2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sentou n'esta casa um papel de primeira grandeza, e, emfim, como estadista, foi distincto entro os mais distinctos do seu tempo, tendo consagrado cincoenta annos da sua existencia a bem servir o seu paiz. (Muitos apoiados.)
Como particular, era um caracter primoroso, e pela sua bondado extraordinaria e pelo genero do seu trato affabilissimo, a todos attrahia.
Alem d'isso, o sr. Antonio de Serpa era o chefe prestigioso e respeitado do partido regenerador, o qual está largamente representado n'esta casa, e que com a morte de s. exa. soffre uma perda enorme, assim como tambem a soffre o paiz. (Apoiados.)
Tenho por isso a honra de propor á camara que na acta da sessão de hoje se lance um voto de sentimento pela morte de tão illustre estadista, e que sejam feitas á familia de s. exa. as communicações do estylo.
S. exa. não reviu.)
O sr. Ressano Garcia: - Sr. presidente, interpretando os sentimentos da maioria d'esta camara, associo-me com profunda commoção, e em nome dos meus amigos politicos, ao voto de condolencia que v. exa. acaba de propor, assim como ás palavras eloquentes e sobre tudo justas, com que v. exa. exaltou as acrisoladas virtudes do fallecido estadista
O partido regenerador perdeu o seu honrado e prestigioso chefe, que embora arredado da politica activa, nem por isso deixava de ser, pela nobre tradição que representava, a figura mais proeminente d'aquelle partido, onde estão homens de grande talento e de incontestavel valor.
A politica portuguesa, essa perdeu um dos seus ornamentos mais distinctos (Apoiados.), pela lucidez da sua intelligencia, pela vastidão do seu saber e ainda pela pureza immaculada do seu caracter. (Apoiados.)
O paiz inteiro e a coroa perderam em Antonio de Serpa um dou seus mais leaes servidores, estando sempre, ainda nas circumstancias mais difficeis e nos conjuncturas mais ingratas, prompto a sacrificar o seu bem estar pelo sagrado interesse da patria, como ultimamente demonstrou, encarregando-se de uma missão altamente espinhosa e em extremo difficil.
Perante um acontecimento tão infausto cessam, desapparecem todas e quaesquer divergencias politicas, por mais fundas que ellas sejam, e o partido progressista, enrolada a sua bandeira, curva-se, respeitoso, diante do cadaver, ainda insepulto, do benemerito cidadão, que a morte tão subitamente arrebatou. (Muitos apoiados.)
Na vespera das grandes luctas que vão travar-se ámanhã, o partido progressista honra-se a si proprio, honra o paiz, e honra o parlamento, abatendo reverente as suas espadas diante dos seus adversarios para que possam unir-se todos, como portuguezes, na commemoração justa e sincera de uma das glorias mais brilhantes da nossa politica contemporanea (Apoiados geraes.), do ultimo representante, e não dos de menor vulto, d'aquella geração de grandes homens que antecedeu a nossa, e que desapparece agora para sempre, fechando o cyclo aureo da nossa politica.
Se Joaquim Antonio de Aguiar, de quem se disse que foi um revolucionario; se Fontes Pereira de Mello, que foi o iniciador e o constante propugnador do nosso fomento economico, exerceram no seu partido uma acção energica é mais activa, e por isso mesmo mais absorvente, Antonio de Serpa Pimentel, inteiramente despido de preconceitos, alheio a paixões, conservando inalteravel aquella linha singela e modesta, que era o seu principal encanto, exerceu na politica portugueza uma acção benéfica e conciliadora, deixando o salutar exemplo do que ainda pôde, do que ainda vale na consideração publica uma probidade inconcusca conjugada com um trabalho indefesso (Applausos geraes. - Vozes: - Muito bem.)
Oliveira Martins, outro morto illustre, tão cedo roubado ás letras patrias, escreveu algures que a arte do governar os povos offerece á observação do espirito critico dois typos: a politica dos expedientes e a politica das idéas. São do primeiro typo os estadistas tomados de vaidade; são do segundo os estadistas cheios de abnegação. Uns primam pela habilidade, outros primam pela grandeza, e Antonio de Serpa Pimentel pertencia incontestavelmente á segunda categoria. (Apoiados geraes.)
Homem publico de multiplas aptidões, póde dizer-se que em quasi todos os ramos da actividade humana elle revelou a pujanto envergadura do seu luminoso talento. Pensador, artista, professor, mathematico, homem de letras, estadista e philosopho, elle sabia alliar na mais harmónica reunião e ponderação as elevadas qualidades de raciocinio, a sensibilidade, a firmeza e rigidez dos conceitos, a elegancia e a clareza da sua palavra. (Muitos apoiados.)
Ministro pela primeira vez das obras publicas, em 1859, com homens da estatura moral e intellectual do duque da Terceira, Fontes Pereira de Mello, Martens Ferrão e Ca sal Ribeiro, desde então occupou sempre os mais elevados cargos do estado.
Geriu, em differentes epochas, as pastas da fazenda, estrangeiros e da guerra; foi presidente do conselho; desempenhou missões dificilimas no estrangeiro, tornando-se sempre, dentro e fora do paiz, respeitado e merecendo a consideração publica.
A morte de tão illustre extincto é, portanto, pranteada unanimemente por amigos e adversarios. (Apoiados.)
Todavia, sr. presidente, morreu pobre como pobre tinha vivido. (Apoiados.)
Trabalhou sempre durante toda a vida, foi modesto, e apesar d'isso, viu-se nos ultimos annos da sua existencia alanceado por dificuldades de toda a ordem, que certamente concorreram para definhar a sua construcção já muito arruinada.
Vou terminar, sr. presidente; mas antes, desejo propor que se levante a sessão logo que esteja concluida a homenagem prestada ao illustre estadista por parte dos orado rés que se inscreveram ou se hão de inscrever.
Vozes: - Muito bem.
Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que se levante a sessão como testemunho de sentimento pela morte do eminente estadista Antonio de Serpa Pimentel. = Frederico Ressono Garcia.
(O orador não reviu.)
O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Sr. presidente, poucas palavras direi, porque não as comporta sequer o pouco tempo de que dispomos, antes de partir para a funebre e piedosa romaria.
Em nome do governo associo-me ás expressões de mágua e condolencia, que n'um arranco de justiça e dor, affluiram aos labios de v. exa. e do illustre parlamentar que acaba de fallar.
Em nome do governo inclino-me com o maior respeito, com a mais sentida veneração, perante a memoria d'aquelle que vae desapparecer para sempre na sombra da sepultura, dormindo o derradeiro somno sob uma pedra fria e estreita, tão fria e estreita quanto foi grande o cerebro e a alma, que brilharam e refulgiram no fragil o delicado corpo que a morte acaba de prostrar.
Sr. presidente, hontem, por volta das tres horas, achavam-se reunidos em casa do chefe do gabinete todos os membros do governo; de repente chegou a infausta noticia do fallecimento do Antonio de Serpa Pimentel, que nenhum dos ministros sabia que estivesse doente.
Abriu-se, no ardor apaixonado com que homens de mesmo partido em tempo de luctas politicas cuidam de interesses politicos, como que um parenthesis doloroso; fez-se um longo silencio, como se a dor gelasse a voz e sustasse as pulsações do coração. Dos labios do sr. presidente do conselho, cujo olhar se perdeu illuminado na memoria