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lutamente inedita e insolita! Pois o que é a resposta ao discurso da corôa senão uma questão politica, o que foi sempre quando d'ella se fez questão?

Nos tempos, de que s. ex.ª fez a historia, professava-se uma doutrina mais commoda. Dizia-se: «é um mero cumprimento, não discutamos cumprimentos». Afastava se a questão politica, e ficava para as differentes especialidades o tratar cada assumpto sobre sr. Agora porém quem abriu o debate, quem o guiou, quem o conduziu? Quem n'este caso costuma faze-lo? A opposição, não o governo. O governo esperou, e esperou no seu posto. Não podia nem de via deixar de esperar.

O thema, o ponto de ataque havia sido muito antes preparado, escolhido, designado pela propria opposição; os seus orgãos mais auctorisados tinham ameaçado o governo e a maioria com essa aggressão de que dispozeram todos os meios. Perante uma formal ameaça ha quem recue, e se occulte, e evite o combate? Póde faze-lo quem quizer; não eu, não o governo, não a maioria d'esta casa (muitos apoiados).

Lançastes a luva e não querieis que os vossos adversarios a tivessem levantado! E logo mostrarei que a levantámos como deviamos, não nos termos que censurastes, mas nos mais convenientes e medidos.

Como havia de o governo guardar silencio sobre a operação do emprestimo no discurso da corôa? Se o fizesse, diríeis vós de certo, e diríeis com rasão, e o paiz havia de achar vos muito mais justiça para a censura, diríeis então: «recusastes o combate, porque vós temíeis d'elle!» (Apoiados.)

Qualquer adiamento de tal questão seria um justo motivo de suspeita, e seguramente o faríeis valer. Isso nos aconselháveis e isso nos exigíeis! N'isso fazíeis consistir a gravidade e a dignidade, vós que tanto de gravidade e dignidade nos fallaes! Agradecemos a indicação, mas não a seguimos!

«Porque vos não guardastes para o exame da questão de fazenda?» acrescentaes. Pois uma simples operação de credito é toda a questão de fazenda? Naturalmente porque não sou financeiro, causou-me singular estranheza ouvir similhante proposição a um illustre deputado, que foi ministro da fazenda, e que o foi por tanto tempo.

«Não tinheis logar mais apropriado ao exame da questão de fazenda quando se tratasse d'ella?» insiste-se. Tratou-se acaso até agora d'essa questão de fazenda? repetirei. Tratou-se apenas de uma operação de credito, só d'isso, exclusivamente d'isso. Mas uma operação de credito a respeito da qual se tinham diffundido boatos, espalhado suspeitas, intimado ameaças; a respeito da qual se havia feito correr as mais sinistras vozes; a respeito da qual emfim estava por vós solemnemente reptado o governo. E vós mesmos nos reprehendeis que não nos dissimulassemos, ou não nos retirassemos da liça! Fa-lo-ieis vós? Entenderíeis assim a gravidade e a dignidade? Não posso, não devo credo. Convinha talvez á vossa politica. Não convem, nem ao decoro do governo, nem ao decoro d'esta casa (apoiados).

Se alguma cousa fosse necessario ainda para demonstrar as excellencias do systema representativo, estava as certificando este debate. A reunião dos representantes do paiz é com effeito mais um penhor de paz do que um signal de guerra, como pensam muitos. N'esta luta incruenta e pacifica as coleras apparentes cedem o logar aos sentimentos da justiça. A maior parte dos rumores, dicterios, invenções e novellas com que se alimenta a credulidade ou se promove a inquietação, felizmente nem chegam a transpor aquellas portas. Vê isto o povo, e aprende a conhecer a significação de taes phantasias. Muitas questões aqui se illustram, muitas aqui se reduzem ao seu verdadeiro valor. Muitos vulto temerosos aqui se esvaem em bem tenues realidades. As prevenções partidarias, engrossadas, excitadas pela voz das paixões ou dos interessei, aqui se attenuam por mais que as estimulem. Aqui perdem as accusações violentas o maior da sua efficacia. Aqui finalmente aprendemos a conhecer-nos e estimar-nos uns aos outros; não como nos fazem apparecer em objurgatorias funestas (funestas direi, e não é excessivo o termo), que se fossem verdadeiras fariam d'este paiz um antro de feras; não como nos desenham em accusações pueris á força de lhes faltar a base; mas taes quaes somos, taes quaes nos encontrâmos.

