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duzir a sizania no exercito, e extremar campos, de que Deus nos livre que venham a arvorar bandeiras ou motes diversos.
O ministro o que fez? Disse: «Estou auctorisado, mas não devo fazer uso da auctorisação; não a ponho em vigor, porque não é obrigatoria».
A lei não se poz em execução, e creio que muito bem. Emquanto a mim, supponho que tendo passado o interregno parlamentar, tendo tido já logar duas convocações de camaras, a auctorisação caducou, e eu ainda que podesse usar d'ella, não o teria feito pelas bem fundadas rasões que teve o meu antecessor para se abster.
Nada mais acrescentarei, para seguir o preceito de ser breve, que a principio me impuz.
O sr. José de Moraes: — Respondo ás explicações dadas pelo sr. ministro da guerra, mas não entrarei na historia da promoção de 28 de abril, feita no Porto pelo marechal duque de Saldanha, quando houve o movimento revolucionario, denominado a regeneração, nem tratarei de justificar se as revoluções são ou não justas, porque não se trata d'isso agora; entretanto, a este respeito, direi que me parecem justas ou justificadas algumas das revoluções havidas no nosso paiz.
O sr. Ministro da Guerra: — Não o entendo assim.
O Orador: — Entendo-o eu, e declaro ao sr. ministro que penso assim, porque fui um grande revolucionario, e não me dispenso de o ser outra vez (riso).
A lei de 2 de junho de 1867, de que trato na minha interpellação, foi votada n'esta casa por grande maioria, sendo eu o unico que a combati, porque conheci logo a grave injustiça d'ella, por causa das preterições que haveria se se collocassem em postos superiores officiaes que não tinham direito algum a contar-se-lhes a antiguidade, do modo como aquella lei determinava.
Disse o sr. ministro da guerra que as assignaturas do parecer tinham sido arranjadas subrepticiamente, quer dizer, que foram enganados os "cavalheiros que assignaram o parecer; porém a mim não me enganaram, porque na discussão que precedeu á lei (discussão que esta publicada no Diario de Lisboa, n.° 50 de 1867, pag. 2167) eu combati o projecto, mas infelizmente eram taes os empenhos que só sete deputados tiveram a coragem de o rejeitar.
Contra factos d'estes, contra leis feitas assim em proveito de um homem, é que eu me revolte ha muito tempo (apoiados). E por causa d'isto que o sr. ministro da guerra disse ha poucos dias que, gastando o exercito 4.000:000$000 réis, 3.000:500$000 réis eram para a secretaria da guerra e annexos, e o resto para occorrer ás despezas provenientes destas leis de favor, que se têem votado, mas que eu combati sempre (apoiados). Portanto estou hoje no mesmo terreno em que estive sempre.
Tambem combati a lei de 30 de janeiro de 1864, lei em que andara muito empenhado um cavalheiro que já não existe (o sr. Thiago Horta), mas infelizmente tambem fui vencido. E quer a camara saber qual foi o resultado? Foi o seguinte: depois de votada e lei encontrei eu, n'uma das ruas da baixa, um individuo que foi sargento da junta do Porto, e perguntando-lhe o que fazia agora, respondeu-me: «Eu era parocho da freguezia de tal; lá punha a estola, e cá ponho uma banda de alferes que me deu a camara»(riso). Aqui tem a camara o resultado que se tirou d'esta lei.
Tambem passou aqui uma lei a respeito de um brigadeiro, e dizia-se que ella só comprehendia um individuo, que o augmento de despeza que trazia era apenas de 300$000 réis, mas o facto é que a lei deu em resultado trazer para o thesouro um encargo de 19:000$000 réis!
Assim tambem se dizia que a lei de 1867 apenas comprehendia tres individuos; depois appareceram dezenove que iam preterir sessenta!...
Disse o sr. ministro da guerra que a lei era facultativa. Sei perfeitamente que a lei é facultativa, mas como sou muito desconfiado, porque os factos que se têem passado me levam a se-lo, e visto que o sr. ministro da guerra não fez uso da auctorisação concedida ao governo por aquella lei, parece-me que é melhor que seja revogada.
Vozes: — Não é necessario, porque caducou.
