos de 1900 a 1907

[Ver tabela na imagem]

Rendimento aduaneiro nos annos .de 1900 a 1907

[Ver tabela na imagem]

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14 DIAEIO DA CAMARA DOS SENHORES DEBUTADOS

Com este aspecto geral do valor productivo e do valor commercial das provincias ultramarinas portuguesas, quis eu demonstrar, os assertos e as conclusões da minha exposição. Dos documentos exhibidos resulta para mim a convicção de que elles são um poderoso factor da economia geral da nação. Um país colonial, cujo movimento commercial entre a metropole e as suas colonias attinge valor superior a 4.000:000 de libras esterlinas, cuja reexportação colonial attinge em media 2.000:000 de libras esterlinas, que só o movimento commercial dos seus dominios no continente africano attinge um valor de cerca de 13.000:000 de libras sterlinas e que, em todas as suas possessões ultramarinas, pode já cobrar uma receita effectiva de mais de 2.000:000 de libras esterlinas, é um país que pode acreditar firmemente no seu futuro.

Sala das sessões, 21 de abril de 1909. = O Deputado, Antonio Cabral.

Foi mandado publicar no "Diario do Governo".

Projecto de lei

Senhores. - Uma das graves perturbações que neste momento affectam a vida das colonias provem da influencia nociva que nellas exerce a população criminal que a metropole para ali envia, para cumprimento das penas de degredo e de trabalhos publicos, e a que vão addicionar-se os elementos criminaes que ali se manifestam entre as variadas camadas de emigrantes.

Essas penas, que o nosso país adopta na sua legislação desde as Ordenações Affonsinas, são sem duvida um bom processo de repressão penal e que tendo, em varias tentativas, provado o seu valor, não teem produzido os resultados esperados porque é manifesta a falta que, nas leis em vigor, se revela de uma orientação e de um methodo racional.

A insufficiencia e o empirismo das nossas leis e o formidavel exercito do mal, que não cessa de apavorar pelo seu aumento, impõem ao Governo, attendendo ás insistentes reclamações publicas, o dever de encarar de face a situação, sem ilhisões mas sem hesitações, e procurar dar-lhe remedio.

A marcha progressiva da siencia penal prosegue aconselhando todas as tentativas de defesa social e sendo certo que a grande obra, humanitaria por excellencia, que o direito penal tem de realizar é a de protecção aos cidadãos honestos contra os perturbadores da ordem, a verdade é que a mesma sciencia penal quer que as prisões se transformem em estabelecimentos de trabalho, com uma severissima organização disciplinar e moralizadora.

Nesta sequencia de ideias é que o Governo entende abordar o difficil e complexo problema penitenciario nas suas relações especiaes da metropole com as nossas possessões.

A lei de 27 de dezembro de I880, a lei de 17 de fevereiro de 1894 e a lei de 28 de dezembro de 1907 dão uma regulamentação inicialmente defeituosa a taes penas porque não servem proveitosamente a metropole, mostram a sua esterilidade no desenvolvimento da colonia, e são inuteis para o condemnado.

Ora a pena de degredo, não sendo uma formula pena] definitivamente victoriosa que tenha recebido os suffragio de todos os que se interessam pelo florescimento das colonias, tem, todavia, incontestaveis documentos da sua grande influencia na nossa historia colonial e para todo o mundo tem o glorioso padrão de gloria que é hoje a Australia, que deve toda a sua grandeza ao trabalho penal, e ainda a Nova Caledonia, que, por igual, é obra dos condemnados.

Mas o nosso regime penitenciario no ultramar estabelece uma grande diversidade de formas, adoptando ainda as penas infamantes e chegando mesmo a impedir a regeneração de um condemnado que em qualquer tempo se considerado incorrigivel. Uma tal situação é de consequencias prejudicialissimas e manifesta-se inferior sob o ponto de vista penal e moral porque o degredo não tem afinal uma sancção seriamente repressiva pois deixa viver na mais terrivel promiscuidade os mais variados typos criminaes, por exemplo, o vadio reincidente ao lado do homicida involuntario e passional, o agente illegal da medicina confundido com é incendiario; não estabelece nem define o modo como se apreciará o valor do individuo para a sociedade e para o país, não tem em conta o grau de preversidade, nem offerece estimulos successivos e efficazes para o melhoramento do condemnado.

Sob o ponto de vista economico, todo o serviço de degredo é excessivamente dispendioso para a metropole e para as colonias, quando a orientação a seguir deverá ser aspirar a que o trabalho penitenciario deixe á sociedade um proveito real.

A funcção do degredo tem realmente tido uma caracteristica absorvente, -desembaraçar a metropole de elementos perigosos -. É um trabalho de depuração e de hygiene varrer as impurezas saciaes mas é necessario que a esse trabalho se succecla outro que representa um ideal tão alto como aquelle que é não levar essa gangrena moral para o complexo serviço das grandes administrações ultramarinas, e ainda outro maior ainda, que é transformar esses elementos sociaes inferiores (pelas mais variadas influencias), em unidades de valor no fomento colonial, preparando por um saudavel regime a regeneração do condemnado, reputado incuravel, de modo que esse individuo possa aifirmar por factos positivos a sua influencia na exploração da riqueza publica.

Para se poder conseguir de um modo racional este effeito devera ser reconstituida em novas bases a pena do degredo, na orientação, da individualização da pena para se realizar o seu triplo fim: eliminação do continente dê um mau elemento - elaboração moral do condemnado - aproveitamento das suas aptidões para a sustentação propria e utilidade publica.

O caminho a seguir consistirá em criar nas nossas possessões ultramarinas Colonias Penaes Agricolas, em que vigore uma completa organização de trabalho, de modalidade disciplinar rigoroza, não podendo nenhum dos seus habitantes ser excluido de um cargo, proveitoso á vida da communidade.

O fundamento primario dessas Colonias Penaes Agricolas deverá ser o trabalho agricola, não só porque a procedencia rural apparece no movimento criminal com uma tendencia que oscilla entre 50 por cento e 2/3, mas porque é o meio de obrigar o individuo a contar comsigo mesmo, haurindo na iniciativa do seu trabalho os meios de defesa da propria vida.

Emfim, o principio constitucional, ao mesmo tempo economico e disciplinar, regulador do desenvolvimento das futuras colonias, deverá ser p aphorismo invocado por Garofalo defendendo a mesma doutrina - Qui non laborai nec manducet.

Para se chegar a tal fim exige-se que as differentes Colonias Penaes Agricolas sejam installadas em amplo terreno, de facil acclimatação, não só de reconhecida salubridade mas de evidente feracidade, permittindo o trabalho agricola e profissional necessario a uma colonização, de maneira que a sua acção geral se assemelhe á grande machina social dando todas as noções e a pratica do trabalho que necessitará um dia o condemnado exercer em liberdade.

Esta theoria é verdadeiramente seductora mas é, incontestavelmente, ao mesmo tempo, de difficil resolução.

Para que a execução do um largo plano de remodelação do regime penitenciario no ultramar fique de certo modo assegurado, é indispensavel criar junto do Ministerio da Marinha uma instituição que será - a Administração Geral do Regime Penitenciario no Ultramar - constituindo

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com as suas dependencias um verdadeiro organismo independente das administrações geraes das provincias ultramarinas e que, garantindo a perseverança e a unidade de vistas, terá a seu cargo determinar a selecção dos condemnados, attendendo: 1.° á natureza do crime; 2.° aos antecedentes judiciaes e ao seu valor moral; 3.° ás suas. aptidões intellectuaes, e resistencia physica e natureza de serviços que podem desempenhar; 4.° classificar a Colonia Penal a que será destinado; 5.° tomar conhecimento de toda a contabilidade respectiva a cada Colonia e sua marcha moral; 6.° propor ao Governo alterações no regime baseados nos relatorios, etc.

Sem qualquer aumento de despesa se organiza essa nova instituição que será composta de:

Presidente - O Director Geral do Ultramar.

Vice-Presidente - O Director Geral dos Negocios da Justiça.

Vogaes - Os Governadores Geraes das Provincias (em effectivo serviço).

Vogaes de nomeação do Governo:

2 ex-governadores do ultramar.

1 juiz do Tribunal da Relação de Lisboa que tenha exercido cargo de magistratura no Ultramar.

1 juiz da 1.ª instancia.

1 advogado apresentado pela Associação dos Advogados.

1 membro da Commissão do Patronato.

2 da livre escolha do Governo.

As attribuições da Administração Geraldo Regime Penitenciario no Ultramar são: deliberativas em tudo que respeitar á selecção dos condemnados e consultivas para tudo o mais.

O Governo propõe para já á criação de duas Colonias Penaes Agricolas - uma na costa oriental de Africa em terrenos que deverão ser escolhidos no alto Zambeze e a outra na costa Occidental.

Prevê ainda o Governo que depois do funccionamento d'estas duas Colonias Penaes surgirá a conveniencia de formar uma nova Colonia Penal Agricola para os reincidentes que forem considerados incuraveis dentro das outras Colonias Penaes, por terem manifestado a incapacidade para se rehabilitarem.

Essa Colonia Penal Agricola, que será considerada no quadro das penas disciplinares das outras Colonias Penaes, como um castigo, deverá ser installada nalguma das ilhas Inhaea-Xefusa ou Bazaruto.

Uma outra Colonia, que será estação livre de coloniza cão, pretende tambem posteriormente o Governo propor para nella serem installados os ex-presos da metropole e antigos pupillos dos estabelecimentos de educação correccional, que sendo casados, tenham affirmado a sua capacidade moral e profissional e solicitarem a sua fixação nesse ponto sob determinadas garantias.

As duas Colonias Penaes na sua fundação obdecerao ao plano de categorizar a população criminal, de modo que para uma Colonia Penal sejam enviados os criminosos accidentaes e para a outra os criminosos de habito.

A lei das Colonias Penaes, terá uma população fundadora de 400 condemnados e a 2.ª de 300. A differença de população inicial está em - que a 1.ª, tendo mais habitantes, necessitará ter menos fiscalização porque esses condemnados revelaram uma improbidade que se considera fortuita e os habitantes da 2.ª são individuos de tradição criminosa, geralmente de senso moral prevertido e teem de ser. objecto de uma acção regulamentar mais intensa pela necessidade de impor um processo inhibitorio ao contagio tão fácil de tendencias criminaes mais ou menos enraizadas.

A fase mais interessante d'este assunto é a organização moral da Coionia Penal, a sua maneira de ser.

Um periodo transitorio tem de estabelecer-se, conservando nas actuaes prisões dos depositos de degredados os individuos que sejam considerados incorrigiveis e que ali terão de soffrer a pena de reclusão enquanto se não estabelecer a Colonia Penal para os criminosos reputados incuraveis.

A primeira fiincção que a Colonia Penal Agricola terá de realizar, para os effeitos da individualização da pena, é fazer o estudo directo do condemnado.
Estabelecida dentro de cada colonia a categoria dos presos, conforme a similitude do seu delicto e o seu grau de temebilidade, e sobretudo o seu valor moral, formarão dentro d'estes nucleos outras secções que corresponderão aos grandes periodos em que se deve dividir a pena: o 1.° periodo de observação e de separação absoluta de todos os condemnados não será superior a dois meses; o 2.° periodo de trabalho ao ar livre com silencio e isolamento . nocturno por tempo indeterminado; 3.° o periodo de trabalho em associação com isolamento nocturno e salariado, conforme o merecimento, do condemnado; 4.° liberdade condicional, que o levará a um novo meio onde encontrará uma qualificação social que a administração procurará tornar mais real pela concessão de terrenos e fundação da familia quando a não tiverem.

A efficacia de tal regime affirma, na sua plena realização, um todo harmonico, que é: o pessoal terá a indispensavel obrigação de observar mais intensamente a vida do condemnado para o classificar, e este vê, no caminho da sua condemnação, estimulos permanentes para o seu aperfeiçoamento moral.

O condemnado sabe previamente que a diminuição do seu soffrimento penal e da propria extensão da pena depende da violação que elle pratique aos deveres que se lhe impõe.

Não será a commoda passividade, imposta pela maioria das legislações, que liquidará a sua divergencia social, mas o seu procedimento e a assiduidade ao trabalho.

Sendo estas as grandes linhas em que se tem de movimentar a vida da Colonia Penal, a reforma d'este serviço deve comprehender, para bem satisfazer o seu fim, não só uma acção diiciplinaoora mas tambem moralizadora, pois que a aspiração de uma completa penalidade envolve a ideia de uma funcção educadora, admittindo na sua trama a exploracção de todos os meios para realizar a formação da personalidade entre os condemnados.

Esta orientação, que não é uma utopia sentimental, é necessario pô-la em pratica para coherencia dos principios e para se attingir a verdadeira economia social.
Desde que a propria decisão social conserva a vida aos condemnados pelos maiores crimes não pode nem deve admittir a hypothese da sua incurabilidade.

Nestas circunstancias é indispensavel criar em cada colonia um extenso quadro de recompensas que os estimulem, uma instrucção adequada que aperfeiçoe as suas faculdades de trabalho, que espiritualize a sua vida criando-lhes um ideal nobre, e a ociosidade deverá marcar uma das faltas mais graves, não só porque desmoraliza a communidade, mas porque absorve ,todas as energias do individuo.

O ponto essencial de todo o regime, superior a toda a organização pre-estabelecida, é o pessoal. O pessoal é tudo; neste ponto é unanime a concordancia, de todos os criminalistas.

O exito de uma instituição penal depende essencialmente da fé e da dedicação do pessoal que for encarregado de lhe dar execução.

O penitenciarismo é hoje uma verdadeira sciencia de feição complexa que tanto exige a paciencia e a tenacidade invenciveis, como a observação de um psichiatra, a austeridade de um administrador e a percepção subtil de um psycologo e por isso o Administrador Geral da Colo-

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nia que seja escolhido pelo Governo, para o desempenho de taes funcções, deve ter a maior latitude de attribuições.

Toda a liberdade de acção lhe será dada, mas de toda a administração será o verdadeiro responsavel, communicando superiormente á Administração Geral do Regime Penitenciario qual a orientação dos seus trabalhos.

Não se pode. determinar previamente que a organização de uma tal colonia seja exclusivamente militar.

Parece mais conveniente que fique a liberdade, a quem tiver de a governar, de dar-lhe essa orientação especial ou não.

A administração da Colonia Penal Agricola é autonoma da provincia a que pertencer, mas sob o ponto de vista da ordem publica, e em caso de guerra ficará immediatamente subordinada ao governador geral da respectiva provincia.

Todo o pessoal da Colonia será escolhido pelo administrador, propondo ao Governo a nomeação do agronomo, medico; capellães e instructor militar e nomeando directamente os restantes empregados.

Com o pessoal superior - medico, agronomo, capellães e instructor militar- se organizarão os conselhos disciplinar e economico, que funccionarão com voto consultivo.

Pessoal da primeira colonia penal agricola

[Ver tabela na imagem]

Pessoal da segunda colonia penal

Pessoal do quadro

[Ver tabela na imagem]

Para a resolução immediata d'este emprehendimento ao pareço inevitavelmente- uma difficuldade financeira, que todavia é de caracter transitorio, porque na verdade a despesa a fazer tem uma compensação visto que o degredo é~ fundamentalmente uma solução penal e economica.

Alem do que se deve ter em apreciação que outros processos .de defesa social são equivalentes a uma enorme despesa publica com os seus diversos serviços, a cada passo modificados pela força das circunstancias, sem todavia determinarem o abaixamento da criminalidade que pretendem combater.

Á pena de degredo se pode ter desvantagens como teem todas as instituições, offerece sem duvida uma assinalada superioridade economica porque a população penal e dentro d'ella os criminosos occasionaes serão individuos que convenientemente afastados do contagio do vicio prestarão os melhores serviços á obra colonizadora.

Mas a grande despesa que se exige para os primeiros trabalhos deve realmente desapparecer no funccionamento completo da Colonia, visto que os condemnados não só farão a agricultura propria para a alimentação, mas cultivarão para exportação, o milho, a cana do açucar, as laranjeiras, o tabaco, o feijão, o arroz e fazendo a criação de gados, a moagem, a fabricação de oleos pela acquisição do essencias florestaes que na costa oriental se podem comprar a bom preço aos indigenas e estabelecendo as officinas de sapateiro, alfaiate serralheiro, ferrador, carpinteiro de machado, serração de madeiras, etc.

Ao mesmo tempo que se realizar o desapparecimento do onus para a Fazenda Publica, irá a colonia construindo edificações proprias para definitivamente se transformar o sertão africano em que se fixou a Colonia Penal numa estação civilizadora.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.°

É o Governo autorizado a criar uma instituição - a Administração Geral do Regime Penitenciario no Ultramar - que terá a seu cargo o estudo permanente de todos os assuntos que digam respeito á melhor execução da pena de degredo.

