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SESSÃO DE 7 DE FEVEREIRO DE 1879

presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva

Secretarios — os srs.

Antonio Maria Pereira Carrilho Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMAUIO

Apresentação de requerimentos. — Presta juramento o sr. deputado Augusto Fuschini. — Apresentam os srs. ministros do reino, fazenda e obras publicas differentes propostas de lei. — li approvado, depois de algumas reflexões, o projecto tio resposta ao discurso da corôa.

Abertura — Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada 68 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Fonseca Pinto, Nunes Fevereiro, Osorio de Vasconcellos, Alexandre Lobo, Alfredo de Oliveira, Anselmo Braamcamp, Gonçalves Crespo, A. J. d'Avila, Lopes Mendes, Carrilho, Pinto Magalhães, Ferreira de Mesquita, Saraiva de Carvalho, Victor dos Santos, Zeferino Rodrigues, Avelino de Sousa, Barão de Ferreira dos Santos, Bernardo de Serpa, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos de Mendonça, Conde da Foz, Diogo de Macedo, Domingos Moreira Freire, Eduardo Moraes, Goes Pinto, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Francisco de Albuquerque, Mesquita e Castro, Fonseca Osorio, Francisco Costa, Sousa Pavão, Frederico Arouca, Freitas Oliveira, Costa Pinto, Osorio de Albuquerque, Anastacio de Carvalho, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Barros e Cunha, Sousa Machado, Almeida e Costa, J. J. Alves, Ornellas de Mattos, Joaquim Pires, Dias Ferreira, José Tavares, Laranjo, José Frederico, Figueiredo de Faria, Namorado, Teixeira de Queiroz, J. M. Borges, Sá Carneiro, Taveira e Menezes, Barbosa du Bocage, Julio de Vilhena, Faria o Mello, Pires de Lima, Correia de Oliveira, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Miguel Tudella, Jacome Correia, Rodrigo de Menezes, Visconde da Aguieira, Visconde de Balsemão, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Adriano Machado, Carvalho e Mello, Rocha Peixoto (Alfredo), Alipio Sousa Leitão, Torres Carneiro, Pereira de Miranda, Emilio Brandão, Barros e Sá, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Pereira Leite, Augusto Fuschini, Santos Carneiro, Emygdio Navarro, Hintze Ribeiro, Fortunato das Neves, Mouta e Vasconcellos, Gomes Teixeira, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Jeronymo Pimentel, Gomes de Castro, Melicio, João Ferrão, Neves, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Sousa Monteiro, Sampaio e Mello, Lourenço de Carvalho, Almeida Macedo, Bivar, Garrido, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Souto Maior, Pinheiro Chagas, Miranda Montenegro, Miguel Dantas, Pedro Carvalho, Pedro Roberto, Thomás Ribeiro, Visconde de Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão — Os srs.: A. J. Teixeira, Pedroso dos Santos, Palma, Paula Medeiros, Mello Gouveia, Luiz de Lencastre, Freitas Branco, Alves Passos, M. J. Gomes, Nobre de Carvalho, Marçal Pacheco, Pedro Correia, Pedro Barroso, Ricardo Ferraz, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Acta — Approvada.

expediente

Officios

1.° Do ministerio das obras publicas, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Mariano de Carvalho,

copia do parecer da commissão de engenheiros que examinou o tunnel de Villa, Nova de Gaia. Enviado á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. José Luciano de Castro, copia authentica da promoção do ministerio publico no recurso que, sob n.º 4:326, foi interposto para o supremo»tribunal administrativo por João Burnay, e da portaria de 3 de julho de 1877, que deu por lindos os contratos de 18 e 19 de setembro de 1876, celebrados entro o recorrente e a direcção das obras da penitenciaria de Lisboa.

Enviado á secretaria.

Declarações de voto

1.ª Declaro que, se estivesse presente quando se votou o parecer ácerca da eleição do circulo n.º 92, Belem o Oeiras, teria approvado a conclusão d'esse parecer. == Ferreira de Mesquita,.

2.ª Declaro que, se estivesse presente quando se votou o parecer da commissão de verificação de poderes ácerca da eleição pelo circulo de Belem, teria rejeitado o mesmo. = O deputado pelo circulo do Leiria, João Chrysostomo Melicio.

3.ª Os abaixo assignados declaram que, se tivessem estado na sala, votariam o parecer da commissão de verificação de poderes sobre a eleição do circulo n.º 92, Matem. — Visconde da Arriaga = Francisco Florido da Mouta e Vasconcellos — Caetano Pereira /Sanches de Castro — Jeronymo Osorio de Albuquerque — A. Osorio de Vasconcellos.

4.ª Declaro que, se estivesse presente quando se votou o parecer da commissão de verificação de poderes ácerca da eleição pelo circulo de Belem, teria, votado pela, approvação do referido parecer. = O deputado, Visconde do Pio /Sado.

5.ª Declaro que, se tivesse assistido á discussão da eleição do circulo n.º l5 (Gouveia), teria approvado o parecer da commissão.

Sala da camara dos senhores deputados, 7 de fevereiro de 1879. = J. C. Barros e Cunha.

6.ª Declaro que, se tivesse estado presente quando se votou a eleição de Gouveia, teria votado contra a conclusão do parecer. - Freitas Oliveira.

7.ª Declarámos que, se estivessemos presentes, feriamos rejeitado a primeira conclusão do parecer n.º 55. — A. Emilio Brandão. — Manuel Thomás Ferreira Nobre de Carvalho.

Representações.

1.ª Da camara municipal de Setubal, pedindo a prorogação do praso, por que foi concedido o producto da taxa dos deslastres, por todo o tempo suficiente para se concluir a obra do aterro.

Apresentada pelo sr. deputado Arrobas, e enviada á commissão de fazenda.

2.ª Dos thesoureiros de diversos estabelecimentos bancarios de Lisboa, pedindo para serem desligados do gremio dos directores de bancos e companhias, e incorporados no gremio dos guarda-livros.

Apresentada pelo sr. deputado visconde de Sieuve de Menezes, e enviada A commissão de fazenda.

3.ª Dos escripturarios dos escrivães de"fazenda nos concelhos de Montemór-o-Novo, Arrayollos e Mora, pedindo augmento de vencimentos, e que seja determinado um uni-

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forme geral de vestuario para usarem no exercicio dos seus empregos.

Apresentada pelo sr. deputado Barbosa du Bocage, e enviada á commissão de fazenda.

4.3 Da camara municipal do concelho de Elvas, pedindo lhe seja concedido um edificio pertencente ao estado, situado na rua de S. Pedro, para se estabelecer uma casa de recepção para expostos.

Apresentada pelo sr. Namorado, e enviada á commissão de fazenda.

O sr. Carrilho: — Mando para a mesa um requerimento do capitão de artilheria Alfredo Augusto Schiappa Monteiro, pedindo lhe seja abonada a differença entre a gratificação de ]50$00O réis e a de 202,->500 réis que lhe são arbitrados como professor da cadeira de desenho na escóla polytechnica.

O sr. Namorado: — Mando para a mesa um requerimento de Manuel Matinas Guedes, alferes reformado, ajudante de praça de 2.ª classe em serviço no Castello de S. Jorge, em que pede melhoria de reforma.

Peço a v. ex.ª que lhe mande dar o competente destino.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Na ultima sessão votou-se aqui a eleição pelo circulo de Gouveia, e eu fui um dos membros do partido progressista que votei a favor d’ella separando-me dos meus amigos politicos que entenderam dever votar contra.

Permittam me v. ex.ª e -a camara, pela, posição especial em que estou collocado n'esta questão, que dê a rasão do meu voto.

Não pretendo censurar nem discutir a resolução tomada pela camara. Respeito-a, e supponho que todos se inspiraram na sua consciencia; estou eu convencido que se acaso tivesse sido examinado este processo, se acaso os illustres deputados que votaram contra o parecer da commissão tivessem examinado com a devida attenção os documentos e o processo eleitoral, teriam votado approvando a eleição.

O parecer, pela fórma por que está redigido, e pelas suas conclusões, em cousa alguma differe do outros pareceres cujas eleições foram approvadas. A differença consiste em que o parecer approvava a eleição de uni deputado opposicionista, e os outros approvavam a do deputados ministeriaes.

Eu, pelo conhecimento especial que tenho dos factos occorridos na eleição de Gouveia, e pelo estudo minucioso que fiz de todos os documentos que acompanham o processo eleitoral, entendi, sem tratar de saber quem era o candidato, nem a parcialidade politica a que pertencia, que era dever nosso approvar a, sua eleição.

Senti muito que o meu illustre collega e meu prezado amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey, viesse fallar d'aquella eleição, seguindo o systema adoptado de fallar contra todas as eleições que lhe parecia que traziam illegalidades, e viesse fallar de fórma que a equiparasse á eleição de Ceia.

Não podia eu deixar de levantar-me e protestar contra tal asseveração, declarando a v. ex.ª que nada tem de commum, de similhante, de igual, nem de parecida, uma eleição; com a outra.

É confundir as trovas e a luz.

Na eleição de Ceia houve uma verdadeira coacção. A eleição fez-se com a força armada dentro do templo.

Alem d'esta força esteve a igreja rodeada de cavallaria, e o escrutinio não póde ser vigiado, como foi confessado pela propria commissão.

No circulo de Gouveia a auctoridade tinha á sua disposição 50 ou 60 praças de infanteria e cavallaria, e nunca requisitou a sua intervenção no acto eleitoral, porque não a julgou necessaria.

Ha mais.

Na eleição de Gouveia a auctoridade esteve sempre presente a todos os actos eleitoraes, e nem uma só reclamação ou protesto ella lavrou, ou requereu, durante todo o acto eleitoral, e só findo o escrutinio é que apresentou o lamento dos vencidos.

Os fundamentos do protesto são futeis, e sem novidade na ordem do reclamações, porque, quando nada mais ha que allegar, diz-se que se trocaram as listas, que se não leu o nome que ellas continham.

Nada mais facil de allegar. Provar é que se não prova, nem podia provar.

Diz-se tambem que foi vedado o acces-o á uma por meio de eleitores da opposição que se conservavam em volta da mesa, mas eleitores que estavam no uso pleno de seus direitos, pouco me importando a parcialidade politica a que pertencessem, não obstando de fórma alguma a que podesse ser vigiado todo o acto eleitoral.

Ahi estão as testemunhas do auto do corpo de delicto, que declaram que viram, assistiram e presencearam.

Mas ha mais.

Quem fosse escrupuloso no exame d'esta eleição, e quizesse cotejar os depoimentos do auto do corpo de delicto com os do auto de investigação, havia de ver as contradicções em que caem quasi todas as testemunhas, e havia de ver que só uma testemunha, que era o que servia de administrador do concelho, é que depõe alguma cousa que podesse influir no animo do julgador, mas essa testemunha faz um depoimento isolado e suspeito de parcialidade.

Quasi todas as testemunhas se contradizem, por que ao passo que affirmam, no auto da investigação, que nada viram, por que nada podiam ver com respeito á leitura das listas, no corpo de delicto affirmam que viram e presencearam.

Eu tive informações fidedignas da maneira porque correu todo o acto eleitoral n'aquelle circulo, pela vizinhança que elle tem, do circulo que tenho a honra de representar n'esta. casa; e estou ao facto, por fidedignas informações particulares, da maneira como se procedeu a eleição.

Devo dizer a v. ex.ª que talvez aquella eleição não corresse tão regularmente, como seria para desejar que corressem todas as eleições, mas não foi viciada, nem foram praticados actos alguns que alterassem a genuidade do acto eleitoral.

Era para isto que eu queria chamar a attenção da camara.

Era isto que eu queria que todos tivessem visto e examinado.

Tem-se feito grande cargo com o processo que se instaurou; deve v. ex.ª saber que se instaurou um processo, é verdade, mas quando e como? Com a maior irregularidade, e oito dias depois de ter passado o acto eleitoral, e instaurou-se esse processo por um plano perfeitamente ajustado, e com fins que eu não quero agora aqui dizer.

Se a eleição não foi regular, regular não foi o processo.

Começou por o administrador do concelho não remetter o processo ao delegado do procurador regio, como é de lei, mas ao juiz de direito, formando-se o corpo de delicto sem a assistencia nem intimação do delegado do procurador regio!!

Apesar d'isso qual foi o resultado?

O resultado foi que a querella foi dada contra pessoas incertas, e de certo o processo já estaria archivado, a não haver deprecadas para inquirição de testemunhas nas ilhas.

Ha mais ainda.

As testemunhas que depozeram ultimamente, não confirmam facto algum dos menos regulares, que ellas afirmaram no auto de investigação e no auto do corpo de delicto.

Hei de opportunamente requerer que esse documento venha á camara.

O auto do corpo de delicto deve mostrar a existencia incontestavel «de um facto, e n'este não ha um unico facto comprovado por duas testemunhas contestes.

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Foi por todos estes motivos que eu lamentei que o meu illustre amigo o sr. visconde de Moreira de Rey viesse comparar esta eleição com a outra, quando na outra houve um processo era que havia pronuncia contra certos e determinados individuos que constituiam a mesa eleitoral, individuos que estão sujeitos ã acção da justiça, podendo ser presos onde forem encontrados porque não têem fiança.

Na eleição de Gouveia não houve nada d'isto, não ha portanto paridade alguma entre as duas eleições, e eu lamento que, por falta de esclarecimentos que de certo não tiveram os membros d'esta casa que votaram esta eleição, ella fosse votada com tão pouca maioria, ao passo que a eleição de Ceia e outras, que não quero nomear, foram votadas com pleno assentimento de quasi toda a maioria d'esta camara.

Repito, respeito a opinião de todos, e, se não fóra o desejo que tinha de não demorar a discussão d'esta eleição, e sobre tudo desejo de não lhe dar o minimo caracter politico, declaro a v. ex.ª que teria tomado parte na discussão, do que só tarde me arrependi, porque estou convencido de que, pelo menos, alguns cavalheiros membros do partido progressista haviam de mudar de opinião, desde o momento em que á face dos documentos, e pela discussão eu lhes demonstrasse que a eleição tinha corrido regularmente e não havia motivo para ser annullada.

Sr. presidente, o deputado Antonio Mendes Duarte e Silva devo ter a consciencia tranquilla, e n'ella encontrar a satisfação que provem da certeza do direito que tem, e teve sempre, de estar entre nós, direito que pareceu não lhe ser reconhecido por alguns membros d'esta camara.

Vão longas as explicações, nada mais tenho a dizer.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Mando para a mesa duas propostas. A que diz respeito ao monte pio official vae acompanhada de um relatorio impresso da commissão nomeada pelo mesmo monte pio, para estudar esta questão.

A commissão tratou-a profundamente e este estudo póde elucidar a commissão e a camara.

As propostas são as seguintes:

Proposta de lei n.º 69-D

Senhores. — O monte pio official creado pela previdente lei de 2 de julho de 1867 ameaça em muito breve espaço de tempo encontrar-se em precarias circumstancias, pondo em risco a subsistencia de grande numero de familias, se lhes não acudirmos com meios adquados e efficazes.

A rasão d'este facto provém dos encargos que a lei, como foi approvada no parlamento, e os estatutos mais tarde decretados accrescentaram áquelles que serviram de base ao calculo do subsidio necessario para manter a estabilidade d'esta instituição.

Estes encargos addicionaes, e não previstos no relatorio do ministro, que submetteu a proposta da creação do monte pio ás camaras legislativas, foram as anticipações que a lei admittiu e as sobrevivencias mais tarde introduzidas nos estatutos. Estes dois elementos operaram como era inevitavel, perturbando a capitalisação nos primeiros annos, de maneira tal, que o subsidio calculado para condições diversas se torna exiguo, e se não for augmentado, dentro de pouco tempo terá de haver rateio nas pensões, o que significa a miseria de inúmeras familias, cujos chefes tinham confiado na solidez d'esta previdente instituição. O inconveniente que provém das sobrevivencias póde ser remediado no futuro, como vos proponho, sem prejuizo dos direitos adquiridos; mas o que proveio das antecipações é já hoje irremediavel por outro meio rasoavel que não seja o augmento do subsidio, como tambem proponho.

A commissão nomeada por decreto de 3 de agosto de 1877, para de accordo com a direcção do monte pio official propor as alterações que conviria fazer na lei d'esta instituição, a fim de a firmar em bases solidas e de modo que satisfaça a previdencia dos que a ella confiaram o futuro das suas familias, pondera e demonstra n'um extenso e substancioso relatorio as causas da proxima decadencia do monte pio, e os meios de a evitar, e acompanha este valioso trabalho de cinco tabellas de amortisação, calculadas para um largo numero de annos, segundo as differentes hypotheses ponderadas.

Alem do ponto capital e inevitavel do augmento do subsidio, propõe a commissão outras alterações, algumas das quaes, de entre as que dependem da sancção legislativa, o governo vos propõe que adopteis, por parecerem de todo o ponto uteis e justificadas.

Tenho pois a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E elevado a 55:000$000 réis o subsidio do governo ao monte pio official, creado pela lei de 2 de julho de 1867.

Art. 2.° São tambem herdeiros habeis para receber pensão do monte pio official os filhos legitimados ou perfilhados nos termos da lei civil.

Art. 3.° A pensão caducará pelo fallecimento ou inhabilidade do herdeiro, vagando por isso para o monte pio. Se porém algum sócio pretender que tenha logar a sobrevivência da pensão de ascendente para descendentes, pagará quota duplicada a contar do mez da publicação d'esta lei, e estas pensões serão sempre na proporção dos herdeiros existentes ao tempo do fallecimento do sócio, de modo que se dará a caducidade em favor do monte pio em relação aos co-herdeiros que tenham fallecido depois de terem sido quinhoeiros da pensão legada.

§ unico. Às sobrevivencias constantes do artigo 18.° dos estatutos actuaes do monte pio official continuarão a favor dos actuaes pensionistas, mas sómente entre ascendentes e descendentes.

Art. l.° Os recursos dos actos da direcção serão resolvidos pela assembléa geral, quando porém os recorrentes se não conformem serão decididos em ultima instancia pelo ministro da fazenda, precedendo parecer fundamentado dos fiscaes da corôa e fazenda, e tudo será publicado no relatorio dos actos da direcção.

§ unico. O praso para a interposição do recurso é de trinta dias, a contar da participação feita ao interessado pelo corpo gerente.

Art. 5.° O governo reformará os estatutos do monte pio official, na conformidade d'esta lei, e para a executar fará os regulamentos necessarios, precedendo proposta da direcção, consultada a assembléa geral.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 6 de fevereiro de 1810. = Antonio de Serpa Pimentel.

Foi enviada á commissão de fazenda.

Proposta de lei n.º 69-F

Senhores. — Na sessão legislativa de 1875 apresentou o governo ás camaras uma proposta de lei para a extincção da moeda fraca nos districtos das ilhas adjacentes. É escusado demonstrar-vos os obvios inconvenientes economicos de termos um systema monetario n'aquelles districtos differente do que temos no continente, e ainda um systema no districto do Funchal diverso do que vigora nos Açores. No relatorio que precedia aquella proposta de lei vem especialmente expostas as causas da primitiva introducção nas ilhas das moedas estrangeiras com um valor arbitrario, e da necessidade que houve em epochas mais ou menos remotas de legalisar o uso d'aquellas moedas, assim como vem apontados os meios de acabar com este estado anormal, optando-se pelo meio estabelecido na proposta. Não foi ella discutida na sessão em que foi apresentada nem nas seguintes, porque nas ilhas dos Açores se levantaram receios e dificuldades que tiveram echo no

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parlamento. Provieram essas difficuldades de que em algumas ilhas dos districtos açorianos o valor usual dado a algumas moedas estrangeiras não é exactamente o valor que lhes lixa a legislação actual, o que vem complicar um pouco a questão que se trata de resolver sem prejuizo para os particulares.

Outras reclamações ou receios provieram talvez do interesse particular dos que lucram no agio das moedas, quando ellas são de varios padrões e de valor legal diverso do seu valor commercial, e dos preconceitos do vulgo, que em questão de medidas, quer sejam de valor, quer de capacidade, peso ou extensão, é sempre opposto ás innovações. E em questões d'esta ordem que tocam nos habitos e costumes da vida quotidiana, até com os preconceitos é muitas vezes necessario contemporisar.

Porém na ilha da Madeira nem se dão as circumstancias que mencionámos a respeito de algumas das ilhas dos Açores, nem d'ali vieram reclamações. Podemos, pois, começar por applicar a uniformidade da moeda ao districto do Funchal, onde alem de tudo o valor da moeda fraca differe muito menos do valor da moeda forte, do que nos Açores, e onde o bom exito da reforma póde servir de exemplo para mais tarde a legislarmos para este archipelago.

Tenho pois a honra de submetter ao vosso exame a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° A moeda legal no districto administrativo do Funchal ficará sendo a mesma do continente, nos termos da lei de 29 de julho de 1854-, e mais legislação em vigor.

Art. 2.° Todos os pagamentos em virtude de contratos ou obrigações anteriores á execução da presente lei, no mesmo districto administrativo, serão feitos em moeda forte, na conformidade do artigo precedente com o abatimento de 1/16.

§ 1.° As contribuições que actualmente são pagas em moeda fraca, serão pagas de futuro em moeda forte, e com o mesmo abatimento. A repartição e lançamento que de futuro se fizerem das contribuições sujeitas a estes modos de processo, serão feitas n'esta conformidade.

§ 2.° Exceptuam-se do disposto n'este artigo os pagamentos feitos em virtude de ajustes ou contratos em que se houver estipulado o pagamento em moeda forte, os quaes pagamentos, assim como o dos direitos cobrados nas alfandegas continuarão a ser feitos sem abatimento.

