SESSÃO DE 11 DE FEVEREIRO DE 1885 417
s. exa. não conhece. Levou mesmo tão longe, digamos assim, a dureza da sua palavra melliflua que chegou a dizer que a moção do meu collega o sr. Consiglieri Pedroso era illegal, e talvez quizesse dizer, não conforme com o regimento.
É illegal porque? Em primeiro logar não é contra o regimento; e a prova d'isto é que o sr. presidente a mandou ler, a prova d'isto é que a maioria a ouviu ler, a prova d'isto é que s. exa. a discutiu.
É illegal porque?
Illegal, porque? Quem é que entrou no lar domestico de qualquer individuo que occupe na nossa sociedade qualquer posição desde a mais humilde até á mais elevada? Ninguem. Mas no exercicio das funcções publicas o caso é outro.
Se o chefe do estado tem relações particulares, todos as respeitam; mas quando elle entrevem nos negocios da nação o caso muda absolutamente de figura porque essa intervenção lhe é defesa. Não é elle o responsavel, mas sim os ministros...
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Apoiado.
O Orador:-... o essa responsabilidade dos srs. ministros é que se pediu.
O chefe de estado foi posto de lado n'essa occasião.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Apoiado.
O Orador: - Tratava-se de saber se effectivamente era ou não exacto aquelle facto. Se o foi, os srs. ministros têem estricta obrigação de responder por elle.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Apoiado.
O Orador: - Nós não temos programma, dizem.
Não sei se o partido progressista pela voz do seu chefe, e hontem o sr. Correia Barata, que me parece ter fallado em nome do partido regenerador, tinham grande desejo de que nós tivessemos um grande programma, estivessemos enfronhados nas normas do governo e que estivessemos preparados para a governação com um exercito de funccionarios. Não sei se desejam isto para se inclinarem diante d'esse poder nascente.
Nós temos ouvido fallar aqui repetidas vezes em programmas. Tem-se lançado em rosto ao sr. presidente do conselho, - e sinto e estranho que s. exa. não esteja presente porque o dever de s. exa. era estar ali n'aquellas cadeiras, (Apoiados) e nós que tantas vezes esperamos aqui pelos srs. ministros, esperariamos de certo para lhes dar ensejo a que podessem cumprir o seu dever, (Apoiados.) - tem-se lançado em rosto, digo, ao sr. presidente do conselho o haver tomado o programma do partido progressista.
Já muitos têem tomado os programmas pertencentes a outros. O partido historico tomou o programma do partido reformista.
O sr. Dias Ferreira passou de relator do contrato de 14 de outubro, que é a primeira data funesta da fusão, para o ministerio da janeirinha.
Costa Cabral entrou para o governo não com o seu programma, mas com o dos conservadores. Assim nós vamos vendo no poder todos, ou quasi todos os homens governando, não com os programmas que lhes pertencem, mas com os dos outros.
Chegando a revolução de 1836, o marquez de Sá entrou para o governo com um programma que não era d'elle, mas que tinha sido formulado pela revolução na noite de 9 de setembro de 1836.
Mas que notavel differença entre o procedimento do sr. Fontes na actualidade e o procedimento do marquez de Sá da Bandeira em 1836.
O marquez de Sá da Bandeira acceitou o programma da revolução, mas acceitou-o galharda e gentilmente para se defrontar com a corôa e cercear-lhe regalias; tomou o estandarte da revolução, não a renegou, nem renegou os seus amigos politicos.
Este é o vulto sympathico da nossa historia que devemos respeitar e considerar sempre. E n os nossos dias o que acontece?
O sr. presidente do conselho toma o programma do partido progressista, e rasga-o; e faz mais do que isso.
Sinto que s. exa. não esteja presente, mas porque a sua ausencia seria uma maneira insolita de nos embargar a voz, e porque s. exa. já lê os jornaes, eu vou proseguir nas minhas considerações que s. exa. poderá ler no Diario da camara.
O sr. presidente do conselho veiu aqui renegar a cooperação e o trabalho com que os seus amigos em 1881 lhe prepararam a ascenção ao poder.
O que é que levantou s. exa. ao poder senão o movimento que se diz das arruaças?
S. exa. nega que fosse d'ahi que lhe viesse a força, e até disse ao sr. deputado Eduardo Coelho que não foi elle que deu aquellas ordens para o Porto.
Acredito que s. exa. não tomasse parte activa n'aquellas manifestações, basta s. exa. tel-o dito, mas, desde que subiu ao poder, não lhe era licito renegar a origem de onde elle lhe veiu.
E por este motivo que a situação hoje é difficil para todos os partidos, e é por isso que o sr. presidente do conselho diz que já não ha a dedicação que havia antigamente, e foi substituida por uma certa independencia do coração.
E ainda bem que ha essa independencia para extranhar similhante procedimento.
Tambem se notou que no partido republicano se encontrassem diversos matizes, desde o socialista até ao mais auctoritario! Que outrem usasse d'esta linguagem, vá; mas o chefe do partido progressista!
S. exa. não se recorda com saudade de 1846, da Maria da Fonte, d'essa revolução que se levantou contra o poder arbitrario da corôa, em que formavam desde o duque de Palmella até ao padre Rabecão?
Ahi estavam todos os matizes, e ainda bem que estavam, porque é prova de estarem acordados os sentimentos viris da nação para resistir ao arbitrio.
Disse-se que o partido republicano era illegitimo. Pois então nós não somos legitimos, nós que honramos a memoria dos nossos pães; nós que attestâmos a nossa descendencia dos homens que estabeleceram a liberdade na nossa terra?
E o sr. Correia Barata, que nos aponta a pecha de illegitimos, renega a memoria de Fernandes Thomás, ou antes, estranha que alguem aqui quizesse que se mencionasse no discurso da corôa a commemoração da data de 24 de agosto de 1820! Pois então os partidos liberaes não vão todos buscar n'aquelle tronco commum a sua origem? Se ha partidos que sejam liberaes, não podem renegar a memoria de Fernandes Thomás, e não podem estranhar que se note, no discurso da corôa, a falta de commemoração de uma data gloriosa da nossa terra. Se um dos principes casasse, era esse facto mais importante do que este em que íamos prestar homenagem ao patriarcha das liberdades portuguezas?
A revolução de 1820 espantára a Europa pelo vigor, energia e serenidade do commettimento, que assegurou o resgate da nossa patria; e este bello e formoso sol que illumina o nosso paiz, a liberdade nol-o mostra mais formoso e resplandecente.
Mas, sr. presidente, essa data devia aqui estar, e já mesmo um Rei de Portugal, o Rei D. Pedro V, não teve duvida, do alto do solio, de prestar homenagem a essa revolução, usando palavras que o honram, como honram a todos os principes que assim procedem.
Mas não era só essa falta que se notava aqui, sr. Barata. Ha um acto do governo, praticado então, que muito lastimo; e sinto-o, porque na manhã d'esse dia toda a imprensa da capital, excepto a republicana, fazia annuncios á população da cidade, que não eram avisos humanitarios, mas uma verdadeira ameaça! (Apoiados.}