§ unico. O desempenho d'estas funcções é gratuito.

Art. 2.° A pena de degredo corresponderão quatro periodos por onde tem de transitar o condemnado: 1.° periodo de observação e de isolamento que não poderá ser superior a sessenta dias; 2.° periodo de trabalho commum, com guarda á vista e isolamento nocturno que deve durar pelo menos um anno; 3.° periodo de trabalho em associação ou por empreitada, salariado e que não deve ser inferior a dois annos; 4.° periodo de liberdade condicional.

Art. 3.° Serão instituidas duas colonias penaes agricolas: uma na costa oriental e outra na costa occidental da Africa.

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§ 1.° A localização de cada colonia penal será escolhida pelo administrador geral da respectiva colonia, em região isolada mas muito fertil, salubre e onde o clima permitia o trabalho de europeus.

§ 2.° Uma d'estas colonias penaes terá uma população até ao numero de 400 individuos e destinar-se-ha ao tratamento de criminosos occasionaes.

§ 3.u A outra colonia penal destinar-se-ha aos criminosos reincidentes e deverá formar-se com um numero de 300 individuos.

Art. 4.° Os numeros fixados nos paragraphos do artigo 3.°, só poderão ser excedidos depois de decorridos tres annos do funccionamento da respectiva colonia.

§ unico. Poderá todavia antes do prazo acima fixado aumentar-se a população penitenciaria, se o administrador geral da colonia declarar que pode receber mais condemnados.

Art. 5.° Um systema de educação racional e progressiva deverá influir na classificação dos agrupamentos que dentro de cada colonia devem formar-se, attendendo mais ao valor moral do individuo do que á infracção commettida.

Art. 6.° Os condemnados dos dois sexos que se tornarem dignos de benevolencia pelo seu bom comportamento, poderão obter:

1.° Autorização para trabalhar quer para particulares, quer para as administrações locaes.

2.° Uma concessão de terrenos e a faculdade de os cultivar por sua propria conta.

§ unico. Esta concessão só poderá tornar-se definitiva depois da conclusão da pena.

Art. 7.° O despendio com a 1.ª colonia penal agricola fica autorizado até á quantia de 73:144$000 réis e da 2.ª colonia até á de 63:598$000 réis.

Art. 8.° É approvado o quadro do pessoal com os vencimentos que constam da tabella annexa.

Art. 9.° É autorizada o Governo a nomear os administradores geraes das colonias.

§ 1.° O administrador geral proporá ao Governo a nomeação do medico, agronomo, capellães, instructor militar e os restantes empregados serão de nomeação directa do administrador geral.

Art. 10.° O Governo determinará as inspecções que julgar necessarias a cada colonia penal.

Art. 11.° É autorizado o Governo a despender até á quantia de 5 contos de réis em cada colonia penal agricola para a compra de gados para criação e trabalho, de modo a fazer a base da futura exploração agricola.

Art. 12.° É autorizado o Governo a mandar construir numa e noutra colonia penal 700 palhotas, no valor de 6:305$000 réis.

Art. 13.° Constituem receitas necessarias do fundo geral das colonias penaes agricolas: 1.° a media das contribuições que durante tres annos ultimos teem dispendido as respectivas provincias onde ha depositos de degredados; 2.° toda a producção geral da colonia penal agricola, quer seja proveniente de trabalhos agricolas ou industriaes; 3.° o subsidio prestado pelo Governo quando as primeiras verbas não attinjtun a quantia necessaria para as despesas.

Art. 14.º Todos os empregados terão a faculdade de agricultar para seu uso proprio uma porção de terreno, mas a mão de obra de qualquer condemnado que para este trabalho se requisite será paga ao cofre geral da colonia.

§ unico. É prohibido a qualquer empregado exercer commercio.

Art. 15.° Aos guardas de 1.ª e 2.ª classes será abonada mais a quantia de 240 réis diarios destinados a alimentação.

Art. 16.° Aos condemnados no segundo periodo da pena pode ser facultado viverem a vida com familia já constituida anteriormente ao crime commettido, mas que ficará sujeita ao regime disciplinar da colonia.

Art. 17.° Quando os filhos dos condemnados tenham mais de oito annos de idade serão educados num instituto especial.

Art. 18.° Fica autorizado o Governo a fazer os necessarios regulamentos para esta lei.

Art. 19.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 21 de abril de 1909. = O Deputado, Antonio Cabral.

Foi admittido e enviado ás commissões de legislação do ultramar e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- Data de 1892 a iniciativa da restauração da industria açucareira nas colonias portuguesas. Dizemos restauração, porque ella já tinha existido com um certo desenvolvimento, desde o seculo XVI, em S. Thomé, onde foi introduzida pelos colonos da ilha da Madeira.

Em meados do seculo XVII, o açucar de S. Thomé avultava na importação para consumo no reino tanto que no foral da Alfandega de Lisboa, de Filipe III, se lhe garantia a entrada livre de impostos, desde que tivesse pago, em S. Thomé, a respectiva ciza. No fim do seculo XVIII, havia em S. Thomé vinte e dois engenhos de açucar; mas a sua laboração foi prohibida para eliminar a concorrem da do açucar vindo do Brasil, para onde convergiam, então, todas as attenções do governo da metropole, sacrificando-lhe todas as outras colonias.

A primeira fabrica de açucar de Moçambique foi a de Mopeia. O trabalho, porem, das plantações foi lento, e mais lento ainda o estado dos processos de fabrico. Assim, o chamado periodo de installação, foi longo e dispendioso, absorvendo grande parte do capital. A industria açucareira, foi, assim, renovada nas provincias ultramarinas ao abrigo da lei de 27 de dezembro de 1870, que garantia o differencial de 00 por cento sobre os direitos geraes da pauta da metropole, principio este que foi confirmado e reassegurado nas novas pautas decretadas em 17 de junho de 1892, e depois novamente garantido por dez annos, para o açucar, pela lei de 17 de agosto de 1899.

Pela lei de 2 de setembro de 1901, foi a garantia do differencial reconfirmada por quinze annos, mas em quantidade limitada: 6:000 toneladas para Angola e 6:000 para Moçambique. A este tempo, tinha-se estabelecido em Moçambique uma nova fabrica, a de Marromeu, com material de primeira ordem, machinas e apparelhos Fivelille, podendo produzir 6:000 toneladas de açucar; mas como a de Mopeia, o desenvolvimento das plantações, para obter a materia prima indispensavel, foi lenta, e esta fabrica só excepcionalmente pode attingir dois terços da producção da sua capacidade. A producção das duas fabricas foi muito irregular, isto é, não manteve uma progressão certa e determinada, devida ás contingencias a que estão sujeitas todas as culturas em Africa, ou pelas prolongadas estiagens, ou pelas extensas inundações determinadas por periodos pluviosos normaes, ou ainda pelas frequentes invasões dos gafanhotos que as devastam. A fabrica de Marromeu como a de Mopeia, a breve trecho tinha absorvido o seu capital inicial e teve de entrar num regime de. exploração sob administração .especial de uma nova sociedade. O capital da fabrica de Marromeu foi, assim, elevado a 1:090 contos de réis; e o de Mopeia a 1:350 contos de réis. As fabricas de açucar de Moçambique fizeram convergir para os mercados da metropole toda a sua producçao açucareira, a coberto do differencial de 50 por cento.

Por contrato com a linha allemã, as fabricas obtiveram fretes especiaes, pagando 25 shillings por tonelada, até que, pela lei de 7 de maio de 1903, que approvou o novo

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contrato para o serviço de navegação entre a metropole e as provincias de Africa Occidental e Oriental, se estabeleceu que o differencial para o açucar de Moçambique somente seria applicado quando transportado era navios nacionaes; excepto quando não houvesse carreiras regalares directas ou de trasbordo no porto de embarque.

De facto, até principio de 1907, não havia serviço directo ou de trasbordo de vapores portugueses para o Chinde, porto de embarque do açucar. Mas desde principio de 1907 esse contrato foi estabelecido e força foi transportar o açucar pelos vapores portugueses; mas ao frete de 10$000 réis por tonelada, em vez de 5$625 réis, que pagava nos vapores allemães.

Pela lei de 15 de julho de 1903, foi autorizado o estabelecimento, nos Açores, da industria açucareira (beterraba) garantindo-lhe, até 4:000 toneladas, a entrada na metropole, pagando 50 por cento dos direitos pautaes, isto é, um differencial igual ao concedido ao açucar de cana de producção colonial.

Neste mesmo anno de 1903, pela lei de 24 de setembro, estabelecia-se que o açucar de cana de producção da ilha da Madeira entrasse livre de direitos na metropole, sem fixação de limite.

Não querendo, porem, a fabrica da Madeira supportar as despesas da fiscalização, por um despacho ministerial, publicado em ordem de serviço das alfandegas, determinou-se que os açucares da Madeira, quando importados na metropole, pagassem como estrangeiros, e este regime vigorou até maio de 1907, em que, pela lei dos vinhos, se reduzia a 52,5 réis por kilo, (taxa especifica), o direito de importação de açucar de beterraba dos Açores, até o limite de 4:000 toneladas, e se restabeleceu, sempre sem o limite, o privilegio da fabrica da Madeira, ficando novamente em vigor o regime da isenção da lei de 24 de setembro de 1903.

Todas estas concessões feitas, logo em seguida á limitação da protecção ao açucar de origem colonial: lei da navegação, lei da beterraba dos Açores e lei do açucar da Madeira, reduziram sensivelmente a protecção que se pretendia dar ao açucar colonial, facilitando a concorrencia ao mercado dos açucares insulares em condições singularmente favoraveis.

No entretanto, a industria açucareira desenvolvia-se em Moçambique e iniciava-se em Angola.

De Moçambique, alem das fabricas de Marromeu e de Mopeia, fundaram-se as fabricas de Inhambane, do Buzi e de Inhacurra (esta pela transformação dê uma fabrica de alcool systema Cusinier, estabelecida em 1900 no prazo Macuze e que não chegara a laborar pela prohibição decretada do fabrico do alcool) nos territorios ao sul do Save (lei de 7 de maio de 1902) lei esta que, com o fim de proteger a industria vinicola na metropole, fundamente affectou as receitas ultramarinas provenientes da tributação do alcool.

Em Angola, estabeleceu-se uma grande fabrica de açucar, modelo Billion, no Cazengo, cuja installação custou mais de 1 milhão de francos (l903-J904); a do Giraul, pequeno modelo, a do Alto Dande e a do Dombe Grande, modelo medio.

A fabrica do Oazengo não pode entrar desde logo em actividade, por falta de materia prima; a do Dombe Grande, lutando com a mesma difficuldade, teve produccao muito limitada, como a teve a do Giraul e do Alto Dande. Ao mesmo tempo, succedeu que,- tendo aumentado o preço da venda do alcool para a permuta com o gentio (80$000 a 85$000 réis a pipa de 450 litros), prevaleceu o fabrico do alcool sobre o do açucar, por ser maior a margem de lucros.

É corrente entre os agricultores de Angola que somente vale a pena fabricar açucar quando o preço da venda do alcool está abaixo de 50$000 réis.

Em 1906 a 1907, uma nova fabrica açucareira foi estabelecida em Moçambique, em Sena, territoriosda Companhia de Moçambique, grande modelo inglês, com uma capacidade productora de 9:500 toneladas, tendo logo na primeira laboração (1908) attingido cêrca de 50 por cento.

O decreto com força de lei de 2 de setembro de 1901 assegurou, como dissemos, por quinze annos, o differencial de 50 por cento nos direitos aduaneiros cobrados nas alfandegas do continente e das ilhas adjacentes, ao açucar de Angola e Moçambique, limitando a sua applicação até 6:000 toneladas de importação máxima de cada uma d'aquellas provincias.

Varias tentativas teem sido feitas no sentido de alargar essa protecção, mas sem exito.

Em 1905 e em 1908, foram ao Parlamento apresentadas propostas com esse intuito, embora vasadas em moldes differentes. Teem nas motivado as multiplas representações recebidas pelo Governo da nação. A proposta que temos a honra de apresentar ao Parlamento, visa igualmente a proteger o açucar.colonial. A largos traços a vamos definir.

Alonga o prazo da protecção,, já concedida pela lei de 2 de setembro de 1901, e amplia o beneficio a mais 12:000 toneladas de açucar - 6:000 toneladas de Angola e 6:000 de Moçambique - embora reduzindo a percentagem do bonus marcado naquella lei.

Ficará, assim, cada uma d'aquellas provincias ultramarinas beneficiada, sob o ponto de vista aduaneiro, em 1.2:000 toneladas de açucar, sendo em 50 por cento dos direitos pautaes nas primeiras 6:000 toneladas, exportadas para o continente do reino e ilhas adjacentes, e em 25 por cento nas 6:000 toneladas seguintes. A reducção na percentagem do beneficio, facilmente se explica pelo maior desenvolvimento da industria: quanto mais larga e antiga esta for, menor deve ser a protecção dada á unidade do producto fabricado.

Que se torna indispensavel beneficiar em mais larga escala o açucar ultramarino, do que se fazia pela lei de 1901, se quisermos na realidade reservar-lhe uma quota parte importante do consumo metropolitano, deduz-se immediatamente do estado das condições em que com elle concorre o açucar estrangeiro.

Este açucar, extrahido da beterraba, constitue, na Allemanha e na Austria, uma grande industria exercida por enormes fabricas, de maneira que fica baratissimo o producto, o qual ainda gosa de premios de exportação e de fretes baratissimos.
No que respeita ao mercado de Lisboa, anda só no que se refere ao frete, em 7 réis, a diferença em kilogramma do onus correlativo.

Sem protecção, é impossivel ao açucar ultramarino absorver uma fracção valiosa do mercado metropolitano, e, tanto mais, quanto o açucar ultramarino vem carregado de melaço, sobre que incide o imposto tambem, mas que, extrahido pela refinação, reduz bastante o pezo da unidade fortemente tributada.

Se é certo que importa absolutamente attender a esta face do problema sacharino e acquiescer, em parte, ás solicitações reiteradamente feitas, não é menos exacto que se não pode acceitar a indicação de beneficiar o açucar da provincia de Moçambique da quota parte restante do bonus que seja destinado ao de Angola quando este o não absorva totalmente.

Acquiescer a uma tal aspiração da industria sacharina da nossa Africa oriental, seria, não só immediatamente tornar muito grave a redução dos reditos aduaneiros metropolitanos, mas tambem estimular excessivamente, pelo grande lucro advindo, a cultura da cana sacharina e correlativa industria do fabrico de açucar.

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Ora, a provincia de Moçambique não deve pertender mais do que a absorpção de um terço do mercado metropolitano, mercê de protecção pautal larga e ampla, porque outro terço se deve reservar para a provincia de Angola, tanto mais, que urge fazer ali a transformação da industria do fabrico do alcool em industria de fabrico de açucar, restando finalmente um terço do consumo para a situação previlegiada que se criou ao açucar da Madeira e ao dos Açores, até 4:000 toneladas deste, alem do que é devido ás restantes provincias, ultramarinas, a que resta aplicavel, embora sem prazo fixado, o beneficio de 50 por cento sobre o direito pautal a incidir no açucar que no continente do reino e ilhas adjacentes consigam introduzir.

Ora, na fase actual, em que este consumo total é de 33:000 toneladas, o beneficio definido na proposta de lei que elaboramos, incide tanto para Moçambique como para Angola, em mais de um terço; decorridos, porem, os dez annos de protecção que nesta proposta se marcam, e porque o consumo vae em acrescimo successivo, orçarão num terço, aproximadamente, do consumo total, a 12:000 toneladas protegidas.

Tudo isto se consigna no artigo 1.° da presente proposta de lei, no qual se procuram evitar as contingencias de algum accordo internacional relativo ao açucar, e que prejudicasse a protecção nelle consignada.