Art. 3.° Até ao dia 30 de junho de 1880 continuarão a ter curso legal no districto do Funchal todas as moedas estrangeiras que o tem actualmente, com o valor determinado na tabella annexa á presente lei, e com este valor serão recebidas em todos os cofres publicos do mesmo districto. Porém, os pagamentos feitos pelo estado serão sempre effectuados na moeda legal do continente e sel-o-hão em regra com dois terços em oiro e um terço em prata até á mencionada epocha de 30 de junho de 1880.

Art. 4.º' Para os fins do artigo antecedente é o governo auctorisado a mandar cunhar moeda de prata de 500, 200, 100 e 50 réis até á importancia de 200:000$000 réis.

Art. 5.° A presente lei começará a ter execução no dia 1 do julho do corrente anno.

Art. G.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro em 31 de janeiro de 1879. = Antonio de Serpa Pimentel.

Tabella a que se refere a proposta de lei d'esta data

Patacas mexicanas, peruvianas, columbianas, chilenas e de Buenos Ayres — 960 réis.

Onças de oiro hespanholas — 15$000 réis.

Meias onças, quartos e oitavos de onça — o valor proporcional.

Águias de oiro de dez patacas dos Estados Unidos — 9$375 réis.

As partes fraccionarias d'esta moeda — o valor proporcional.

Patacas dos Estados Unidos — 937 réis.

As partes fraccionarias d'esta moeda — o valor proporcional.

Shelling inglez — 225 réis.

A outra moeda ingleza na proporção de 225 réis por shelling ou 18,75 por penny.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 31 de janeiro de 1879. — Antonio de Serpa Pimentel.

Foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.

Tambem mando para a mesa uma representação dos thesoureiros dos bancos da capital, em que pedem mudar de classe da contribuição industrial.

O requerimento é o seguinte:

Requerimento

Não se achando designado no orçamento de 1879 a 1880 a quantia da contribuição industrial, em substituição da collecta pela licença de venda do tabaco nas ilhas dos Açores e Madeira, que tem a entrar na liquidação feita na fórma do § unico do artigo 23.° da lei de 13 de maio de 1861, desde 1872 a 1877, requeiro que, com toda a urgencia, se enviem a esta camara, pelo ministerio competente, as seguintes notas:

1.ª Qual foi a quantia que renderam para o estado desde "1871 a 1878 o imposto da licença para o tabaco nos Açores o Madeira, imposto que foi addicionado á contribuição industrial nas mesmas ilhas.

2.ª Copia das liquidações que desde 1864 a 1868 se tem feito, do que tem a pagar em cada uma, cada um dos districtos das ilhas em compensação para o tabaco.

3.ª Copia de todas as informações das repartições superiores de fazenda e competentes despachos que têem auctorisado a distribuição das quotas a compensar para a importancia de 70:000/5000 réis, tomando-se para base, não a importancia das contribuições, mas sim o rendimento de cada um dos mesmos districtos, proveniente da imposto do tabaco, e isto em caso de não haver inconveniente para o serviço publico, no ultimo d'este pedido. = Visconde de Sieuve de Menezes.

A secretaria para, expedir com urgencia.

O sr. J. da Costa Pinto: — Vou chamar a attenção do governo para um assumpto grave o urgente.

Os habitantes das povoações da Trafaria, da Costa do Caparica, do Seixal e Cezimbra, que fazem parte do circulo de Almada, que tenho a honra de representar n'esta casa, vivem todos, ou quasi todos, como v. ex.ª sabe e a camara, da industria da pesca.

Era consequencia do rigor do inverno, não podem nem têem podido pescar, e não tendo outros recursos de que alimentar-se, áquelles desgraçados venderam quanto possuiam e até o proprio fato!

Não tendo pão para se alimentar nem fato para se agasalhar dos rigores do inverno, o quadro de fome e miseria n'aquellas localidades, e principalmente na Trafaria, é horroroso.

Não bastam, para acudir a taes desgraças, os recursos da iniciativa particular, é preciso que se faça o que se tem praticado em identicas circumstancias, soccorrendo áquelles desgraçados.

Espero que o governo attenda a este pedido, soccorrendo áquelles infelizes.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Setubal, pedindo prorogação do praso da concessão da taxa do deslastre dos navios, a fim de poder realisar a importante obra para que aquelle rendimento foi concedido, e peço ás respectivas commissões que attendam com urgencia a esta necessidade publica.

O sr. Goes Pinto: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos _ pelo ministerio das obras publicas.

Mando tambem um requerimento pelo qual fica prejudicado o primeiro dos dois que enviei na sessão do dia 3 do corrente. Por lapso dá imprensa, ou meu, não tinha aquelle a restricção que faço no que apresento agora.

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Ou requerimentos são os seguintes:

1.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam enviados com urgencia os seguintes documentos:

]. Copia da circular expedida ás repartições de fazenda, em que o director geral das contribuições directas prescreveu qual devia ser a conducta dos respectivos empregados por occasião da eleição geral de deputados.

II. Copia de quaesquer circulares ou officios especiaes, expedidos pelo mesmo director geral com respeito ao procedimento dos empregados de fazenda nas eleições geraes de deputados, quer antes quer depois de 13 de outubro de 1878.

III. Copias de quaesquer informações dadas á direcção geral das contribuições directas pelo delegado do thesouro do districto de Vianna do Castello ou pelo escrivão do fazenda do concelho capital do districto ácerca dos empregados da? suas repartições, informações dadas durante o anno findo.

IV. Copia de toda a correspondencia, incluindo a telegraphica, que directa ou indirectamente, se refira ao primeiro escripturario da repartição de fazenda do concelho de Vianna do Castello, Adeodato José de Carvalho, demittido por despacho de 29 de novembro de 1878.

5.° Copias de quaesquer informações que tenham sido dadas a respeito do mesmo escripturario, Adeodato José de Carvalho, desde a data da sua nomeação;

VI. Copias do requerimento feito pelo referido escripturario, depois da sua demissão e do despacho dado ao mesmo requerimento.. — O deputado por Vianna do Castello, Goes Pinto.

Enviado á secretaria para expedir com urgencia. 2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam enviados os seguintes esclarecimentos:

I. Nomes dos membros que actualmente compõem a junta administrativa das obras da barra e porto de Vianna do Castello.

II. Portaria que os nomeou.

3.° Copia da correspondencia que diga respeito á sua nomeação e ao facto de não lhe haver sido dada a competente posse.

Sala das sessões, 7 de fevereiro de 1879. = O deputado por, Vianna do Castello, Goes Pinto.

A secretaria para expedir com urgencia.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): — Mando para a mesa duas propostas de lei e uma renovação de iniciativa.

(Leu.)

Aproveito esta occasião para declarar ao meu amigo, o sr. Costa Pinto, que ouvi com toda a attenção as palavras que s. ex.ª proferiu e que as hei de tomar em consideração, adoptando a esse respeito as providencias que julgar convenientes.

As propostas são as seguintes:

I

Proposta de lei n. 69-A

Senhores. — É hoje tão provada quanto urgente a necessidade de definir e fixar em um plano geral dos caminhos de ferro em Portugal quaes as linhas que devam constituir o nosso systema de viação accelerada. Na lei que decrete um tal plano, não só deverão ser classificadas as linhas em attenção á sua importancia, mas ainda se torna de grande conveniencia, determinar as condições geraes que regulem a sua construcção e concessão. E este um problema de tanto interresse para o paiz, que quando não fóra no desempenho de um compromisso contraindo na ultima sessão parlamentar, não menos teria o governo por imperioso dever propor ao vosso exame e voto uma proposta de lei para a sua resolução.

E não é esta tão sómente uma questão de fórma ou de methodo, mas na verdade assumpto de uma vital importancia.

São os caminhos de ferro auxiliados pelos outros meios de communicaçâo, os instrumentos mais poderosos do trabalho e do progresso moderno. E assim como n'um machismo bem organisado todas as peças e rodagens devem ser calculadas com a mais perfeita harmonia, para que a transmissão das forças productivas se opere com o maximo aproveitamento do seu effeito util, assim no systema geral das vias de communicaçâo devem todos os seus elementos ser harmoniosos entre si, e proporcionados ás conveniencias publicas a que tem do satisfazer.

Na proposta que apresentámos á vossa consideração procurámos sempre inspirar-nos nas conveniencias publicas, tomando de diversos trabalhos de corporações technicas e dos estudos dos homens mais competentes as indicações que nos pareceram mais uteis. Entre estes ultimos faremos especial menção do valioso relatorio apresentado ao governo em maio do anno findo pelo antigo e illustrado ministro o conselheiro João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

A presente proposta de lei divide os caminhos de ferro em duas cathegorias — de serviço publico e de serviço particular.

Na primeira cathegoria e esta é a importantissima, divide as linhas em tres classes: linhas de 1.ª ordem ou de interesse geral, de 2.ª ordem ou de interesse local, e de terceira ordem ou americanas, assentes em vias publicas.

São as linhas de 1.ª e 2.ª ordem aquellas que pela sua importancia mais devem merecer a attenção dos poderes publicos.

As primeiras, de interesse geral, devem por sua natureza ser construidas a expensas do estado, e a ordem por que tenham de ser executadas deve ser determinada por lei especial, bem como as condições technicas, economicas e financeiras, que hajam de regular a sua construcção.

Pelo que respeita ás de segunda ordem ou de interesse local, comquanto o estado tenha de prestar-lhes o seu concurso, parece preferivel que ás localidades interessadas incumba a iniciativa da sua construcção, visto que sobre os povos a quem ellas especialmente tem de servir ha de recaír uma parte consideravel dos encargos que dellas derivem.

Não julgámos conveniente torna-las dependentes de nova disposição legislativa, mas simplesmente da auctorisação do governo logo que estejam satisfeitas as condições e requisitos determinados na lei e nos regulamentos especiaes. Evitam-se assim maiores delongas sem quebra das boas normas de administração. Nem seria necessaria a garantia da sancção parlamentar desde que por lei se acham designadas as linhas d'esta natureza e as condições da sua construcção; nem seria por outro lado prudente conferir ás juntas geraes ou ás commissões suas delegadas tão largas attribuições, como em França conferiu aos conselhos geraes e aos prefeitos a lei de 1865 sobre caminhos de ferro de interesse local. O abuso de tão amplas faculdades, dando occasião e larga margem á especulação febril de concessionarios que facilmente se apoderaram do maior numero de concessões, com o unico intuito de as negociar; a imprudencia com que se concediam linhas sem condições devida propria; o erro de crear verdadeiras duplicações das linhas principaes pela combinação entre diversos departamentos, falseando inteiramente o caracter de linhas-afluentes ou subsidiarias que o legislador lhes quizera imprimir, todos estes inconvenientes a que em França se procura dar remedio prompto, nos aconselham a conveniencia da tutela do governo na parte em que os interesses publicos podem ser afectados, o que tanto mais se justifica quanto é certo que e estado presta um valioso concurso para a construcção d'estas linhas. O ponto essencial, a nosso ver, é que a iniciativa das localidades possa exercer-se livremente na apreciação das vantagens e sacrificios que taes melhoramentos lhes possam trazer, e que por deliberação propria criem os recursos necessarios para a sua realisação.

Sessão de 7 de fevereiro de 1879,

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Confia, o governo que os resultados efficazes d'esta lei, se ella for julgada digna da vossa approvação, em poucos annos se farão sentir no paiz, para o que muito póde concorrer o incitamento da opinião publica e a boa vontade das administrações locaes e dos governos.

A lei de 15 de junho de 1862, a cujas sabias e prudentes disposições devemos os consideraveis beneficios da viação districtal e municipal, só em 1866 a 1867 começou a ser executada com mais larqueza e energia.

Esperámos que as localidades com iniciativa vigorosa correspondam pelos seus esforços e commettimentos ás largas faculdades que a moderna legislação confere aos corpos que as administram. Temos profunda confiança que os problemas de maior alcance economico, quaes são os relativos á viação publica, de qualquer ordem que ella seja, terão, em cada districto ou concelho interessado, prompta e espontanea resolução, postos á luz da evidencia e medidos pelo criterio popular os encargos e os beneficios que de taes melhoramentos lhes resultam.

O contribuinte acceita resolutamente o sacrificio, quando breve lhe colhe o proveito.

E n'esta especialidade de melhoramentos publicos, mormente dos locaes, póde dizer-se que os povos lhes colhem já as primicias ao presencear a abertura e o desenvolvimento dos trabalhos, tanto mais que uma parte e a mais numerosa da população n'elles encontra largo campo para a sua actividade e industria. Posteriormente, e em curto espaço de tempo, começa a fruição dos beneficios conquistados a troco de trabalhos e de privações e cada contribuinte reconhece pela experiencia propria a larga remuneração dos sacrificios que acceitára. Esta é a suprema demonstração das verdades economicas.

O imposto pago para os melhoramentos da viação são apenas o preço de resgate com que os povos se libertam dos mais pezados encargos e vexames.

Ha provincias para as quaes a construcção de uma estrada e mais ainda de um caminho de ferro é uma verdadeira libertação do seu territorio, até hoje sequestrada da communhão dos beneficios publicos

Districtos inteiros, como o de Bragança por exemplo, vivem, com magua o dizemos, no mais apertado bloqueio.

N'um interessante relatorio do agrónomo d'este districto, datado de dezembro de 1877, lêem-se as seguintes palavras que transcrevemos, porque na sua singeleza e sob o cunho da verdade resumem a situação economica de uma provincia inteira.

«Lembro-me que uma vez, estando eu em Miranda do Douro, e conversando com alguns lavradores d'ali, tendo dito que quando o permittissem as condições economicas do mercado, este districto estava destinado, pelas suas condições physicas do terreno e do clima, para as quatro explorações agricolas: do gado (pelas suas pastagens magnificas), da vinha, da oliveira e dos arvoredos; um ali presente me objectou, que faltava o essencial, o pão, porque 'o homem nem só vive de carne, de vinho e de azeite.

«Esta resposta, que, abstraindo o logar onde foi dada, mereceria um sorriso do homem menos versado nos principios mais elementares da economia rural, porque julgaria que bastava ter um só d'aquelles productos da actividade humana, quanto mais os quatro, para os trocar por outros quaesquer que appetecesse, tem comtudo um cunho de verdade local, que se impõe superior a tudo, e que bem mostra o estado economico d'este districto.

«A verdade é aquella. O lavrador de Miranda ha de ter o pão de sua casa, ou compral-o ao seu vizinho, e se nenhum dos dois o tiver, não o come (pelo menos o maior numero), porque não tem. com que pagar o preço exorbitantíssimo porque lhe fica, se o mandar vir do fóra.

«Applicando isto com mais ou menos rasão a todo o districto, falta de vias de transporte, que abram o mercado, permittindo a troca, a importação e exportação, eis o motivo porque se cultivam tantos cereaes em Traz os Montes.

«Quando chegue o dia em que, com a facilidade e barateza dos transportes para todo o reino, possa vir a especialisacão das culturas, cada região produzirá unicamente, não as, cousas que necessita, mas aquellas para que foi fadada pelas suas condições de terreno e de clima, e n'essa occasião a cultura dos cereaes deixará de ter rasão de ser, e será quasi banida d'aqui.

«Até essa epocha é que hão é possivel sel-o.?)

Contra este estado de cousas, negação absoluta dos principios fundamentaes da sciencia economica, quaes são a livre circulação dos productos e a divisão do trabalho, que não é só a dos individuos mas ainda a das diversas regiões e paizes cuja actividade se deve exercer no campo das suas maximas aptidões, é que se torna preciso, urgente, impreterivel, empenhar todos os esforços, e congregar todas as vontades. E isto só póde conseguir-se pela acção combinada dos poderes do estado e das administrações locaes. Essa acção define-se para o estado na construcção dos caminhos de ferro de interesse geral e no concurso que presta aos de interesse local. Para os distritrictos e municipios na iniciativa d'estes ultimos, e na creação, dos recursos applicaveis á sua construcção.

E muito difficil, se não impossivel, estabelecer á priori os caracteres que definem as linhas de interesse geral e os que pertencem ás de interesse local. Assim o reconhecia mr. de Freycinet n'um recente relatorio ao presidente da republica franceza. Não ha formula que defina precisamente o caminho de interesse geral e o de interesse local. As grandes correntes commerciaes, a defeza militar do territorio, a importancia dos centros ligados, a extensão das linhas e a natureza dos capitães invertidos na construcção são elementos de apreciação de cada caminho de ferro, mas não constituem de per si regra absoluta de classificação.

O problema é complexo e póde dizer-se que apenas resolúvel pelo estudo de cada uma das linhas isoladamente, apreciando todas as suas condições economicas e militares, e o caracter complexo da região que tem a servir. É certo, comtudo, que a configuração geometrica do nosso paiz facilita consideravelmente a resolução do problema, excluindo intuitivamente a solução do systema radial, á qual tanto se apropriam pela sua conformação geographica outros paizes como a Hespanha e a França. Nas condições peculiares do nosso territorio, attenta a distribuição dos centros principaes de população, a configuração orographica dos terrenos e a disposição geral das linhas de cumiada e dos valles principaes, parece-nos que devem ser consideradas de 1.ª ordem as linhas que cortam o paiz em toda a sua extensão, quer longitudinalmente, facilitando a circulação do um a outro extremo do nosso territorio, quer no sentido transversal servindo os valles mais importantes pela sua riqueza e população, e ligando do modo mais directo o nosso systema de vias ferreas com a rede da nação vizinha.

E assim sob o primeiro ponto de vista de linhas longitudinaes são natural e intuitivamente classificadas de 1.ª ordem ou de interesse geral as do Minho, norte, sueste e Algarve que estabelecem a grande communicação do littoral entre o norte e o sul do reino, e as de Traz os Montes, da Fronteira, Beira Baixa e Alto Alemtejo até Casa Branca, que igualmente a estabelecem pela nossa fronteira, como tanto o recommendam as considerações do ordem economica e estrategicas do nosso paiz.

Nos grupos das linhas transversaes julgámos deverem ser classificadas de interesse geral:

1.º O caminho de ferro do Douro e o seu prolongamento para Leichões, o qual alem da importante missão que lhe cabe dentro do paiz, se deve tornar, continuado desde a Barca de Alva até Salamanca, a principal communicação entre uma vasta e rica região de Hespanha e a praça do Porto, mormente quando o estabelecimento de um porto artificial assegure a esta cidade todo o desenvolvimento

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do seu commercio maritimo, como naturalmente lhe compete pela sua situação geographica;

2.° O caminho da Beira Alta, linha directa internacional entre o centro da Europa e o porto de Lisboa, -c que, cumulativamente com esta missão tão importante, desempenha ainda dentro do paiz funcções economicas mais modestas, mas de subido valor, dando serventia á rica e populosa região agricola do Valle do Mondego e da provincia da Beira Alta;

3.º A linha da Beira Baixa que pelo valle do Tejo liga pelo traçado mais directo as duas capitães, Lisboa e Madrid, e que n'uma consideravel extensão entre Abrantes e Castello Branco faz parte da linha longitudinal de fronteira, o que duplamente a justifica;

4.° A de leste e, seu ramal para Caceres por onde são o serão conduzidos do Porto de Lisboa os valiosos productos agricolas e» mineraes das provincias hespanholas, Estremadura e Castella;

5.° Finalmente, o prolongamento da linha de Sueste até á fronteira em direcção a Huelva ou Sevilha, abrindo assim á provincia da Andaluzia, tão fertil e tão vasta, uma directa communicaçâo com o nosso porto de Lisboa.

Alem das que ficam indicadas algumas outras linhas ha a incluir na classificação de interesse geral, não tanto em attenção á sua extensão como pela importancia que para ellas deriva já das suas relações com as linhas de 1.ª ordem que deixámos descriptas, já pela sua ligação com a capital ou com -algum porto de mar;

Taes são:

1.° (J ramal da Figueira, prolongamento natural do caminho da Beira Alta, e pelo qual é de esperar que se opere um consideravel movimento de importação e exportação pela barra da Figueira.

2.° O caminho de Lisboa a Cintra, com um ramal para Cascaes, o qual deve ser considerado como um complemento indispensavel de unia capital como Lisboa, cuja crescente população tanto carece de faceis communicações para os seus arrabaldes e as aprazíveis.

3.° O caminho de Leiria a Torres Vedras, prolongamento pelas Caldas e Leiria Pombal a entroncar com a linha do norte.

Esta linha alem-de ser muito importante sob o ponto de vista militar, desempenha na economia d'aquella vasta região do littoral funcções de subido valor, abrindo communicaçâo para Lisboa e para a linha do norte a uma zona muito populosa e productiva, e estabelecendo uma nova ligação entre a capital e o norte do paiz, circumstancia esta de permanente vantagem, que em casos especiaes se póde tornar de um alcance excepcional.

4.° O ramal de Elvas ligando a linha do Alto Alemtejo era Extremoz com a linha de leste junto aquella praça da guerra. E esta uma ligação natural e intuitiva das duas linhas, e tem por fim estabelecer a communicaçâo entre as provincias portuguezas Alemtejo e Algarve, e as hespanholas da Estremadura e Castella.

E por outro lado evidente o grande valor estrategico d'este prolongamento.

5.º Finalmente os dois ramaes de Vizeu e da Covilhã, os quaes, comquanto não tenham caracter de interesse geral na mais lata significação da palavra, servem comtudo do centros de grande importancia pela sua actividade agricola e industrial. Alem d'isso são ramaes complementares das duas linhas da Beira Alta e da Fronteira, e já hoje, pela lei de 26 de janeiro de 1876, consideradas como linhas a construir a expensas do estado. O primeiro mede proximamente 38 kilometros e o segundo por estimativa uns 15.