E quanto a excitar paixões, bom é certamente que tal se não faça n'esta casa; mas é igualmente bom que não se excitem por nenhum outro meio; é bom que não se passe um anno a provoca-las, a irrita-las, porque haverá mais força e auctoridade em quem no fim vier dizer: «não as exciteis agora» (apoiados). Res, non verba!

Res, non verba! Thema foi este invocado e largamente analysado pelo illustre orador. Com rasão, com muita rasão, que merece e precisa muitos commentarios. Res, non verba! É o mais vasto programma que se tem feito, e é tambem menos seguido e observado (apoiados). Res, non verba! Examinaremos logo, á luz d'esse facho levado ás obscuridades da historia, o que foi d'ella exhumado. Faremos o inventario do que lá dentro apparece.

O illustre deputado, o sr. Carlos Bento, que por fortuna vejo presente, exerceu a sua veia festivamente satyrica (e quando digo festivamente, digo tambem innocentemente) sobre o que chamou lyrismo encomiastico de um orador da maioria, respeitavel pelos seus talentos, respeitavel pelo seu caracter, respeitabilissimo pelas suas convicções, que teve a audacia de não achar este o peior de todos os gabinetes, e de julgar que os ministros de que se compõe têem feito alguma cousa (apoiados). O que não terá dito agora para si a musa jovial de s. ex.ª observando... não se lhe poderá chamar só lyrismo... observando a glorificação dos seus proprios actos feita em tres sessões pelo eminente orador a quem respondo! Em tres sessões, disse. Ia quasi dizendo em tres actos (riso) com as saudades e as memorias do meu antigo e presado officio litterario.

Não é já um homem de crenças illustradas e firmes que diz: «creio em outros homens; posso estar em erro, que sou homem tambem, mas creio...» e todos sabemos que, se tal affirma, é porque na verdade crê... Por minha parte, prestando a homenagem devida á candura e á integridade do joven e esperançoso — mais do que esperançoso, prestantissimo — orador da maioria e da commissão, pela minha parte attribuo a extrema benevolencia sua, e supponho esta demasiada para comigo, o que a meu respeito se dignou mencionar... Não é já, dizia, um homem, louvando outros homens, acto que parece extravagante. É um orador, revendo-se em si mesmo, festejando-se e encarecendo se do alto da tribuna! Em que basto chuveiro de epigrammas se não terá interiormente desatado a inspiração familiar do nobre deputado o sr. Carlos Bento, perante este mais que lyrismo!

Mas se o motejo chronico acha ahi que reprehender, eu não. Reconheço que tem o illustre orador, que me precedeu, muito de que possa tirar justo orgulho. Tem a iniciativa que exerceu, tem o impulso que deu a muitas cousas. Recordou-me s. ex.ª que eu tinha feito opposição aos seus actos e á situação politica que representa. E verdade, a muitos; e sem diminuir a minha consideração pessoal, persisto em reputar menos conveniente o modo por que os negocios publicos foram então conduzidos. Mas essa opposição não era preciso que m'a recordasse. Assás me deve ella lembrar. Não a esqueci, e tanto que por essa causa fui demittido... em nome da tolerancia. Fui demittido, sem ser empregado de confiança, por ter a ousadia de fazer opposição! Nada influiu isso todavia no meu animo...

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Peço perdão; quando v. ex.ª foi demittido era ministro o sr. duque de Loulé, não era eu.

O Orador: — Não podia demittir-me o sr. duque de Loulé, que não era ministro do reino, e a bibliotheca nacional de que fui demittido pertencia ao ministerio do reino. Não me demittiu o illustre orador, nem eu lh'o attribui. Demittiu-me a situação que representa, em nome da tolerancia que exaltou. Engana-se s. ex.ª no ministerio, como se equivocou em algumas datas, umas remotas, outras muito proximas (apoiados).

Fui demittido, como dizia, e isto é apenas um incidente; mas não conservo nenhuma especie de indisposição, nem de resentimento. Não me inspirei d'esse acto para censurar o que só á luz da analyse condemnava. Não me queixei sequer. Não haveria fallado em tal, se não tivesse havido então um jornal que, depois de me haverem já demittido, combatia os meus escriptos escrevendo esta liberal argumentação: «pois estaes vivendo á custa do orçamento, e atreveis-vos a levantar a voz contra o governo?» Fui assim obrigado a fazer publico o acto demissorio que provava a injustiça da aggressão, e tornei a ser injuriado por isso. «Queixaes-vos porque querieis comer!» Tal foi a phrase amavel e o raciocinio concludente com que se justificou a imputação infundada. Superior stabat lupus! Discutia e tratava os seus adversarios com esta benevolencia a regeneração triumphante!