É preciso tambem evitar á concorrencia do açucar estrangeiro, especialmente nas provincias ultramarinas onde ha a industria do fabrico do açucar. Por emquanto, a maior parte do açucar consumido nellas é estrangeiro refinado, quer ido directamente, quer reexportado do reino, para gozar, neste caso, o beneficio de 20 por cento sobre o imposto aduaneiro, que é de 80 réis por kilogramma. Torna-se indispensavel elevar este a 120 réis em kilogramma, como é na metropole, e fazer desapparecer o beneficio da nacionalização de 20 por cento sobre o direito consignado na pauta respectiva. E porque os açucares da Madeira e dos Açores, se a industria respectiva lá chegar a grande desenvolvimento, poderiam igualmente vir a competir (os productos nacionaes importados nas provincias ultramarinas pagam apenas 10 por cento dos direitos aduaneiros), preciso é evitar essa contingencia, o que se torna tanto mais justo quanto, relativamente, é bem maior o beneficio de que gozam, quando importados no continente do reino, do que o açucar ultramarino. A tudo isto visa o artigo 2.°

No intuito de facilitar a industria sacharina nas provincias ultramarinas, livrando-a dos encargos que as camaras municipaes poderiam fazer incidir sobre a materia prima ou sobre o consumo do producto fabricado, foram nesta proposta de lei insertas as disposições dos artigos 3.° e 4.°

Para proteger e aliviar os encargos que poderiam onerar o açucar exportado, foram consignadas as disposições dos artigos 6.° e 7.°

A protecção a dar ao açucar ultramarino fica larga mente definida. Embora os reditos aduaneiros soffram, as vantagens directas e indirectas da prosperidade de uma valiosa industria ultramarina, são tamanhas, que larga mente compensarão essa perda:

Decorridos os 10 annos da protecção marcada nesta proposta de lei, será o momento oportuno de remodelar toda a legislação sobre açucar, que é já complexa.

Feita esta succinta exposição, temos a honra de submetter á esclarecida apreciação do Parlamento o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Até 31 de dezembro de 1919, é assegurado o differencial de 50 por cento, sobre os direitos pautaes actualmente em vigor, a 6:000 toneladas de açucar produzido na provincia de Angola e a 6:.000 toneladas produzidas na de Moçambique, que sejam importadas para consumo pelas alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes, e tambem nas mesmas condições, o differencial de 25 por cento sobre mais 6:000 toneladas de acuar de cada uma das referidas provincias ultramarinas, ficando-lhes desta forma elevado o beneficio pautal, no continente do reino e ilhas adjacentes, a 12:000 toneladas para cada uma.

§ 1.° Não poderá reverter em beneficio de uma provincia ultramarina o beneficio que outra não absorver por completo.

§ 2.° O dfferencial a que serefere este artigo, será contado e applicado sobre qualquer pauta minima concedida a favor do açucar estrangeiro.

Art. 2.° São elevados a 120 réis por kilogramma, durante todo o periodo de tempo em que vigorar a protecção dada ao açucar ultramarino, os direitos de importação incidentes, nas provincias ultramarinas em que se fabrique açucar, sobre os açucares estrangeiros, quer vão directamente do estrangeiro,quer sejam reexportados da metropole, para as referidas provincias ultramarinas, ficando assim extincto o beneficio de 20 por cento que até agora gozavam estes ultimos.

§ 1.° Os açucares produzidos na Madeira e nos Açores e exportados para as provincias ultramarinas, em que haja fabricação de açucar, serão, para o efeito do pagamento da direitos, considerados como estrangeiros.

§ 2.° O açucar produzido numa provincia ultramarina, quando importado noutra provincia ultramarina, em que esteja estabelecida a industria da fabricação de açucar, pagará direitos de importação como se fora estrangeiro. Quando, na provincia ultramarina em que se faz a importação, não esteja estabelecida a industria de fabricação de açucar, pagará como producto nacional ido da metropole.

Art. 3.° Não poderão ser aumentados, nas provincias ultramarinas, durante o prazo fixado no artigo 1.°, os direitos de consumo sobre o açucar.

Art. 4.° Não é permittido ás camaras municipaes das provincias ultramarinas lançar e cobrar qualquer imposto sobre a materia prima produzida na mesma provincia, quando destinada á fabricação de açucar.

Art. 5.° Não poderá ser aumentado o actual imposto de exportação do açucar ultramarino, durante o prazo marcado no artigo 1.°

Art. 6.° Todos os preparados feitos com o melaço para alimentação de gados, provenientes das provincias ultramarinas, serão importados no continente do remo livres de direitos.

Art. 7.° É assegurada, durante o prazo marcado no artigo 1.°, a isenção de direitos de importação nas provincias ultramarinas, ás machinas, instrumentos, apparelos e seus pertences, destinados á fabricação, preparação e tratamento do açucar, bem como aos sacos de grossaria ou canhamaços de linho e congeeres de origem nacional, destinados á exportação do açucar nellas produzido.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario. Saladas sessões, em 21 de abril de 1909.= O Deputado, Antonio Cabral.

Foi admittido e enviado ás commissões do ultramar, commercio e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Tem se suscitado duvidas sobre se o differencial pautal estabelecido pelo artigo 18.° e seus paragraphos dos preliminares das pautas da metropole de 17 de junho de 1892, para os generos de producção colonial, deve ou não ser applicado sobre qualquer direito inferior extraordinario, fixado por necessidades urgentes das subsistencias publicas, ou se deve incidir inva-

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riavelmente sobre a taxa normal dos direitos nas mesmas pautas especificados.

Comquanto, sobre pareceres da Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda e consultas da Direcção Geral da Agricultura e do Mercado de Productos Agricolas, em difficuldades suggeridas sobre o despacho para consumo de milho de producção colonial, esteja estabelecido arésto favoravel á incidencia do differencial sobre os direitos extraordinarios, julgamos opportuno, para maior segurança dos agricultores coloniaes e como mais determinado favorecimento á concorrencia do milho colonial aos mercados da metropole, em occasiões de crises alimenticias, que obriguem uma redacção de direitos para quantidades determinadas de milho de origem estrangeira, submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Sempre que, em resultado de crises alimenticias, tenha de ser decretada a importação, para consumo, de milho estrangeiro, com reducção de direitos, não será permittida a importação de milho estrangeiro, emquanto houver milho de producção das colonias portuguesas quê possa ser importado.

§ unico. Para os effeitos d'este artigo, será ouvido previamente o Ministerio da Marinha e Ultramar, o qual, sobre informações dos governadores das provincias ultramarinas, indicará as disponibilidades de milho, para exportação, existentes nas mesmas provincias.

Art. 2.° Fica entendido que o differencial de 50 por cento, estabelecido pelo artigo 18.° e seus paragraphos dos preliminares das pautas da metropole de 17 de junho de 1892, incidirá sobre o direito extraordinario fixado para a importação para consumo, de milho estrangeiro, até ao limite da producção das colonias portuguesas indicado pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, nos termos do § unico do artigo antecedente.

Art. 3.° No caso de ser sufficiente, para as necessidades do consumo, o milho de producção colonial, não havendo, portanto, necessidade de importar milho estrangeiro, o differencial de 50 por cento incidirá sobre o direito extraordinario, que houvesse de se decretar para o caso de haver importação de milho estrangeiro.

Art. 4.°-Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 21 de abril de 1909. = O Deputado, Antonio Cabral.

Foi adtnittido e enviado ás commissões de agricultura, commercio, ultramar e fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Os caminhos de ferro construidos nas provincias ultramarinas teem um desenvolvimento total de 1:411 kilometros, dos quaes estão em exploração 1:289, sendo 281 pertencentes ao Estado e 1:008 ás Companhias West India Portuguese Railway Company, Caminhos de Ferro através de África e Caminho de Ferro de Benguella, da Beira e da Zambezia. Em estudo tem o Estado 286 kilometros e a Companhia de Benguella 664; em construcção o Estado 61 kilometros e a Companhia de Benguella 115.

Os caminhos de ferro do Estado, nas provincias ultramarinas teem sido construidos com fundos fornecidos pelo Ministerioda Fazenda, o qual igualmente tem pago as subvenções e garantias de juro devidas ás Companhias do Caminho de Ferro de Mormugao é de Loanda ao Lucalla e ainda os juros dos emprestimos e supprimentos realizados para os caminhos de ferro da Swazilandia e Mossamedes. Para o caminho de ferro de Malange foi criada a receita constante do decreto de 28 de novembro de 1902, mas grande parte d'esta tem sido consumida nas despesas geraes da provincia de Angola.

Com excepção das verbas que por vezes teem sido descritas no orçamento da India para diminuir o encargo da metropole com a garantia de juro concedida á West of India Portuguese Railway Company Limited e de parte das receitas dos impostos sobre a exportação da borracha e alcool em Angola e consumo de algodão na metropole, todas as despesas teem sobrecarregado o orçamento geral do Estado.

A metropole, tem o encargo annual de 1.088:400$000 réis, sendo 549:400$000 réis, subsidio e garantia de juro á Companhia dos Caminhos de Ferro através de Africa; 364 contos de réis ao Caminho de Ferro de Mormugão; 100 contos de réis, juros do empréstimo de 2:000 contos de réis para a Swazilandia e 75 contos de réis, juro do supprimento de 1:500 contos de réis para o caminho de ferro de Mossamedes.

E comtudo os rendimentos provenientes da exploração dos caminhos de ferro ultramarinos, dos impostos criados pela lei de l902, destinados ao caminho de ferro de Malange, e ida verba paga por S. Thomé, elevam-se a réis 2.126:900$000 réis, e sendo a despesa actual de 2:013,5 contos de réis, vê-se que ha um saldo de 113,4 .contos que poderia pagar parte do juro dos empréstimos da Swazilandia e supprimento de 1:500 contos para Mossamedes, ficando reduzido o encargo da metropole apenas (175-113,4) a 61,6 contos.

Não pode porem por emquanto limitar-se o auxilio da metropole a tão exigua verba, porque isso corresponderia a parar com os trabalhos iniciados no porto de Lourenço Marques e com os caminhos de ferro em construcção e que não podem ser custeados pelas provincias ultramarinas apesar das suas receitas terem tido um notavel aumento nos ultimos annos; assim, Moçambique em 1900 tinha a receita de 2:837 contos de réis e tem hoje.5:223 contos de réis; Angola 1:781, hoje 3:106 contos de réis, só a India mantém proximamente as receitas tendo em 1900, 1:030 e hoje 1:023 contos de réis, as despesas porem elevam se por, maneira que absorvem mais que os aumentos notados. É necessario porem começar a diminuir o sacrificio que a metropole faz e pode reduzir-se immediatamente a 50 por cento.

Não é possivel que as provincias ultramarinas recolham alem dos beneficios que resultarem da construcção de linhas ferreas, os rendimentos da mesmas linhas e receitas a ellas destinadas, e que a metropole por cada nova linha a construir soffra por completo o encargo respectivo sem limite.

Convém portanto separar dos orçamentos das provincias ultramarinas, todas as receitas provenientes dos caminhos de ferro e a elles destinados e constituir com ellas um fundo especial destinado exclusivamente ás novas construcções, consideradas mais urgentes, á exploração, e a diminuir o encargo da metropole até á amortizaçãodo desembolso que o Ministerio da Fazenda tem feito até hoje.

As obras de maior necessidade importam em réis 9.680:000$000, podendo construir-se em cinco annos. Se reduzirmos de 1.088:000$000 réis a 544:000$000 réis o auxilio da metropole, será esta verba sufficiente para o pagamento do juro e amortização de um emprestimo de 9.000:000$000 réis, que permittirá as construcções julgadas ha muito necessarias ao desenvolvimento das colonias.

Nessas obras resultará aumento de receita para as provincias ultramarinas e para o rendimento dos caminhos de ferro e se desse aumento se destinar 50 por cento para constituir annuidade para juro e amortização do capital a empregar para novas linhas ferreas, e 50 por cento para diminuir o auxilio da metropole, poder-se-ha assim fazer as construcções em condições de uma percentagem regular de despesas de administração e deixará de pesar sobre a metropole um encargo sempre crescente, como tem acontecido até hoje, em que cada linha ferrea que se constroe no ultramar se traduz por um aumento de despesa no Orçamento Geral do Estado.

O aumento da receita deve ser importante, porque da consolidação da linha de Lourenço Marques e emprego

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de material de maior potencia, identico ao da Central South African Raihvay, diminuirá o numero de comboios diarios que ha necessidade de fazer actualmente até Ressano Garcia, e as despesas de exploração diminuirão de mais de 100:000$000 réis.

As linhas de Malange e Mossamedes foram abertas ha pouco tempo, não tendo por emquanto o rendimento que é licito esperar, naquella, por comparação com a de Loanda ao Lucalla, e nesta, porque ainda não inutiliza o transporte em carros boers.

Este aumento alem de mais diminuir o encargo da metropole, dará annuidade para se construirem as linhas de Inharrime e do porto do Mucambo, instantemente pedidas pelo Governo de Moçambique.

Adoptando-se para os caminhos de ferro do ultramar uma. organização identica á que tem os Caminhos de Ferro do Estado, e que tão bons resultados tem dado, parece-me que muitas vantagens advirão, não só para a mais rápida construcção da rede ferro-viaria, mas para as proprias provincias ultramarinas.

É por isso, Senhores, que ao vosso elevado criterio apresento o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os caminhos de ferro de S. Thomé, Malange, Mossamedes, Swazilandia e Lourcnço Marques e os que de futuro o Estado venha a construir ou explorar serão denominados Caminhos de Ferro Ultramarinos e a sua gerencia confiada a um conselho de administração.

Art. 2.° E criado um fundo destinado exclusivamente a estudos, construcção e exploração das linhas ferreas nas provincias ultramarinas e á exploração e construcção do porto de Lourenço Marques, bem como ao pagamento das garantias de juro ás Companhias dos Caminhos de Ferro de Mormugão á India Inglesa, e de Loanda ao Lucalla e quaesquer outras quê venham a ser decretadas. Este fundo será denominado Fundo Especial dos Caminhos de Ferro Ultramarinos.

Art. 3.° A fiscalização das linhas construidas no ultramar pertencentes a empresas ou companhias será das, attribuições do Conselho de Administração.

Art. 4.° É autorizado o Governo a reorganizar os serviços dos caminhos de ferro ultramarinos e a decretar as providencias necessarias para a cabal execução d'esta lei, em conformidade com as bases annexas que della ficam fazendo parte integrante.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases que fazem parte integrante da carta de lei d'esta data

Base 1.ª

A gerencia dos caminhos de ferro do Estado no ultramar e porto de Lourenço Marques, e a fiscalização dos caminhos de ferro pertencentes a empresas ou companhias serão confiadas, sobre a autoridade do Ministerio da Marinha e Ultramar, a um conselho que será denominado Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro Ultramarinos, o qual tem a sede em Lisboa.

§ 1.° O Conselho será constituido pelo director dos Caminhos de Ferro Ultramarinos, pelos engenheiros adjuntos da direcção, por um funccionario superior da Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar, um ajudante do Procurador Geral da Coroa e Fazenda e dois representantes do commercio de África que tenham residencia em Lisboa.

a) A execução das decisões Ministeriaes e das deliberações do concelho de administração, bem come a expedição e resolução dos negocios correntes, é confiada a uma commissão executiva do mesmo conselho, composta pelo director e engenheiros da Direcção dos Caminhos de Ferro Ultramarinos.

§ 2.° A Direcção dos Caminhos de Ferro ultramarinos terá uma secção exclusivamente destinada ao expediente do Conselho e superintendida por um dos engenheiros adjuntos.

§ 3.° A 7.ª Repartição de Contabilidade Publica será reorganizada de modo que uma das suas secções seja exclusivamente destinada á contabilidade dos Caminhos de Ferro Ultramarinos, sendo os respectivos serviços dirigidos, sobre as ordens immediatas da commissão executiva, por um dos engenheiros adjuntos.

§ 4.° Os serviços das linhas do Estado serão commettidos a quatro direcções subordinadas ao Conselho de Administração e denominadas respectivamente Caminho de ferro de S. Thomé; Caminhos de ferro de Loanda, comprehendendo a fiscalização da linha de Loanda a Lucalla; Caminho de ferro de Mossamedes; Caminhos de ferro e porto de Lourenço Marques e Swazilandia; a fiscalização das linhas pertencentes a companhias constituirá tres direcções com a denominação Direcção da Fiscalização do Caminho de Ferro de Mormugão, de Benguella e da Africa Oriental.

§ 5.° O pessoal de cada direcção dividir-se-ha nas seguintes classes: pessoal technico, pessoal administrativo e pessoal operario ou jornaleiro, devendo os quadros respectivos ás duas primeiras categorias ser propostos ao Governo pelo Conselho de Administração, depois de ouvidos os respectivos directores, a fim de ser decretado em harmonia com as necessidades dos serviços; o pessoal operario ou jornaleiro será admittido conforme as necessidades do serviço dentro da verba orçada annuaimente para esse fim.

§ 6.° O Governo poderá nomear livremente, sob a forma de contrato, os chefes dos diversos serviços, sobre proposta fundamentada do Conselho, se assim convier aos interesses do Estado, sem prejuizo dos direitos que disfructam os actuaes chefes.

§ 7.° Todas as nomeações serão provisorias pelo espaço de um anno, competindo ao Conselho propor, em vista das informações dos respectivos directores, o despedimento ou a confirmação, dentro d'aquelle periodo, dos empregados nomeados.