Temos até aqui designado em summaria descripção, as que por agora e por largo periodo, porventura, se nos antolham como devendo constituir a nossa rede de caminhos de ferro de 1.ª ordem ou de interesse geral. A estas linhas devem vir prender-se como naturaes affluentes

os caminhos de 2.ª ordem ou de interesse local, cujas funcções economicas, como não póde deixar de ser, são muito mais restrictas, pois que a sua zona de trafego representa para a das linhas de 1.ª ordem como que um arremedo dos valles secundarios para com os de 1.ª ordem no regimen das aguas á superficie da terra.

Cada um d'estes affluentes tem a sua missão especial e póde desde logo conjecturar-se que a sua distribuição deve ser uma funcção directa da intensidade da população e da capacidade productiva, industrial ou agricola de cada região do paiz.

Estas linhas que em geral tem elementos de trafego assás limitado, carecem de ser construidas sob os preceitos da maior modestia e da mais severa economia. Na sua exploração deve ser norma imprescindivel a parcimonia nas despezas e o maximo aproveitamento do seu effeito util. Na generalidade dos casos o serviço dos trens deve ser feito en navette, isto é, por fórma que o mesmo trem percorra alternativamente a linha em ambos os sentidos sem necessidade de cruzamentos.

A economia de material e de pessoal attinge assim a proporção maxima a que se deve aspirar. As condições technicas d'estes caminhos podem e devem ser estabelecidas em harmonia com as funcções que elles tem a desempenhar. D'aqui resulta como preceito generico a observar a adopção da via reduzida com o que o preço kilometrico da construcção póde ser reduzido em geral de um terço, e em alguns casos em proporções ainda mais fortes, attenta a facilidade de accommodar o traçado ao relevo do terreno e a economia resultante de material fixo e circulante de preço bastante mais diminuto. Por outro lado tambem as condições technicas de perfil podem o devem ser modificadas no intuito de diminuir as despezas da construcção, adoptando declividades um pouco mais fortes sem esquecer comtudo a prudencia, e tendo sempre em vista não exagerar as difficuldades e despezas de tracção.

Um caminho de ferro é no seu conjuncto um mechanismo complexo, cujos detalhes devem ser estudados, olhando sempre ao serviço a que cada elemento é destinado.

Tendo em vista estas considerações julgámos não só conveniente mas indispensavel que as linhas de segunda ordem sejam, como principio geral, construidas de via estreita, e adoptámos como typo uniforme a via de 1 metro entre carris, attendendo á grande vantagem economica de fixar um typo unico que permitte em muitos casos o melhor aproveitamento de material circulante e mesmo fixo.

Não cabe de certo nos limites da lei entrar na minúcia dos preceitos que devem regular a construcção e exploração dos caminhos de interesse local e será isso objecto de regulamentação especial na qual, como já deixámos dito, deve dominar energicamente, mas prudentemente, o pensamento da maxima economia. '

As linhas que por agora, em nosso entender, devem formar a rede de segunda ordem ou de interesse local, são as seguintes:

1.ª Do Valle do Lima — De Vianna, por Ponte do Lima e Ponte da Barca, a Lindoso. — Esta linha atravessa terreno mui rico e populoso até á Ponte da Barca, na extensão' approximada de 10 kilometros. Nos restantes 20 kilometros, de Ponte da Barca a Lindoso, escasseia a população e restringe se consideravelmente a area de cultura» A densidade de população em toda a zona de Vianna a Lindoso é de 102 habitantes por kilometro quadrado.

Na extensão comprehendida entre Ponte da Barca e Lindoso deve esta linha substituir a parte da estrada n.º 25 de 1.ª ordem, o que economisa para o estado a importancia quasi do subsidio que tinha a dar ao caminho de ferro na mesma extensão.

2.ª Do valle do Cavado. — Esta linha, seguindo de Braga a Ruivâes, Caldas do Gerez e Montalegre, serve no districto de Braga os concelhos de Braga, Povoa de Lanhoso, Terras de Bouro e Vieira, na extensão de 45

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kilometros, com uma população especifica de 118 habitantes por kilometro quadrado, e no districto de Villa Real corta o concelho do Montalegre, seguindo o valle do Cavado em uma distancia de 25 kilometros, baixando a densidade da população a 24 habitantes por kilometro quadrado. Serve as Caldas do Gerez, notaveis pela abundancia do seu manancial e elevada temperatura das suas aguas, podendo com a facilidade de communicações tornar-se um estabelecimento importante. Esta região tem consideravel valor pecuário, sendo o concelho de Montalegre representado o solar da raça barrosã, devendo a sua creação tomar grande desenvolvimento pela facilidade e barateza dos transportes.

3.ª Do Porto á Povoa de Varzim e Famalicão. — Construída já na extensão de 44 kilometros entre Porto e as Fontainhas, por companhia não subvencionada, acha-se ainda em construcção na extensão de 13 kilometros das Fontainhas a Villa Nova de Famalicão aonde termina.

4.ª De Famalicão a Chaves. — Cortando os concelhos de Villa Nova de Famalicão, Guimarães, Fafe, Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto no districto de Braga, e os de Ribeira de Pena, Villa Pouca de Aguiar, Boticas e Chaves no de Villa Real põe em communicação directa com a linha do Minho toda a zona por elles occupada. Mede segundo estudos feitos pela companhia da Povoa de Varzim uma extensão de 186 kilometros. As regiões atravessadas são das mais interessantes do nosso paiz sob o multiplice aspecto da sua densa população, intensidade de cultura, riqueza pecuária e excellencia das suas vinhas, o que tudo leva a prognosticar um trafego importante em passageiros e mercadorias. A densidade da população é na zona do districto de Braga de 126 habitantes e no do Villa Real de 44 por kilometro quadrado. Dos 186 kilometros, metade são no districto de Braga e a outra metade no de Villa Real.

5.ª Ramal de Amarante. — Partindo do caminho de ferro do Douro o seguindo o valle do Tamega, vae este ramal, na extensão approximada de 45 kilometros, prender-se na linha, anterior em Cavez. E esta, sem duvida a communicação mais curta entre o Porto e Chaves.

Attendendo a esta circumstancia o á população e cultura das duas margens do Tamega, deve este ramal ser julgado de grande conveniencia e um complemento da, linha de Famalicão a, Chaves.

6.ª Regua a Chaves. — E directriz' forçada d'este caminho o valle do rio Corgo em toda a sua extensão. Passa, em Villa Real e deverá porventura ligar-se nas proximidades de Villa Pouca de Aguiar com a linha já descripta para Chaves. A circumstancia de dar serventia a Villa Real e a todo o valle do Corgo sobre o caminho de ferro do Douro, dispensa de mais justificação. Mede o seu traçado 49 kilometros.

7.ª Bougado a Guimarães. — Tem construidos 7 kilometros, e por isso a incluímos na tabella. Faltam 25 kilometros.

8.ª Mirandella a Vinhaes. — Esta linha vae indicada como prolongamento natural da de Foz Tua a Mirandella, não tem um caracter de urgencia, e deve substituir a estrada districtal n.º 20 de Vinhaes, por Torre de D. Chama, a Mirandella.

9.ª Pocinho a Miranda. — Deve substituir a estrada de 1.ª ordem n.º 9 na parte comprehendida entre áquelles pontos. Dará serventia ás importantissimas minas de ferro de Moncorvo. Corta o planalto comprehendido entre os rios Sabor e Douro, região importante sob o ponto de vista agricola e pecuário, e susceptivel de grande desenvolvimento logo que tenha transporte barato para os seus productos.

10.ª Valle do Vouga. — Na extensão de 60 kilometros atravessa, os concelhos do Estarreja, Sever do Vouga, Oliveira de Frades, Vouzella e S. Pedro do Sul, bastante populosos e cultivados. A densidade da população na zona

servida por este caminho é de 90 habitantes por kilometro. quadrado. Ainda sob o ponto de vista mineiro merece esta linha, particular attenção.

É n'esta região que já hoje se acham era activa exploração as minas de chumbo de Braçal, Malhada e Coval da Mó, alem de outras do cobre, Palhal e Telhadella. Levada, se o terreno o permittir, até Vizeu, seria a communicação mais directa entre esta cidade e o Porto.

Por esta fórma seria a distancia de Vizeu á linha do norte de 88 kilometros, o que, em relação ao Porto, importaria um encurtamento de 41 kilometros sobre o trajecto pelo ramal de Vizeu á linha da Beira Alta.

ll.ª Sul do Mondego. — Tem este caminho em vista servir os concelhos da margem esquerda do Mondego, Pendia, Miranda do Corvo, Louzã, Goes, Arganil e Oliveira do Hospital, cuja importancia agricola e fabril é geralmente conhecida. A população especifica d'esta zona é de S8 habitantes por kilometro quadrado.

A distancia entre Coimbra e Gallizes, termo indicado da linha, é de 70 kilometros. A escolha d'este terminus é motivada pela conveniencia de ligar com a estrada real n.º 46, conhecida pela designação das Pedras Lavradas que, atravessando todo o macisso da serra da Estrella, abre mais uma importante communicação ao commercio com a Covilhã.

Esta estrada, traçada com declives maximos de 3 por cento, não obstante a serra que transpõe, prestar-se-ha de futuro ao estabelecimento de um caminho americano a vapor, o qual poderá ligar em Gallizes com a linha do sul do Mondego.

12.ª Ramal de Peniche a Santarem. — Este caminho recommendado por considerações estrategicas offerece a vantagem de ligar as duas linhas de 1.ª ordem — Lisboa a Pombal o caminho de Leste, cortando cerca de meio comprimento a peninsula formada pelo Tejo e occeano.

Incluindo-a na 2.ª ordem entendemos comtudo que muito convirá que seja construida de via larga para melhor corresponder á sua dupla feição.

13.ª Cacilhas, Cezimbra, Pinhal Novo. — Sem acceitar-mos a opinião dos que pensam que esta linha offerece a melhor solução em relação ao movimento commercial que se opera pelas linhas do sul ao Tejo, cujo terminus se acha hoje no Barreiro, visto que as sommas que seria necessario despender na estação terminal de Cacilhas e suas dependencias excedem a muito o capital preciso para dar á estação do Barreiro as necessarias condições de facil carga e descarga, julgamos comtudo devel-a incluir na tabella n.º 2, attenta a conveniencia que póde offerecer ao movimento do passageiros e mercadorias da região a que dá serventia. Alem disso são reconhecidas as vantagens militares e estrategicas que um dia ella poderá prestar, e se os poderes publicos assim o considerarem de futuro, mais justificado logar lhe caberá no quadro das linhas de 1.ª ordem.

14.ª Sines a Beja. — Com quanto o porto de Sines não tenha por agora as condições para um consideravel movimento maritimo, é certo comtudo que mais tarde elle póde e deve ser dotado com os melhoramentos necessarios de abrigo e facilidade de serviços da navegação e do commercio.

Uma linha que de Beja se dirija para este porto cortará a bacia hydraulica do Sado e ligará o centro do Baixo Alemtejo com o oceano pela mais curta communicação que póde estabelecer-se.

15.ª Littoral do Algarve. — E esta uma zona de grande intensidade de população, e tal que em alguns concelhos excede ainda mesmo as proporções da provincia do Minho.

Esta facha de territorio largamente dotado com todas as bellezas naturaes, carece de ser ligada de um a outro extremo por uma linha de via reduzida da qual faça parte um troço da do Algarve, de cerca de 40 kilometros. É a nosso ver uma das mais justificadas entre todas as li-

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nhãs de interesse local pelas vantagens que prestará a uma população de cerca de 200:000 habitantes.

Estas são as linhas de 2.ª ordem que a nosso ver correspondem ás necessidades mais instantes do paiz. Não pomos em duvida que o augmento da riqueza publica pela influencia dos melhoramentos já feitos e que têem de fazer-se, pelo alargamento e pelo aperfeiçoamento da nossa exploração agricola, pela iniciação de novas industrias e desenvolvimento das já existentes, pelo crescimento da população e sua agglomeração em novos centros creados por meio de colonisação.

Não pomos em duvida que a acção combinada e progressiva d'estas causas trará comsigo a necessidade de construir outros caminhos de interesse local e porventura linhas de interesse geral, que actualmente não é facil prever.

Não estamos convencidos que em relação mesmo á actualidade o plano que vos propomos seja isento de imperfeições. Confiámos, porém, que a vossa illustração lhe supprirá as deficiencias e corrigirá os defeitos, sob a inspiração dos interesses publicos.

Resumindo os algarismos constantes das tabellas 1 e 2, vê-se que a extensão total da rede projectada é de 3:530 kilometros, dos quaes 2:451 de 1.ª ordem e 1:079 de 2.ª Vê-se mais que a extensão construida é de 1:118 kilometros, sendo 1:067 de interesse geral e 51 de interesse local; e que se acham em via de execucção 371, sendo 358 de 1.ª ordem.

Restam a construir 2:011 kilometros, isto é, 1:026 de 1.ª ordem e 1:015 de 2.ª

Estes algarismos comparados com os que nos dá o estudo da viação accelerada nos paizes que com o nosso podem offerecer mais analogia nas suas proporções territoriaes devem dar-nos lição e incitamento a entrar resolutamente no caminho do progresso que os tem levado a um grau de prosperidade de que nos cumpre fazer a nossa primeira aspiração.

Temos hoje apenas 12k,4 de caminhos explorados por 1:000 kilometros quadrados. Construida a rede proposta, elevar-se-ha este algarismo a 37k,7.

Já se vê pois que não ha exageração na extensão das linhas projectadas.

A Belgica tem já hoje para cima de 3:600 kilometros abertos á circulação publica, ou 124 kilometros por cada 1:000 kilometros superficiaes! E alem d'isso mais de 8:000 kilometros de estradas reas e de 18:000 kilometros de caminhos vicinaes. Alem d'esta vasta rede de vias terrestres, tem ainda cerca de 3:500 kilometros de communicações aquáticas!

Que progressos realisados de 1830 até hoje!

A Hollanda alem de 2:000 kilometros navegáveis e de 3:000 kilometros de canaes tem ainda 1:700 kilometros de caminhos de ferro ou 51 kilometros por cada 1:000 kilometros de superficie! E não mencionámos aqui os trabalhos gigantescos de dessecamento, e de portos e canaes, que são verdadeiras maravilhas da actividade e intelligencia d'aquelle povo.

O nosso estado de atraso relativo não nos deve desanimar. Os beneficios valiosos que já vamos colhendo dos trabalhos feitos, estimulam a nossa iniciativa e incitam a novos progressos. Carecemos de despender grossos capitães, mas as nações que assim o tem feito, não se dão por arrependidas.

Na Belgica a parte do capital applicado pelo estado em caminhos de ferro é de 80.000:0001000 réis, e conserva na sua posse e administração para cima de 2:105 kilometros. Entre nós a despeza feita pelo thesouro orça por réis 31.000:000000, e d'estes cerca de 20.000:000000 réis com os caminhos na posse do estado, na extensão approximada de 644 kilometros, dos quaes 561 concluidos. A avaliação da despeza a fazer com a execução dos 1:026 kilometros de 1.ª ordem e 1:015 de 2.ª que nos falta construir,

não póde ser calculada com rigor por não haver ainda projectos e orçamentos para a maior parte d'essas linhas.

Podem porém ser estabelecidos com bastante segurança os seguintes custos kilometricos por comparação com as linhas construidas e estudadas: Minho 50:000/5000 réis; Traz os Montes, via reduzida, 25:000000 réis; Douro, 50:000/5000 réis; Fronteira ramal da Figueira, Beira Baixa, Lisboa, Cintra e Lisboa a Pombal, 30:000000 réis; isto é, o custo do orçamento e projecto da linha da Beira Baixa que consideramos applicavel ás linhas indicadas; Alto Alemtejo, ramal de Elvas e prolongamento de Sueste 22:000/5000 réis; ramaes de Vizeu e Covilhã, réis 20:000,5000; Algarve, via reduzida, 14:000/5000 réis; a applicação d'estes preços dá uma despeza total muito proxima de 29:000/5000 réis e um custo kilometrico medio um pouco abaixo de 30:000/5000 réis.

Emquanto ás linhas de 2.ª ordem, é tão limitada a extensão até hoje constituida no paiz que mal podemos d'ahi tirar indicação para as que falta a construir. O caminho de ferro do Porto á Povoa de Varzim custou entre réis 16:000/5000 e 17:000000 por kilometro.

Este custo porém não póde ser tomado como a media, porque a maior parte das linhas de 2.ª ordem tem condições de terreno bem mais difficil do que as d'aquelle caminho.

Não se deve reputar em menos de 20:000$000 réis por kilometro o custo medio d'estas linhas. Em França mr. Freycinet attribue-lhes um custo de 60:000 a 80:000 francos, mas é forçoso confessar que os factos observados não auctorisam até hoje a adopção de uma cifra tão diminuta.

Não julgamos fóra de prudencia partir da verba de 20:000$000 réis, o que nos dá a importancia de réis 20.300:000$000, para os 1:015 kilometros de 2.ª ordem. Bem se deixa ver que um capital de cerca de 50.000:000$000 réis, que tanto importam as linhas de uma e outra ordem, só n'um periodo consideravel póde ser applicado para não fazer violencia ás condições economicas do paiz. Tanto mais que as despezas com outros melhoramentos taes como estradas, portos e rios, não podem ser supprimidas.

Não se entenda, porém, que o estado tenha de despender verba tão avultada, por isso que apenas terá a dar subvenções ou subsidios, e estes só devem ser computados por um quarto do custo das linhas. Nas linhas de 1.ª ordem que o estado construa, se por um lado desembolsa o capital integra], por outro lado cobra as receitas que applica aos encargos do capital. Nas circumstancias em que nos encontramos, não julgámos que se deva deixar de concluir as linhas do Minho e do Douro até á fronteira, e bem assim a linha do Algarve, que representa já um capital importante, que nem rende para o thesouro nem presta serviço algum.

N'esse sentido apresentará o governo propostas especiaes. Em quanto a linhas de interesse local, parece-nos que o estado deve auxiliar quanto poder os districtos, quer na elaboração dos estudos, quer por qualquer outro meio auctorisado pelas leis, e especialmente pela lei de 2 de abril de 1873, facilitando emprestimos sob garantia dos impostos votados pelas juntas geraes.

O pensamento do governo é despertar e coadjuvar a iniciativa de todos os interessados, porque a synthese dos interesses individuaes ou locaes, é o interesse geral da nação, que lhe cumpre zelar e promover por todos os meios de que dispõe.

Alem das linhas de 1.ª e 2.ª ordem, temos a considerar as de 3.ª, ou caminhos americanos e os caminhos industriaes. Uns e outros estão muito longe da importancia dos primeiros. Parece comtudo conveniente reunir em um só diploma os preceitos genericos que devam reger o seu estabelecimento.

Regulamentos especiaes definirão as condições de construcção ou exploração que o interesse publico reclamar.

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Dispensamo-nos, do entrar na justificação detalhada das disposições propostas ácerca d'estas linhas, por nos parecerem de manifesta conveniencia, e concluimos pedindo o vosso exame e a vossa approvação para a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fazem objecto d'esta lei todos os caminhos de ferro do continente do reino qualquer que seja o seu systema de via ou natureza do motor empregado na sua tracção.

Art. 2.° Os caminhos de ferro dividem-se em linhas de serviço publico e de serviço particular. Pertencem á primeira cathegoria todos áquelles que são abertos á circulação publica para o transporte de passageiros e mercadorias. São considerados de serviço particular áquelles que se destinam exclusivamente á exploração de uma industria determinada, e por isso denominados industriaes.

Art. 3.° Os caminhos de serviço publico são classificados em:

Linhas de 1.ª ordem, ou do interesse geral; Linhas de 2.ª ordem, ou do interesse local; Linhas de 3.ª ordem, assentes sobre vias publicas ou americanas.

Art. 4.º Os caminhos de 1.ª e 2ª ordem são designados nas tabellas n.ºs 1 e 2 annexas á presente lei e os que de futuro n'ellas sejam incluidos.

§ unico. Nenhuma alteração poderá ser feita n’estas tabellas senão em virtude da disposição legislativa.

§ 2.° Qualquer das linhas designadas nas tabellas n.ºs 1 e 2 póde ser construida na sua totalidade, ou era parte, como melhor pareça aos poderes competentes.

Art. 5.° E da exclusiva attribuição do estado a construcção e exploração dos caminhos de ferro de 1.ª ordem ou de interesse geral, que de futuro hajam de ser construidos; a sua construcção, porém, fica dependente de lei especial que a auctorise e que determine:

1.° As condições da sua construcção e exploração;

2.° O systema, por que deva ser construido e explorado;

3.° Os meios com que o governo deva occorrer ás despezas ou encargos da sua construcção.

§ 1.º A largura normal d'estas linhas será do lm,67 entre as faces interiores dos carris. Poderá comtudo adoptar-se a dei metro, attendendo ás difficuldades do terreno que atravessem, quando estas linhas não tenham de ligar-se pelo seu prolongamento com outras de via larga dentro do paiz ou com a rede de serviço geral do reino vizinho.

§ 2.° Se o systema de construcção adoptado for o de companhia subvencionada, o praso da concessão nunca poderá ser superior a noventa e novo annos, e o estado poderá remir a concessão, decorrido que seja o periodo de quinze annos, alem do praso determinado para, a contracção.

Art. 6.° Determinam preferencia em favor de qualquer linha de interesse geral, na ordem da construcção, os subsidios, devidamente garantidos, prestados pelos districtos, municipios, companhias e particulares, quando a importancia total de taes subsidios attinja 20 por cento do orçamento da mesma linha depois de approvado pelo governo.

§ 1.° Estes subsidios serão representados emquanto aos districtos e municipios por quaesquer elementos da sua receita ordinaria ou extraordinaria constituida na conformidade das leis em vigor.