O Orador: — Ouço dizer que a auctorisação já caducou. Ha muitas cousas que tem caducado, mas depois renascem com mais força (riso), e com mais força para tirar o sangue ao contribuinte." Por consequencia, se o sr. ministro da guerra esta na resolução de não fazer uso da auctorisação, se não quer abrir a porta no "presente, trate tambem de a fechar para o futuro; e para isto vou mandar para a mesa um projecto de lei, para ficar revogada a lei de 1867...
O sr. Ministro da Guerra: — Apoiado.
O Orador: — Assim ficam as cousas claras (apoiados), de outra maneira vejo tudo ás escuras, e como tenho medo de tempestades, gosto de ver o céu sempre claro (riso). Apresento este projecto, que é uma cousa innocente. Não venha depois a maioria dizer, como disse a respeito da proposta do sr. Levy, que é um voto de censura, pois realmente não é.
Por consequencia, se o meu amigo, o sr. Santos e Silva, entende que isto não é censura, eu mando o projecto de lei para a mesa; se entende que é censura, não o mando. E possivel que aquelles que se insurgem agora, contra votos não de censura, mas contra votos que manifestam uma opinião, pura' e simplesmente, sem envolverem a idéa de censura, ámanhã venham aqui sustentar e approvar votos de censura: eu cá os espero então; porque, se esses votos de censura que propozerem forem justos, hão de achar-me ao seu lado; mas quando forem com o fim de tirar das cadeiras do ministerio o sr. ministro da guerra ou o sr. ministro das obras publicas, para ir occupar o logar d'elles (riso), declaro que rejeitarei sempre similhantes votos de censura.
O sr. Camara Leme: — Para não abusar não occuparei por muito tempo a attenção da camara sobre este assumpto com algumas observações que pretendo fazer.
Eu tinha pedido para tomar parte n'esta interpellação por motivos de delicadeza para com o illustre ministro da guerra transacto, porque eu sabia perfeitamente como se tinha passado este negocio, e podia dar explicações satisfactorias ao illustre deputado.
Effectivamente o actual sr. ministro da guerra respondeu satisfactoriamente ás observações que tinha feito o sr. José de Moraes. O illustre ministro transacto entendeu, e na minha opinião muito bem, que não devia cumprir a carta de lei a que o illustre deputado se referira.
A revolução de 1851 tinha causado algumas preterições no exercito, o que tinha originado um grande descontentamento entre a corporação dos officiaes. Em vista d'isso o illustre marechal, duque de Saldanha, mesmo por solicitação dos interessados, fez publicar um decreto nas ordens do exercito regulando as antiguidades todas pela data de 29 de abril. Tenho aqui presentes os fundamentos em que se firma esse decreto, e não os leio á camara, porque já foram explicados e muito bem pelo illustre ministro." Mas s. ex.ª acrescentou, e muito bem, que a carta de lei de que se trata era facultativa, que o illustre ministro transacto tinha entendido conveniente não a cumprir, que s. ex.ª o entendia do mesmo modo, que ultimamente ella tinha caducado, e que sempre fôra esta a pratica seguida. Mas para satisfazer ao escrupulo do illustre deputado não tenho duvida em me associar ao seu projecto de lei, peço desde já a s. ex.ª licença para o assignar, e estou certo de que em breve a commissão de guerra apresentará um parecer favoravel.
Eu tinha tomado algumas notas sobre algumas asserções que ouvi ao illustre ministro da guerra. Entre outras cousas disse s. ex.ª que as preterições são sempre baseadas em crimes. Escapou a s. ex.ª esta asserção, e digo que lhe escapou, porque as preterições nem sempre são baseadas em crimes, são baseadas muitas vezes em outras rasões.
Em relação a este assumpto não quero cansar a attenção da camara, aliás poderia effectivamente explicar como a questão das praças de pret não tem paridade com a dos officiaes do exercito. As praças de pret não têem antiguidade, e os individuos que foram despachados alferes com a data anterior a 29 de abril por um decreto, conta-se-lhe a antiguidade da data do decreto. Eu entendo que os illustres ministros fizeram muito bem em não cumprir a carta de lei a que se referiu o sr. José do Moraes.