§ 8.° É instituido em cada uma das direcções dos caminhos de ferro ultramarinos um premio de exploração, que será distribuido no fim de cada anno economico, sobre proposta do Conselho de Administração, pelo pessoal superior dos serviços, comprehendendo o director, o subdirector ou adjunto, os chefes de tracção, de via e obras e movimento e trafego. O premio de exploração para cada direcção será até 10 por cento do aumento annual da receita do trafego, liquida de impostos, sobre o da receita do anno anterior, não podendo, porem, ser inferior a 1 conto, nem superior a 3 contos de réis, este premio só poderá começar a ser abonado em cada caminho de ferro, passado o sexto anno do começo da exploração.

Base 2.ª

Compete ao Conselho de Administração:

1.° Regular a acquisição do material fixo e circulante o dos materiaes, ferramentas e utensilios, e adjudicar fornecimentos e empreitadas de importancia não superior a 10 contos de réis, quando tenham cabimento nas verbas orçamentaes, e solicitar despacho do Ministro para os contratos cuja importancia exceda aquella quantia;

2.° Autorizar p pagamento, com as receitas arrecadadas, das despesas consignadas no orçamento, nos termos do presente regulamento;

3.° Providenciar acêrca da arrecadação das receitas nas caixas filiaes e agencias do Banco Nacional Ultramarino e deposito na Caixa Geral de Depositos, propondo ao Governo o emprego das importancias que não tenham applicação immediata;

4.° Propor ao Governo as dotações que para as obras autorizadas possam ser destinadas do fundo especial, assim como quaesquer operações financeiras que, pelas disponi-

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bilidades desse fundo, convenha effectuar, as quaes serão realizadas por intermédio do Ministerio da Fazenda;

5.° Approvar as tarifas, horarios e contratos de serviço combinado, submettendo-os á homologação ministerial;

6.° Approvar os regulamentos do serviço interno, propondo ao Governo o que exceder a sua competencia;

7.° Promover, preparar e instruir os processos necessarios para o bom regime dos caminhos de ferro ultramarinos em estudos, construcção ou exploração;

8.° Submetter á appravação superior as contas, por annos economicos, da administração dos caminhos de ferro e publicar relatorios e estatisticas concernentes á construcção e exploração, referidos a annos civis, e, bem assim, as contas mensaes da receita e despesa, em conformidade com os modelos que forem determinados pelo Governo;

9.° Submetter a approvação superior os projectos das linhas e ramaes a construir, das obras complementares de custo superior a 1:000$000 réis e dos novos typos de material fixo e circulante;

10.° Autorizar,, nos termos da legislação vigente, a acquisição dos terrenos necessarios á construcção de novas linhas ou obras complementares, promovendo os respectivos processos de expropriação, e bem assim a troca e o arrendamento dos que estiverem disponiveis e as vendas de materiaes inutilizados;

11.° Providenciar acêrca na nomeação, promoção, demissão, recompensas, punições, licenças e reformas do pessoal, segundo as normas que forem decretadas em diploma especial, propondo ao Ministro o que exceder a sua competencia;

12.° Gerir o fundo especial dos caminhos de ferro ultramarinos e caixa especial de aposentações do pessoal administrativo e jornaleiro;

13.° Inspeccionar as linhas a seu cargo, fiscalizando os serviços de construcção e exploração e a, respectiva contabilidade;

14.° Propor ao Governo as providencias que julgar necessarias ao bom regime dos caminhos de ferro ultramarinos, e consultar acêrca dos assuntos que a elle Interessem, e que pelo Governo forem submettidos ao seu exame.

§ 1.° O orçamento de receitas e despesas descaminhos de ferro ultramarinos será elaborado pelo Conselho e apresentado ao Ministro nos prazos estipulados na lei da contabilidade publica, sendo nelles escrituradas em capitulos separados as despesas com o pessoal e com o material.

§ 2.° O orçamento, a que se refere o paragrapho antecedente, servirá de base para a inscrição das verbas relativas á construcção e exploração dos caminhos de ferro, no Orçamento Geral do Estado.

§ 3.° O Conselho de Administração enviará ao Tribunal de Contas até 30 de setembro de cada anno, por intermedio da 7.ª Repartição da Contabilidade Publica, as contas da gerencia dos caminhos, de ferro do anno economico findo, devidamente organizadas em harmonia com o orçamento e comprovadas com os documentos de despesa, a prestação de contas abrangerá a contabilidade do material.

§ 4.° O Conselho de Administração proporá ao Governo a transferencia de verbas de um para outro artigo ou a abertura de créditos autorizados por lei.

§. 5.° Os fornecimentos de materiaes e as empreitadas serão contratados por concurso publico, quando por interesse do Estado ou por urgencias comprovadas e sob proposta approvada pelo Governo, o Conselho de Administração não julgar preferivel o concurso limitado ou a encommenda directa. Neste caso ter-se-ha sempre em vista o disposto no § 7.° da base 5.ª

Base 3.ª

Constituem o fundo especial.

1.° As receitas fora do trafego.

2.° As receitas brutas provenientes da exploração dos caminhos de ferro do Estado nas provincias ultramarinas e as do porto de Lourenço Marques e caes respectivos.

3.° Sobretaxa de 3 por cento ad valorem sobre a borracha exportada pelas alfandegas de Loanda, Benguella e Mossamedes e delegação aduaneira de Novo Redondo ou despachada em transito nestas alfandegas para qualquer porto da provincia.

4.° Producto do imposto sobre o álcool e aguardente produzidos ou importados nos districtos de Loanda, Benguella, Mosfcarnedes e Lunda, liquido das despesas de fiscalização e cobrança, e deduzida a parte d'esta receita que houver de ter applicação especial nos termos da correspondente legislação;

5.° Producto liquido do imposto de 10 réis por kilogramma de algodão em rama ou caroço consumido, pelas fabricas do reino ou das ilhas adjacentes, deduzidas a parte desta receita que houver de ter applicação especial nos termos da legislação respectiva;

6.° 50 por cento do excesso do rendimento das alfandegas, servidas por caminhos de ferro das provincias ultramarinas sobre a media calculada pelos rendimentos cobrados pelas respectivas alfandegas nos cinco annos anteriores ao corrente anno economico, excluidas para este effeito as receitas que forem cobradas em virtude dos impostos a que se referem os artigos 3.° e 4.°

7.° Productos da venda, arrendamento ou aforamento, nos termos da legislação applicavel, dos terrenos marginaes á linha ferrea em uma zona de 2 kilometros para cada lado da mesma linha e os conquistados ao mar no porto de Lourenço Marques.

8.° Os juros do deposito das receitas da exploração e dos capitaes disponiveis para construcções e obras complementares;

9.° As quantias que annualmente forem pelo Governo destinadas a este fundo.

§ 1.° O fundo especial será arrecadado como segue:

a) As quantias cobradas na metropole na Caixa Geral de Depositos;

b) As cobradas nas provincias ultramarinas nas caixas filiaes e agencias respectivas no Banco Nacional Ultramarino tudo á ordem do Ministerio do Ultramar e será destinado:

1.° Ao pagamento immediato das despesas a effectuar em conformidade com o artigo 2.° d'esta lei;

2.° Ao pagamento ao Ministerio da Fazenda de 50 por cento do encargo aimual com a garantia de juro aos caminhos de ferro de Loanda a Ambaca e de Mormugão;

3.° A ser consignado a juro e amortização de qualquer emprestimo destinado á construcçao e exploração de novos caminhos de ferro e ampliação do porto de Lourenço Marques.

§ 2.° Pelos encargos das operações mencionadas no § 1.° responderá p fundo especial, que não poderá ter, sob pretexto algum, outra applicação.

§ 3.° Ás operações de credito serão reguladas por forma que a totalidade dos encargos successivamente contrahidos caiba sempre nas disponibilidades do fundo especial, não se tendo em conta os aumentos accidentaes que este possa ter.

§ 4.° A distribuição das quantias a despender por conta do fundo especial é do producto dos emprestimos pelas obras autorizadas por lei será decretada pelo Governo, mediante proposta do conselho, baseada nos aumentos de receita de cada uma das redes e na urgencia relativa das obras a effectuar.

§ 5.° Os titulos emittidos para a realização dos empréstimos ficarão isentos de quaesquer impostos ou deducções.

§ 6.° O regulamento d'esta lei estabelecerá a forma e os prazos para a entrega, na Caixa Geral de Depositos, caixas filiaes e agencias (do Banco Nacional Ultramarino,

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das receitas que pertencerem ao fundo especial dos caminhos de ferro.

Base 4.ª

É o Governo autorizado:

1.° A mandar applicar, dos recursos obtidos pelo fundo especial até a quantia de 9:000 contos de réis ás seguintes construcções:

a) Consolidação da linha de Lourenco Marques e substituição do material;.

b) Prolongamento de Malange ao Cuango;

c) Prolongamento de Mossamedes á Chibia;

d) Transformação dos primeiros 160 kilometros de Mossamedes para via de 1 metro para o que já estão feitas as obras de arte;

e) Caminho de ferro de S. Thomé;

f) Canal da Polana;

g) Porto de Lourenço Marques.

Poderá o Governo fazer a, emissão dos 9:000 contos de réis em uma ou mais series de titulos, de divida publica amortizavel no prazo maximo de 75 annos não sendo o encargo de juro e amortização superior a 6,5 por cento.

Base 5.ª

Será concedida a importação livre de direitos do material fixo e circulante preciso para a construcção e exploração dos caminhos de ferro, que não puder ser fabricado em boas condições nos estabelecimentos industriaes do país.

§ unico. Para a acquisição de quaesquer materiaes serão previamente ouvidas as empresas metallurgicas do país, e os seus productos preferidos em igualdade de qualidade e de preço, tendo-se em attenção o agio do ouro e os direitos de importação.

Base 6.ª

Será criada e gerida pelo conselho de administração uma caixa especial de aposentações do pessoal administrativo e jornaleiro da Caminhos de ferro ultramarinos, subsidiada pelo conselho de administração, com autorização do Governo, e para a qual serão obrigados a contribuir, todos os empregados administrativos e operarios effectivos.

§ 1.° As condições da aposentação do pessoal invalido e da concessão de pensões ás familias dos empregados fallecidos serão fixadas no respectivo regulamento.

Sala das sessões, em 21 de abril de 1909. = O Deputado, Antonio Cabral.

Foi admittido e enviado ás commissões do ultramar e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - São numerosos os diplomas de varias categorias que regulam as concessões de terrenos do Estado nas nossas provincias ultramarinas, sendo uns de caracter geral e outros tendo somente applicação a uma ou outra provincia.

Todos elles derivam mais ou menos directamente da carta de lei de 9 de maio de 1901 e são, na sua, maioria, conducentes, quer a prover de remedio os seus defeitos e omissões, denunciados pelas lições da experiencia, quer a harmonizar algumas das suas disposições com as circunstancias especiaes em que se encontram algumas das referidas provincias.

Não é por certo meu intento fazer neste logar a analyse da legislação a que acabo de alludir, limitando-me a expor que no seu conjunto, e a despeito dos bons intentos dos legisladores que manusearam o assunto, ella não é ainda de molde a satisfazer cabalmente aos três seguintes predicados essenciaes e indispensaveis: processos simples e expeditos de concessão; sufficiente protecção aos indigenas contra espoliações estranhas; efficaz garantia para os concessionarios dos seus direitos de propriedade.

Deduz-se do que fica exposto que o caminho a seguir com o maximo beneficio para o ultramar português seria, naturalmente, remodelar e refundir a actual legislação, aproveitando o muito que esta possue de boa doutrina e melhorando disposições menos adequadas a uma ou outra colonia, elaborando-se assim um repositorio de preceitos e regras, uns de caracter geral e independentes das exigencias peculiares a cada provincia ultramarina, e outros especiaes, cuidadosamente moldados a essas exigencias, de cuja realização na pratica resulte uma activa e intensa exploração do solo ultramarino, fim essencial para que, em ultima analyse, neste ramo de administração, publica, devera tender os esforços do legislador.

Não obstante, na proposta de lei que agora tenho a honra de submetter ao vosso exame, não quis propositadamente encarar o problema em toda a sua latitude e antes preferi buscar para elle uma solução bem mais restricta, considerando por emquanto simplesmente a provincia de Moçambique onde, pelos progressos realizados em algumas das suas regiões, e ainda pela forma mais aperfeiçoada e corrente attingida pela colonização que sobre ellas incidiu, melhor campo se encontra para implantar medidas descentralizadoras em materia de concessões de terrenos, como se torna preciso em presença de uma iniciativa particular que dia a dia se affirma mais intensa, e que não descura insistir pela obtenção de adequada garantia para ás manifestações da sua actividade.

Acresce que a orientação por mim adoptada tem agora cabal opportunidade visto ser mister, por motivos que são obvios, que cesse a anomalia existente entre as largas attribuições administrativas que o decreto de 23 de maio de 1907 conferiu ao governador geral da referida provincia e a actual dependencia em que estão da tutela do governo central as mais insignificantes concessões de terrenos feitas por aquelle funccionario nos termos da respectiva legislação vigente.

Tal é a razão de ser do novo regime para a concessão de terrenos do Estado na provincia de Moçambique, que vae ser submettido ao vosso exame e que teve origem numa proposta feita pelo governador geral, estudada pelas estações competentes, tanto daquella provincia como da Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar.

Comprehende-se sem difficuldade que a promulgação de um diploma d'esta especie precisa ser rodeada de precauções que permitiam aproveitar opportunamente os ensinamentos da experiencia, modificando como for julgado necessario os preceitos que na pratica não correspondam ao fim que se teve em vista na sua redacção. Assim se justifica, me parece., a classificação de provisorio por mim dada ao supracitado "regime", do qual vou apresentar-vos, senhores, uma succinta ideia considerando-o em relação aos predicado essenciaes a que ha pouco me referi.

Estabelecidas as tres formas de concessão de terrenos- aforamento, arrendamento e venda. Aumentaram-se as attribuições fixadas pela lei vigente ao governador geral, permittindo-se-lhe, exclusivamente ou sob a dependencia do voto affirmativo do conselho do Governo, concessões por aforamento, até 2 hectares, nas areas das povoações de caracter europeu; por aforamento ou arrendamento, até 5 hectares, nos suburbios dessas povoações e por qualquer d'estas ultimas formas nos outros terrenos, - 2.ª classe - até 10:000 hectares, no districto de Lourenco Marques, e até 50:000 nos outros districtos da provincia. No que respeita a concessões por venda, em regiões especiaes da provincia, systema este empregado com bons resultados em varias colonias estrangeiras, fixou-se em 3:000 hectares a area de cada lote a ser alienado pelo

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governador geral, sendo facultado ao comprador a acquisição a pronto pagamento ou mediante vinte prestações aimuaes. Faculta-se aos governadores de districto a fazerem, até certo limite, concessões por aforamento ou arrendamento, ficando, porem, ellas dependentes da sancção do governador geral.

As concessões feitas pelo governador geral, com ou sem voto affirmativo do Conselho do Governo, não dependem de approvação pelo Governo da metropole. Assim e aparte casos muito especiaes de desacordo entre aquelle governador e o conselho do governo, que terão de ser resolvidas na metropole, todos os processos de concessão são organizados e conclusos na provincia, com grande vantagem para a simplicidade e abreviação das concessões, acrescendo ainda que nos terrenos de 2.ª classe, não oficialmente demarcados, o respectivo pretendente de uma concessão por aforamento podo ser autorizado a demarcar provisoriamente e a occupar a parcela que desejar adquirir, independentemente da conclusão do processo, ficando, comtudo, sem direito ás bem feitorias que ali tiver realizado, se essa parcela lhe não for adjudicada.

Em geral, as concessões por aforamento e a venda de lotes de terreno sitos era regiões especiaes da provincia são feitas em hasta publica, bem como os arrendamentos que se seguirem ao primeiro, ficando, porem, os primitivos arrendatarios com direito, em determinadas condições, a substituirem os seus contratos de arrendamento pelos de venda feita directamente. Na hasta publica admitte-se a procuração telegraphica, uma vez que seja em seguida substituida por outra passada nos termos do Codigo Civil

Organizou-se convenientemente a repartição de agrimensura provincial, com secções nas sedes doe districtos administrativos, incumbindo-se-lhe, entro outros serviços, a execução de tudo o que respeitar a processos de concessão de terrenos e á implantação no terreno dos projectos de povoações de caracter europeu e seus suburbios. As commissões das terras, que pela sua composição nos termos da lei vigente não eram devidamente idoneas para a regular e opportuna execução dos serviços que a mesma lei lhes incumbiu, foram substituidas por uma cominissão provincial, com delegações nos districtos, passando a exercer fimeções consultivas sobre reclamações e assuntos sobre que seja mandada ouvir pelo governador geral, cumprindo-lhe e ás referidas delegações assistir aos concursos em hasta publica e resolver todos os incidentes que se levantarem durante a praça.