§ 2.° Aos addicionaes ás contribuições geraes e directas do estado, que forem votados pelas juntas geraes com destino a estas linhas ou ás de 2.ª ordem, serão em tudo applicaveis os preceitos da lei de 3 de abril de 1873.

Art. 7.° Depois da publicação d'esta lei nenhuma proposta do governo será apresentada ás côrtes para que seja auctorisada a construcção de qualquer caminho de ferro de 1.ª ordem, sem que seja acompanhada dos seguintes documentos:

1.° Uma memoria descriptiva do projecto;

2.° O orçamento das despezas da construcção;

3.° Um estudo estatistico e economico sobre a exploração provavel da linha;

4.° Um mappa dos subsdios de que trata o artigo antecedente, quando os houver.

Art. 8.° Fica a cargo dos districtos, auxiliados pelo concurso do estado, a construcção e exploração dos caminhos de ferro de 2.ª ordem, ou de interesse local, e incumbe ás respectivas juntas geraes a iniciativa da sua construcção, nos termos que as leis estabelecerem, ou hajam de ser fixados em regulamentos especiaes.

§ unico. A largura normal d’estas linhas será de 1 melro entre as faces interiores dos carris. Poderá, comtudo, adoptar-se a de lm,67 quando, attenta a facilidade do terreno que ellas atravessem, e consideradas as condições especiaes da sua exploração, o governo assim o julgar conveniente, ouvida ajunta consultiva das obras publicas e minas.

Art. 9.° A construcção de qualquer linha d'esta natureza das comprehendidas, ou de futuro incluida na tabella n.º 2, não depende de lei especial, e póde ser auctorisada pelo governo depois de approvados o seu projecto e orçamento quando as juntas geraes dos districtos interessados requeiram ao governo, era consulta fundamentada, a auctorisação para a sua contracção o provem, tomando em conta o subsidio, que se acham habilitadas com os meios precisos para occorrer ás despezas da, construcção, ou aos encargos que d'esta derivem para os mesmos districtos.

§ 1.° A approvação dos projectos e orçamentos será decretada pelo governo sobre consulta da junta consultiva das obras publicas e minas.

§ 2.° O decreto de auctorisação para a construcção de qualquer linha de 2.ª ordem comprehende virtualmente a declaração de utilidade publica para o effeito da expropriação na conformidade das leis que vigorarem e dos projectos approvados pelo governo.

Art. 10.° A construcção dos caminhos de ferro de 2.ª ordem poderá ser feita por administração directa do governo ou dos districtos, ou por companhias subsidiadas.

§ ].° A construcção por administração directa do governo só terá logar quando os districtos a solicitem e quando o governo seja por estes habilitado com os meios a que são obrigados, e só n'este caso expressamente. Terminada a construcção das linhas serão estas entregues aos districtos que proverão á sua exploração.

§ 2.° A construcção por administração directa dos districtos só póde ter logar quando o governo a auctorise, e a este pertence a escolha do pessoal technico que a dirija e execute, ficando comtudo a sua remuneração a cargo dos districtos.

§ 3.° A exploração das linhas construidas pelo modo de que tratam os §§ antecedentes, será contratada, pelos districtos em concurso publico, ficando dependente da approvação do governo o programma e caderno de condições que a devam regular, ouvida a junta consultiva de obras publicas e minas. O praso maximo de duração de taes contratos não poderá ser superior a vinte annos.

§ 4.° Quando o systema adoptado for o de construcção por companhia subvencionada abrír-se-ha concurso por espaço de noventa, dias, sendo o programma, sujeito á approvação do governo sobre a base dos projectos e orçamentos approvados, e versando a licitação sobre o quantum da subvenção, qualquer que seja a fórma que esta possa tomar. A despeza feita com a fiscalisação em tal caso é por conta dos districtos ainda, que seja commettida a pessoal do governo.

§ 5.° Se a companhia constructora for tambem a que tenha de explorar o caminho o praso da concessão nunca poderá exceder o periodo de noventa e nove annos, e a remissão poderá ser feita pelos districtos findos os primeiros quinze annos de exploração da linha, nos termos que

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o contraio estabelecer. Se a companhia, porém, for tão sómente constructora a exploração dos caminhos logo que sejam entregues aos districtos, far-se-ha na conformidade dó § 3.°

§ 6.° Em todos os casos a construcção e exploração das linhas fica sempre sujeita á fiscalização do governo e aos regulamentos que tenham por fim garantir as boas condições de salubridade e segurança publica.

Art. 11.º Os meios applicaveis á construcção das linhas de 2.ª ordem são os provenientes:

1.° Do concurso do estado;

2.º Dos recursos districtaes e municipaes creados nos lermos estabelecidos nas leis;

3.º Dos auxilios de companhias ou de particulares.

Art. 12.° O estado póde subsidiar qualquer d'estas linhas por uma das tres formas seguintes:

l.ª Com uma subvenção kilometrica, cujo maximo será de 1/4 do custo kilometrico orçado, deduzida a verba das expropriações;

2.3 Tomando sobre si metade dos encargos que resultarem para os districtos quando as linhas sejam construidas e exploradas por companhias, por todo o tempo que durarem esses encargos;

3.ª Concedendo uma annuidade por kilometro explorado correspondente á importancia do subsidio designado no n.º 1.°, sendo essa annuidade calculada para o juro de G por cento e amortisação no praso maximo de cincoenta annos.

§ 3.° O governo adoptará ouvidas as juntas geraes e sob consulta da junta consultiva das obras publicas o minas a fórma de subsidio que tenha por mais conveniente e justa.

§ 2.° Quando o subsidio tenha logar pelo modo do n,.° 1.°, poderá o governo, dentro do limite ali prescripto, concedel-o, fornecendo todo ou parte do material fixo e circulante do caminho. Em caso algum, porém, poderá o governo conceder - em dinheiro o subsidio relativo a qualquer troco ou secção da linha sem que esteja inteiramente concluindo o seu leito e obras de arte n'esta mesma extensão.

Art. 13.° Alem do subsidio de que trata o artigo antecedente concede ainda o estado em favor efésias linhas:

1.° A isenção durante o periodo de vinte annos contados do começo da sua construcção, de qualquer contribuição geral ou municipal, exceptuando o imposto de transito em relação a passageiros e mercadorias, o qual em caso algum poderá exceder 5 por cento dos preços effectivos do transporte;

2.° Isenção durante todo o periodo da construcção de quaesquer direitos de importação para todos os materiaes, utensilios, machinas, combustiveis e mais objectos necessarios para a construcção e exploração das linhas, e por mais dois annos alem d'este periodo tão sómente para as machinas e combustiveis destinados á exploração;

3.º Cedência gratuita de todos os terrenos do estado, que hajam de, ser occupados por estas linhas, bem como de todas as madeiras que n'elles se acharem comprehendidas.

Art. 14,° Em compensação do subsidio e mais concessões que o estado estabelece em favor d'estas linhas, terá este direito durante todo o tempo da sua exploração:

1.° Ao transporte por metade dos preços estabelecidos de toda a tropa e material de guerra que pelas mesmas careça de fazer transportar;

2.º A condução gratuita das malas do correio e de seus conductores, bem como dos empregados fiscaes do governo nas mesmas linhas.

Art. 15.° São consideradas sem effeito as concessões anteriores a esta lei, feitas pelo governo de quaesquer linhas que não estejam comprehendidas nas tabellas 1.ª e 2.ª, e nas condições prescriptas n'esta lei. Nos casos em que qualquer linha concedida se ache no todo ou em parte comprehendida nas ditas tabellas o dentro dos preceitos legaes, será a concessão respectiva declarada nulla para todos os effeitos, se no praso de seis mezes, depois da publicação d'esta lei, os concessionarios não tiverem organisado companhia legalmente habilitada e que prove ter o capital sufficiente para dar inteira execução e cumprimento ás condições da concessão.

Art. 16.° Os estudos dos caminhos de ferro de 1.ª ordem ficam a cargo exclusivamente do estado, e o governo ordenará que aos mesmos se proceda com a possivel brevidade pela verba do orçamento destinada a essa applicação.

Art. 17.° Os estudos das linhas de 2.ª ordem ficam a cargo dos districtos; incumbe, porém, ao governo mandal-os executar pelo seu pessoal technico quando o julgue conveniente ou quando as juntas geraes lh'o requeiram. Em qualquer dos casos, porém, a despeza com elles feita será lançada - á conta dos districtos e escripturada em separado para ser encontrada depois no subsidio que o governo tenha de conceder para a construcção das linhas.

Art. 18.° Fica o governo auctorisado a decretar as alterações que julgar convenientes nas tabellas das estradas reaes e districtaes, em attenção ao plano geral dos caminhos de ferro de 1.ª e 2.ª ordem, depois de ouvidas as juntas geraes de districto o sob consulta da junta consultiva de obras publicas e minas.

Art. 19.° A concessão dos caminhos de 3.ª ordem assentes sobre vias publicas e denominados americanos é attribuição do governo, das juntas geraes ou das camaras municipaes, conforme a classe o natureza das vias publicas sobre que tenham de funccionar.

Art. 20.º São concedidos exclusivamente pelo governo: 1.° Áquelles que na sua extensão total ou parte d'ella, devam ser assentes sobre estradas reaes.

2.° Os que forem projectados sobre estradas districtaes que atravessem dois ou mais districtos.

Art. 21.° E attribuição das juntas geraes a concessão dos americanos que devam ser assentes sobre estradas districtaes ou sobre estradas municipaes, que atravessem dois ou mais concelhos do districto. Se estes concelhos forem situados em differentes districtos, será a concessão feita por accordo das respectivas juntas geraes.

Art. 22.° Compele ás camaras municipaes a concessão de americanos sobre as estradas a cargo do municipio ou sobre as ruas das povoações.

Art. 23.° Nenhuma concessão poderá ser feita senão em virtude de concurso publico, o qual versará, sobre o minimo de tarifas de transporte ou sobre o minimo praso da concessão.

§ 1.º O programma para o concurso e o caderno de condições serão feitos na conformidade dos regulamentos adoptados pelo governo, sob consulta da junta consultiva de obras publicas -e minas e ouvidas as juntas geraes.

§ 2.° O praso da concessão nunca poderá exceder a 50 annos.

§ 3.° Só o governo poderá auctorisar de futuro o emprego de tracção a vapor nos americanos, seja qual for a classe e natureza da via publica em que elles tenham de funccionar e depois do decretado um regulamento especial sobre a tracção a vapor nas vias publisas.

Art. 24.° Os caminhos industriaes não dependem de auctorisação superior para a sua construcção ou exploração toda a vez que elles em nada, affectem nem prejudiquem o dominio publico, e emquanto conservarem o caracter de serviço particular ou de uma determinada industria. São, porem, sujeitos em todos os casos aos regulamentos e providencias que tenham por fim garantir a salubridade e segurança, publica.

Are. 25.° Nenhum caminho d'esta natureza poderá ser facultado á circulação publica de passageiros ou mercadorias sem expressa auctorisação do governo, dependente

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do previa inspecção de technicos e sob consulta da junta consultiva das obras publicas e minas. O governo exercerá em tal caso a fiscalisação que julgue conveniente.

Art. 26.° O governo dará conta annualmente ás côrtes do uso que fizer das auctorisações que por esta lei lhe são concedidas, e proporá as verbas que forem necessarias para estudos dos caminhos de ferro ou para subsidio ás linhas de 2.ª ordem.

Art. 27.º A presente lei em nada invalida quaesquer direitos adquiridos em virtude de lei anterior ou que dimanem de contratos, em que o estado seja uma das partes outorgantes.

Art. 28.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 7 de fevereiro de 1879. — Antonio de Serpa Pimentel = Lourenço Antonio de Carvalho.

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Tabela N.º1

Linhas de 1ª ordem

“Ver Diario Original”

Tabela N.º2

Linhas de 2ª ordem

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Á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Proposta de lei n.º 69-G

Senhores. — A proposta que temos a honra de sujeitar ao vosso exame e deliberação tem por fim dotar o magnifico porto da nossa capital com alguns dos principaes melhoramentos, cuja necessidade é desde muito reconhecida, não só pelo corpo do commercio d'esta praça, que mais de perto soffre os inconvenientes do estado actual, mas ainda de todos áquelles que consideram o porto de Lisboa já hoje, o com mais forte rasão no futuro, não só o primeiro porto do nosso paiz, mas um dos principaes do mundo. Não é só pela facilidade e segurança do seu accesso em todas as phases da maré e com quasi todos os ventos, nem pela vastidão, profundidade e abrigo do seu excellente ancoradouro, que elle é considerado como um porto de primeira importancia. A sua situação geographica dá ainda maior valor e relevo a tantas vantagens naturaes. Collocado no extremo occidente da Europa, é elle um ponto de escala quasi obrigado para a navegação transatlantica entre a Europa e a America meridional. Tempo virá, esperámos, em que elle se torne o posto avançado sobre o oceano, pelo qual tenha de operar-se a quasi totalidade do movimento de passageiros e do serviço postal entre o centro da Europa e aquellas vastas regiões, concluido que seja o caminho de ferro da Beira Alta, e a sua ligação com Salamanca. Por outro lado, ainda pelas vantagens d'esta situação geographica, acha-se elle naturalmente collocado no caminho que tem de seguir o movimento commercial e maritimo entre os portos do norte da Europa e o continente da Africa, os portos do Mediterraneo e o mar das Índias.

Assim, pois, raros portos no mundo reunem por certo tantos requisitos naturaes e tantas vantagens de posição como o porto de Lisboa. E não nos gloriemos por isso, visto que a nossa vontade e diligencia em nada tem concorrido até hoje para dar valor a tantos favores da natureza.

Emquanto as nações adiantadas põem os seus maiores cuidados em dotar os portos do seu territorio com todos os melhoramentos commerciaes o maritimos que a sciencia aconselha e executa, deixâmo-nos nós retardar na mais condemnavel inercia e no mais profundo esquecimento dos nossos interesses economicos!

E não só as grandes nações como a Inglaterra, França, Italia, Austria e Hungria, mas ainda pequenos estados, como a Belgica e a Hollanda, têem emprehendido ousadamente, e com largo dispêndio de capital, trabalhos de proporções gigantescas para dar ao seu commercio e navegação as condições indispensaveis para a sua prosperidade e engrandecimento.

Seria longa, posto que interessante a enumeração das principaes obras que nos paizes citados, e em muitos outros, têem sido executadas para o estabelecimento de portos de abrigo e commerciaes, construcção de docas de reparação e armazenagem, melhoramentos de portos naturaes, construcção de docas de fluctuação e de marés, com vastos molhes e caes para facilitar a carga e descarga dos navios, n'uma palavra, para dar ao commercio e aos transportes maritimos todas as possiveis condições de segurança e barateza, e de pontual e regular correspondencia com as communicações terrestres.

No porto de Lisboa, com magna o dizemos, faltam ainda quasi por completo todos os melhoramentos de que carece para satisfazer ás justas exigencias do commercio e da navegação. Esta carencia deploravel prejudica enormemente os interesses não só da praça de Lisboa, mas de uma grande parte do paiz, visto que a maxima parte do seu commercio externo se verifica pela barra do Lisboa. Assim o reconhece a direcção da associação commercial de Lisboa no seu relatorio de 30 de abril do anno passado nas seguintes palavras:

«Cremos com o que precedo haver esboçado a traços geraes a physionomia do movimento maritimo e commercial de Lisboa. É innegavel no seu conjuncto um progresso sensivel. Muito maior seria elle, ainda assim, attenta a importancia do porto de Lisboa, se as facilidades relativas a carga, descarga, abrigo e reparação, para obter as quaes se tem gasto e estão gastando milhões em outros portos, vencendo n’elles extraordinarias difficuldades naturaes não faltassem em Lisboa quasi, póde dizer-se completamente.»

E assim é na mais crua verdade. A carga e descarga dos navios é feita por meio das chamadas fragatas, com todos os inconvenientes de grande despeza, demoras, avarias, serias perdas em casos de temporal e todos os prejuizos inseparaveis de tão vicioso systema. O serviço é em grande parte, feito pelo trabalho braçal, o que significa um duplo Imposto de dinheiro e de tempo. Falta quasi completa de abrigos para as centenas de pequenos barcos occupados na navegação fluvial, o que em occasiões de vendaval dá origem a numerosos e graves sinistros, com perda de muitas vidas e fazendas. Carência quasi absoluta dos estabelecimentos necessarios para as vistorias e reparações de grandes navios, havendo apenas alem do dique do arsenal as acanhadas docas do pontal de Cacilhas e uma fluctuante de dimensões ainda mais diminutas.

Por outro lado uma grande falta de terrenos para estabelecimento de armazens, depositos, officinas e edificações, abertura de ruas e praças á beira do Tejo, condições especiaes de belleza e engrandecimento na cidade taes são summariamente as deploraveis condições em que se encontra o porto de Lisboa e a parte marginal da cidade em relação ás urgentes necessidades e aos momentosos interesses do seu movimento commercial e maritimo.

Torna-se forçoso remediar este estado de cousas. Todo o tempo perdido nos causaria os mais graves prejuizos. Se não aproveitarmos desde já as condições excepcionaes do nosso primeiro porto, condições que o tornam como que um monopolio natural; quando mais tarde accordarmos da nossa culpável apathia, talvez já não possamos salvar os interesses que hoje arriscámos pela incuria. Completemos com um facil esforço o trabalho gigantesco da natureza que nos deu um dos portos mais grandiosos e seguros do globo. Já vae longo o periodo de elaboração de um pensamento tão util.

Por diversas vezes se tem o governo occupado d'este importantissimo assumpto, incumbindo o seu estudo a commissões de homens technicos e competentes, sob os variados pontos de vista porque elle póde ser considerado. Em 1865 e 1871 os srs. marques de Sá da Bandeira e José de Mello Gouveia nomearam pelo ministerio da marinha, que então dirigiam, commissões encarregadas de elaborar um plano geral das obras a emprehender na margem direita do Tejo, desde a estação do caminho de ferro de leste até á torre de Belem, devendo na elaboração do projecto attender-se especialmente ao serviço dos arsenaes da marinha e do exercito, ao das alfandegas, ao trafico mercantil, ao transito publico e outras condições, taes como aformoseamentos e limpeza da cidade e a hygiene publica.

Em resultado d'estes trabalhos apresentou a commissão de 1871 um plano geral de obras para o melhoramento do porto de Lisboa e engrandecimento da cidade, acompanhado de uma memoria aonde se acham considerados e tratados os assumptos que mais directa connexão apresentam com o pensamento principal dos melhoramentos do porto.

Na proposta de lei que temos a honra de vos apresentar é aproveitada a indicação das obras projectadas entre o arsenal da marinha e o edificio da cordoaria nacional, parecendo-nos que n'ellas principalmente se resumem os interesses mais instantes do commercio e navegação do porto de Lisboa e do engrandecimento e embelesamento da cidade.

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As obras por agora propostas têem principalmente por fim: 1.°, a construcção de duas docas, uma de flutuação e a outra de marés, que permittam a facil e immediata carga e descarga dos navios para os molhes, caes e armazens de depositos; 2.°, a construcção de docas de fabrico, nas quaes, os navios que frequentam o porto de Lisboa, possam ser vistorisados ou receber concertos, sejam quaes forem ás dimensões dos mesmos navios; 3.°, a regularisação da margem direita do Tejo desde o arsenal da marinha até ao edificio da cordoaria nacional por meio de muros de caes e aterro, construindo-se uma ou mais docas para abrigo de pequenas embarcações, e conquistando ao Tejo terrenos destinados á construcção ulterior de uma nova alfandega, e a edificações publicas ou particulares reclamadas pela industria ou pelo commercio. Não trata o governo por agora de propor á vossa resolução o modo e systema por que devam ser levadas a effeito estas ultimas construcções. Occupa-se tão sómente da realisação dos trabalhos propriamente hydraulicos e maritimos, cuja execução é por natureza morosa, e não poderá calcular-se que dure menos do oito annos. O systema preferido pelo governo é o de empreitada geral, tomando o estado conta dos trabalhos á proporção que elles vão sendo completamente terminados. As obras serão adjudicadas em concurso publico.

Os recursos applicaveis ao pagamento dos encargos serão as receitas da exploração, e quando estas não bastem, o producto de um imposto especial ad valorem sobre as mercadorias importadas pela barra de Lisboa.

Tres são geralmente os systemas seguidos para a construcção de obras d'esta natureza: por administração directa do estado, por companhia constructora e exploradora durante um determinado periodo, e por companhia ou empreza simplesmente constructora.

O systema de uma empreitada geral por adjudicação a uma empreza que construa n'um praso definido, entregando ao estado os trabalhos para este os prestar aos usos e serviços do commercio e da navegação, mediante preços e tarifas estabelecidas para as diversas operações, parece-nos ser de todo o ponto o preferivel, e é esse o adoptado na proposta. As obras hydraulicas e maritimas exigem, pelo que respeita a pessoal, uma longa pratica, não só da parte dos technicos que as superintendem, mas tambem de todos os agentes subalternos, e até operarios que lêem de executal-as. Constituem uma verdadeira especialidade para a qual só uma longa experiencia póde dar completa habilitação..

Não faltam por certo em Portugal engenheiros dotados de vasta illustração e conhecimentos theoricos n'este ramo especial das construcções; não é menos certo, comtudo, que na restrictissima proporção em que taes trabalhos se lêem realisado entre nós, não póde ainda crear-se todo o pessoal que é preciso para emprehendimentos d'esta natureza.

Não é menos para attender á consideração do avultado material de trabalho, ferramentas, grandes apparelhos e machinas que se terna necessario adquirir para a execução de taes obras, no que o estado teria que despender desde logo grossas sommas.