Fiz opposição franca, e muitos que a principio davam auxilio valioso aquella situação, successivamente desenganados, se fizeram opposição tambem. Fiz opposição, e justificaram essa opposição as mil difficuldades, que s. ex.ª mesmo confessou, e que provieram, não d'essa opposição como as que actualmente se suscitam, mas de erros originarios, cuja responsabilidade a alguem pertenceu (apoiados).

Bem que de leve, faço muito a meu pesar estas excursões retrospectivas. Se me força a intimação sempre presente: «respondei exactamente nos termos em que se apresenta a questão!» Ao retrospecto só póde responder o retrospecto. São «os proprios termos» da questão. Continuo pois, conciliador mas verdadeiro!

E tal o pruido e o desejo que o illustre deputado tem de arguir os actuaes ministros por tudo e a proposito de tudo, que ainda hontem, ouvindo algum murmurio (creio que dos seus amigos que atrás de s. ex.ª conversavam), n'um rasgo de enthusiasmo bradou para nós, ministros, tranquillos e immoveis nos nossos logares: «ah! não quereis escutar? é porque vos não faz conta ouvir: trataes já de nos tolher a palavra!» E esta exclamação prorompia no fim de cinco dias e de tres sessões em que s. ex.ª usou da palavra (apoiados). «Não quereis escutar!» E a camara estava escutando, e tinha escutado com exemplar e pacientissimo silencio! (Apoiados.) «Não quereis escutar? pois haveis de ouvir!» Queremos ouvir, sim; comtanto que nos deixeis responder. Queremos ouvir tudo; mas queremos que não se desfigure nada, ou pelo menos que não nos seja extranhada a liberdade de repor os factos na sua exactidão, (apoiados). Queremos ouvir, comtanto que na hora de acudir por nós, não nos atalhem cautelosamente a palavra com essa especiosa intimação: «não exciteis as paixões, não irriteis os animos, porque as paixões excitam-se, os animos irritam-se sempre que fallaes do passado, deste passado, propriedade nossa, exclusivo nosso, em que mais ninguem póde bulir!»

Queremos ouvir tudo, queremos condescender em tudo. Só não podemos concordar na nossa mudez; só não podemos consentir que se cite imperfeitamente o passado. Quando se lê apenas meia historia, pertence aquelles, contra quem se quer voltar a historia assim interpretada, ler a outra metade. Não é historia sincera metade da historia; e espero demonstrar que só foi lida meia historia, naturalmente porque ss. ex.ªs lhe voltaram as costas, ou a tomaram de revez. Queremos que nos seja permittido ler a metade que não lestes. Nada mais justo, creio. É um direito perfeitamente igual. E se a vossa metade póde ser evocada sem irritar os animos, nem excitar as paixões, porque o não ha de ser a nossa?

Como e porque daes por cerceadas as larguezas da tribuna! Assistiam todos hontem á opportuna applicação d'este fulminante argumento (apoiados). Cerceadas as larguezas da tribuna contra um orador, que tinha fallado tres dias, e que não fallou oito porque não quiz. (apoiados). Cerceadas as larguezas da tribuna quando o anno passado levou quasi um mez a discussão da resposta ao discurso da corôa! (Apoiados). Cerceadas as larguezas da tribuna, onde e quando a diffusão da palavra é vicio predominante! Quando houve mais largueza? Quando a discussão politica do discurso da corôa se reduzia a uma formalidade de etiqueta! E citou-se com a mesma feliz opportunidade o exemplo de um grande paiz, que aspira a maior liberdade, no qual um só orador n'um só discurso trata uma d'essas questões importantissimas que podem agitar o mundo, sem ponderar que o mesmo acontece na poderosa nação onde as praticas parlamentares são mais antigas e a tribuna é mais respeitada!

Vociferar os logares communs de pathetica objurgação contra as tyrannias ao cabo de um curso completo de historia retrospectiva, não podia ser mais a proposito na verdade! Admiro sinceramente em s. ex.ª a fluência da palavra; admiro-lhe a deducção das idéas, a correcção da phrase, a alteza dos conceitos; admiro-lhe a erudição e tacto politico. Tudo isto admiro em summo grau; mas admiro ainda mais a confiança que mostra no esquecimento publico (muitos apoiados).