São estas as principaes mas não as unicas disposições do regime, que vae ser submettido ao vosso exame, tendentes a assegurar tanto quanto é praticamente realizavel, sem prejuizo dos direitos do Estado ou de terceiros, a simplicidade e rapidez nos processos de concessão de terrenos, convindo ainda indicar que os diversos tramites desses processos se succedem, em regra, dentro de prazos previamente fixados naquelle diploma, circunstancia esta que alliada á conveniente composição dos quadros da repartição de agrimensura e commissão de terras, com as suas respectivas secções e delegações districtaes, dotadas com o pessoal necessario para attender em devido tempo ás eventualidades do serviço, evitará delongas que lantas vezes teem provocado fundamentadas reclamações por parte dos interessados.

A lei de 9 de maio de 1901 estabeleceu algumas disposições tendentes a garantir aos indigenas certos direitos de propriedade que o respectivo regulamento de 2 de setembro do mesmo anno definiu em alguns dos seus artigos, como já annos antes o haviam feito os regulamentos de 7 de julho e 7 de outubro de 1892 applicaveis ao regime dos Prazos da Coroa estabelecido por decreto de 18 de novembro de 1890. Mas aquellas disposições visaram essencialmente a proteger o indigena rude e selvagem do interior, geralmente afastado do normal convivio com o homem branco e para o qual ainda quasi que se não esboçou a aurora de uma civilização muito embora rudimentar. Se, do facto, são. ainda estas as caracteristicas da grande maioria dos aborigenes da provincia de Moçambique, justo é ponderar que parallelamente existem nas proximidades dos centros de actividade d'aquella provincia, com caracter europeu, grupos de indigenas já num certo estado de adeantamento, moral, embora se não distingam nitidamente do commum da sua raça, e a esses importa, para seu beneficio e nosso interesse, facultar uma protecção que lhes assegure um certo bem estar, mediante o cumprimento de certas obrigações e formalidades, cujo alcance elles podem facilmente comprehender, sobretudo quando auxiliados pelas indicações obrigatoriamente prestadas pelas autoridades administrativas com quem estão mais em contacto.

Nesta ordem de ideias, o regime proposto permitte, de um modo geral, a todo e qualquer indigena, tanto o que vive no sertão como nas proximidades dos centros civilizados, o occupar, com certas e determinadas restricções, terrenos devolutos, incultos e não demarcados, mesmo provisoriamente, e até mesmo o governador geral pode reservar exclusivamente para esses indigenas determinadas areas de terrenos sem que comtudo as parcelas do taes areas por elles occupadas possam constituir sua propriedade.

Mas se o indigena occupante satisfizer a certas e determinadas condições, de entre as quaes avulta a cultura de uma certa area, essa occupação pode garantir-lhe, quando decorridos vinte annos, a propriedade plena dos terrenos occupados e, com esta, o gozo de algumas regalias como sejam as isenções do serviço obrigatorio nos corpos policiaes e militares, do trabalho compellido, e de ser requisitado pela autoridade para servir como marinheiro, barqueiro, carregador ou escoteiro.

Esta disposição visa especialmente os grupos de indigenas a que acima se fez referencia. Para completá-la, abrangendo todos os indigenas da provincia, preceitua o regime proposto que áquelles que por qualquer circunstancia não cumprirem todas ou algumas das condições exigidas, se reconheça de um certo modo a occupação por elles feita, fazendo depender da autorização do governador geral e do pagamento do valor das bemfeitorias por elles realizadas nos terrenos occupados a inclusão destes terrenos na area requerida por qualquer forma de concessão.

Taes são, em rapida resenha, as principaes disposições estabelecidas para proteger e incitar os indigenas ao aproveitamento do solo sob a vigilancia e auxilio beneficentes das autoridades europeias desde as de categoria mais subalterna até ao supremo magistrado da provincia. É de presumir que o conhecimento das regalias e vantagens garantidas aos que souberam cumprir todos os preceitos impostos, incite, pouco a pouco, pelo exemplo quando não pela propaganda, os indigenas sertanejos a desejar para si iguaes beneficies e isto será sem duvida o primeiro passo para o seu aperfeiçoamento moral: depois será relativamente fácil attrahi-los para o convivio da civilização e progresso e assim teremos aplanado o caminho para o subsequente cumprimento da nossa tarefa como nação civilizadora.

É das attribuições da repartição de agrimensura provincial a organização dos cadastros, tendo por fim a rigorosa identificação da propriedade na sua situação e area, e a organização do tombo geral da propriedade, baseado essencialmente no prédio e sendo constituido pelos docu-

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mentos que o identifiquem de modo inconfundivel e pelos que attestam a sua historia juridica e sejam sujeitos a registo na respectiva conservatoria.

D'esses documentos faz parte essencial o "titulo de concessão" registado, salvo casos especiaes, antes de ser entregue ao concessionario, na conservatoria da comarca, a requisição da direcção de agrimensura ou respectiva secção districtal. Neste titulo inscreve-se o alvará de concessão, a planta da propriedade acompanhada de um diagramma numerico identificando rigorosamente a sua situação e area, os actos juridicos sujeitos a registo que incidam sobre a mesma propriedade, e os endossos, que são declarações escritas, datadas e assinadas pelos proprietarios dos titulos sobre as transmissões dos direitos que os mesmos lhes conferem, e assinados tambem pelos adquirentes. São, pois, como se vê, documentos completos que farão prova plena em juizo, tanto no que respeita ao diploma que os conferiu como cá identificação da propriedade.

Os direitos conferidos por qualquer titulo de concessão são pois transmissiveis por endosso, mas a transmissão carece de ser previamente autorizada pelo governador geral. Merecerá talvez reparo esta restricção, porventura menos conforme com uma plena garantia dos direitos de propriedade dos concessionarios. A observação é justa mas a experiencia já por vezes demonstrou quanto é necessario precaver contra actos dos que solicitam concessões para sobre ellas especularem, nada lhes importando que os meios empregados para o conseguimento de seus fins sejam lesivos dos. direitos e interesses do Estado. Demais o governador geral interferirá apenas nas tentativas de transmissão sobre que se produzam circunstancias muito especiaes, sendo a sua intervenção em todos os outros casos uma simples formalidade que em nada affectará o uso dos direitos de propriedade.

Assim como o titulo de concessão só é entregue ao concessionario depois de registado na Conservatoria, assim tambem o seu endosso terá sempre de fazer-se em presença do conservador que tiver de registar a transmissão, o que somente fará depois de haver-se certificado da identidade e Capacidade juridica das partes contratantes e de que a mesma transmissão foi devidamente autorizada pelo governador geral.

São estas, na sua essencia, as disposições tendentes a garantir aos concessionarios os direitos de propriedade dos seus terrenos. Derivam ellas, como já pode haver-se deduzido, do systema Torrons, adoptado em algumas coloridas estrangeiras e que agora se pretende implantar na provincia de Moçambique, á parte-a clausula estabelecida para a transmissão dos referidos direitos que, aliás, não constitue materia nova porquanto no Congo Belga, onde aquelle systema foi aproveitado, se abstraiu do .endosso, não sendo tambem difficil encontrar na legislação estrangeira sobre concessões de terrenos- coloniaes disposições restrictivas para a alienação entre particulares dos seus direitos de propriedade.

Descrito o regime que vae ser. submettido ao vosso exame; sob os pontos de vista dos predicados a que me referi ao começar, este relatorio, cumpre me dizer duas palavras acErca dos encargos pecuniarios a que ficam sujeitos Os concessionarios de terrenos na provincia de Moçambique.

Como indicação preliminar, importa consignar, referindo-me apenas aos terrenos não destinados a construcção, que nos termos da legislação vigente os requerentes de terrenos por aforamento naquella provincia teem a faculdade de offerecer o preço annual de foro que entendem dever pagar e que é acceito como base para a licitação em hasta publica se elle for julgado conveniente para os interesses do Estado. Não ha pois limite minimo para a offerta, com excepção dos terrenos sitos no districto de Lourenço Marques para os quaes, em conformidade da lei de 9 de maio de 1901 e decreto de 4 de julho de 1900, a offerta minima é de 500 réis, por hectare, quando contiguos ás zonas de protecção de linhas ferreas, existentes ou projectadas, e de 300 réis, pela mesma unidade, para os restantes.

No regime proposto, considerando apenas os terrenos de 2.ª classe - sitos fora das areas das povoações de caracter europeu e dos seus suburbios -, os preços nas concessões por aforamento, são, por hectare, 40 réis no districto de Lourenço Marques, e 20 réis nos outros districtos da provincia e nos primeiros arrendamentos, a taxa annual de renda não pode ser inferior a dez vezes o foro que haveria a pagar se a concessão fosso por aforamento: nos subsequentes arrendamentos a base da licitação será a renda anterior se a autoridade competente não julgar conveniente elevá-la. Nas concessões por verida o preço base não poderá ser inferior a l$500 réis por hectare.

Referindo-me ao aforamento, que é de facto a forma mais geral de concessão, devo notar que os preços assas moderados de foro foram estabelecidos tendo em attençao os concessionarios de parcos recursos aos quaes muito con-veui evitar sacrificios, por vezes incomportaveis, que lhes produziria o pagamento de una foro elevado, absorvendo-lhe recursos que assim deixariam de applicar ao aproveitamento dos seus terrenos. E para que esta orientação, não seja prejudicada pelos incidentes da hasta publica, os preços de foro conservam-se constantes, incidindo a licitação sobre uma quantia, denominada "entrada", fixada pura cada caso pelo governador geral em funcção da area do terreno e sua situação em referencia ás vias de communicação. povoações de caracter europeu, estações de caminho de ferro, etc., sendo, porem, o seu valor com-prchendido entre os de uma e vinte pensões annuaes de foro. Esta inalterabilidade de preços de foro remove por completo a desigualdade injusta e antiphatica de encargos que pela legislação vigente muitas vezes tem incidido sobre concessionarios de terrenos da mesma qualidade, igualmente situados, com areas iguaes e até com o mesmo aproveitamento, simplesmente porque foram diversas as decorrencias da hasta publica.

Ainda com o fim de poupar aos concessionarios capital que pode ser aproveitado nas despesas de primeira exploração dos seus terrenos, obtidos por aforamento ou arrendamento, são estes isentos de decima predial durante o primeiro anno da concessão, preceito este que até com bem maior liberalidade se encontra consignado na legislação colonial estrangeira. Findo porem o primeiro ahno e salvo casos de força maior, a decima predial incidirá tanto mais pesadamente sobre o terreno quanto maior for a negligencia do concessionario em aproveitá-lo; assim, seguidamente e em quanto o aproveitamento se não realizar de boa fé, aquella decima será de 5 por cento do valor do terreno, no fim do primeiro anno, de 10 por cento no fim do segundo, de 20 por cento no fim do terceiro e assim successivamente com aumentos annuaes de 10 por cento, computando-se o valor do terreno na importancia fixada para a "entrada" e mais vinte-vezes o foro, no caso de aforamento, e era vinte vezes a renda quando a concessão houver sido feita, por arrendamento: considera-se aproveitamento feito de boa fé aquelle em que o concessionario haja dispendido de cem a cento e cincoenta vezes o foro; uma vez realizado será dispensado o pagamento, da contribuição predial durante os dez annos seguintes, findos os quaes, o mesmo concessionario pagará a que for estabelecida nos termos da lei geral e respectivo regulamento.

Citarei ainda que o emphyteuta de terreno de 2.ª classe, que não esteja em divida de foro e impostos, pode ob.

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ter o dominio directo pagando vinte pensões de foro, nas quaes se não incluem as anteriormente pagas.

Em synthese, as disposições que ficam expostas e ainda outras que não citarei para não alongar demasiado este relatorio, traduzem-se em modicidade de encargos impostos ao inicio no concessionario da exploração; em recompensas para os que utilizarem honesta e activamente as suas concessões, e em aggravamento successivo de encargos para os negligentes ou especuladores. Incita-se pois a exploração do solo, tendo-se em vista que é para os resultados dessa exploração, quando racionalmente feita, e não para as receitas provenientes de rendas e foros, que deve orientar-se um diploma sobre concessões de terrenos coloniaes.

Por ultimo cumpre-me expor que no regime proposto sé fez assentar em bases de melhor e mais util applicação pratica o disposto no decreto de 30 de outubro de 1902, na parte referente á concessão de licenças para occupação de parcelas de terreno nas faixas marginaes reservadas da costa maritima, bahias, estuarios e margens de correntes navegaveis ou fluctuaveis.

Taes são, senhores, os esclarecimentos que julguei do meu dever prestar-vos neste relatorio acêrca do projecto de lei agora submettida ao vosso esclarecido exame.

PHOJECTO DE LEI

Artigo 1.° É approvado o regime provisorio para a concessão de terrenos do Estado na provincia de Moçambique, que faz parte integrante d'esta proposta.

Art. 2.° Fica o governo autorizado a modificar quaesquer disposições contidas no supracitado regime, sempre que a experiencia demonstre a indispensabilidade de taes modificações, devendo o mesmo governo dar opportunamente conta ás Côrtes do uso que fizer desta autorização.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 21 de abril de 1909. = O Deputado, Antonio Cabral.

Foi admittido e enviado ás commissões do ultramar, legislação civil e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.-r Se ha assunto digno de patriotica solicitude, é o engrandecimento da nossa marinha de guerra, herdeira de gloriosas tradições e destinada a desempenhar importantissima funcção na defesa da autonomia pátria e na conservação dos nossos dominios coloniaes.

Reconhecem todos a necessidadeda sua reconstituição, ainda á custa de pesados sacrificios, segundo um plano reflectidamente estudado, cuja realização é indispensavel para a valorização da nossa alliança tradiccional.

Seria inutil, fazer se porem, consideravel dispendio com a acquisição de navios, sem um arsenal modelar, em que encontrem meio de se abastecerem rapidamente e repararem com perfeição, e que não somente sirva de apoio á mobilização das nossas forças navaes, como possa, em caso de necessidade, prestar valiosos serviços aos navios da potencia nossa alliada.

Não ha país, por modesto que seja o seu poderio nos mares, ou o seu patrimonio colonial, que não ncceite de boamente os encargos inherentes ao estabelecimento e manutenção de arsenaes á altura da sua missão.

O mesmo nos cumpre fazer.

O recurso á industria particular, especializada nas grandes casas constructoras de navios, não dispensa arsenaes do Estado, dotados com pessoal e material indispensaveis, que se não improvisam no momento critico de acção naval e cujo trabalho é preciso aproveitar em tempo de paz. Embora se não pretenda construir nelle as grandes unidades de combate, não deve pois o nosso renunciar á construcção de navios, nem limitar-se aos trabalhos de reparação.

Por todos é reconhecida a insuficiencia do arsenal actual. Limitado quasi ás proporções que lhe foram dadas no meado do seculo XVIII, successivamente modificado para poder satisfazer, quanto possivel, as exigencias crescentes do fabrico e acompanhar as profundas transformações da architectura naval, enferma de taes defeitos e acha-se tão mal situado, que a sua remoção para melhor local se impõe como providencia inadiavel. Teem-se gasto centenares de contos de réis em obras que não lograram remediar defeitos insanaveis provenientes da má situação do arsenal, da exiguidade de espaço, da irregular disposição das officinas. Alem d'isso é inadmissivel que estabelecimento militar d'aquella ordem ;esteja encravado no centro do porto commercial, com a aggravante de estorvar a, melhoria das communicações da cidade na sua zona de mais activa circulação.

Não ha no Arsenal um dique de dimensões razoaveis e de funccionamento regular, e o que existe não poderia ser ampliado sem consideravel dispendio, não compensado pelos resultados que se obteriam. Faltam cães ou pontes abrigadas a que atraquem os navios em fabrico, forçados hoje a permanecerem no meio do rio, com enormes perdas de tempo na conducção quotidiana do pessoal que nelles trabalha. Não ha locaes apropriados para depositos de facil accesso e para abastecimentos.
A defeituosa situação das differentes officinas obrigam os materiaes a manobras inuteis nas diversas phases do fabrico. Não admira, pois, que á consideravel despesa feita não equivalham os resultados obtidos a despeito do zelo e competencia dos dirigentes.

Pelos meus antecessores teem sido ordenados desde 1889 varios estudos acêrca dos melhoramentos de que o Arsenal carece ou da sua transferencia para outro local. Evidenciaram elles a inadmissibilidade da conservação daquelle centro fabril nas condições em que se encontra, empecendo melhoramentos inadiaveis e inhibindo de assumir proporções convenientes e ordenamento methodico, mesmo á custa de grande dispendio. Seriam por isso condemnaveis obras de vulto destinadas a melhorá-lo.