As emprezas constructoras d'esta especialidade possuem já não só todo o pessoal competente e experimentado, desde o engenheiro que dirige até ao operario que executa, como tambem todo o material de trabalhos, o que lhes permitte dar ás obras que tomam de empreitada desde logo todo o desenvolvimento e actividade, realisando-as no mais curto espaço de tempo.

Uma outra vantagem importante, é que por este systema ficam para o estado determinados os trabalhos das obras, o que não póde acontecer com a administração directa, mormente com trabalhos de tanta incerteza e sujeitos a tantos imprevistos.

A construcção por meio de companhia que haja tambem de explorar, offerece a nosso ver os seguintes inconvenientes:

1.° Necessidade de uma garantia de juro, o que torna incertos os encargos para o estado pela impossibilidade do calcular o rendimento liquido da exploração;

2.° Dependência em que ficam os interesses do commercio e da navegação dos de uma companhia particular que lenha a exploração de estabelecimentos tão importantes. A sua propriedade deve estar na posse e administração do estado para que este possa estabelecer e regular as tarifas pelo modo mais conveniente para o desenvolvimento do commercio e barateza dos transportes;

3.° Se a companhia tem pratica de construcções d'esta natureza, o assim deve ser por ser essa uma condição expressa que a lei manda declarar no programma, é sabido que a maior conveniencia dos empreiteiros e constructores é o libertar no mais curto espaço de tempo os seus meios de acção, capital, pessoal e material para intentar novas emprezas e realisar novos lucros, se a companhia, porém, tiver de contratar com uma empreza constructora, melhor é em tal caso que o estado trate directamente com tal empreza, guardando em si as vantagens que a companhia teria de auferir pela sua interferencia.

Sem apontar mais considerações n'este sentido, por inutil e ocioso, convem que se saiba que é este o systema que hoje mais se recommenda e põe em pratica.

Assim muito recentemente foram executados os trabalhos do porto de Trieste por contrato de empreitada por cerca de 6.6000:000$000 réis.

Ainda mais recentemente, em principios de 1877, contratou o governo belga a construcção de quatro docas de fluctuação e de fabrico, e de novos caes, no Escalda, no valor de mais de 41 milhões de francos ou 7.500:000$000 réis, e não obstante isso o porto do Anvers era já um dos mais bem dotados de melhoramentos d'esta natureza.

O custo total das obras mencionadas n'esta proposta, calculado por estimativa e por analogia com outras em condições comparáveis é de 6.000:000$000 réis.

Os preços adoptados pela commissão nomeada em 1871 no seu relatorio apresentado em fins de 1874, foram augmentados em vista de trabalhos executados em outros portos e de alguns que têem sido feitos no paiz, e d'ahi vem exceder esta verba consideravelmente, a que no referido relatorio lhe corresponderia, para as mesmas obras.

O ante-projecto a que terá de proceder-se depois de approvada esta lei, habilitará o governo com elementos mais precisos para a apreciação d'este assumpto, o que é de grande importancia para a avaliação das propostas que hajam de ser apresentadas no concurso.

Adoptada como limite provavel do custo das obras a verba de 6.000:000,5000 réis, e calculado o encargo da annuidade a 7 por cento será o encargo maximo de réis 420:000$000 na conclusão das obras, quando estas já devam produzir receita pela sua exploração.

E certo, porém, que na pratica o encargo annual será muito inferior a este limite, não só porque o capital tem de ser gasto successivamente no periodo de oito annos, mas ainda porque diversas obras irão sendo terminadas e entregues ao estado que da sua exploração obterá uma certa receita para o attenuar.

Admittindo como ponto de partida que a duração das obras deverá ser de oito annos e que as despezas da construcção se repartirão igualmente por cada anuo, á excepção do primeiro em que as suppomos mais avultadas, attenta a installação dos trabalhos, supporemos que no primeiro anno se appliquem 1.100:000$000 réis, ao que corresponde um encargo de 77:000$000 réis. No fim do segundo a despeza feita será 1.800:000$000 réis e o encargo de 126:000$000 réis, e assim successivamente ao capital despendido no fim de cada anno corresponderão os encargos que constam da tabella seguinte:

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“Ver Diario Original”

Para satisfazer a estes encargos terá o governo de recorrer ao producto de uni direito especial ad valorem sobre todas as mercadorias importadas pela barra de Lisboa, não podendo comtudo exceder o limite de 2 por cento.

A estatistica da alfandega de Lisboa e suas delegações, em relação ao anno de 1877 fornece os seguintes dados:

“Ver Diario Original”

A primeira d'estas verbas é a que por agora nos importa, notando que d'ella deve ser deduzido o valor de metaes amoedados sobre os quaes não recáe o direito ad valorem o qual foi em oiro e prata 719:226,000 réis, ficando assim o total de valores importados em 14:408:619000 réis.

Em rigor devia ainda fazer-se deducção dos valores importados pelas delegações de Setubal, Sines, Peniche e Ericeira; mas alem de que esses valores são insignificantes, soppuzemos que aquella verba fica constante em todo o periodo da construcção, não obstante o seu provado crescimento de anno para anno.

Calculando sobre a verba de 14.400:000$000 réis a percentagem necessaria para cobrir os encargos em relação a cada anno, veremos que ella é no primeiro anno de O,53, no segundo O,875, no terceiro 1,21, no quarto 1,55 no quinto 1,89, e que no sexto attinge o maximo de 2 por cento, produzindo 288:000$000 réis, e como o encargo do mesmo anno será de 322:000$000 réis, ficaria a descoberto um deficit de 34:000$000 réis, no setimo seria este de 83:000$000 réis e no oitavo e ultimo de 132:000$000 réis.

E quasi certo, comtudo, que taes deficiencias se não darão, attendendo: 1.° ao natural crescimento dos valores de importação; 2.° á receita que já nos ultimos tres annos deverão produzir as obras já feitas e em exploração, taes como molhes, caes, docas de abrigo, alem dos valores de terrenos conquistados ao Tejo, que n'essa epocha devem ser já muito considerados. Consideráveis que sejam todas as obras e exploradas pelo estado, é licito esperar que o producto da sua receita cobrirá a verba da annuidade, sem que seja necessario recorrer ao direito ad valorem estabelecido na lei.

Para calcularmos o rendimento das obras postas ao serviço do commercio e da navegação, tornar-se-ía necessario determinar desde já não só as tarifas que devam regular as diversas operações, mas tambem a quantidade de serviços que taes obras poderão prestar. Na impossibilidade de definir dois elementos tão incertos, nem mesmo nos atrevemos a fazer conjecturas sobre o rendimento provavel que taes obras devam produzir. Basta-nos ponderar que vem ellas substituir um estado de cousas inteiramente insustentavel pelas despezas a que obriga. A carga e descarga tem hoje de ser feita por meio de fragatas, cujos fretes e demoras regulam: cada frete 3$600 a 4$800 réis, e cada dia do demora de 2$400 a 3000 réis!

Segundo informações competentes e fidedignas computa-se o custo de carga ou descarga de cada tonelada de mercadoria em 250 a 300 réis, nas melhores circumstancias.

A carga e descarga do carvão é paga a 200 réis por tonellada, afora a verba de demoras. A transformação completa d'este systema, que a taes encargos junta ainda graves prejuizos para o fisco e perdas do consideraveis valores para o commercio pelos frequentes sinistros que occorrem, faz-nos esperar que ainda com sensivel economia, em relação ao presente, se poderão estabelecer tarifas para os differentes serviços que as obras projectadas têem a prestar, que produzam receita sufficiente para cobrir os encargos da sua construcção.

Convém notar que o valor dos terrenos que têem de ser conquistados ao Tejo, com uma superficie calculada superior a 50 hectares, póde, pela venda, produzir uma verba muito consideravel.

Em nossa opinião, porém, o verdadeiro ponto de vista por onde estes melhoramentos devem ser considerados é o seu alcance economico e commercial para que o Porto e a cidade de Lisboa conquistem a posição excepcional que lhes compete.

Para o conseguir, ainda que preciso fosse o sacrificio do presente, não póde haver hesitação que comprometta o futuro.

E levado por essa convicção que o governo tem a honra de solicitar a vossa approvação para a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de noventa dias, e nos termos d'esta lei, a execução dos seguintes trabalhos na margem direita do Tejo, na parte comprehendida entre o arsenal da marinha e o edificio da cordoaria.

1.° A construcção de uma doca de fluctuação e de uma outra de marés com as docas de reparação convenientes e proporcionadas ao movimento commercial e maritimo de porto de Lisboa, devendo estes trabalhos ser executados em frente do actual atterro da Boa Vista, entre os pontos correspondentes á praça de D. Luiz e as proximidades da rocha do Conde de Óbidos.

2.° A construcção de uma doca de reparação na parte oeste do arsenal da marinha, com a capacidade precisa para poder receber navios de guerra ou de commercio das maiores dimensões adoptadas pela pratica.

3.° Ligação por meio do um muro de caes e atterro da parte comprehendida entre esta ultima obra e a doca de fluctuação.

4.° Finalmente, construcção de um muro de caes e atterro no espaço comprehendido entre a doca de marés e a extremidade leste do edificio da cordoaria nacional, com uma ou mais docas de abrigo para barcos de cabotagem e de navegação fluvial.

Art. 2.° O programma do concurso e o caderno de condições serão feitos conforme as disposições d'esta lei sobre a base do plano geral das obras para o melhoramento do porto de Lisboa, elaborado pela commissão nomeada em portaria de 9 de setembro de 1871, na parte applicavel aos trabalhos auctorisados por esta lei, o depois de approvado pelo governo um ante-projecto das obras, ouvidas as instancias competentes dos ministerios da guerra, da marinha e das obras publicas.

§ 1.° O concurso versará:

1.° Sobre o minimum de capital a despender para a execução total das obras designadas nos n.ºs 1.º a 4.° do artigo 1.°

2.° Sobre a minima taxa de juro que em relação a esse capital tenha de ser garantido pelo estado.

§ 2.° Será preferida a proposta que importar menor encargo para o estado, em attenção á annuidade necessaria para o juro e amortisação do capital, no praso maximo de cincoenta annos.

§ 3.º Nenhum licitante será admittido a concurso:

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1.ª Sem que tenha previamente depositado a quantia de 100:000-5000 réis ou o valor correspondente em fundos publicos, segundo o seu valor no mercado;

2.° Sem que prove por certificado authentico ter já executado trabalhos da natureza o importancia dos que fazem objecto do concurso, nas devidas condições de perfeição e solidez.

Art. 3.° No programma para a licitação publica o governo fixará um praso para a construcção, acabamento e entrega das obras, que não poderá exceder o periodo de oito annos a contar da data do contrato. A empreza apresentará os projectos definitivos de todas as obras dentro do praso de seis mezes, contados da mesma data. Os trabalhos começarão dentro de tres mezes, a contar da approvação dos projectos.

Art. 4.º O deposito definitivo na adjudicação das obras será de 200:000000 réis ou do valor correspondente em fundos publicos, segundo a sua cotação no mercado.

§ unico. O governo permittirá o levantamento d'este deposito quando a empreza tenha realisado obras no valor de 400:000/5000 réis, ficando estas servindo de caução ao cumprimento do contrato.

Art. 5.° O governo não é obrigado a fazer a adjudicação quando julgar que a proposta que importar menor encargo para o estado é prejudicial aos interesses publicos e ao thesouro.

Art. 6.° O governo proporá opportunamente ás côrtes as tabellas dos direitos o tarifas que devam regular todas as operações de serviço maritimo, commercial, ou de qualquer natureza a que possam ser destinadas as obras designadas nos n.ºs 1.° a 4.° do artigo 1.° Apresentará igualmente um projecto para a construcção de uma nova alfandega e para o aproveitamento dos terrenos conquistados ao Tejo.

Art. 7.° Não pagarão direitos nas alfandegas os materiaes, machinas, ferramentas e utensilios importados para a construcção das obras de que trata esta lei.

Art. 8.° Para o pagamento do encargo da annuidade de que trata o § 2.° do artigo 2.°, durante o periodo da construcção, fica o governo auctorisado a crear um imposto especial ad valorem, nunca superior a 2 por cento sobre todas as mercadorias importadas pela barra de Lisboa.

§ unico. A percentagem para este imposto será calculada em relação á importancia da annuidade a pagar e á media dos valores das mercadorias importadas nos tres ultimos annos.

Art. O.° O producto da exploração commercial ou maritima das obras de que trata esta lei, depois de deduzidas as despezas de conservação das mesmas obras, é destinado de preferencia a qualquer outra applicação ao pagamento da annuidade.

§ unico. Se este producto não for sufficiente, o governo completará o que faltar por meio de imposto especial ad valorem, nos termos do artigo 8.° e seu § unico.

Art. 10.° A annuidade fica servindo de caução e garantia á boa execução das obras, por espaço de tres annos, depois de recebidas pelo governo; e no caso que, durante esse periodo, se manifeste prejuizo ou ruina causados por vicio de construcção, devidamente reconhecido por peritos, terá o governo o direito de mandar proceder ás necessarias reparações, pagando-se de taes despezas pela importancia das annuidades a vencer.

Art. 11.° Todas as obras construidas em virtude d'esta lei são consideradas, debaixo de todas as suas relações, propriedade do estado.

Art. 12.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei, e dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações por ella concedidas.

Art. 13.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 7 de fevereiro de 1879. = Antonio de Serpa Pimentel = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira — Lourenço Antonio da Carvalho.

Foi á commissão de obras publicas e de marinha, ouvida a de fazenda.

A proposta de renovação de iniciativa é a seguinte:

Proposta de lei n.º 69-E

Senhores. — Tenho a honra de renovar a iniciativa da proposta de lei, por mim apresentada em sessão de 11 de fevereiro de 1878, para a alteração de algumas disposições da lei das sociedades anonymas do 22 do julho de 18G7.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 7 de fevereiro de 1879. = Lourenço Antonio de Carvalho.

A commissão de fazenda, ouvida a de legislação civil.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Mando para a mesa tres propostas de lei.

São as seguintes:

Proposta de lei n.º 69-B

Senhores. — A affluencia de grande numero de passageiros ao lazareto de Lisboa obrigou o governo a fazer despezas extraordinarias e impreteriveis, taes como as da acquisição de um grande fogão, compra de mobilia para guarnecer as quarentenas, material para custeamento do vapor Bom Successo, medicamentos para os doentes em quarentena, conducção de agua para o lazareto, e finalmente as das gratificações a clinicos que serviram nos impedimentos do respectivo facultativo e dos vencimentos dos guardas extraordinarios que foram chamados para o serviço do mesmo lazareto e estação de saude em Belem; do que resulta um excesso de despeza de 12:726$511 réis, alem da importancia de 3:800$000 réis, votados pela carta de lei de 25 de abril de 1876, para despezas extraordinarias de saude no anno economico de 1876-1877.

Sendo portanto indispensavel legalisar aquelle excesso de despeza, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É legalisada a despeza de 12:726$511 réis, que a mais se effectuou com o serviço extraordinario e imprevisto de saude publica no exercicio de 1876-1877.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios do reino, em 7 de fevereiro de 1879. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Foi á commissão de fazenda.

Proposta de lei n.º 69-C

Senhores. — Os professores da academia real de bellas artes de Lisboa, representaram ao governo sobre a utilidade de serem adquiridos para as collecções nacionaes da mesma academia os quatro cartões que possuia o marquez de Sousa Holstein, desenhados pelo illustre pintor Domingos Antonio de Sequeira, representando a Adoração dos Reis, o Descendimento da Cruz, a Ascensão e o Juizo final; e ponderando igualmente que muito seria para desejar que taes obras de arte, as mais notaveis producções de tão insigne artista portuguez, não fossem vendidas para fóra do reino.

Em vista d'esta manifestação, em que tomou parte toda a academia, ordenou o governo que os referidos cartões fossem minuciosamente examinados e avaliados pelos professores Thomás da Annunciação e Miguel Angelo Lupi, os quaes declararam que, sem hesitação, se podiam comprar pela quantia de 6:000$000 réis.

Não se achando o governo auctorisado a fazer esta acquisição, mas receiando que aquellas obras primas de tão illustre artista saissem do paiz por effeito de venda; e depois de ter ouvido sobre o assumpto a junta consultiva

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de instrucção publica, ordenou que se procedesse;á compra dos citados cartões, ficando esta dependente da approvação dos corpos legislativos; condição a que se sujeitou o referido marquez, com a clausula de receber desde logo 4:S0U$000 réis, obrigando-se, porém, a restituil-os se porventura aquella compra não fosse sanccionada pelos alludidos corpos legislativos.

N'esta conformidade, pois, foi celebrado o respectivo contracto em 3 de agosto de 1878, e por isso tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 3.° E approvado o contrato feito pelo governo em 3 do agosto de 1878 com o marquez de Sousa Holstein, para acquisição de quatro cartões, desenhados pelo pintor nacional Domingos Antonio de Sequeira, e que representam a Adoração dos Reis, o Descendimento da Cruz, a Ascensão e o Juizo final, pelo preço de 6:000$000 réis.

Art. 2.° E legalisada a importancia de 4:800.000 réis, que em virtude do dito contrato foram pagos ao referido marquez em, 3 de agosto de 1878.

Art. 3.° É auctorisado o governo a pagar, durante o exercicio de 1878-1879. a quantia de 1:200$000 réis, resto do preço por que foram comprados os supraditos cartões.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios do reino, em 7 de fevereiro de 1879. — Antonio Rodrigues Sampaio.

Foi, á, commissão de fazenda, ouvida a de commercio e artes.

Proposta de lei n.º 69-H

Senhores. — No dia, 7 de janeiro, o destinado pela lei de 8 de maio do 1878 para as eleições das commissões do recenseamento eleitoral, reuniu-se para esse fim no concelho de Pomba] a assembléa dos quarenta maiores contribuintes.

Como no recenseamento eleitoral em vigor a nenhum cidadão tivesse sido verificada a qualidade de maior contribuinte, foram convocados como membros da assembléa os individuos, que conforme uma relação fornecida pelo escrivão de fazenda se consideraram os quarenta maiores contribuintes do concelho, como se praticava em observancia do artigo 21.° do decreto de 30 de setembro de 1852, antes da alteração feita pelo artigo 7.° da lei de 23 de novembro de 1859.

Com a assembléa assim constituida se effectuou a eleição, a qual, em consequencia de um protesto, foi pelo conselho de districto julgada nulla, com o fundamento de faltar aos membros da assembléa, a capacidade eleitoral attestada pelo recenseamento.

Absteve-se o conselho de districto de fixar dia para a nova eleição, como lhe cumpria pela disposição do artigo 11.° da lei de 8 de maio do anno passado, por não haver, pela rasão já dita, com quem constituir legalmente o corpo eleitoral; concluindo por pedir ao governo a resolução d'esta difficuldade.

Entendo que o governo não tem competencia para providenciar ácerca d'este caso, e que não ha mesmo nas leis vigentes disposição alguma applicavel á hypothese que se apresenta,.

E por este motivo que venho solicitar do corpo legislativo uma providencia, para que no concelho de Pombal se possa realisar a eleição da commissão recenseadora e proceder aos demais trabalhos do recenseamento eleitoral.

Essa providencia, ai tenta a estreiteza do tempo, não póde ser outra senão a adopção do expediente de que ja se lançara mão na eleição de 7 de janeiro, e que era legal antes da lei de 23 de novembro de 1859, e a consequente alteração dos prasos para as operações do recenseamento, por não poderem ser já observados os fixados na lei do 8 de maio de 1878.

Aproveito este ensejo para, propor uma providencia de execução permanente, que me parece indispensavel adoptar para garantia, dos direitos eleitoraes.

É frequente, umas vezes por circumstancias imprevistas, e outras por motivos resultantes de propositos partidarios, alterarem-se os prasos fixados nas leis para as differentes operações dos recenseamentos, o que, segundo as opiniões mais seguidas, tornam o recenseamento insanavelmente nullo.

Não é justo privar os cidadãos dos direitos eleitoraes, que na, revisão animal dos recenseamentos lhes devam ser reconhecidos: nem é conveniente que o exercicio d'esses direitos fique á mercê da negligencia ou má vontade dos que tem a seu cargo a revisão dos recenseamentos.

Convém, pois, quando occorram similhantes factos, fixar novos prasos analogos aos da lei vigente, unico meio por que se póde assegurar a verdade dos recenseamentos, o corrigir os abusos que possam prejudical-a.

No caso que suscitou esta proposta é já necessaria a indicada providencia. Sel-o-ha ainda este anno no concelho do Olleiros, onde, em consequencia de questões levantadas a proposito da eleição da commissão recenseadora e que estão pendentes dos tribunaes, não foram observados para as operações do recenseamento os prasos legaes.

A lei do 1878, no artigo 19.°, preveniu o caso de serem annulladas as eleições das commissões recenseadoras, durante o tempo destinado ás operações do recenseamento, determinando que em taes casos as commissões novamente eleitas tomem conta dos trabalhos na altura em que os encontrem, ficando valido tudo quanto esteja anteriormente feito.

Esta lei porém suppõe as operações effectuadas nos prasos legaes, ainda que por commissões differentes, e não providenciou por isso para os «vos em que as operações não tenham sido começadas, ou em que tendo sido começadas, sejam desempenhadas fóra, dos prasos legaes, tornando-se portanto necessaria para taes casos uma nova providencia.

Em conformidade, pois, com estas considerações tenho a honra de solicitar a vossa approvação para a seguinte proposta, de lei:

Artigo 1.° A eleição da commissão do recenseamento eleitoral do concelho de Pombal no presente anno, será feita pelos quarenta maiores contribuintes que forem apurados pela firma que estava determinada, no artigo 23.° do decreto de 30 de setembro de 1852.