O illustre deputado fallou tambem nos sargentos da junta do Porto, que por uma lei foram reformados em alferes. Isto não vem para a questão e por consequencia não respondo a s. ex.ª n'este ponto. Effectivamente estes homens tinham feito serviços importantes, foram privados de accesso no exercito e a camara entendeu que devia ser equitativa para com elles.
Tambem tomei alguns apontamentos sobre outros assumptos em que tocou o sr. José de Moraes, mas não é agora occasião de tratar d'elles e limito aqui as minhas observações.
O sr. Ministro da Guerra: — Pedi a palavra sómente para uma explicação.
Se o illustre deputado me permitte direi com franqueza que não é exacta a sua asserção. Não ha preterição que não seja tomada como um castigo; quando a lei a auctorisa não é preterição. O individuo que é julgado incapaz de servir por doente póde ser preterido, mas é a lei que auctorisa essa preterição. O individuo que é promovido no campo de batalha pretere todos que estão á sua direita. Quer dizer o individuo que pratica um feito distincto, tem direito a passar para a direita dos outros mais antigos, e n'este caso a preterição é auctorisada por lei.
As preterições são sempre um castigo quando não são auctorisadas por lei.
O individuo que, esta na inactividade temporaria por sua vontade, por proveito proprio, não tem direito a accesso, póde ser preterido quarenta e cincoenta vezes por quarenta ou cincoenta individuos da mesma classe, e não póde julgar-se effectivamente preterido. Se outros que estavam á sua esquerda passaram para a direita, a lei assim o determina e por consequencia não houve preterição.
O individuo que por qualquer circumstancia esta na inactividade não póde ser promovido, esta n'essa situação porque a lei assim o determina, logo não ha preterição. Por consequencia eu continuo a assegurar que as preterições importam sempre um castigo para aquelle que é preterido.
Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Francisco Manuel da Rocha Peixoto; declarou porém no acto de prestar juramento que renunciava ao logar de governador civil, optando pelo de deputado.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PARECEU DA COMMISSÃO DE VERIFICAÇÃO DE PODERES, SOBRE A ELEIÇÃO DO CIRCULO N.° 77 (REZENDE).
O sr. Pereira Dias: — (Continuou e concluiu o seu discurso, que será publicados completo.)
O sr. Rocha Peixoto: — O sr. Pereira Dias concluiu o seu discurso, declarando que esperava receber ámanhã uma certidão authentica do recenseamento legal, e parece que insinuou que desejava que a commissão tomasse, conhecimento d'esse documento, bem como de outros que acabou de ler á camara, para os apreciar. Os documentos, a que alludiu o sr. Pereira Dias, estabelecem um verdadeiro conflicto de provas com as que resultam do estudo e exame do processo eleitoral. O conflicto conhece-o a camara pela exposição que vou fazer dos factos.
Os documentos juntos ao processo eleitoral, asseveram de um modo irrecusavel e convincente, que o parocho de Felgueiras pedíra a palavra na assembléa primaria de Rezende, que protestára contra certas illegalidades na eleição, que lhe fôra concedida a palavra, mas que quando começava a usar d'ella, não lhe foi permittido fallar. Que então fôra a casa de um tabellião protestar contra a eleição, com os fundamentos de que n'aquella assembléa não se reconhecera a identidade dos eleitores, que era difficil o accesso á mesa, que as listas se recebiam e passavam de mão em mão, e que n'este movimento e passagem eram trocadas. Como nem a mesa da assembléa primaria, nem a mesa do apuramento, aceitassem este protesto, que fez o parocho? Promoveu uma justificação dos factos que eram fundamento do protesto, e esta justificação veiu com o processo.
A circumstancia das duas mesas não terem aceitado o protesto do parocho, fez profunda impressão no espirito da commissão, impressão que foi aggravada pela justificação promovida e feita com inquerito de cinco testemunhas contestes sobre os factos do protesto. O sr. Pereira Dias apresenta agora dois documentos, e, se bem me recordo, n'um d'elles affirma a mesa da assembléa primaria de Rezende, que o parocho não apresentou o tal protesto, que não pediu a palavra, nem praticou acto algum daquelles que se referem claramente em outros documentos juntos ao processo. Aqui esta um conflicto já manifesto entre o testemunho da mesa da assembléa primaria de Rezende, e as provas do processo.