Fixaram-se as attenções sobre differentes pontos nas margens do Tejo, chegando-se conclusão de que é em frente da Margueira e junto do terminus. fixado por lei para as linhas do sul e sueste que melhor se poderia installar sem excessiva despesa novo arsenal vasto e bem ordenado, e satisfazendo aos devidos requisitos technicos e militares.

Foi por mim commettido o exame do ante-projecto, cuidadosamente elaborado por um distincto engenheiro, a uma commissão de incontestavel competencia, que o julgou excellente para base do projecto definitivo COTO algumas modificações que o melhoram sem aggravar muito o custo.

Podem-se, computar em quantia não superior a 2:500 contos de réis os trabalhos precisos para a transferencia, do arsenal, havendo que effectuar em segunda étape obras de custo pouco superior áquelle, que, sem serem urgentes, fazem parte do plano adoptado.

Assente assim a base technica para um melhoramento de tão subido alcance, limitada a proporções acceitaveis a despesa por elle exigida, impõe-se a sua realização pelo recurso ao credito em condições compativeis com a situação do Thesouro.

A esse criterio obedece a presente proposta.

Uma annuidade de 280 contos de réis é sufficiente para os encargos do capital preciso. Dentro das verbas que actualmente figuram no orçamento dos serviços da mari

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nhã ha disponibilidades, umas por verbas que não teem sido applicadas, outras pelos consideraveis saldos que annualmente existem nas despesas previstas de pessoal e material. Dada a urgencia das obras planeadas, a importancia dos benéficos resultados que por ellas se alcançam e a possibilidade de adiar parte dos encargos a que dão logar, pareceu prudente prever uma operação de credito parcial e provisoria, a curto prazo, que habilite o Governo a emprehender os trabalhos planeados o mais depressa possivel.

Attende-se finalmente na proposta á execução de obras que teem intima connexão com as do novo arsenal e a assegurar o seu conveniente isolamento.

Trata-se, como vedes, de um acto de administração simples, mas de grandes resultados, que sem impor ao Thesouro onus incomportavel, resolve problemas instantes que ha muito se impõem á attenção dos poderes publicos.

Tanto basta para me incitar a submetter confiadamente ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É autorizado o Governo a proceder ás obras necessarias para o estabelecimento de um arsenal destinado á construcção e reparação de navios de guerra e deposito de todo o armamento do material naval, na margem esquerda do Tejo, junto da estação terminus das linhas do sul e sueste, na Margueira, transferindo para elle todos os serviços do actual arsenal, dando a este o destino conveniente e completando a avenida marginal do porto de Lisboa entre a Alfandega e o Caes do Sodré, com o que poderá dispender até a quantia de 0:000 contos de reis, em harmonia com as bases ánnexas á presente lei, que della ficam fazendo parte integrante.

Art. 2.-° Fica revogada a legislação em contrario.

Base 1.ª

As obras a que se refere á presente lei serão feitas por empreitada, segundo os projectos approvados pelo Governo, podendo ser executados por administração os que não convenha effectuar por aquelle processo.

A respectiva empreitada ou empreitadas poderão abranger a parte da estação terminus das linhas do sul e sueste destinada á grande velocidade, cabendo á Administração dos Caminhos de Ferro do Estado a quota parte dos encargos originados pela despesa para isso necessaria.

§ 1.° Para os effeitos da sua execução poderão as obras ser divididas em duas secções successivas, abrangendo a primeira os trabalhos indispensaveis para immediata installação desafogada e methodica dos serviços do arsenal, subordinados ao plano geral adoptado.

§ 2.° Logo que o adeantamento das obras o permitta proceder-se-ha á conclusão da avenida marginal da Lisboa ficando a cargo da administração do porto de Lisboa a quota parte dos encargos originados pela despesa para isso necessaria.

§ 3.° Não poderão os terrenos conquistados ao rio, junto do arsenal e da estação dos caminhos de ferro, ter qualquer applicação, sem previa autorização do Ministerio da Marinha.

Base 2.ª

O Governo poderá contrair um emprestimo até a importancia de 5:000 contos de réis, destinado ao custeio das obras, com juro não excedente a 5 1/2 por cento e amortização no prazo, maximo de sessenta annos, com a faculdade da emissão das obrigações por series successivas conforme as exigencias da execução gradual dos trabalhos.

§ 1.° Emquanto se não realizar o emprestimo autorizado poderá o Governo levantar da Caixa Geral de Depositos até 2.000:000$000 réis como supprimentos em conta corrente a juro não excedente a 5 1/2 por cento, para custeio das obras da primeira secção, devendo esse debito achar-se amortizado no prazo máximo de quinze annos.

§ 2,° A somma das quantias levantadas por supprimentos ou por emissão de obrigações não excederá o limite da autorização fixado na presente base.

Base 3.ª

Será inscrita no orçamento da despesa extraordinaria do Ministerio da Marinha e Ultramar, na gerencia de 1909-1910 e seguintes a quantia de 285:000$000 réis annuaes para dotação das obras do novo arsenal.

§ 1.° No fim de cada semestre será depositada metade dessa quantia na Caixa Geral de Depositos á ordem do Ministerio da Marinha para ser applicada ao custeio das obras depois do pagamento de juro e amortização do supprimento previsto na base 2.a, ou da entrega á Junta do Credito Publico das annuidades do emprestimo contraindo para esse fim.

§ 2.° Será eliminada do orçamento a verba de réis 165:391$500 descrita no capitulo 6.°, artigo 28.°, sob a rubrica encargos do material de defesa naval.

§ 3.° Encontrar-se-hão com a dotação prevista na presente base os saldos da liquidação da despesa de armamento naval em relação ás verbas respectivamente autorizadas no capitulo 2.°, artigos 6.°, 7.°, 8.° e y.°; capitulo 5.°, artigos 20.° e 21.° e capitulo 9.°, artigo 38.°, secção 1.ª e artigo 41.°

§ 4.° A Liga Naval entrará na Caixa Geral de Depositos com a quantia de 500$000 réis que terá de pagar annualmente ao Estado como compensação da cedencia de terrenos do actual arsenal para o edificio da sua sede, sendo essa quantia destinada ás obras do arsenal.

§ 5.° Darão igualmente entrada na Caixa Geral de Depositos com o mesmo destino as quantias provenientes da venda ou arrendamento de terrenos e aluguer de edificios do actual arsenal, que não forem necessarios para serviços publicos.

§ 6.° O encargo do material de defesa move-1 descrito no capitulo 2.°, artigo 8.°, da tabella de distribuição de despesas do Ministerio da Marinha, do anno economico de 1908-1909 na importancia de 165:391$500 réis é transferido e consignado á construcção do novo arsenal e dará entrada na Caixa Geral de Depositos para tal fim.

Sala das sessões, em 21 de abril de 1909. = O Deputado Antonio Cabral.
Foi admittido e enviado ás commissões de marinha, obras publicas e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Os cafes produzidos nas provincias ultramarinas e importados para consumo nas alfandegas da metropole, beneficiam do differencial de 50 por cento nos direitos de importação, como todos os outros productos de origem colonial portugueses, conforme o artigo. 18.° e seus paragraphos dos preliminares das pautas de 17 de junho de 1892.

Succede, porem, que se o tratamento pautal é igual, na o acontece o mesmo com o valor dos cafés de origem colonial importados para consumo na metropole, havendo uma sensivel differença entre os valores no mercado dos que tem classificação de 1.ª classe - de S. Thomé, de Cabo Verde e de Timor, cujos preços em media regulam de 4$500 a 5$000 réis os 15 kilogrammas, e os que se podem classificar de 2.ª classe, que são os provenientes da provincia de Angola, que regulam, em edia, ao preço de 1$800 a 2$000 réis os 15 kilogrammas.

Os cafés, de Angola não supportam, dada a sua sensivel depreciação, o direito de 1$350 réis, correspondente ao direito de 180 réis em kilogramma, com o differencial de 50 por cento, ou sejam 90 réis emkilogramma.

Affigura-se pois de equidade o que nesta medida se propõe, com o fim de collocar o cafedas divisas de Angola em melhores condições de concorrencia nos mercados da metropole, e ao mesmo tempo experimentar, se, facilitando a sua entrada nos mercados, se consegue alargar pelo ba-

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rateament, o consumo do café, que no total regula apenas por 3:000 toneladas por anno.

Tomando como base os preços meios dos cafe coloniaes nos mercados da metropole, 4$500 réis para os de 1ª classe e de 1$800 réis para os de 2.ª classe, verifica-se que os primeiros, pagando 1$350 réis pelos 15 kilogrammas, pagam realmente 30 por cento d'aquelle valor medio de 4$500 réis.

Estabelecida esta tarificação de 30 por cento sobre o valor dos cafes, cremos ter achado a formula de proteger rasoavelmente, e numa justa proporção, os cafes inferiores da provinda de Angola, que assim ficarão a pagar, dado o preço medio de 1$800 réis, os 15 kilogrammas 540 réis. Dada a hypothese dos primeiros attingirem o preço de 5$000 réis, ficariam ,a pagar 1$000 réis, sendo este pé que no aumento compensado pela correspondente supervalorisação, resultante das differenças cambiaes, que em regra determinam a alta das cotações nos preços do mercado nos cafés reexportados.

Na mesma hypothese, os cafés baixos de Angola, quando attingissem o preço de 2$000 réis, pagariam 600 réis, mas com análoga compensação.

Nesta ordem de ideias, temos a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O direito pautal, que actualmente incide sobre os cafes de producção das provincias ultramarinas, importados para consumo pelas alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes, passará a ser, a titulo provisorio e exclusivamente para esses cafés, de 30 por cento do valor médio das cotações dos mesmos cafés na Bolsa de Lisboa, no mês anterior ao despacho, não podendo, comtudo, os direitos liquidados ser inferiores a 1$350 réis os 15 kilogrammas para os cafés de S. Thomé e Principe, Cabo Verde, Timor e similares, e - de 540 réis por igual peso para os da provincia de Angola.

Art. 2.° O regime provisorio, estabelecido pelo artigo 1.° da presente proposta de lei, vigorará até 31 de dezembro de 1910, podendo o Governo, antes de findo esse prazo, prorogá-lo pura e simplesmente, ou modificá-lo conforme as circunstancias aconselhadas pela experiencia.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 21 de abril de 1909. = O Deputado, Antonio Cabral.

Foi enviado as commissões do ultramar, commercio e fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - O gado constitue uma das maiores riquezas das possessões portuguesas e sendo o melhor instrumento de exploração de muitas regiões, aquelle que o indigena melhor conhece e mais estima, é ao mesmo tempo um dos productos agricolas de maior expansão commercial. O seu consumo constantemente crescente offerece larga margem a todos os desenvolvimentos possiveis da producção.

Por toda a parte por isto se procura aumentar essa producção afoitamente. Todos os países coloniaes possuem hoje perfeitamente montados os serviços zootechnicos e veterinarios, á excepção do nosso. São modelares as installações do Cabo, do Transwaal, de Java e, a estabelecer-se neste momento, vão ser tambem notaveis as installações francesas na Senegambia. só em Portugal a criação do gado colonial tem sido abandonada até ao ponto de ter de sapperecido completamente, de algumas regiões ultramarinas no nosso dominio, o gado, especialmente o bovino. A criação de gado cavallar e muar é deficientissima ou nulla obrigando o Governo a importações despendiosas é repetidas.

A causa do nosso enfraquecimento pecuario colonial tem sido principalmente o desenvolvimento das terriveis epizootias que o desmazelo português tem deixado propagar á vontade. Os meios de luta contra estas epizootias e dos seus effeitos, são a defesa sanitaria com applicação em todas as colonias estrangeiras e o estabelecimento de nucleos de criação e de adaptação para supprir as faltas nevitaveis e garantir a immunidade futura das raças ine-horadas ou novas, ás quaes se procura dar maior resistencia e maiores faculdades de producção.

Na proposta junta procuramos apenas iniciar a organização de tão uteis serviços. Os processos de que procuramos servir-nos são os seguidos em toda a parte, já confirmados pelo exito de longa experiencia. Uma estação de mento para criação e adaptação, uma estação de estudo e ensaios de tratamento, as diligencias indispensaveis para recrutar pessoal habilitado, sem o qual todas essas instituições ficarão inteiramente estereis.

A despesa em que importará o inicio proposto, nem mesmo como experiencia poderá considerar-se caro.

A installação das duas estações postaes, aproveitando-se algumas installações já existentes não deve exceder 10 contos de réis.

O custeio das estações, incluindo pessoal, deve orçar por 12 contos, annualmente.

Só a inevitavel parcimonia, imposta pelas condições acanhadas do estado financeiro colonial, me impede de dar a estes serviços tão diminuta dotação.

Comecemos porem assim, modestamente, esperando que a experiencia, mostrando efectivamente a larga utilidade de taes serviços, justifique uma mais larga dotação.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o Governo autorizado a organizar os serviços zootechnicos e veterinarios nas provincias ultramarinas nos termos das bases seguintes, que ficam fazendo parte integrante da presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases que fazem parte integrante da carta de lei d'esta data

Base I

Os serviços zootechnicos teem por fim:

1.° Promover o desenvolvimento da população pecuaria no ultramar e o aperfeiçoamento das raças indigenas e a adaptação de raças estranhas ás nossas possessões;

2.° Estabelecer regimes de caça e de defesa das raças uteis selvagens, por forma a manter a exploração da fauna autochtona em termos de não exceder a possibilidade da sua reproducção natural, e sem prejuizo da exploração agricola e pecuaria;

3.° Installar e dirigir estações de criação animal e de adaptação onde for necessario estabelecê-las como nucleos de desenvolvimento das raças indigenas ou de implantação denovas raças.

Os serviços veterinarios teem por fim:

1.° Estabelecer a defesa sanitaria da população pecuaria nas possessões ultramarinas;

2.° Installar e dirigir estações de estudo e ensaios de tratamento das doenças que dizimam os gados no, ultramar;

3.° Installar e dirigir postos de tratamento e vacinação onde for conveniente para a debellação de epizootias e nos centros de grande produccão pecuaria;

4.° Tratar os gados pertencentes ao Estado, das estações de criação e adaptação, e, por tabella convencional, os gados pertencentes a particulares.

Tanto os serviços zootechnicos como os veterinarios dirigirão e organizarão a publicidade e propaganda indispensaveis á vulgarização de todos os preceitos uteis ao desenvolvimento da produccão pecuaria e da sua defesa sanitaria.

Base II

A secção de agricultura colonial criada pelo decreto de 25 de janeiro de 1906 passará a dcnominar-se secção de

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SESSÃO N.° 26 DE 23 DE ABRIL DE 1909 29

agronomia e veterinaria coloniaes, continuando as attribuições que já tem e tendo mais as que derivam dos serviços novamente criados.

Base III

Na provincia de Angola será criada uma estação de criação de gado cavallar, muar, bovino e caprino, para fornecimento de animaes reproductores.

O pessoal desta estação será o seguinte:

Um veterinario, que servirá de director;

Cinco tratadores europeus;

O pessoal indigena que for indispensavel.

Base IV

Na provincia de Angola será criada uma estação de estudo e ensaio de tratamento das doenças reinantes nas nossas possessões.

A mesma estação importará ou fabricará as vacinas e soros therapeuticos ou immunizantes applicaveis no ultramar e fará a sua distribuição e as respectivas instrucções do seu emprego.

O pessoal da estação será o seguinte:

1.° Um veterinario, director;

2.° Dois adjudantes europeus, devendo um ser pharmaceutico.

Base V

Os postos de tratamento serão estabelecidos, em cada provincia ultramarina, onde for conveniente, com o pessoal e organização que o governador respectivo propuser, sendo pagas pela provincia as despesas de installação e custeio.

Base VI

Igual organização dos serviços zootechnicos e veterinarios poderá ser criada em cada provincia, por proposta do respectivo, governador e todas, as despesas pagas pela provincia a que disser respeito.

O pessoal será o que for julgado indispensavel e admittido nos termos da base seguinte com os vencimentos na mesma base indicados.

Base VII

O Governo fará abrir concurso para admissão no ser viço ao ultramar de veterinarios nacionaes nos seguintes termos:

a) O concurso de admissão será documental, sendo documento indispensavel a carta do curso de veterinaria pelo Instituto de Agronomia e Veterinaria de Lisboa, e documentos a considerar juntamente com aquelle, certidão de serviços publicos prestados e quaesquer publicações que os candidatos tenham feito;

b) Um jury, composto por tres lentes da secção veterinaria do Instituto d.e Agronomia e Veterinaria e dois funccionarios da Direcção Geral do Ultramar, fará a classificação dos concorrentes.