Art. 2.° E o governo auctorisado, sempre que as operações dos recenseamentos eleitoraes deixarem de ser effectuadas nos prasos devidos, a fixar para ellas novos prasos, analogos aos da lei vigente, e de fórma que os recenseamentos fiquem concluidos até 30 do junho dos annos respectivos.

Art. 3.º Fica revogada, a legislação em contrario. Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 7 de fevereiro de 1879. — Antonio Rodrigues Sampaio.

A commissão de administração publica.

O sr. Presidente: — Acha-se nos corredores da camara o sr. deputado Augusto Fuschini; convido os srs. vice-secretarios a introduzirem o sr. deputado a prestar juramento.

Prestou, juramento o sr. Augusto Fuschini. O sr. Barros e Cunha: — Pedi a palavra para, declarar que se tivesse estado presente á ultima sessão, teria approvado o parecer da commissão do poderes ácerca da eleição do circulo do Gouveia.

O sr. Fonseca Pinto: — Por parte da, commissão do verificação de poderes mando para a mesa o seu parecer sobre a proposta do sr. Sousa Machado, para que se convide o antecessor do sr. Carros o Cunha que foi eleito pelo circulo de S. Thomé, mas que preferiu por outro, a tomar assento n'esta camara emquanto se não procede á eleição supplementar, visto achar-se vago aquelle circulo.

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V. ex.ª lhe dará o destino competente. Mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada; vae entrar-se na ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o seguinte projecto de resposta ao discurso da corôa:

Projecto n.º 63

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:

Tendo sido consultada a vontade do paiz, nos termos do que dispõe a caria constitucional da monarchia, sinto-me feliz ao ver-me rodeado pelos representantes da nação, que acabam de ser livremente eleitos por ella, depois da promulgação da ultima lei, que alargou liberalmente o suffragio popular.

Continuam sem alteração as nossas relações amigaveis com todas as potencias estrangeiras.

A questão pendente com o governo de Sua Magestade Catholica a respeito da industria da pesca nas aguas dos dois estados foi resolvida por uma convenção provisoria entre ambos os governos sobre a base da reciprocidade. Esta convenção, com os documentos que a acompanham, será presente ás côrtes, e espero que mereça a vossa approvação.

Com o fim de melhorar e desenvolver o commercio das nossas provincias da Ásia, e para as pôr em communicaçâo directa e rapida, por meio de um caminho de ferro, com a India ingleza, celebrou-se um tratado com o governo de Sua Magestade Britannica. Com a mesma potencia se occupa o meu governo de celebrar outro tratado no intuito de estreitar as nossas relações com a região do Transvaal pela construcção de outro caminho de ferro na provincia de Moçambique, engrandecendo por este modo o porto de Lourenço Marques. Espero que examinareis attentamente estes documentos quando vos forem apresentados, e folgarei que possam ter o vosso assentimento.

A tranquilidade publica tem sido geralmente mantida em toda a parte. Algumas aggressões, que ultimamente temos soffrido na Zambezia, por parte dos indigenas, acabam de ser devidamente castigadas, restabelecendo-se o imperio da lei. Das providencias adoptadas pelo governo para conservar a ordem e a segurança n'aquellas vastas regiões e n'outros pontos das provincias ultramarinas, vos dará conta o ministro competente.

A fim de estabelecer o registo civil com respeito aos subditos portuguezes não catholicos, publicou o meu governo um regulamento adequado, ficando satisfeita por este modo uma instante e impreterivel necessidade. O governo proporá opportunamente as medidas legislativas convenientes para que esta instituição se generalise, sem produzir vexames para os povos, nem prejudicar interesses legitimos.

Entre as propostas que o governo tem de submetter ao vosso exame e approvação, chamo especialmente a vossa attenção para a reforma da instrucção secundaria, e para a da lei do recrutamento, que é urgente, no intuito do igualar e generalisar esta contribuição, e de a subtrahir á acção de influencias nocivas, de qualquer natureza que sejam. De uma reforma sensata n'este importante ramo de serviço publico, resultará mais justiça na distribuição do encargo, e mais certeza e facilidade para o exercito poder elevar-se, quando convenha, á força que lhe corresponde.

Senhor. — São sempre dias de jubilo para todos os portuguezes, áquelles em que Vossa Magestade vem ao seio da representação nacional inaugurar pessoalmente as sessões legislativas; e a camara dos deputados, que, n'esta occasião, representa o suffragio quasi universal da nação, graças á liberal modificação que ultimamente se fez na lei'" eleitoral, registra com prazer o facto da presença de Vossa Magestade na primeira sessão da actual legislatura.

A declaração de que o governo de Vossa Magestade continua a manter inalteraveis as nossas relações de amisade com as potencias estrangeiras, é sempre recebida com grande satisfação pela camara dos deputados.

A camara examinará a convenção provisoria, realisada pelo governo de Vossa Magestade com o governo de Sua Magestade Catholica, a respeito da industria da pesca nas aguas dos dois estados, e todos os documentos que a acomnham, e muito folgará de reconhecer que, n'aquella convenção, se mantiveram e zelaram convenientemente os direitos da patria.

A camara examinará attentamente o tratado, já realisado pelo governo de Vossa Magestade com o de Sua Magestade Britannica, para melhorar e desenvolver o commercio das nossas possessões da Asia, pondo-as em communicaçâo directa e rapida com a India ingleza, por meio de um caminho de ferro; e o outro tratado, proximo a realisar-se com o mesmo governo, no intuito do estreitar as nossas relações com a região do Transvaal, engrandecendo o porto de Lourenço Marques, pela construcção de outro caminho de ferro na provincia de Moçambique; e do exame d’esses documentos, espera a camara poder reconhecer o acerto, com que o governo de Vossa Magestade procedeu em tal assumpto.

A camara folga que se tenha conservado geralmente inalteravel a tranquillidade e a ordem em todo o reino, e que as aggressões, que, por parte dos indigenas, soffreram alguns dos nossos compatriotas na Zambezia, tenham sido devidamente castigadas, reservando-se para apreciar as providencias adoptadas pelo governo de Vossa Magestade, quando o respectivo ministro lhe der dellas conhecimento.

A camara, reconhecendo a necessidade instante e impreterivel, que houve de estabelecer o registro civil, com respeito aos subditos portuguezes não catholicos, por meio de um regulamento, e attendendo á conveniencia de generalisar uma tão util instituição a todos os cidadãos residentes em territorio portuguez, apreciará com imparcialidade todas as propostas, que o governo de Vossa Magestade opportunamente lhe apresentar, e fará tudo quanto d'ella dependa, para que a lei possa executar-se em todo o reino, sem vexame para os povos, nem prejuizo dos interesses legitimos.

A camara examinará todos os projectos de lei que lhe forem apresentados pelos ministros de Vossa Magestade, ou n'elles se trate de reformar convenientemente a instrucção secundaria, ou se trate de melhorar a organisação dos diversos ramos do serviço publico, sobretudo no que respeita ao recrutamento, em que é indispensavel attender, para os destruir, a todos os attritos, que têem até agora obstado a que aquella contribuição se tenha devidamente generalisado a todos os recenseados, com o rigor e a igualdade com que todas as leis, e sobretudo as de impostos, devem ser applicadas a todos os subditos da mesma nação. A camara dará n'este sentido ao governo de Vossa Magestade, toda a cooperação correspondente ás suas luzes e experiencia.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Usando da auctorisação concedida ao meu governo pela carta de lei de 23 de marco ultimo, foi posta em hasta publica a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, e adjudicada a uma companhia que acceitou todas as clausulas do programma, e que não teve competidor na praça. O governo vos dará conta dos termos em que foi feita a referida concessão.

Continuaram activamente as obras nas estradas e caminhos de ferro, e foram abertos á circulação os prolongamentos nas linhas ferreas do Minho e Douro, respectivamente até Caminha e até ao Juncal. Começaram os trabalhos no caminho de ferro da Beira.

Pelo ministro das obras publicas vos serão apresentadas algumas propostas de lei tendentes a determinar a rede dos nossos caminhos de ferro, e a fixar as bases geraes da sua dotação e concessão, bem como outras propostas para a construcção das dokas de Lisboa o do porto artificial do Leixões. Para estas medidas, e para a que tem por fim melhorar a illuminação das nossas costas e barras, chamo eu toda a vossa attenção.

Os trabalhos nas fortificações de Lisboa, e seu porto, têem continuado com a actividade compativel com os recursos votados. Usando da auctorisação concedida por lei, o governo contratou o fabrico de oito baterias de campanha, e alguns canhões de praça, com todo o material respectivo. Para melhorar a instrucção no exercito, continuar as obras de defeza, e satisfazer algumas outras necessidades militares importantes, o ministro da guerra vos apresentará as propostas convenientes. O mesmo ministro vos dará conhecimento dos contratos effectuados.

Pelo ministerio da marinha e ultramar se contratou a construcção de alguns navios de guerra, em virtude da auctorisação concedida pela lei.

Diversas e importantes medidas de administração foram decretadas para as provincias ultramarinas, usando da auctorisação concedida pelo artigo 15.° do acto addicional á carta. De tudo vos dará conta o respectivo ministro.

Não só como padrões de antiga gloria, mas como elementos de grandeza e de riqueza, no presente e no futuro, devemos considerar as vastas regiões que ainda restam sob o dominio portuguez em differentes partes do mundo. E preciso não parar no caminho encetado, e promover, dentro dos nossos recursos, o desenvolvimento da prosperidade d'aquellas provincias, algumas das quaes a natureza tão generosamente dotou. Garantir ali a segurança individual e de propriedade, que é condição impreterivel de todos os emprehendimentos, e estabelecer entre ellas e a metropole regulares e promptas communicações, são medidas, entro outras, que se recommendam pela sua immediata utilidade. O meu governo vos apresentará para isso as necessarias propostas.

Õ estado da fazenda continua a chamar a mais seria attenção dos poderes publicos, e aconselha uma prudente economia na despeza, sem prejuizo do fomento da riqueza nacional.

O credito tem-se mantido, porém ás difficuldades com que temos lutado, acrescem as que resultam da situação geral dos mercados, da deficiencia das colheitas, e outras, que são peculiares da nossa praça. O meu ministro da fazenda vos apresentará com o orçamento do estado para o anno economico de 1879-1880 algumas propostas de lei que, dentro dos impostos existentes, pela acrescentamento e extensão de alguns, e pela melhor fiscalisação de todos, tendem a elevar sensivelmente a receita.

Vós examinareis este importante assumpto com a attenção que merece, e estou certo de que tomareis as deliberações que mais convenientes forem aos interesses do estado.

A camara folgará de reconhecer que a adjudicação, feita pelo governo de Vossa Magestade, da construcção do caminho de ferro da Beira Alta, decretada pela carta de lei de 23 de março do anno findo, se realisou nas condições mais vantajosas para o paiz e para o thesouro nacional, e que as condições do contraio serão religiosamente cumpridas pela companhia adjudicatária.

A camara não póde deixar de congratular-se por ver o desenvolvimento, que continua a ter a construcção das estradas e dos caminhos de ferro, que são outras tantas fontes de riqueza, e os mais importantes meios de augmentar a civilisação, de alargar o commercio e de engrandecer as industrias do paiz, e apreciará devidamente as propostas, que lhe forem apresentadas pelo ministro das obras publicas, tendentes a determinara rode dos nossos caminhos de ferro e a fixar as bases geraes da sua dotação e concessão, e as destinadas a realisar a construcção das dokas do Lisboa e a do porto artificial de Leixões, e as que tenham por fim melhorar a illuminação das costas o das barras dos nossos portos.

A camara examinará igualmente com toda a attenção as propostas que, pelo ministro da guerra, lhe forem apresentadas, com o fim de melhorar a instrucção no exercito, continuar as obras de defeza e satisfazer algumas necessidades militares mais importantes; e bem assim verificará se foram devidamente cumpridos os contratos que se fizeram para a compra de armamentos e material de guerra, e respeitadas as auctorisações parlamentares.

Com igual attenção e com o mesmo interesse examinará a camara as providencias tomadas pelo ministerio da marinha, durante o interregno parlamentar, e folgará de ver que em todas ellas foram acatadas as leis e restrictamente observadas as condições das auctorisações dadas pelo parlamento, para a construcção de alguns navios de guerra.

Se a honra e a gloria do nome portuguez obriga a nação a fazer os maiores sacrificios para conservar inteira a posse das vastas provincias que, em todo o ultramar, nos legaram os nossos antepassados, a camara reconhece que tambem é dever do paiz, contraindo com a humanidade e com a civilisação, desenvolver, em todas aquellas nossas possessões, a instrucção e robustecer a justiça e a moral, para que áquelles povos, abençoando o nome dos seus dominadores, concorram com o seu trabalho e industria para desenvolver a riqueza, a que a patria só poderá ter direito, se cuidar d'aquellas provincias longiquas com o zêlo e disvelo com que cuida dos seus interesses na metropole. Por este motivo a camara dos deputados examinará todas as propostas do governo de Vossa Magestade que lhe forem apresentadas, no intuito de desenvolver a nossa riqueza colonial, e gostosamente cooperará com elle em todas as reformas, que pareçam uteis ao engrandecimento e illustração do nosso dominio na Asia o na Africa.

E como para continuar os melhoramentos começados em todos os ramos do serviço, e intentar novas reformas, se precisa primeiro consultar as forças do thesouro nacional e examinar o estado da fazenda, será este exame o primeiro cuidado da camara dos deputados, que vê com grande satisfação que o paiz tem conseguido manter o seu credito atravez de todas as difficuldades com que temos lutado, e que têem affrontado as praça commerciaes do mundo; mas não desconhece, todavia, que o desequilibrio da receita com a despeza, que accusa o nosso orçamento, é um facto que reclama a maxima attenção dos representantes do povo, e que aconselha aos governos a mais intelligente economia nas despezas publicas. A camara empregará todo o seu zêlo para coadjuvar o governo de Vossa Magestade no proposito de acrescentar a receita, sem recorrer, por agora, a novos impostos, mas acrescentando e melhorando a distribuição e fiscalisação dos existentes.

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Dignos pares do reino o senhores deputados da nação portugueza:

Abrindo a primeira sessão da presente legislatura, e confiando inteiramente na vossa sabedoria e patriotismo, não preciso excitar o esclarecido zêlo dos representantes do paiz, e conto que haveis de corresponder á esperança que a nação em vós depositou. Animado do mesmo espirito, e de accordo comvosco, estou certo de que, com o lavor de Deus, nos empenharemos constantemente em tudo quanto possa contribuir para a felicidade, grandeza e prosperidade da patria.

Está aberta a sessão.

Senhor: Ao começar esta sessão legislativa, a camara dos deputados comprehende a responsabilidade que contrahiu para com o paiz, e empenhará todo o seu zêlo e vontade para corresponder, com o auxilio de Deus, ao mandato que lhe foi confiado pela nação, e ás esperanças que Vossa Magestade se digna depositar no seu' criterio, concorrendo assim para a manutenção das instituições que nos regem, á observancia de cujos preceitos devemos a paz e a liberdade de que gosâmos, e a estima e o respeito dos outros povos.

Sala da commissão, em 27 de janeiro de 1879. = Francisco Joaquim da Costa e Silva — Manuel d'Assumpção = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Frederico de Gusmão Correia Arouca — Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa = J. A. de Freitas Oliveira, relator = Tem voto do sr. deputado Hintze Ribeiro.

O sr. Presidente: — Está em discussão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não me levanto para discutir a resposta ao discurso da corôa.

A resposta póde ser votada, sem inconveniente, e segundo a pratica ultimamente estabelecida n'esta casa, como mero cumprimento ao chefe do estado.

Aproveito, porém, a occasião e igualmente a significação politica que este debate costuma mais ou menos ter em relação ao ministerio, para definir com a maxima claresa a minha posição n'esta casa em relação ao actual governo.

Eu creio que precisam de definir a sua situação politica todos áquelles que por qualquer eventualidade mudaram ou inverteram aquella em que se achavam anteriormente.

Collocado n'estas circumstancias, e não querendo para mim posições incertas ou ambiguas, venho declarar perante a camara e o paiz, qual a minha situação e quaes os motivos que me determinaram a adoptar diversa posição politica.

Não sei nem desejo, fazer surprezas ao governo; e menos quero fazel-as, ou parecer que as faço, como representante do paiz, á camara de que tenho a honra de fazer parte.

Todos sabem que eu e os meus amigos apoiámos o governo regenerador, quando da primeira vez succedeu ao ministerio presidido pelo nobre duque d'Avila e de Bolama.

Este governo, n'essa primeira epocha, encontrou em mim o mais decidido apoio, e se era pequeno o concurso que as minhas limitadas faculdades me permittiam prestar-lhe, não podia ser melhor a vontade, nem maior a dedicação.

É certo, porém, que desde o primeiro dia, em que aqui se apresentou o ministerio, tive o especial cuidado de declarar ao governo e ao partido regenerador, que eu não tinha a honra de fazer parte d'esse partido, que lhe prestava o meu apoio como alliado, mas com caracter absolutamente independente; porque ou já tinha, n'essa epocha, com outros amigos, posição politica distincta, aqui definida e clara.

Esta mesma declaração tive eu o cuidado de affirmar durante uns poucos de annos em todas as reuniões da maioria. E ainda na ultima, na reunião de despedida quando findou a legislatura no anno passado, todos ouviram, que eu, longe de iniciar ou acompanhar inuteis louvores, tive a honra do declarar ao governo que me parecia que o ministerio se desviava muito não só do bom caminho, mas principalmente dos principios que elle mesmo havia proclamado e seguido nos primeiros tempos, quando eu promettêra acompanhal-o e lealmente o acompanhei.

Muito clara e explicitamente fiz ver que em dois pontos essenciaes não podia eu transigir, e muito menos ceder. Não occultei quaes eram. Era o primeiro a questão de fazenda; ía por fórma que me era absolutamente impossivel acompanhar o governo em tal caminho. A segunda questão era de legalidade, de ordem social, de dignidade do poder e até de decencia publica. Eu via, com grande magua e desgosto/ que o governo, longe de fazer cumprir e respeitar, como era sua restricta obrigação, e não favor que fizesse ao paiz, a legislação vigente, esquecia as suas obrigações, faltava ao seu mais sagrado dever, deixando violar e escarnecer as leis quotidianamente, e com indifferença tal, que nunca se podia confundir com tolerancia o que realmente era protecção ao crime e incentivo á licença infrene.

Não ha tolerancia que deixe praticar actos criminosos, e muito menos que pareça animar a repetição ou provocar a reincidencia.

E certo que eu não occultei as minhas idéas. Não hesitei em aconselhar o governo, com o qual ha annos fazia causa commum, apoiando-o n'esta casa.

Posso appellar para o testemunho dos meus collegas, n'essa epocha, leaes e excellentes companheiros que assistiram á ultima reunião da maioria, da qual por tanto tempo fiz e com pena deixei de fazer parte. Occultei eu, porventura, que a minha posição politica, se fosse eleito para esta camara, dependeria unica e essencialmente do modo porque o governo encarasse estas questões, durante o interregno parlamentar?

Não disse eu ao governo, alimentando uma esperança afinal tão illudida; não lhe declarei eu, que para isso tinha tempo de sobra, e que, mais que o tempo, sobravam os recursos da intelligencia e da illustração, que distinguem inquestionavelmente o nobre presidente do conselho e todos os seus collegas do ministerio?.

Eu disse tudo. Fui mesmo bastante audaz para suppor que poderia dar conselho leal ou emittir opinião sincera. O governo entendeu, porém, e entendeu, de certo, com vantagem propria, e melhor para todos, menos para mim, que o caminho que eu lhe indicava era errado ou perigoso.

O que é certo é que, durante o interregno parlamentar, o systema do governo premaneceu o mesmo ou antes exagerou-se ainda, e as questões, a que eu tinha alludido, os abusos com que incipientes eu já não podia transigir, cresceram em liberdade e desenvolveram-se a ponto, que o paiz atravessou, na minha humilde opinião, um periodo de vergonha nacional.

Os inales, que eu previa, aggravaram se de modo que excedeu toda a espectativa.

E talvez melhor para muitos, e principalmente para o governo, o systema que o governo adoptou e seguiu. Não o é para mim, e justo é, que só ao governo e aos que como elle pensam, pertença tanto a gloria como a responsabilidade de um systema que é seu, e que eu nem partilho nem invejo.

Eu tive, creio eu, a maxima lealdade.

A legislatura findava, e quando estava proxima a eleição geral, eu como amigo do governo mas representante de um circulo independente, adverti previamente, tanto o governo como a maioria, de qual era o meu modo de ver

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em questões tão importantes, e de qual seria n'esta casa a minha posição politica. Assim venho, tranquillo e sem o menor escrupulo, declinai' ou antes repudiar toda a responsabilidade pelos actos praticados por este ministerio á sombra de um systema, que elle impropriamente póde classificar de tolerancia, mas que para mim não tem, nunca póde ter tal nome, porque o não tem e ninguem é capaz de o encontrar em diccionario nenhum da lingua portugueza.

Ao mesmo tempo que eu repudio esta responsabilidade, ao mesmo tempo que affirmo a minha divergencia na questão de fazenda, entende se bem, o escusado seria dizei o n'esta simples exposição, que reclamo integra e completa, acceito em toda a sua extensão a responsabilidade politica que pertence aos membros do parlamento, que apoiaram o governo regenerador durante todo o seu primeiro ministerio e ainda na resurreição ministerial, ou na segunda edição do mesmo ministerio.

Essa responsabilidade, e a de todas as medidas que votei ou não combati, aceito-a inteira e completa; declino só aquella que me não pertence.