A respeito do recenseamento, os documentos juntos ao processo certificam de um modo sem duvida, que o recenseamento não esta revestido de certas formalidades que a lei expressamente determina e prescreve, para que tenha validade. O sr."Pereira Dias diz que espera ámanhã uma certidão extrahida do recenseamento legal que existe na camara, a qual mostra que o recenseamento esta revestido de todos os requisitos essenciaes. Já vê V. ex.ª que apparece outro conflicto, porque no processo ha duas certidões que mostram que o recenseamento não é legal, e o sr. Pereira Dias diz que ha de apresentar um documento que prova que o recenseamento é legal; por consequencia são documentos inteiramente oppostos, em que ha verdadeiro conflicto que convem resolver.
A respeito d'esta questão estou n'uma posição muito especial. O sr. Pereira Dias, no primeiro dia que fallou n'esta, camara, pensou que considerações partidarias e motivos de odios, de affeições partidarias, motivos alheios ás indicações da justiça, que nos deviam guiar e aconselhar, nos tinham determinado a dar este parecer, o que não é verdade.
Ora, para dar plena satisfação á camara, ao sr. Pereira Dias e ao publico, pela minha parte não tenho duvida em esperar que este documento seja remettido á commissão, porque este e os outros documentes podem fazer variar o juizo da commissão, se é, como o sr. Pereira Dias diz, que os factos se não passaram como se apresentam no processo eleitoral.
Apresento á camara esta indicação. Se a camara quizesse concordar em que o sr. Pereira Dias remettesse á commissão esse documento e outros, e elle se compromettesse a remette-los, pela minha parte não tenho duvida em os examinar e apreciar, e trazer a questão á camara para ella poder julgar e decidir com verdadeiro conhecimento de causa.
O sr. José de Moraes: —Eu opponho-me ao requerimento do sr. deputado.
O sr. Rocha Peixoto: — Não fiz requerimento algum.
O Orador: — Mas opponho-me á idéa que apresentou. Parece-me que é mau fado d'esta camara, como já o foi da junta preparatoria, adiar todas as eleições. A camara esta esclarecida. Ouviu o digno deputado eleito, que apresentou as suas rasões. O illustre deputado, relator da commissão, julgou pelos documentos que estão presentes. Se o illustre deputado quer o adiamento, porque apparece hoje um conflicto, ámanhã póde apparecer um outro conflicto, e teremos novo adiamento, e a questão será interminavel.
Portanto requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que continue a discutir-se este parecer, e cada um votará ácerca d'elle como entender, para não estarmos aqui eternamente n'esta questão.
O sr. Pereira Dias (sobre a ordem): — Não quero de maneira alguma que a camara dê pelas minhas palavras. Amanhã decididamente me chega uma certidão n'este sentido, e por isso eu de maneira alguma desejo que a camara resolva o negocio, depositando fé na minha palavra. A camara sabe que sou incapaz de mentir. O meu desejo é que a camara se esclareça o mais possivel. Eu sem este documento apresentara-me como me apresentei defendendo a minha eleição com a doutrina da lei e dos arestos; mas para que todos os escrupulos desappareçam de uma vez para sempre, é bom que venha o documento. Eu quiz fazer esta declaração para que ninguem da camara se persuada que por apparecer um ou outro individuo que deseja que a questão se resolva desde já, ha porventura relações (O sr. José de Moraes: — Não ha.) ou communicações entre mim e qualquer individuo que seja. Fiz esta declaração, porque entendi que a devia fazer.
O sr. Presidente: — O sr. deputado Rocha Peixoto fez algum requerimento?
O sr. Rocha Peixoto: — Não requeri; lembrei á camara que, como o sr. Pereira Dias tinha dito que apresentará um documento completamente contrario ao que estava no processo eleitoral, seria conveniente esperar até ámanhã, por esse documento, visto que o sr. deputado affirma que o apresentará.
O sr. José de Moraes: — Eu é que formulei o meu requerimento para que v. ex.ª consulte a camara se quer continuar a discutir esta eleição até votar-se.
O sr. Rocha Peixoto: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer adiar o julgamento d'esta eleição até ámanhã para o sr. Pereira Dias apresentar um documento e a commissão examina-lo.