O concurso será annualmente aberto e a classificação feita em conformidade com os documentos apresentados pelos novos candidatos e desistencias de nomeações dos antigos.

Os vencimentos serão os mesmos e nas mesmas condições dos agronomos, conforme o disposto na base IV do decreto de 20 de janeiro de 1906.

As nomeações serão feitas á medida das necessidades dos serviços que forem sendo organizados.

Base VIII

Logo que esta lei for publicada o Governo abrirá concurso para admissão de dois veterinarios, destinados ás estações a que se referem as bases IV e V, para irem fazer os indispensaveis estudos prévios, durante um semestre.

O concurso será documental e de provas oraes e praticas e feito perante a secção veterinaria do Instituto de

Agronomia e Veterinaria de Lisboa jutamente com os professores de ensino agricola colonial.

Quando não haja concorrentes nacionaes ou o jury não julgue idoneos os candidatos, o Governo poderá contratar pessoal estrangeiro de igual categoria.

Base IX

O Governo fará publicar os regulamentos indispensaveis á execução desta lei.
Sala das sessões, em 21 de abril de 1909. = O Deputado, Antonio Cabral.

Foi admittido e enviado ás comissões do ultramar e fazenda.

O Sr. Presidente: - Deviam realizar-se hoje diversos avisos previos, mas como não estão presentes senão os Srs. Ministros dos Negocios Estrangeiros e da Justiça, e a S. Exas. não estão annunciados avisos previos, vou dar a palavra aos Srs. Deputados que a pedirem para antes da ordem do dia.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (D. João de Alarcão): - Mando para a mesa uma proposta de lei approvando, para ser ratificada, a convenção telegraphica entre as colonias do Congo português e do Congo francês, assinada em Lisboa aos 11 de julho de 1908.

A publicar no "Diario do Governo" e ás commissões de obras publicas e negocios externos.

O Sr. Brito Camacho: - Diz que no interregno parlamentar recebeu um convite de lima especie de juiz do governo civil para ir ali prestar declarações e que, como se tratava meramente de um convite de pessoa que não conhece e feito sem nenhuns escrupulos de delicadeza, não o acceitou, mas que horas passadas, pela noite adeante, se lhe apresentou um empregado do governo civil dizendo que o tal juiz o mandava intimar para comparecer no dia seguinte no governo civil, a fim de prestar declarações. Respondeu-lhe que não tomava conhecimento da intimação, porque áquellas horas da noite não era obrigado a assinar a contra-fé.

No dia seguinte, o mesmo empregado, mandado pelo mesmo juiz, appareceu de novo para que lhe assinasse a intimação. Então declarou-lhe que os Deputados não eram obrigados a assinar essas intimações, e como tem zelo pelas suas prerogativas, recusou-se a assiná-la.

Esse juiz lembrou-se então de o processar. O processo foi remettido para a Boa Hora e desta para a mesa da Camara com o despacho do respectivo juiz em que dizia que não encontrava materia querelavel.

A situação de legislador e de iniciado criminoso por desobediencia não se casam bem, e como não se sente perfeitamente á sua vontade para desempenhar o seu logar de Deputado impendendo sobre elle o processo por desobediencia, pede á commissão de legislação criminal que não demore o seu parecer, a fim de que elle seja julgado nos termos da lei.

Já na outra casa do Parlamento essa mesma questão foi ventilada, porque esse mesmo juiz convidou um Digno Par a ir ao governo civil prestar declarações, e se o não processou fui porque esse Digno Par acceitou o convite.

Houve, porem, uma votação da Camara ha qual se assentou que esse juiz. não tinha direito de intimar os membros dos corpos legislativos, e elle, orador, o que deseja é que a commissão de legislação d'esta Camara dê o seu parecer para que se saiba a lei em que vivemos.

Aproveitando o estar no uso da, palavra, lembra que no começo da sessão legislativa finda apresentou dois projectos de lei que lhe parecia não deviam ser dos que são destinados a dormir nos archivos da commissão. Referem-se esses projectos ao juramento politico dos Deputados e ao subsidio aos Deputados.

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30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sempre que se offerece ensejo, todos manifestam sentimentos liberaes, todos são contra as ditaduras, mas ninguém se manifesta contra o procedimento das commissões, que é tudo quanto ha mais de ditadura, chegando até ás vezes o facto de não darem parecer a representar quasi uma cobardia moral.

O que é verdade é que, desde que a Camara admitte os projectos, as commissões não teem o direito de os rejeitar, e outra cousa não significa o facto de sobre elles não darem parecer.

Não vae agora reeditar as considerações que fez quando apresentou os projectos a que se referiu; simplesmente dirá, pelo que respeita ao juramento politico, que com elle não offendeu as crenças de ninguem e ainda que está disposto a acceitar quaesquer modificações no sentido de o tornar mais liberal, desde que essas modificações o não vão prejudicar na sua essencia. O que não lhe parece serio é obrigar Deputados a juramentos que elles immediatamente declaram que não cumprem. Isso é que deve offender os principios e as crenças de cada um.

Com respeito ao projecto que estabelece o subsidio aos Deputados, e por causa do qual ficou mal com os seus e com os contrarios, entende que a sua doutrina é mais do que liberal, porque é democratica.

Em todos os congressos socialistas, em todas as assembleias avançadas, ella é preconizada como boa.

Se não querem o restabelecimento do subsidio aos Deputados por motivos de ordem economica, porque não expurgam então o orçamento de todas as despesas inuteis que nelle figuram, e porque não fazem um melhor lançamento e distribuição dos impostos por forma a aumentar a receita? Se é por não o considerarem opportuno, então pergunta se essa opportunidade só virá quando os orçamentos se encerrarem.com saldo, o que é mesmo que dizer que não virá nunca.

Seja qual for, porem, o parecer da com missão sobre esse projecto, o que desejava era que elle viesse á discussão.

No Discurso da Coroa fala-se em assuntos economicos, financeiros e sociaes; da parte do Governo, como da parte da maioria, diz-se constantemente que é desses assuntos que a Camara deve de preferencia occupar-se, mas quando se apresenta um assunto essencialmente social, como é o projecto do Sr. Roboredo de Sampaio, esse projecto não logra parecer, apesar de ser instantemente pedido por esse Sr. Deputado. Rejeitem-no, se assim o entenderem, mas tragam no á discussão.

Terminando, pede á commissão de legislação criminal que dê com urgencia parecer sobre o processo por desobediencia que lhe moveram, e ás outras commisaões que dêem parecer sobre os projectos a que se referiu, promettendo desde já que, se assim o não fizerem, em todas as legislaturas em que tiver assento renovará a sua iniciativa.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Antonio Cabral, mandou para a mesa na sessão de quarta feira, juntamente com os projectos de lei, um relatorio que tinha tenção de apresentar quando Ministro da Marinha, pedindo para que seja publicado no Diario do Governo.

Consulto, portanto, a Camara sobre se consente a sua publicação.

Foi approvado.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: eu desejava dirigir-me aos Srs. Ministros da Marinha e das Obras Publicas, mas visto S. Exas. não estarem presentes, peço licença para, na sua ausencia, me referir a assuntos dessas duas pastas, que são principalmente reclamações em favor de povos ou localidades que teem direito a conseguir o que eu vou dizer, e pedindo a um dos illustres representantes do Governo que façam o favor de communicar, quer ao Sr. Ministro da Marinha, quer ao Sr. Ministro das Obras Publicas, as rapidas considerações que vou apresentar.

Desejo referir-me especialmente a um regulamento publicado ha pouco tempo ainda, a respeito da pesca na na de Aveiro. Esse regulamento veio prejudicar uma classe pobre d'aquella localidade, uma classe muito importante, ligada directamente á agricultura, para os trabalhos da qual fornece adubos.

Não quero examinar largamente esse regulamento, porque, se o fizesse, isso daria motivo a um novo discurso, que não desejo fazer. Por agora quero apenas chamar a attenção do Governo para o que nelle se continha, e digo que se continha, porquanto pouco tempo depois o Sr. Ministro da Marinha dessa opoca, Sr. Antonio Cabral, publicava um decreto alterando o que estava disposto nos artigos 15.° e 21.° d'esse regulamento.

Comprehendo perfeitamente o modo como se fazem, os regulamentos de pesca. O Sr. Ministro da Marinha d'essa epoca entregou a resolução da questão a quem conhecia de perto assuntos de pescarias, a quem importava resolver esses assuntos; mas comprehendo tambem que essas instancias foram ouvidas para satisfazer as reclamações relativas aos artigos 13.° e 21.° do regulamento da pesca na de Aveiro. Foi em virtude das reclamações que vieram dessa localidade que o Ministro da Marinha dessa época, Sr. Antonio Cabral, decretou a alteração das disposições dos artigos 13.° e 21.° No artigo 13.° prohibe-se a apanha dos moliços, isto é, das algas do fundo da ria, que são principalmente a riqueza de toda aquella região ribeirinha da na de Aveiro durante quatro meses, isto é, de maio a agosto.

É preciso notar que essa prohibição, agora, emquanto foi julgada effectiva, - que o não era, porque a fiscalização ha de ser sempre difficil naquella ria, como sabem todos que a conhecem, - representa uma grande violencia para uma classe pobrissima, que ha quatro meses se vê cohibida de trabalhar.

Sei que a resposta a isto é que, se assim se procedia, era em virtude de não ser prejudicada a industria da ria. Mas é certo tambem que, se assim fosse, se fosse esta a ultima palavra das instancias competentes, não se alteraria o prazo de quatro meses.

Succede, porem, que um mês depois, esso prazo foi alterado.

Pergunto agora se. não se pode com boa vontade, sem prejuizo para a na de Aveiro, reduzir aquellas ferias forçadas a dois meses.

É a reclamação que faço, e estou convencido que, com um pouco de benevolencia das respectivas commissões, talvez se possa obter esse beneficio a favor desta classe.

No artigo 21.° do mesmo regulamento havia uma disposição que me parecia das mais injustas pelas suas consequencias. Nesse artigo dizia-se que cada barco ficava obrigado a pagar uma licença de 3$000 réis, annualmente, para poder exercer a sua industria.

Ora, eu pergunto se era razoavel reduzir, por um lado, o trabalho ao menor numero de meses e, por outro lado, obrigar a pagar uma licença cuja importancia, para aquella gente, constituo um onus pesado.

Mas o Sr. Ministro da Marinha de então reconsiderou, e por certo reconsideraram as instancias superiores, em virtude das reclamações que vieram de lá no sentido de reduzir o mais possivel o custo d'esta licença, e assim veio um decreto que reduziu a 1$500 réis cada uma d'essas licenças.

Comtudo, eu desejava pedir ao Sr. Ministro da Marinha, por intermedio dos Srs. Ministros presentes, que esse imposto seja reduzido a zero.

Eu podia apresentar muitos argumentos para defender

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SESSÃO N.° 26 DE 23 DE ABRIL DE 1909 31

este meu pedido, mas quero referir-me apenas a dois ou a tres d'elles.

Devo dizer que cada um dos barcos que actualmente existem na ria de Aveiro pagou já uma matricula de 2$000 réis, e tem de pagar annualmente mais 2.60 réis para renovação d'essa matricula.

São quantias minimas, mas para aquella gente são muito importantes.

Eu recordo a V. Exa., se acaso se não lembra, que no momento em que se lançou este imposto, houve alterações de ordem publica em todas as freguesias, que podiam originar graves consequencias, mais serias do que aquella que houve. Appellou-se para a tolerancia da fiscalização a para a boa vontade de todos.

V. Exa. sabe como são as classes piscatorias, que não acceitam de bom grado um imposto como este, que representa de mais a mais um gravame.

Eu peço, portanto, que o Estado deixe de cobrar este imposto, que incide sobre uma industria pobrissima.

Peço, repito, que esse imposto, que começa a vigorar dentro de poucos dias, se annulle, porque pode trazer se rias consequencias e não traz nenhum proveito, para o Estado, que ha de gastar mais com a sua fiscalização do que recebe com a sua cobrança.

Outro assunto desejava tratar ainda e que se refere tambem á pasta das Obras Publicas e, se o respectivo Ministro estivesse presente, eu felicitá-lo-hia pela forma como procedeu com relação ás barcas automotoras da Torreira S. Exa., com uma hombridade digna de todo o louvor, attendeu as minhas reclamações, com tanto mais louvave empenho quanto é certo que não é muito vulgar attenderem-se as reclamações dos Deputados da opposição.

A Camara de Estarreja, como adjudicataria d'essa concessão, ficará recebendo annualmente uma verba de rei 1:200$000 a 1:400$000, que de outro modo iriam ter ás mãos de um particular, e isto vae favorecer os seus municipes.

Tambem de grande utilidade seria a construcção de um caminho de ferro que, partindo de Estarreja, fosse á Murtosa e á Bestida até a estação da Beira.

Outro assunto para que tambem desejo chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas é o que se refere á maneira como se está fazendo o exame de inglês no Instituto Industriar e Commercial de Lisboa. Consta-me que nessa aula estão matriculados 200 alumnos e não me parece que, nestas condições, se possa fazer esse ensino com vantagem, sendo tão avultado o numero de alumnos. Sendo assim, parecia-me que se devia dividir esse curso em dois.

Como ainda estou com a palavra, aproveito a occasião para me referir a uma reclamação que me foi feita pela Camara de Alfandega da Fé pedindo-me para instar junto do Sr. Ministro das Obras Publicas para que S. Exa. ordene, desde já a construcção de uma estrada que vá de Alfandega da Fé á estação de Grijo e traria enormes vantagens para os povos d'aquella região.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Conde de Castro e Solla): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao illustre Deputado que communicarei aos meus collegas da Marinha e Obras Publicas as considerações que S. Exa. fez, e ao mesmo tempo agradecer-lhe as palavras de justiça que S. Exa. dirigiu ao Sr. Ministro das Obras Publicas pelo cuidado, zelo e intelligencia com que S. Exa. dirige a sua pasta.

(O orador não reviu).

O Sr. Frederico Ramirez: - Mando para a mesa dois projectos de lei, um autorizando a Camara Municipal de Villa Real de Santo Antonio a despender até a quantia de 16 contos de réis com a construcçao dos paços do concelho, tribunal da comarca, etc., outro, estabelecendo que de futuro todas as vagas de officiaes dos governos civis, com excepção de Lisboa e Porto, sejam preenchidas em cada districto, alternadamente, uma pelo amanuense mais antigo do governo civil e outra por concurso, nos termos da lei vigente.

As respectivas commissões peço que dêem com urgencia parecer sobre estes projectos.

Sr.. Presidente: não farei considerações justificando, estes projectos, reservando-me para o fazer quando elles vierem á discussão. Mas desde já peço a V. Exa., Sr. Presidente, que inste corri as commissões a que elles forem presentes, para que lhes seja dado parecer com brevidade e principalmente sobre o que se refere ao circulo que represento.

Tenho dito.

Os projectos ficaram para segunda leitura.

(O orador não reviu).

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Mando para a mesa um projecto de lei autorizando a Camara Municipal de Castello Branco a poder contratar com a Companhia Geral de Credito Predial Português a prorogação, até sessenta annos, do tempo em que tem que pagar as respectivas annuidades, pelo seu fundo de viação.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Augusto de Castro: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que se constituiu a commissão do regimento, tendo escolhido para presidente o Sr. Deputado José Cabral e a mim para secretario. = Augusto de Castro.

Mando igualmente para a mesa a seguinte

Proposta

Em nome da commissão do regimento, proponho que a esta commissão sejam aggregados os seguintes Srs. Deputados: Arthur Montenegro, Francisco Joaquim Fernandes, João de Menezes e Adriano Anthero. = Augusto de Castro.

Foi approvada.

O Sr. EmygdiO Lino da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir a um assunto que corre pelo Ministerio do Reino, mas como não está presente o respectivo Ministro, peço a algum dos seus collegas o favor de transmittir as minhas considerações.

Tenho recebido muitos telegrammas e representações sobre um assunto importantissimo e que interessa sobremodo a Ilha Terceira. Refiro-me á epidemia da peste que ali grassa ha mais de um anno.

Nesses telegrammas pede-se que sejam attendidas as reclamações constantemente feitas, sobretudo as que dizem respeito ao isolamento.

Sabe-se que o Ministerio do Reino mandou reunir o conselho Superior de Saude Publica para ser ouvido sobre o assunto, e elle opinou que podia suspender-se o isolamento desde já.

Esta questão da peste tem sido muito importante sob varios aspectos.

Reinando ali a peste ha mais de um anno, tem sido tão mal orientados os serviços, e tão erradas as Instrucções mandadas, que realmente- é lamentavel que em assunto de anta gravidade se tenha procedido de uma maneira tão leviana.