Estabeleço, por consequencia, uma posição perfeitamente definida, que não evita responsabilidades proprias nem disputa glorias alheias.

E improprio do meu caracter e da minha posição seria deixar passar esta occasião sem fazer sentir quanto estimo e considero as pessoas dos actuaes ministros, e o muito respeito que tenho pela sua intelligencia, pelas suas qualidades, e pelo seu caracter.

Conservo a esse respeito exactamente as mesmas idéas que tinha quando tive a honra de apoiar o ministerio actual. Não me inspira a menor desconfiança o caracter de qualquer dos actuaes ministros.

Acentuo bem esta declaração, repetindo que os membros do governo, pelo seu caracter pessoal e pela sua alta intelligencia, são, a meu ver, dos primeiros d'este paiz (Apoiados.): mas é por isso mesmo, o pelas circumstancias que se reunem no actual presidente do conselho, circumstancias devidas não só ao seu incontestavel merecimento, como tambem em parte, não posso dizer ao acaso, mas aos casos fortuitos que congregam ás vezes num só individuo, tanto a attenção geral do paiz como a confiança da parte mais importante d'elle; é por isso que eu lamento, e mais senti, que o nobre presidente do conselho de ministros, que me parecia o mais proprio e o mais habilitado para resolver com maior facilidade as grandes difficuldades com que este paiz lucta, em vez de descer francamente á arena para pugnar pelos bons principios, pelo respeito ás leis, e pela organisação da fazenda publica, invertesse completamente o que eram os seus principios, quando o ministerio regenerador se apresentou n'esta casa, o substituisse, tanto as suas palavras como as suas idéas, pelos oitos que eu n'esta occasião aponto e deploro.

Está na memoria do todos como o sr. Fontes Pereira de" Mello demonstrou ao paiz, o de fórma que ninguem o podia fazer melhor, a inconveniencia do deficit no orçamento, e os perigos enormes da divida fluctuante externa.

S. ex.ª chegou a marcar, a assignar epocha n'este paiz. Como ministro da fazenda, em vez de orçamento com deficit, apresentou um saldo positivo de 27:000$000 réis; o a divida fluctuante, extincta pelo emprestimo, só podia reapparecer nas condições normaes de representação ou antecipação da receita para as despezas correntes.

Em logar d'isto, porém, o governo, impellido não sei porque forca estranha o mysteriosa, tem procedido de fórma que não só desappareceu a esperança de saldo positivo, mas até o governo apresenta resignado ou satisfeito o orçamento com um deficit de 3:000 a 4:000 contos, e a divida fluctuante elevada ao maximo termo que póde attingir, principalmente nas praças estrangeiras.

N'estas circumstancias, com a desorganizarão interior e com difficuldades externas d'esta ordem, parece-me realmente impossivel, e, pelo menos para mim, é incomprehensivel, que o governo espere vencer ou mesmo atravessar as nossas difficuldades, repetindo emprestimos de 30:000 ou 40:000 contos, a troco de promessas formaes, que no anuo seguinte apparecem completamente illudidas.

Não querendo discutir, esta simples explicação é sufficiente para definir o meu voto e a minha posição n'esta casa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): — Ouvi com toda a attenção as palavras proferidas pelo illustre deputado e meu amigo o sr. visconde de Moreira do Rey, que se senta na extremidade direita d'esta camara, e faltaria ao meu dever' e aos sentimentos do meu coração se não aproveitasse este momento para lhe agradecer as phrases mais que benevolas com que s. ex. quiz honrar, não a mim, mas a todo o gabinete a que tenho a honra de presidir.

Sinto deveras que o illustre deputado tivesse motivos, na sua consciencia, para se afastar do governo, negando-lhe agora o apoio com que o tem honrado ha tanto tempo n'esta casa, e sinto o duplamente, pelo conceito que me merece a esclarecida intelligencia de s. ex.ª e o vigor da sua palavra, e porque a affeição pessoal que lhe consagro é a mesma que tinha pelo seu distincto pae, meu antigo e illustre collega e collega de muitos cavalheiros que estão n'esta casa.

O illustre deputado não quiz deixar-nos em duvida, e veiu explicar á camara e ao paiz quaes eram esses motivos, e eu applaudo a sua nobre franqueza e a lealdade do seu caracter.

O illustre deputado entende que o governo não tem procedido bem na questão de tolerancia politica, e não tem procedido bem na questão financeira. Saio estes os dois pontos capitães a que se referiu.

Sei perfeitamente que ha, duas escólas politicas, ou, para melhor dizer, dois systemas, qualquer dos quaes o governo póde seguir: e de repressão e o da tolerancia.

Pareceu-me, e a todos os membros do gabinete, que o systema da tolerancia não tinha risco e estava mais em harmonia com ás tradições, não só do partido regenerador a que tenho a, honra de pertencer, e do governo a que tenho a honra de presidir, mas tambem com a opinião publica que ha muitos annos a esta parte se tem estabelecido no paiz. E, diga-se a verdade, ha muitos annos que o systema da tolerancia, politica é um dogma e um principio para todos os partidos politicos, e pergunto: esse systema da tolerancia, tem, porventura, trazido perigos para a causa publica 'i Creio que não. (Apoiados.)

Creio que, quando se empregava a repressão, as paixões politicas saltavam do parlamento para o campo da, batalha, e nós em vez de discutirmos pelejávamos com as armas na mão..

Esse systema não me parece conveniente resuscital-o (Muitos apoiados); o pela, minha parte hei de oppor me a elle; não digo com a, auctoridade do meu nome, mas com a auctoridade que me dá o meu cargo. Não estou resolvido a, exercei-o.

Nós não havemos do estar sempre n'estas cadeiras; havemos de deixal-as a, homens muito illustres e muito competentes para dirigirem os negocios publicos; se esses entenderem que esse caminho é, o melhor a, seguir, sigam-no, que eu pela, minha parte não deixarei de os applaudir, se o resultado lhes der rasão, mas só n'este caso.

O partido que se chama regenerador e a que eu não deo nome, o partido regenerador, inaugurou a sua organisação e a sua existencia politica no paiz com o systema da tolerancia politica.

Uni homem de quem tive a honra de ser amigo, que foi meu mestre em muita cousa, o que dirigiu por muito tempo os negocios publicos, sobre tudo o ministerio do reino, que é um ministerio essencialmente politico, a esse homem se deve o ter acalmado as paixões que estavam irritadas e o ter trazido todos os partidos a um centro commum, no qual podessemos, sem provocar as paixões do cada uma das

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fracções em que se dividia a familia liberal portugueza, discutir o resolver sobre todas as importantes questões de administração publica.

Esse homem foi Rodrigo da Fonseca Magalhães. Todos o conhecem. Foi um ornamento d'esta casa, foi um ornamento da outra camara, foi um dos homens mais illustres que se têem sentado n’este logar. (Apoiados.)

A esse homem, e certamente a todos os seus collegas, que o acompanhavam nas cadeiras do governo, mas quero referir-mo n'este momento especialmente a elle, é á sua memoria que quero n'este momento prestar homenagem, 'a esse homem se deve o grande principio de tolerancia politica, que ainda até hoje não deu senão excellentes resultados. (Apoiados.)

E, portanto, n'estes termos, é seguindo esses precedentes e essas tradições, é, compenetrando-me das suas vantagens, que eu e o governo a que tenho a honra de presidir, temos seguido este caminho. (Apoiados.) *

Não quero tratar mais largamente esta questão, nem entrar em mais pormenores; o illustre deputado disse que não queria discutir a resposta ao discurso da corôa, mas unicamente explicar á camara e ao paiz o motivo do seu desaccordo com o actual gabinete, o qual elle durante muitos annos honrou com o seu apoio, não quero por consequencia, repito, estabelecer uma questão onde ella não existe.

S. ex.ª fallou na questão de fazenda, referiu-se a ella, e explicou tambem os motivos porque essa questão o obrigava a separar-se do ministerio.

Parece-me que, pelo modo por que s. ex.ª se expressou, seria impertinência da minha parte entrar no desenvolvimento de um assumpto, que tem de chamai' sobre todos a attenção do parlamento, e que tem de ser discutido largamente n'esta casa.

N'essa occasião não só eu, mas todos os meus collegas do governo, e mais especialmente o sr. ministro da fazenda, apresentarão a sua opinião sobre a materia, e então espero poder mostrar ao illustre deputado que não ha contradicção alguma entre as opiniões que a esse respeito tenho apresentado como ministro da fazenda, e como membro dos gabinetes transactos, e o procedimento do governo actual.

¦ Se entrasse mais largamente n'estas considerações poderia prejudicar ou antecipar um debate que me não parece que caiba precisamente n'este logar, e ao qual o illustre deputado não dou a largueza necessaria, de que é capaz, para provocar uma resposta do governo.

Tenho, portanto, respondido como me cumpre ás observações do illustre deputado, respondido não digo bem, porque s. ex.ª não fez pergunta alguma; mas pareceu-me tambem opportuno, como pareceu a s. ex.ª, explicar á camara as rasões porque se separava do gabinete, pareceu me tambem opportuno, repito, dizer á camara e ao paiz o sentimento que tenho da separação do illustre deputado, a consideração que a sua pessoa me merece e o agradecimento em que estou, pelas palavras de benevolencia que me dirigiu.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: Desejo realmente perguntar ao sr. presidente do conselho, se s. ex.ª effectivamente se convenceu, do que eu accusava o governo pela sua tolerancia politica; e se por acaso, ao ouvir-me, entendeu que eu desejo ou pretendo que este governo ou, qualquer outro, venha proclamar como systema a intolerancia politica!

A falta de clareza não é defeito meu, e ninguem me convencerá, facilmente de que eu falle por fórma que possa entender-se o contrario do que eu digo. O mais natural é, que o nobre presidente do conselho preferisse substituir a questão; e para isso, em vez de me responder, teve o inutil trabalho de defender, perante esta camara, idéas justas que ninguem contesta, e que, pelo contrario, estão no animo e no espirito do todos. (Apoiados.)

Intolerancia politica?!!

Pois quem a sustenta, ou quem a defende?! Quem a deseja, ou quem a proclama?!

Saibamos, por uma vez, se cumprir as leis vigentes se chama intolerancia; e se desprezal-as, deixal-as violar e escarnecer quotidianamente, é, ou já foi ou póde ser, em algum tempo ou paiz, tolerancia politica!

Eu disse positiva e claramente, que o governo acobertava com o falso nome do tolerancia politica o que o não era, porque era apenas a animação ao desprezo e á violação quotidiana das leis do paiz, as quaes o governo tem obrigação de respeitar e fazer respeitar, de cumprir e fazer cumprir.

Pois, sr. presidente, pode-se confundir porventura em paiz algum do inundo o respeito pelas leis e o cumprimento das suas disposições com a intolerancia politica?

A tolerancia politica é dever de todos os governos liberaes; mas as leis não se fazem para serem esquecidas e violadas, e nenhum governo confundiu nunca, nem póde confundir, o esquecimento e a violação das leis com a tolerancia politica. (Apoiados.)

Respeite o governo o modo de pensar de cada um; não demitta, não persiga por politica; este é o credo de todos os homens liberaes, e liberal sou eu. Mas respeite as leis escriptas que representam a vontade do paiz, e não consinta e muito menos anime, que desvairados ou especuladores difamem, insultem, ameacem, desviando da vida politica todos os que n'este paiz prezam o seu credito e a sua dignidade. Desenvolvam o systema, e verão que a final ficam sós em campo, com raras, rarissimas excepções, áquelles que se acham habituados ao despreso do que o homem póde ter e tem na sua vida particular como mais caro, mais respeitavel e mais sagrado. (Apoiados.)

Portanto, a questão não é a mesma; a questão é essencialmente diversa.

Eu não a quiz tratar agora, com a maxima largueza; reservo isso para occasião mais opportuna; limitei-me a indicar porque me separei do governo, ou antes como fui separado do governo que eu apoiava.

Mas desde já digo e repito, que não posso concordar de fórma alguma com o nobre presidente do conselho, quando confunde perante o parlamento a animação ou o incitamento á infracção das leis do paiz, desde as mais importantes até á lei fundamental, com a tolerancia politica, a qual consiste em respeitar as leis e a liberdade de cada um. (Apoiados.)

Em occasião mais propria eu demonstrarei, e sem difficuldade, que a benevolencia e a tolerancia do governo, tão apregoadas e tão evidentes quando se trata do crime e da infracção das leis, facilmente se transformam em intolerancia para com os direitos politicos, os quaes o governo deve e tem obrigação de respeitar. (Apoiados.)

Eu vi, esta camara tem visto e viu o paiz, que na ultima eleição geral, muito differente da primeira a que presidiu' o actual governo, não houve o respeito que devia haver para com a liberdade dos eleitores que deviam eleger os deputados. (Apoiados.)

E ahi que se affirmam os principios liberaes. Ahi é que o grande estadista, a que se referiu o sr. presidente do conselho, teria mostrado e affirmado muito bem, o seu respeito por esses principios, que o governo actual esqueceu, ao mesmo tempo que, com o nome de tolerancia, estabelecia um systema de protecção ao crime e de animação aos criminosos, systema que em direito penal é mais conhecido e melhor classificado como cumplicidade, e que em paiz algum se póde confundir nunca com tolerancia politica. (Apoiados.)

Fica, pois, bem estabelecido que não é pelos sentimentos de tolerancia politica do governo que eu o censuro e me separei d'elle.

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Eu não confundo tolerancia com a violação das leis do paiz, nem dispenso nenhum governo da obrigação de fazer executar as leis vigentes.

Finalmente, eu não comprehendo mesmo «o poder executivo», logo que elle, em vez de fazer executar as leis, consinta que ellas sejam violadas, esquecidas, offendidas ou insultadas. (Apoiados.)

O sr. Freitas Oliveira: — Como relator do projecto de resposta ao discurso da corôa, eu nada tenho a dizer, porque esse projecto não foi impugnado em nenhum dos seus artigos.

Pedi a palavra simplesmente para fazer uma observação ao que acaba de dizer o meu illustre collega e amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey.

S. ex.ª declarou que não discutia o projecto do resposta ao discurso da corôa, mas que aproveitaria esta occasião solemne sómente para explicar á camara o ao paiz as rasões por que se acha separado da politica do ministerio actual.

Nada tenho a observar ás declarações de s. ex.ª; simplesmente bastaria que, quando accusou o governo de ter disfarçado na tolerancia politica a sua cumplicidade nos abusos e na violação das leis, desde as mais importantes até ás de menor alcance, s. ex.ª não designasse quaes eram as leis que tinham sido desacatadas com a tolerancia ou o consentimento do governo. (Apoiados.)

Não é bom, em casos de tal gravidade, deixar as accusações enunciadas em generalidades e declamações que nada definem nem precisam. Se o illustre deputado quizer apresentar a sua accusação formal, eu então pedirei a palavra a v. ex.ª para mostrar ao illustre deputado e ao paiz que este governo, com a sua tolerancia, deu mais um testemunho de que é, entre todas as parcialidades em que se acha dividido o partido liberal, aquelle que mais serviços tem feito á liberdade e á civilisação, e o que mais tem desenvolvido o progresso d'este. paiz (Apoiados.), o que tem conservado a paz e a, ordem (Apoiados.), e mantido constantemente as instituições que nos regem. (Apoiados.)

Emquanto as accusações tiverem o caracter do generalidade, que o illustre deputado lhes deu, não podem ter a importancia de merecerem a discussão d'este parlamento. Digne-se s. ex.ª dizer quaes são as leis affrontadas, que o governo e a maioria se justificarão d'essas accusações. (Apoiados.)

O sr. Braamcamp: — O illustre deputado, o sr. visconde de Moreira de Rey, declarou que não vinha discutir o projecto de resposta ao discurso da corôa, que está sub-mettido ao nosso exame, e que unicamente queria apresentar as rasões pelas quaes se collocara em opposição ao governo.

Sr. presidente, eu tambem não venho discutir o projecto de resposta ao discurso da corôa, nem preciso declarar os motivos por que estou em opposição ao governo.

Respeitando, como devo, as altas qualidades dos cavalheiros que estão sentados nas cadeiras ministeriaes, tenho-os sempre combatido, e desde ha muito tenho tido occasião de manifestar á camara quaes as rasões porque entendo que o systema de, administração politica e de gerencia financeira do actual gabinete não é concentaneo com os interesses do paiz.

Não me farei cargo de responder ao meu illustre collega O sr. visconde de Moreira de Rey, emquanto ás observações que s. ex.ª apresentou, não me compete fazel-o; não quero, porém, deixar de declarar que me conformo plenamente com as nobres expressões do illustre presidente do conselho, quando s. ex.ª tratou de demonstrar a, alta conveniencia da mais ampla-tolerancia, politica. (Apoiados.) É tambem este um dos principios inscriptos na bandeira do partido, a, que tenho a honra de pertencer; é este o principio que elle sempre teve como norma de conducta e de que elle de certo nunca se ha de afastar.

Sr. presidente, a opposição, desde o principio d'esta sessão legislativa, tem tido o mais constante empenho em não levantar discussões que por ventura podessem parecer menos proficuas.

A opposição entendeu que lhe corria o dever de evitar delongas e antes activar, quanto lhe fosse possivel, os trabalhos da constituição da camara, em ordem a podermos, com toda, a brevidade, entrar no exame e na discussão dos assumptos que são de interesse publico.

N'esta ordem de idéas, é que os meus amigos politicos, que pertencem á actual opposição parlamentar, entenderam não dever pela sua parte, e n'esta casa, levantar discussão no projecto de resposta ao discurso da corôa, e dar-lhe-hão o seu voto, considerando este documento unicamente como uma manifestação de respeito, como um dever de cortezia para com o augusto chefe do estado, a que esta camara não póde nem deve faltar.

N'estes termos, a opposição do partido progressista vendo diante de si projectos de tanta importancia como são os que se referem as reformas instantes que demandam a nossa administração interna, o largo incremento da, instrucção popular, em todas as suas diversas ramificações, o systema administrativo das nossas colonias a que tanto necessitamos attender, e principalmente e sobre tudo á organisação da fazenda publica, que está reclamando as providencias mais energicas e mais serias, a opposição, repito, entendeu que faltaria ao seu dever, se suscitasse debates que, embora sejam muitas vezes do incontestavel importancia, viriam comtudo espaçar por mais tempo ainda o exame dos assumptos a que estão ligados os interesses mais vitaes do paiz.

Quando se verificarem as interpellações que já estão annunciada.", e quando se discutirem as propostas do lei de que já temos conhecimento, e as mais que necessariamente tem de ser apresentadas á camara, será então occasião opportuna para mais detidamente avaliarmos os actos do governo, apreciarmos o seu procedimento politico, o discutirmos a sua marcha governativa nos diversos ramos da administração. (Vozes: - Muito bem.)

Portanto, sr. presidente, não provocámos a discussão, não a desejámos, mas estamos promptos a acceital-a se por ventura ella for levantada por qualquer dos membros d'esta casa, o votaremos o projecto de resposta como um mero cumprimento e acto de cortezia, sem com tudo, d'este nosso voto, dever tirar-se como conclusão que concordamos em todos os seus pontos como o projecto de que se está tratando.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Vejo em discordia os partidos monarchicos; mas não me aproveito d'este facto; elle se dá tambem nas republicas; mal faria eu se aproveitasse um argumento que, hoje poderia ser util, mas que de futuro havia de mostrar a sua futilidade.

Se v. ex.ª me tivesse perguntado em que sentido eu queria fallar ácerca da resposta ao discurso da corôa, eu quasi podia dizer que me inscrevia a. favor, por isso que apenas tenho que dar breves explicações, recordar alguns factos, lembrar alguns principios.

Este documento muitas vezes tem sido considerado como simples prova de respeito ao augusto chefe do estado; em outras occasiões os partidos têem julgado propicia, esta, occasião para se occuparem de questões politicas.

Entendo que hoje o melhor é ser breve, a fim de tratarmos de outros assumptos mais importantes, e que demandam larga, discussão.

Quaesquer que sejam as minhas opiniões politicas, se vejo o augusto chefe do estado exercendo lealmente as suas attribuições, e usando dos direitos que a carta lhe confere, respeito n'elle a expressão da vontade nacional, respeito n’elle o representante da soberania da nação portugueza.

Portanto, nenhuma duvida tenho em prestar a Sua Magestade as provas de deferencia que um poder constituido deve a outro poder.

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Ha, porém, n’este documento alguns pontos ácerca dos quaes eu devo explicar-mo antes de o votar. A resposta termina, dizendo: (Leu.)

Quer-me parecer que nem a illustre commissão de resposta ao discurso da corôa, nem a maioria parlamentar querem n'estas palavras significai' que são contrarias a qualquer reforma nas instituições, uma vez feita dentro dos limites marcados na carta. (Apoiados.)

Aliás a carta seria um instrumento de revolução em logar de um instrumento de ordem e de paz.

E por ser a carta não só um progresso notavel, mas tambem um meio de transformações salutares, que ella representa uma das maiores glorias de D. Pedro ] V.

Outro ponto do projecto de resposta é aquelle que se refere ás nossas colonias.

Diz-se ahi.

(Leu.)

Ignoro se as idéas que tenho ácerca das colonias são populares ou impopulares; declaro, porém, que não vejo na conservação de algumas das nossas terras do ultramar as vantagens que tantas vezes ouço attribuir-lhe. (Apoiados.); francamente o digo, e creio ser eu o primeiro que apresenta esta opinião no seio do parlamento. Das nossas colonias, durante longos annos, não temos recebido senão tristes noticias, senão a nova da perda de tantos concidadãos; ellas nos lêem servido, principalmente, para grandes gastos e para alimentarmos esperanças que eu supponho vãs; á prompta colonisação de tantas terras seria necessario um povo muito mais numeroso, mais robustecido physica o intelectualmente; eu faltaria aos deveres da minha consciencia se não declarasse francamente, que não reputo as provincias ultramarinas tão vantajosas para a nossa independencia e para a nossa importancia politica, como reiteradamente se tem dito n'esta camara, em relatorios, em discursos e na imprensa. A minha opinião, pelo contrario, é que nas actuaes circumstancias precisámos seguir politica colonial muito diversa d'aquella que vejo inalteravelmente professada.

