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DIARIO DA CAMARA. DOS SENHORES DEPUTADOS
Dignos pares do reino o senhores deputados da nação portugueza:
Abrindo a primeira sessão da presente legislatura, e confiando inteiramente na vossa sabedoria e patriotismo, não preciso excitar o esclarecido zêlo dos representantes do paiz, e conto que haveis de corresponder á esperança que a nação em vós depositou. Animado do mesmo espirito, e de accordo comvosco, estou certo de que, com o lavor de Deus, nos empenharemos constantemente em tudo quanto possa contribuir para a felicidade, grandeza e prosperidade da patria.
Está aberta a sessão.
Senhor: Ao começar esta sessão legislativa, a camara dos deputados comprehende a responsabilidade que contrahiu para com o paiz, e empenhará todo o seu zêlo e vontade para corresponder, com o auxilio de Deus, ao mandato que lhe foi confiado pela nação, e ás esperanças que Vossa Magestade se digna depositar no seu' criterio, concorrendo assim para a manutenção das instituições que nos regem, á observancia de cujos preceitos devemos a paz e a liberdade de que gosâmos, e a estima e o respeito dos outros povos.
Sala da commissão, em 27 de janeiro de 1879. = Francisco Joaquim da Costa e Silva — Manuel d'Assumpção = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Frederico de Gusmão Correia Arouca — Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa = J. A. de Freitas Oliveira, relator = Tem voto do sr. deputado Hintze Ribeiro.
O sr. Presidente: — Está em discussão.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não me levanto para discutir a resposta ao discurso da corôa.
A resposta póde ser votada, sem inconveniente, e segundo a pratica ultimamente estabelecida n'esta casa, como mero cumprimento ao chefe do estado.
Aproveito, porém, a occasião e igualmente a significação politica que este debate costuma mais ou menos ter em relação ao ministerio, para definir com a maxima claresa a minha posição n'esta casa em relação ao actual governo.
Eu creio que precisam de definir a sua situação politica todos áquelles que por qualquer eventualidade mudaram ou inverteram aquella em que se achavam anteriormente.
Collocado n'estas circumstancias, e não querendo para mim posições incertas ou ambiguas, venho declarar perante a camara e o paiz, qual a minha situação e quaes os motivos que me determinaram a adoptar diversa posição politica.
Não sei nem desejo, fazer surprezas ao governo; e menos quero fazel-as, ou parecer que as faço, como representante do paiz, á camara de que tenho a honra de fazer parte.
Todos sabem que eu e os meus amigos apoiámos o governo regenerador, quando da primeira vez succedeu ao ministerio presidido pelo nobre duque d'Avila e de Bolama.
Este governo, n'essa primeira epocha, encontrou em mim o mais decidido apoio, e se era pequeno o concurso que as minhas limitadas faculdades me permittiam prestar-lhe, não podia ser melhor a vontade, nem maior a dedicação.
É certo, porém, que desde o primeiro dia, em que aqui se apresentou o ministerio, tive o especial cuidado de declarar ao governo e ao partido regenerador, que eu não tinha a honra de fazer parte d'esse partido, que lhe prestava o meu apoio como alliado, mas com caracter absolutamente independente; porque ou já tinha, n'essa epocha, com outros amigos, posição politica distincta, aqui definida e clara.
Esta mesma declaração tive eu o cuidado de affirmar durante uns poucos de annos em todas as reuniões da maioria. E ainda na ultima, na reunião de despedida quando findou a legislatura no anno passado, todos ouviram, que eu, longe de iniciar ou acompanhar inuteis louvores, tive a honra do declarar ao governo que me parecia que o ministerio se desviava muito não só do bom caminho, mas principalmente dos principios que elle mesmo havia proclamado e seguido nos primeiros tempos, quando eu promettêra acompanhal-o e lealmente o acompanhei.
Muito clara e explicitamente fiz ver que em dois pontos essenciaes não podia eu transigir, e muito menos ceder. Não occultei quaes eram. Era o primeiro a questão de fazenda; ía por fórma que me era absolutamente impossivel acompanhar o governo em tal caminho. A segunda questão era de legalidade, de ordem social, de dignidade do poder e até de decencia publica. Eu via, com grande magua e desgosto/ que o governo, longe de fazer cumprir e respeitar, como era sua restricta obrigação, e não favor que fizesse ao paiz, a legislação vigente, esquecia as suas obrigações, faltava ao seu mais sagrado dever, deixando violar e escarnecer as leis quotidianamente, e com indifferença tal, que nunca se podia confundir com tolerancia o que realmente era protecção ao crime e incentivo á licença infrene.
Não ha tolerancia que deixe praticar actos criminosos, e muito menos que pareça animar a repetição ou provocar a reincidencia.
E certo que eu não occultei as minhas idéas. Não hesitei em aconselhar o governo, com o qual ha annos fazia causa commum, apoiando-o n'esta casa.
Posso appellar para o testemunho dos meus collegas, n'essa epocha, leaes e excellentes companheiros que assistiram á ultima reunião da maioria, da qual por tanto tempo fiz e com pena deixei de fazer parte. Occultei eu, porventura, que a minha posição politica, se fosse eleito para esta camara, dependeria unica e essencialmente do modo porque o governo encarasse estas questões, durante o interregno parlamentar?
Não disse eu ao governo, alimentando uma esperança afinal tão illudida; não lhe declarei eu, que para isso tinha tempo de sobra, e que, mais que o tempo, sobravam os recursos da intelligencia e da illustração, que distinguem inquestionavelmente o nobre presidente do conselho e todos os seus collegas do ministerio?.
Eu disse tudo. Fui mesmo bastante audaz para suppor que poderia dar conselho leal ou emittir opinião sincera. O governo entendeu, porém, e entendeu, de certo, com vantagem propria, e melhor para todos, menos para mim, que o caminho que eu lhe indicava era errado ou perigoso.
O que é certo é que, durante o interregno parlamentar, o systema do governo premaneceu o mesmo ou antes exagerou-se ainda, e as questões, a que eu tinha alludido, os abusos com que incipientes eu já não podia transigir, cresceram em liberdade e desenvolveram-se a ponto, que o paiz atravessou, na minha humilde opinião, um periodo de vergonha nacional.
Os inales, que eu previa, aggravaram se de modo que excedeu toda a espectativa.
E talvez melhor para muitos, e principalmente para o governo, o systema que o governo adoptou e seguiu. Não o é para mim, e justo é, que só ao governo e aos que como elle pensam, pertença tanto a gloria como a responsabilidade de um systema que é seu, e que eu nem partilho nem invejo.
Eu tive, creio eu, a maxima lealdade.
A legislatura findava, e quando estava proxima a eleição geral, eu como amigo do governo mas representante de um circulo independente, adverti previamente, tanto o governo como a maioria, de qual era o meu modo de ver
Sessão de 7 de fevereiro de 1879