Ao principio, quando a peste ali começou, levantou-se quasi toda a Camara pedindo providencias energicas e immediatas, sendo até o illustre Deputado Sr. Brito Camacho quem mais tratou do assunto.

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32 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente:-Previno o illustre Deputado que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. Apesar de todas essas reclamações, houve tal orientação nas ordens dadas que a epidemia, longe de se circunscrever e limitar-se a um prazo minimo, como seria de suppor se fossem cumpridas medidas profilaticas, ao contrario alastrou e dura ha mais de um anno. Agora que não tem havido caso algum, pede-se que se levante o isolamento á Ilha Terceira.

Eu não venho aqui dizer tudo quanto se passou - por que isso levaria immenso tempo - a proposito de hospitaes que custaram muito dinheiro, de transportes de doentes através grandes distancias da cidade e a proposito de varias outras cousas.

Simplesmente quero accentuar que se fez o que se não devia fazer.

Devia ter-se começado pela extincção dos roedores, o que não se praticou senão no final, constituindo-se então uma liga contra os ratos.

Quero frisar este ponto para chamar a attenção do Governo para as reclamações correspondentes a esse assunto.

Essa liga contra os ratos é constituida por particulares. Pediram ao Governo para auxiliar os seus intuitos na destruição dos ratos, que são, como se sabe, o principal vehiculo da peste, a fim de o Governo concorrer com parte da verba destinada a pagar á coimnissao medica.

Não sei se o Governo já recebeu alguma communicação sobre tal assunto, e no caso contrario peço ao Sr. Ministro do Reino que attenda esse pedido, que é justo e racional.

Outra questão, que se liga tambem com a peste, é a do encerramento dos portos do Funchal e Ponta Delgada ás procedencias de Angra.

A lei que regula essa questão é o artigo 6.° do Boletim de Serviços Sanitarios, e esse artigo, que vou ler, oppõe-se como se vê a esta medida.

(O orador lê o respectivo artigo).

É exactamente neste caso que está comprehendido o vapor que faz a carreira official de Lisboa para os Açores, e a lei preceitua que para paquetes nestas condições se não pode prohibir a communicação entre portos de 1.ª classe.

Lá se encontram esses portos de 1.ª classe, os quaes custaram muito dinheiro, mantidos segundo as ultimas indicações da sciencia, com empregados que são muito bem pagos, com apparellios de primeira ordem, desinfectadores e outro pessoal que está annexo a um estabelecimento desta- ordem.

Só o de Angra custou 46:000$000 réis, e facilmente se calcula quanto custou o de Ponta Delgada.

Ha um anno e tanto que tal communicação se não faz. Isto é illegal, como V. Exa. e a Camara acabam de ver; é arbitrario, e peço ao Governo que tome este facto em consideração.

Os prejuizos orçam, para a Ilha Terceira, por réis 300:000$000.

Isto traz os espiritos sobresaltados, porque aquelles povos não se podem conformar com taes deliberações.

Representam um caso muito complicado as disposições do Conselho Superior de Saude Publica sobre experiencias, feitas recentemente. Os relatorios enviados pelo Sr. Sousa Junior são concludentissimos.

Não sei se o Governo já deu instrucções para que se levante essa prohibição, que está prejudicando a exportação dos productos d'aquellas ilhas, que é muito importante, como é sabido.

Sr. Presidente: estes são os pontos para que principalmente desejava chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino.

Não vejo presente o Sr. Ministro das Obras Publicas, mas aproveito a occasião de estar com a palavra para pedir a S. Exa. que attenda tambem a uma representação da Ilha Terceira, relativamente ao molhe-caes.

A orientação que se deu á construcção alterou o plano primitivo, que era o que estava no projecto, e modificando-se essa direcção, corre-se o grave risco de não servir para nada o que primitivamente estava orientado.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Moreira de Almeida: - Requeiro a contagem dos Sra. Deputados.

Procedeu se á contagem.

O Sr. Presidente: - Estão na sala 56 Srs. Deputados, e portanto, ha numero sufficiente para a Camara poder funccionar.

O Sr. Pereira dos Santos: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado a vir á mesa declarar qual o assunto do negocio urgente para que pediu a palavra.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - O negocio urgente para que o Sr. Pereira dos Santos pediu a palavra é o seguinte:

Desejo chamar a attenção da Camara acêrca da legalidade do tratado celebrado com o Transvaal, visto haver agora verdadeira opportunidade para tratar este momentoso assunto. = Pereira aos Santos.

Foi rejeitada a urgencia.

O Sr. Claro da Ricca: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que se digne insistir pela remessa, a esta Camara, dos documentos que de ha muito requeri pelo Ministerio da Fazenda e de que careço para tratar com urgencia da situação financeira do país. = O Deputado, Claro da Ricca.

Mandou-se expedir.

O Sr. José Ribeiro da Cunha: - Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que me sejam enviados, com urgencia, pelo Ministerio do Reino, os seguintes documentos:

1.° Toda a correspondencia trocada entre o governador civil substituto do Funchal e o Ministerio do Reino, sobre a doença de caracter suspeito que grassou naquella cidade durante os meses de novembro e dezembro de 1905 e janeiro de 1906;

2.° Relatorio apresentado pelo Sr. Soares Branco durante a sua gerencia como governador civil da Madeira. = O Deputado, José Ribeiro da Cunha.

Mandou-se expedir

O Sr. Presidente: -Devia entrar-se agora na ordem do dia, que é a discussão do projecto n.° 3 que trata da fixação da força do exercito no anno economico de 1909-1910, mas como não está presente o Sr. Ministro da Guerra, interrompo a sessão até que S. Exa. venha a esta Camara. Está interrompida a sessão.

Eram 4 horas e 5 minutos da tarde.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 3, que fixa a força do exercito para o anno economico de I909-1910.

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SESSÃO N.° 26 DE 23 DE ABRIL DE 1909 33

PROJECTO DE LEI N.° 3

Senhores. - As vossas commissões de guerra e administração publica foi presente a proposta de lei apresentada á Camara pelo Governo fixando a força do exercito em pé de paz, para o anno economico de 1909-1910, em 30:000 praças de pret de todas as armas e autorizando-se o licenseamento, nos termos da legislação em vigor, de toda a força que puder ser dispensada, sem prejuizo do serviço e da instrucção militar.

As referidas commissões concordam com as disposições dessa proposta de lei e por isso entendem que esta deve ser transformada no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1909-1910 em 30:000 praças de pret de todas as armas.

§ unico. Será licenceada nos termos da legislação em vigor toda a força que puder ser dispensada sem prejuizo do serviço e da instrucção militar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 22 de março de 1909. = Mathias Nunes = Conde de Penha Garcia = A. Rodrigues Ribeiro = Francisco Xavier Correia Mendes = A. R. Nogueira = João Soares Branco = M. de Sousa Acides = Paulo Cancella = Antonio A. Pereira Cardo só = Ernesto de Vasconcellos = João Henrique Ulrich = José Maria de Oliveira Simões = José Joaquim da Situa Amado = D. G. Roboredo de Sampaio e Mello = Lourenço Cayolla.

N.º 2-B

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1909-1910 em 30:000 praças de pret de todas as armas.

§ unico. Será licenceada nos termos da legislação em vigor toda a força que puder ser dispensada sem prejuizo do serviço e da instrucção militar.

Art.. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 17 de março de 1909.=Sebastião Custodio de Sousa Telles.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Archer da Silva: - Sr. Presidente, está em discussão o projecto n.° 3 que fixa a força do exercito para o anho economico de 1909-1910.

Permitta-me V. Exa. que lhe declare que me parece que este projecto não podia entrar hoje em discussão.

O Sr. Presidente: - Não sei se as palavras de S. Exa. representam ou não uma censura á mesa. Em minha consciencia, tenho procedido como sempre procederam os meus illustres antecessores na Presidencia.

O Orador: - Eu explico as minhas palavras.

Estava eu dizendo que me parecia que não podia entrar hoje em discussão o projecto n.° 3 que fixa a força do exercito, porque o artigo 98.° do regimento diz que os pareceres das commissões devem ser impressos no Diario das Camaras, e que só passados 48 horas poderão ser dados para ordem do dia.

Ora, pergunto a V. Ex.a, e appello para a sua consciencia: qual é o numero do Diario das Camaras em que vêm publicado este projecto? Appello para a sua consciencia e V. Exa. resolverá a questão como entender.

O Sr. Presidente: - Vou mandar procurar o Diario da Camara. Entretanto, vou responder a V. Exa. Os trabalhos na Imprensa Nacional não podem fazer-se a tempo de serem impressos todos os pareceres no Diario das Sessões; e tem sido corrente que depois de distribuidos impressos, os pareceres possam entrar em discussão.

Se estivessemos á espera de que os pareceres fossem publicados no Diario das Sessões, estariamos um, dois e tres meses sem fazer cousa alguma, não sendo possivel regular os trabalhos d'esta Camara.

É sempre assim que se tem feito e não ha maneira de proceder de outro modo.

Se a Camara, no entanto, entender que o projecto deve ser retirado da discussão, eu retiro-o.

O Sr. Archer da Silva: - V. Exa. Sr. Presidente, quando pela primeira vez falou nessa cadeira, disse que cumpriria sempre o regimento e sempre que qualquer Deputado reclamasse, para ser cumprido o regimento, V. Exa. o cumpriria.

Ora eu appello para V. Exa. para que veja se acha ou não acha que está procedendo contra o artigo 98.° do regimento?

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Já declarei a V. Exa. que, effectivamente, a letra do regimento neste caso não foi observada, - nem nunca o foi, pela razão superior é muito clara de que o não podia ser. (Apoiados).

Em minha consciencia, eu procedo com a correcção com que procederam todos os Presidentes d'esta Camara. Se neste ponto observassemos o regimento, teriamos de fechar o Parlamento.

A todos tem parecido que, procedendo assim, procedemos bem, visto que não houve ainda reclamação alguma por parte de qualquer membro da Camara.

Está, pois, liquidado o incidente. (Apoiados).

(O Sr. Presidente não reviu).

O Sr. Brito Camacho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro á contagem. = Brito Camacho.

Procede-se á contagem.

O Sr. Presidente: - Estão presentes somente 38 Srs. Deputados, numero insufficiente para a sessão continuar.

A ordem do dia para amanhã, 24, será a mesma que vinha dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 25 minutos da tarde.

Documento mandado para a mesa nesta sessão

Proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros

Proposta de lei n.° 5-D

Senhores. - A fim de facilitar as relações telegraphicas entre o nosso districto do Congo e a vizinha colonia do Congo francês, foi em julho de 1908 assinada em Lisboa a Convenção que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame.

A principal conveniencia do presente ajuste consiste em nos proporcionar communicações directas pelo cabo submarino com a circunscrição de Cabinda, territorio encravado entre o Congo, francês e o belga. E, parecendo-me que nenhuma duvida poderão suscitar as clausulas negociadas entre as competentes administrações portuguesa e francesa, clausulas a que servirão de subsidio ou complemento as da Convenção de S. Petersburgo, da qual somos signatarios, juntamente com a França e outros países, espero vos digneis approvar a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada, a Convenção telegraphica entre as colonias do Congo português e

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34 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

do Congo francês, assinada em Lisboa, aos 11 de julho de 1908.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, em 23 de abril de 1909. = D. João de Alarcão Velasques, Sarmento Osorio.

Convenção telegraphica entre as colonias do Congo português e do Congo francês

O Governo de Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves e o Governo da Republica Francesa, desejando facilitar as relações telegraphicas entre o Congo português e o Congo francês, convieram no seguinte:

ARTIGO I

Estabelecer-se-ha uma communicação telegraphica por linhas terrestres entre as estacões de, Massabi (Congo francês) e de Chissambo (Congo português) a fim de assegurar a troca de correspondencias entre as duas colonias. Mediante acordo administrativo se poderão estabelecer outras communicações entre as redes telegraphicas d'estas colonias.

ARTIGO II

Cada colonia conservará em bom estado e fará inspeccionar á sua custa a secção de linha estabelecida no seu territorio.

ARTIGO III

Os postos fronteiriços que devem communicar entre si, para a troca de telegrammas pelas linhas terrestres, a que se referem os artigos precedentes, são Massabi (Congo francês) e Chissambo (Congo português).

Estes postos poderão ser substituidos por outros, mediante simples acordo administrativo.

No serviço de que se trata será empregado o apparelho Morse.

O systema de apparelhos poderá comtudo ser modificado, mediante simples acordo administrativo.

ARTIGO IV

As horas de serviço das estacões de Massabi e de Chissambo serão as seguintes:

Dias ordinarios: das sete ás dez horas e meia da manhã, e das duas ás cinco horas da tarde.

Domingos e dias feriados: das sete ás dez horas e meia da manhã, e das quatro ás cinco horas da tarde.

Este tempo de serviço poderá ser prolongado mediante simples acordo administrativo, conforme as necessidades occorrentes.

ARTIGO V

Cada uma das duas administrações fará conhecer á outra os nomes das estacões abertas no respectivo territorio ao serviço internacional, quer official quer particular.

ARTIGO VI

As duas administrações informar-se-hão reciprocamente, por via telegraphica, das interrupções e restabelecimentos das linhas.

ARTIGO VII

A taxa dos telegrammas originarios da colonia do Congo português com destino ao Congo francês, e reciprocamente, é fixada em 25 centimos por palavra sendo de um franco o minimo da quantia a cobrar.

A taxa dos telegrammas de imprensa é metade da ordinaria, mantendo-se porem para a cobrança o minimo acima fixado.

As correspondencias a que se refere o presente artigo serão submettidas aos preceitos do regime extra-europeu.

A repartição das taxas cobradas effectuar-se-ha sobre as seguintes bases:

Para os telegrammas ordinarios:

Congo francês: 15 centimos por palavra;

Congo português: 10 centimos por palavra;

Para os telegrammas de imprensa:

Congo francês: 7 e meio centimos por palavra; Congo português: 5 centimos por palavra.

ARTIGO VIII

Tratando-se de telegrammas em transito pelas linhas do Congo português, a taxa terminal do Congo francês para os telegrammas originarios d'esta colonia ou a ella destinados é fixada em 20 e em 10 centimos porpalavra, segundo os telegrammas forem ordinarios ou de imprensa. São applicaveis a estas correspondencias as regras do regime extra-europeu.
ARTIGO IX

A taxa de transito do Congo francês para os telegrammas ordinarios transmittidos pelas linhas terrestres desta colonia é fixada em 20 centimos, e para os telegrammas de imprensa em 10 centimos por palavra.

São applicaveis a estas correspondencias as regras do regime extra-europeu.

ARTIGO X

A taxa terminal do Congo português para os telegrammas ordinarios, ou sejam originarios desta colonia ou a ella destinados, transmittidos pelas linhas do Congo francês, é fixada em 20 centimos, e para os telegrammas de imprensa em 10 centimos. por palavra.

São applicaveis a estas correspondencias as regras do regime extra-europeu.

ARTIGO XI

A taxa de transito do Congo português para os telegrammas que transitarem pelas linhas desta colonia, utilizando as do Congo francês, é fixada em 10 e em 5 centimos por palavra, segundo os telegrammas forem ordinarios ou de imprensa.

São applicaveis a estas correspondencias as regras do regime extra-europeu.

ARTIGO XII

As taxas previstas nos precedentes artigos VII, VIII, IX, X e XI, a respeito de telegrammas ordinarios, serão reduzidas de 50 por cento a favor dos telegrammas officiaes dos Governos francês e português.

ARTIGO XIII

No conjunto do serviço applicarão as duas colonias as disposições da Convenção de S. Petersburgo e do Regulamento telegraphico internacional annexo á dita Convenção e revisto em Londres em 1903, ou as disposições de qualquer outro acto internacional pelo qual o mesmo Regulamento for ulteriormente modificado, emquanto não contrariarem o presente Acordo.

ARTIGO XIV

A presente Convenção será ratificada e as respectivas ratificações trocadas o mais breve possivel. Entrará em execução a datar da época que for fixada por acordo entre as duas administrações; e permanecerá em vigor por tempo indeterminado, e até a expiração de um anno a contar do dia em que a sua denunciação for notificada por uma á outra das duas Partes contratantes

Em firmeza do que os Plenipotenciarios respectivos assinaram a presente Convenção e lhe appuseram os seus sinetes.

Feito em duplicado, em Lisboa, aos 11 de julho de mil novecentos e oito.

(L. S.) Wesceslau de Sousa Pereira Lima.

(L. S.) G. Saint René Taillandier.

Está conforme. - 1.ª Repartição da Direcção Geral dos Negocios Commerciaes e Consulares, aos 20 de abril de 1909. = A. F. Rodrigues Lima.

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