Venero tanto quanto devem ser veneradas todas as glorias que os nossos antepassados alcançaram; mas eu pertenceria a uma deploravel e mísera aristocracia, se quizesse encobrir com as glorias dos antecessores, a nossa actual fraqueza relativa para a colonisação. Como disse outro dia á camara, entendo que um dos nossos primeiros deveres, e uma grande conveniencia para tratar devidamente os assumptos economico-politicos, é pôr de lado tudo quanto seja ficção e apresentar os factos na sua realidade.

No discurso da corôa diz-se, que o governo de Sua Magestade apresentará ao parlamento uma proposta para a reforma da instrucção secundaria.

Sei a necessidade que ha de a reformar. Mas o que admiro, e a esse respeito não me dirijo, decerto, ao sr. relator da commissão, e sim ao governo, é que tendo sido votada, no anno passado, uma lei de reforma de instrução primaria, a qual dentro em dez annos devia estar completamente em execução, até hoje nem sequer os regulamentos apparecessem, pelos quaes se provasse que os desejos dos reformadores não tinham desapparecido logo que se votara a lei e as casas do parlamento se fecharam.

A lei foi promulgada em 2 de março de 1878, até agora não sei de um só acto, por parte do governo, que mostrasse sincera vontade de a pôr em execução.

Se comparo (e digo-o sem o menor desejo de travar polemica politica), se comparo o procedimento em relação á instrucção primaria com os cuidados no campo eleitoral, vejo que no exercicio de uma das suas funcções o governo teve a maior incuria, emquanto que na invasão dos direitos dos eleitores não foi demasiadamente escrupuloso. Não duvido acceitar a declaração ha dias feita pelo sr. ministro do reino, cujas altas qualidades eu venero. A declaração era de que n'outro tempo tambem houve abusos. Mas este tambem quer dizer de certo que o governo entendeu conveniente, não só ter candidatos officiaes, mas tambem, com todos os recursos ao seu alcance, cultivar o campo eleitoral, cuja cultura pertence unicamente aos eleitores; o é de notar que quanto mais os governos respeitarem os direitos dos eleitores, maior será a majestade do parlamento, e melhor serão recebidas pelo paiz, em igualdade de circumstancias, as leis que promulgarmos. Tanto empenho pelas eleições, e tanto desleixo pela instrucção publica, parece-me, na epocha actual, uma contradicção flagrante com o procedimento dos mais illustrados governos estrangeiros, o é impropria dos cavalheiros tão illustrados que hoje se sentam nas cadeiras do governo; se não fóra a sua elevada illustração, eu diria que estes factos representam ausencia completa de idéas.

O que vemos nos paizes mais adiantados da Europa? Os partidos tomai]), como um dos fructos mais importantes dos seus programmas e das suas discussões, a instrucção publica; ao passo que o nosso governo, que em 1872 apresentou uma proposta de reforma da instrucção primaria, ainda até hoje não começou a pôr em execução a respectiva lei!

Se confronto o movimento do paiz, favoravel ao progresso da instrucção publica, com os actos do ministerio, vejo n'estes um grave erro politico.

Quem não sabe quanto se tem debatido no paiz uma questão que para alguns homens publicos póde ser considerada como bagatella, mas que, para as nações adiantadas, é um assumpto do alta gravidade? Quem não sabe quanto se tem discutido no paiz o methodo de aprender a ler? Quem não sabe a polemica travada nos jornaes ácerca do methodo João de Deus?

Creio que foi uma senhora allemã, residente no Porto, devidamente estimada pelos mais distinctos philologos, quem primeiro escreveu com profundo conhecimento d'esse methodo. Muitas camaras deram evidentes provas do seu desejo de o propagar. O mesmo empenho mostraram professores e escriptores distinctos. O nome de João de Deus é conhecido em todo o paiz; é o nome de um dos maiores poetas portuguezes d'este seculo, e de um grande coração; a sua fama cresceu desde que frequentou a universidade até agora.

Não sei se o governo tinha inteiro conhecimento do que era o methodo de João de Deus, o que sei é que foi necessario que na legislatura passada os nossos illustres collegas, os srs. Osorio de Vasconcellos e Pires de Lima, solicitassem do sr. ministro do reino que mandasse estudar aquelle methodo; s. ex.ª respondeu affirmativamente, porém só no fim de 1878, ou no principio de 1879, os commissarios dos estudos de diversos districtos dirigiram aos professores e professoras de instrucção primaria uma circular, em que lhes ordenavam que dissessem ácerca d'este methodo tudo quanto soubessem por experiencia propria. Reprehensivelmenle demorado foi este acto do governo, principalmente n'um tempo em que é universal o reconhecimento da importancia do ensino primario.

Poderia eu repelir a phrase de um dos generaes mais destemidos da Europa, phrase conhecidissima, e segundo a qual a victoria de Sadowa deve ser attribuida antes aos mestres de instrucção primaria do que exclusivamente ao exercito.

Não investigo se hoje alguns escriptores da Allemanha julgam exagerada e funesta a importancia que se deu na sua patria aos mestres e professores; direi, porém, que se na Allemanha existe certo desequilibrio entre o desenvolvimento intelleclual e o desenvolvimento da liberdade nas instituições, me parece que entre nós succede o contrario; gozámos de liberdade; temos no nosso systema politico, e em alto grau, certa especie de tolerancia; mas cuido que o desenvolvimento intelleclual é por ora tão acanhado, que muitas vezes o uso d'essa liberdade é mais prejudicial do que benefico.

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Bem sei que a natureza, pelos seus maravilhosos processos, sabe converter os prejuizos em beneficio; mas era melhor que nos aproveitássemos da experiencia representada no progresso que a instrucção tem feito no estrangeiro.

E esta questão não é simplesmente com o sr. ministro do reino; é tambem do sr. ministro da guerra e presidente do conselho. S. ex. ª sabe que nas nações que melhor podem ser citadas como modelo em organisação militar, a instrucção do exercito não principia nas casernas; principia-se nas escólas primarias a educar o povo para a guerra. E eu desejava saber quaes são os actos em que o governo tenha manifestado o sou desejo de que o desenvolvimento physico da infancia em Portugal seja maior? Em quantas escólas o governo estabeleceu o ensino de gymnastica? Quantas escólas de tiro fundou?

A Suissa, por exemplo, nação pequena, muito mais pequena do que o nossa em territorio o em população, está muito mais adiantada do que nós. Não tenho documentos posteriores a 1875; no relatorio do departamento militar d'esse anno, diz-se que havia 1:153 associações livres de tiro; e o numero dos membros d'estas associações era de 46:077.

A lei de organisação militar de 13 de novembro do 187-1, no artigo 81.° (que de certo o nobre ministro da guerra conhece muito melhor do que eu, porque não estudo estas questões senão pela relação que têem com a instrucção primaria), diz que os exercicios gyimnasticos preparatorios do serviço militar serão feitos pelas creanças desde a idade de dez annos até saírem das escólas primarias.

E acrescenta:

«Alem disto os cantões provêem a que os exercicios gyimnasticos preparatorios do serviço militar, sejam feitos por todos os mancebos, desde a epocha em que saírem da escóla primaria até aos vinte annos.»

O que succede em Portugal?

Não só não temos associações de tiro, mas até se encontram obstaculos para as estabelecer.

Um professor da universidade, que já foi ministro, o sr. dr. Cortez, quiz fundar uma d'estas associações; se bem me lembro, solicitou do governo que um official fosse incumbido de dirigir os exercicios; indeferiram-lhe o requerimento, receiosos de alguma revolta.

O facto é narrado pelo sr. dr. Filippe Simões, no seu livro sobre educação physica, livro digno de ser lido não só pelos chefes de familia, mas tambem pelos nossos homens d/estado.

O nosso atrazo em instrucção primaria é tal, que em dois trabalhos modernos, um do sr. Levasseur, ácerca da exposição de Vienna, outro publicado pelo governo hespanhol, Portugal tem por companheiros no atrazo a Turquia e a Servia.

A Hespanha fica-nos muito superior.

E já que fallei na situação em que nos achámos, relativamente a este paiz, direi que os portuguezes que visitaram a exposição de París não podiam ficar muito satisfeitos ao ver que a nossa nação ali se mostrava inferior aquella em bellas artes o em industria.

A questão da educação physica é importante não só para todos os ramos de trabalho era geral, e para o exercito, mas tambem para um povo que deseje explorar colonias; esta exploração não se faz hoje sem grande desenvolvimento physico e intellectual. (Apoiados.)

Ninguem ignora que a moderna exploração da Africa é altamente scientifica. Por todas estas rasões, bom seria que todos os partidos tratassem da questão do desenvolvimento physico e intellectual do paiz, como de uma questão verdadeiramente fundamental. (Apoiados.) A ella se reduz a resolução de muitos problemas economicos.

Se tivesse tempo, lembraria aos srs. ministros do reino e obras publicas quanto importava contribuir com ensino industrial e artístico para que a industria se desenvolvesse; qualquer que seja a nossa politica commercial, quer sejamos proteccionistas, quer livre-cambistas, se não tivermos sufficiente instrucção artistica e industrial, a nossa industria ha de forçosamente desfallecer na lucta para a existencia. (Apoiados.)

Desejo saber o que tenciona fazer o sr. ministro do reino ácerca de umas propostas, que creio foram apresentadas n'esta casa ha dois annos, sabre o ensino das bellas artes, e sobre a organisação de um museu de pintura, esculptura, etc.... e archeologico, e conservação dos monumentos historicos em Portugal.

E de notar a grande antinomia que a este respeito se dá entre o procedimento do governo e o movimento litterario do paiz.

O sr. ministro do reino, se bem me recordo, nomeou em 1875 uma commissão para dar parecer sobre os assumptos a que acabo de me referir; a commissão deu o seu parecer conforme entendeu; publicou-se o trabalho d'ella em dois opúsculos, um dos quaes não é muito conhecido; foi discutido esse trabalho em dois folhetos e em numerosos artigos de varios jornaes; um dos membros da commissão, o sr. marquez de Sousa Holstein, publicou um opusculo, do qual vou ler um trecho para exemplo do modo por que tratámos monumentos nacionaes.

«Em Paço de Sousa os baixos relevos que ornavam a sepultura de Egas Moniz estão divididos, achando-se metade engastada em cada parede lateral da igreja; e a caixa de pedra em que jazeram os ossos do aio de Affonso Henriques serve de pia para os porcos beberem.»

Na cathedral de Braga, soffreram maus tratos os tumulos do conde D. Henrique o de sua mulher; e um admiravel frontal, em alto relevo, foi barbaramente mutilado para ser adaptado ao comprimento do altar! Como estes factos ha muitos. Não precisámos do nos referir ao estado dos trabalhos historicos no estrangeiro; basta, um pouco de amor da patria para nos revoltarmos contra tanta selvagem. (Apoiados.)

O governo comprehende que as minhas palavras não foram inspiradas pelo desejo de travar polemica. O meu fim era dizer alguma, cousa util, chamar a attenção do ministerio e da, camara para factos importantes, e porventura manifestei tambem o desejo de que todos os partidos se occupem da instrucção primaria.

No anno passado a maioria da camara, e quando digo maioria não me refiro agora só á do partido regenerador, mas á de todos os partidos, votou, depois de lhe ter introduzido alguns aperfeiçoamentos, a, proposta do sr. ministro do reino ácerca da reforma d'esse ramo de ensino; parece-me que as discussões sobre a instrucção haviam de mostrar harmonia de idéas entre individuos que hoje estão em campos oppostos. E como o sr. Rodrigues Sampaio tem o grande merecimento de haver subido á custa, dos seus talentos ao logar em que se encontra (Apoiados.), como saíu do povo... E digo isto por ser uma honra para s. ex.ª (Apoiados.); já lá vão os tempos em que os biographos desciam ás mais minuciosas investigações a fim de acharem ao menos uma relação remota entre o biographado e algum nobre que tivesse transmittido a este, mais ou menos sangue. Hoje entende-se bem que o valor do homem se mede pelos graus que elle percorreu á custa dos seus merecimentos.

Tendo, pois, o sr. ministro do reino vindo das classes inferiores até aquelle logar porque o merecia, tem mais um motivo para se não esquecer de melhorar no nosso paiz a instrucção publica. (Apoiados.) É o que lhe peço.

O sr. Ministro do Reino: — Não posso acompanhar o illustre deputado pelos diversos paizes que percorreu; venho apenas responder a uma censura que s. ex.ª fez.

Se o illustre deputado não viu ainda todos os trabalhos de instrucção publica, é porque ha dois annos para começar a sua execução a fim de que as localidades paguem o subsidio ás escólas. Se a lei determinou o praso d'esses dois annos, foi para se fazerem os regulamentos; e não só

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o digno funccionario que preside á direcção de instrucção publica mas todos os empregados, se têem entregado constantemente a esse negocio.

Esses trabalhos não estão descurados, e se não vemos tudo aquillo que está feito, não se póde concluir que se não fez cousa nenhuma (Apoiadas.); e o illustre deputado que é muito esclarecido, pelo facto de não ver a obra que ha de começar no devido tempo, não ha de querer concluir, que se não tem feito nada. Essa obra não se póde começar separadamente e esses regulamentos não são fareis. (Apoiados.)

Por conseguinte, tomo a responsabilidade de tudo; mas permittam os illustres deputados que me cubra com aquella égide que s. ex.ªs com rasão respeitam, como tambem não devem levai' a mal que eu me desculpe.

Quanto aos erros eleitoraes presentes, não são do governo; esses erros, essas violencias e algumas immoralidades não são só d'elle, são de outros que se devem penitenciar antes de nos accusarem (Apoiados.); o que eu queria dizer, não era desculpar uns erros pelos outros; era auctorisar aquillo que chamaram erros com exemplos muito auctorisados.

Já vê o illustre deputado que não e para estranhar não terem apparecido os regulamentos de instrucção; entretanto, não tem deixado de se crear muitas cadeiras e não tem estado parado o movimento, sendo muitas dessas cadeiras organisadas pela iniciativa das localidades.

Eu estimo mais que ellas sejam creadas por iniciativa da localidade, do que por suggestões do governo; creio que não é arma eleitoral, mas que o fosse empregava-a.

Não posso estar agora a responder ao illustre deputado sobre as intenções do governo, pois que o nosso regimento não permitte entrar nas intenções dos outros. E eu estimo mais que me perguntem pelo que fiz do que pelo que hei de fazer. Pelo que hei de fazer não mereço galardão, nem castigo. A opportunidade é que ha de guiar-me sobre a maneira de proceder.

E quando se trata n'esta casa de qualquer melhoramento, começa-se logo a fallar no estado da fazenda publica, e a dizer-se que não é possivel augmentar mais a despeza. Augmentar a despeza é uma difficuldade como o illustre deputado muito bem sabe.

Não tenho mais nada que dizer.

O sr. Dias Ferreira: — O documento parlamentar sujeito ao debate póde ser votado, ou como cumprimento ao chefe do estado, ou como documento rigorosamente politico. Nos termos, em que se acha formulado, todos os grupos da. camara o podem approvar independentemente de quaesquer explicações.

Está ha annos condemnada como luxuosa e inutil a discussão da resposta ao discurso da corôa, o este anno menos justificado seria similhante debate, depois de se ter gasto tanto tempo em trabalhos, para assim dizer preparatorios, e ser urgentissimo occupar-mo-nos das questões de immediato interesse publico.

Devo pois declarar pela minha parte e dos maus amigos, que não discutimos o parecer em discussão. Mas não posso deixar passar sem reclamação uma phrase, que me pareceu ouvir ao sr. ministro do reino.

Eu não julgo desgraçado o estado da fazenda publica (Apoiados); e o governo é de certo da mesma opinião, devendo attribuir-se a descuido de phrase o que ha pouco ouvimos ao sr. ministro do reino.

Mas, sr. presidente, comquanto eu não julgue a fazenda publica em situação desgraçada, nem cercada de perigos immediatos, reputo-o estado do thesouro extremamente grave, e mais grave ainda do que a situação financeira, a situação economica e politica do paiz, de que aquelle profundamente se ressente.

Bem desejava eu poder prescindir de considerações politicas na apreciação das medidas de fazenda.

N'alguns paizes a questão de fazenda deixou de ser questão politica para ser questão de todos.

Effectivamente o principio do equilibrio entre as receitas e as despezas ha de reger os orçamentos em todos os paizes do mundo, o não póde servir de bandeira exclusiva, a nenhum partido.

No entretanto, a questão de fazenda toma uma feição rigorosamente politica, e abre separação clara e franca entre os que pretendem que se organise a fazenda publica em bases solidas, e tendentes a assegurar-nos as condições do presente, e a precaver-nos contra as eventualidades do futuro, o os que julgam tudo pelo melhor, esperando tudo das circumstancias e do tempo, persistem n'um caminho de hesitação sem chegarem a uma conclusão definitiva.

Por isso declaro á camara em meu nome e dos meus amigos politicos, que serão as medidas de fazenda as que hão occupar a nossa mais particular attenção, e que havemos de fazer exame rigoroso, e ao mesmo tempo imparcial, de cada uma, d’essas providencias, inspirados menos de intuitos politicos do que dos interesses da causa publica.

Espero tambem do zêlo da illustre commissão de fazenda, da dedicação do governo pelos interesses publicos e do patriotismo da assembléa, que essas propostas virão quanto antes ao debate.

Não discutindo, pois, a resposta ao discurso da corôa, não quero todavia sentar-mo sem dizer á assembléa. que os principios de tolerancia proclamados ha, pouco pelo sr. presidente, do conselho, e que s. ex.ª defendeu com tanto calor, sem que ninguem os houvesse atacado, são exactamente os principios que eu o os meus amigos seguimos, principios sem os quaes nenhum governo poderá viver n'um paiz acostumado a essa, politica, e que pelos seus habitos e indole passifica não sofreria outra, politica que nada tem de imcompativel com o respeito á lei.

O sr. Rodrigues de Freitas: Não tenho a, menor vontade de me demorar a responder ás explicações feitas pelo sr. ministro do reino, sobre tudo quando ellas não destruiram o que eu disse. Alem d'isso, s. ex.ª allegou o seu mau estado de saude; e por isso, creio que conciliámos todas as conveniencias em não alargar a discussão.

O sr. Ministro do Reino: — Pedi a palavra para declarar á camara que não me lembro de ter dito a phrase que me attribuiu o sr. Dias Ferreira. Eu fiz um argumento; eu disse, que, pedindo-se dinheiro, allegava-se o triste estado da fazenda publica. Isto é, creio eu, differente do que dizer que o estado da fazenda publica, é deploravel.

O ir. Dias Ferreira: - Eu ouvi dizer «o desgraçado estado da fazenda publica»; mas se me enganei, folgo com isso.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Direi apenas duas palavras, como breve resposta ao convite que me foi feito pelo illustre relator da commissão e meu particular amigo, para eu indicar as leis offendidas e os casos especiaes, a que me, referia.

Não posso satisfazer n'esta occasião os desejos do meu, illustre amigo, porque estando de accordo em não prolongar este debate, tenho necessariamente de restringir-me ás indicações genericas, sufficientemente claras para o governo, n'uma occasião em que eu só trato do definir a minha posição n'esta casa.

Não durará por muito tempo, porém, a impaciencia do meu illustre amigo. Eu encarrego me do trazer a debates especiaes os pontos a que me referi.

E creia s. ex.ª que os seus desejos hão de ser plenamente satisfeitos.

Eu hei de levantar essas questões no campo mais vasto, não como questões partidarias, mas como questões sociaes, verdadeiramente politicas na mais ampla e na mais nobre accepção d'esta palavra.

O meu fim é collocar a questão em tal altura, que ella interesse igualmente a todos os governos, a todos os partidos e a todos os grupos. (Apoiados.)

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O sr. Rodrigues de Freitas (para um requerimento):- O meu requerimento é para que v. ex.ª consulte a camara sobre se dispensa a leitura e votação por artigos.

O sr. Presidente: — Eu mandava fazer a leitura por artigos, porque é praxe constante d'esta casa proceder assim; mas, se a camara dispensa essa leitura, não se faz. (Apoiados.)

Posto á votação o projecto de resposta ao discurso da corôa, foi logo approvado.

O sr. Lopo Vaz (por parte da commissão de fazenda): — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta de lei n.º 61-F.

O sr. Pinheiro Osorio: — Participo a v. ex.ª que se acha constituida a commissão da legislação penal, tendo nomeado para presidente o sr. Bernardo de Serpa Pimentel e a mim para secretario, e reservando-se para nomear relatores especiaes segundo os negocios que forem submettidos á sua apreciação.

Participo tambem a v. ex.ª que está constituida a commissão de petições, tendo nomeado para presidente o sr. Silveira da Motta, para secretario o sr. Firmino João Lopes, o reservando-se para nomear relatores especiaes conforme os negocios que lhe forem commettidos.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a interpellação do sr. Mariano de Carvalho ao sr. ministro da marinha sobre as concessões feitas na provincia do Moçambique ao sr. Paiva de Andrada por decreto de 26 de dezembro de 1878; o parecer n.º 68 sobre o processo eleitoral do circulo de Loulé, o a eleição da commissão para a reforma da repartição tachygraphica.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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