Apresentou-se todavia s. ex.ª n'uma posição definida. Tanto melhor; são as posições definidas as que eu prefiro. Definindo essa posição, suppoz o ministerio n'outra igual. Tambem se não enganou, porque o está. Prosigo respondendo nos proprios termos. D'este lado um partido; d'esse outro. O gabinete á frente d'aquelle, emquanto merecer a sua confiança. Eis já uma das condições da solidariedade. E o gabinete responde pelos seus actos, como constitucionalmente se costuma responder; e por esse modo só; não obedecendo á voz e á intimação dos seus contendores. S. ex.ª se estivesse n'este logar não seguia outra doutrina, aliás todo o gabinete seria ephemero. Tomaria conta um dia dos negocios publicos. No seguinte, os seus adversarios, e sempre havia de ter alguns, diziam-lhe: «deixae as pastas que nos pertencem.» Ao terceiro, inevitavel substituição de ministros. E assim successivamente com todos. Haveria governo possivel? Seriam estes os elementos de liberdade e ordem em que se deve fundar a sociedade! Póde ser esse um recurso partidario, e não prima pela novidade; mas não é um argumento grave e serio como s. ex.ª os exige, e nós todos desejâmos.

Definiu o nobre orador as posições, e concluiu: «tende a coragem de votar!» Já porventura faltou a coragem á camara? (Apoiados.) Votará certamente, votará quando entender, votará como entender. Nunca a provocastes que ella vos, não correspondesse (apoiados).

É verdade que se inventou o anno passado uma novissima theoria de maiorias. Em a maioria chegando a tal numero, já não era maioria, ainda que o numero opposto fosse menor. Era talvez uma modificação á arithmetica de Bezout tão fallada n'este debate. «Bezout está velho», dizem-nos com modo desdenhoso. Perdão, não está só velho, está morto (riso). Está morto o auctor, mas não está nem morta nem velha a sciencia. A sciencia não envelhece, e as sciencias exactas muito menos. Envelheceu a arithmetica. Então como envelheceu?

Lembra-me aquelle medico de Molière, que, indo visitar o doente, quando este se lhe queixou de uma dor no lado direito, lhe atalhou n'um d'esses tons de arrogancia que intimam superioridade incontestavel: «Bem sei, é mal do coração.» «Mas o coração é do lado esquerdo», observou timidamente o enfermo. «Isso é antigo» redarguiu o doutor improvisado, «isso é da sciencia velha; nós agora mudámos tudo; passámos o coração para a direita: nous avons changé tout cela». Quem sabe? Talvez a arithmetica fizesse iguaes evoluções. (Apoiados. Riso. Vozes: — Muito bem.)

Desejo abreviar o mais possivel, e espero em Deus não fallar tres sessões, nem mesmo duas. Permitta-se-me resumir. Hontem s. ex.ª referiu-se á questão do tabaco. Não quiz prejudica la esperando que viesse em seu tempo e logar, e apenas a preveniu. Não a prejudicarei eu tambem, porque opportunamente virá ella. Mostrou s. ex.ª graves apprehensões e receios de que as rendas publicas chegassem a padecer diminuição, e d'ahi derivasse a necessidade de aggravar o imposto á propriedade. Não sei como se possam ter esses receios, nem em que elles se baseiam. O governo declarou que tem as mais fundadas esperanças no contrario. E por minha parte não hesito em asseverar que tenho profunda fé em que o rendimento ha de crescer (apoiados), e que os principios da liberdade gradualmente applicados ao tabaco hão de ser tão proficuos e fecundos como n'outros casos analogos. Tem fé o governo, e não tem uma fé implicita e supersticiosa; mostrou já que essa fé repousava sobre calculos, francamente expostos e ainda não confutados.

Estranhou s. ex.ª que se jungisse, formaes palavras, a abolição da pena de morte á abolição do monopolio do tabaco. Se tivesse uma grande predilecção pelos paradoxos, sustentaria a approximação, porque as vexações d'aquelle monopolio, que usurpava até os direitos magestaticos, justificaria assas tal approximação (apoiados). Mas por mais que procure onde estão jungidas no discurso da corôa estas duas propostas, não acho. Vejo pelo contrario, entre o periodo que se refere á proposta da abolição da pena de morte e o que memora a abolição do monopolio do tabaco, outro que menciona diversa proposta, como vou ler:

«Ser-vos-hão submettidas, entre outras importantes provi-