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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
em questões tão importantes, e de qual seria n'esta casa a minha posição politica. Assim venho, tranquillo e sem o menor escrupulo, declinai' ou antes repudiar toda a responsabilidade pelos actos praticados por este ministerio á sombra de um systema, que elle impropriamente póde classificar de tolerancia, mas que para mim não tem, nunca póde ter tal nome, porque o não tem e ninguem é capaz de o encontrar em diccionario nenhum da lingua portugueza.
Ao mesmo tempo que eu repudio esta responsabilidade, ao mesmo tempo que affirmo a minha divergencia na questão de fazenda, entende se bem, o escusado seria dizei o n'esta simples exposição, que reclamo integra e completa, acceito em toda a sua extensão a responsabilidade politica que pertence aos membros do parlamento, que apoiaram o governo regenerador durante todo o seu primeiro ministerio e ainda na resurreição ministerial, ou na segunda edição do mesmo ministerio.
Essa responsabilidade, e a de todas as medidas que votei ou não combati, aceito-a inteira e completa; declino só aquella que me não pertence.
Estabeleço, por consequencia, uma posição perfeitamente definida, que não evita responsabilidades proprias nem disputa glorias alheias.
E improprio do meu caracter e da minha posição seria deixar passar esta occasião sem fazer sentir quanto estimo e considero as pessoas dos actuaes ministros, e o muito respeito que tenho pela sua intelligencia, pelas suas qualidades, e pelo seu caracter.
Conservo a esse respeito exactamente as mesmas idéas que tinha quando tive a honra de apoiar o ministerio actual. Não me inspira a menor desconfiança o caracter de qualquer dos actuaes ministros.
Acentuo bem esta declaração, repetindo que os membros do governo, pelo seu caracter pessoal e pela sua alta intelligencia, são, a meu ver, dos primeiros d'este paiz (Apoiados.): mas é por isso mesmo, o pelas circumstancias que se reunem no actual presidente do conselho, circumstancias devidas não só ao seu incontestavel merecimento, como tambem em parte, não posso dizer ao acaso, mas aos casos fortuitos que congregam ás vezes num só individuo, tanto a attenção geral do paiz como a confiança da parte mais importante d'elle; é por isso que eu lamento, e mais senti, que o nobre presidente do conselho de ministros, que me parecia o mais proprio e o mais habilitado para resolver com maior facilidade as grandes difficuldades com que este paiz lucta, em vez de descer francamente á arena para pugnar pelos bons principios, pelo respeito ás leis, e pela organisação da fazenda publica, invertesse completamente o que eram os seus principios, quando o ministerio regenerador se apresentou n'esta casa, o substituisse, tanto as suas palavras como as suas idéas, pelos oitos que eu n'esta occasião aponto e deploro.
Está na memoria do todos como o sr. Fontes Pereira de" Mello demonstrou ao paiz, o de fórma que ninguem o podia fazer melhor, a inconveniencia do deficit no orçamento, e os perigos enormes da divida fluctuante externa.
S. ex.ª chegou a marcar, a assignar epocha n'este paiz. Como ministro da fazenda, em vez de orçamento com deficit, apresentou um saldo positivo de 27:000$000 réis; o a divida fluctuante, extincta pelo emprestimo, só podia reapparecer nas condições normaes de representação ou antecipação da receita para as despezas correntes.
Em logar d'isto, porém, o governo, impellido não sei porque forca estranha o mysteriosa, tem procedido de fórma que não só desappareceu a esperança de saldo positivo, mas até o governo apresenta resignado ou satisfeito o orçamento com um deficit de 3:000 a 4:000 contos, e a divida fluctuante elevada ao maximo termo que póde attingir, principalmente nas praças estrangeiras.
N'estas circumstancias, com a desorganizarão interior e com difficuldades externas d'esta ordem, parece-me realmente impossivel, e, pelo menos para mim, é incomprehensivel, que o governo espere vencer ou mesmo atravessar as nossas difficuldades, repetindo emprestimos de 30:000 ou 40:000 contos, a troco de promessas formaes, que no anuo seguinte apparecem completamente illudidas.
Não querendo discutir, esta simples explicação é sufficiente para definir o meu voto e a minha posição n'esta casa.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): — Ouvi com toda a attenção as palavras proferidas pelo illustre deputado e meu amigo o sr. visconde de Moreira do Rey, que se senta na extremidade direita d'esta camara, e faltaria ao meu dever' e aos sentimentos do meu coração se não aproveitasse este momento para lhe agradecer as phrases mais que benevolas com que s. ex. quiz honrar, não a mim, mas a todo o gabinete a que tenho a honra de presidir.
Sinto deveras que o illustre deputado tivesse motivos, na sua consciencia, para se afastar do governo, negando-lhe agora o apoio com que o tem honrado ha tanto tempo n'esta casa, e sinto o duplamente, pelo conceito que me merece a esclarecida intelligencia de s. ex.ª e o vigor da sua palavra, e porque a affeição pessoal que lhe consagro é a mesma que tinha pelo seu distincto pae, meu antigo e illustre collega e collega de muitos cavalheiros que estão n'esta casa.
O illustre deputado não quiz deixar-nos em duvida, e veiu explicar á camara e ao paiz quaes eram esses motivos, e eu applaudo a sua nobre franqueza e a lealdade do seu caracter.
O illustre deputado entende que o governo não tem procedido bem na questão de tolerancia politica, e não tem procedido bem na questão financeira. Saio estes os dois pontos capitães a que se referiu.
Sei perfeitamente que ha, duas escólas politicas, ou, para melhor dizer, dois systemas, qualquer dos quaes o governo póde seguir: e de repressão e o da tolerancia.
Pareceu-me, e a todos os membros do gabinete, que o systema da tolerancia não tinha risco e estava mais em harmonia com ás tradições, não só do partido regenerador a que tenho a, honra de pertencer, e do governo a que tenho a honra de presidir, mas tambem com a opinião publica que ha muitos annos a esta parte se tem estabelecido no paiz. E, diga-se a verdade, ha muitos annos que o systema da tolerancia, politica é um dogma e um principio para todos os partidos politicos, e pergunto: esse systema da tolerancia, tem, porventura, trazido perigos para a causa publica 'i Creio que não. (Apoiados.)
Creio que, quando se empregava a repressão, as paixões politicas saltavam do parlamento para o campo da, batalha, e nós em vez de discutirmos pelejávamos com as armas na mão..
Esse systema não me parece conveniente resuscital-o (Muitos apoiados); o pela, minha parte hei de oppor me a elle; não digo com a, auctoridade do meu nome, mas com a auctoridade que me dá o meu cargo. Não estou resolvido a, exercei-o.
Nós não havemos do estar sempre n'estas cadeiras; havemos de deixal-as a, homens muito illustres e muito competentes para dirigirem os negocios publicos; se esses entenderem que esse caminho é, o melhor a, seguir, sigam-no, que eu pela, minha parte não deixarei de os applaudir, se o resultado lhes der rasão, mas só n'este caso.
O partido que se chama regenerador e a que eu não deo nome, o partido regenerador, inaugurou a sua organisação e a sua existencia politica no paiz com o systema da tolerancia politica.
Uni homem de quem tive a honra de ser amigo, que foi meu mestre em muita cousa, o que dirigiu por muito tempo os negocios publicos, sobre tudo o ministerio do reino, que é um ministerio essencialmente politico, a esse homem se deve o ter acalmado as paixões que estavam irritadas e o ter trazido todos os partidos a um centro commum, no qual podessemos, sem provocar as paixões do cada uma das