SESSÃO N.º 27 DE 3 DE MARÇO DE 1900 3
saudosa de talento e,bondade, bellos nos seus incidentes, d'esse luctador parlamentar e jornalistico, que foi grande ao pé de homens da estatura de Fontes Pereira de Mello, de Casal Ribeiro, de Andrade Corvo e de Rodrigues Sampaio, d'esses que a morte nos roubou, mas cuja recordação avança, caminha dia a dia. Com o olhar no espaço, n'uma commovente absorpção, como que invocando recordações do passado, fez, n'um arranco de mágua e saudade que mergulha as raizes no coração, a historia politica d'esse homem que hontem morreu de morte phygica, porque a morte do luctador, a de estadista, a de chefe de partido, quasi desde ha bastantes annos morrera. Desenhou-se perante nós, em nossas almas, n'uma apotheose de luz, como em uma resurreição de aurora, essa figura respeitada e querida...
Sr. presidente, Antonio de Serpa Pimentel era uma individualidade tamanha que a sua poderosissima intelligencia reveste a um tempo as formas mais antagónicas. O seu espirito prestava-se ao estudo das mathematicas e das sciencias, e ao mesmo tempo esse espirito austero e grave navegava pelas ondas rumorosas, embalado na galera doirada na nossa idade romantica. (Vozes: - Muito bem.) Nas luctas parlamentares em que foi tão grande, nas luctas jornalisticas em que foi enorme (Apoiados.), revelou sempre o seu grande talento, e elle, que era por temperamento debil, elle, cuja educação se fizera entre o romantismo litterario, elle tinha enorme pujança, não no ardor do ataque, mas na dialectica da palavra, como que por vezes castigava o adversario, fazendo-lhe espirrar jorros de sangue das suas feridas. O orador que acaba de fallar fez o escorço politico do grande morto. O orador que se me ha de seguir completal-o-ha. A mim resta-me inclinar-me mais uma vez, perante a memoria d'esse que foi nobre adversario, nobre pelo talento e pela bondade das suas palavras. D'aqui a instantes irei ao cemiterio, onde vae dormir para sempre o derradeiro somno. É ao seu corpo, aos seus restos mortaes, que irei prestar a derradeira homenagem, devida a quem foi um grande cidadão. Aqui, em nome do governo, presto-a ao seu grande espirito, porque elle não só foi um grande cidadão, como um amigo devotado da patria, que tanto amou, e do rei, que tão bem serviu.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O sr. ministro não reviu.)
O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, em meu nome e em nome dos deputados regeneradores, agradeço a v. exa., á maioria parlamentar e ao governo as manifestações sentidas e tocantes com que quizeram acompanhar a dor que a todos nos comprime, pela morte de um homem que não era só o chefe politico respeitado e reconhecido do partido regenerador, mas que era para todos que o conheciam mais intimamente, um amigo.
Sr. presidente, nem todos os que ultimamente começaram a tomar parte activa nas nossas luctas politicas tiveram já ensejo de. conhecer e apreciar o que valia, como parlamentar, como jornalista e como homem politico Antonio de Serpa Pimentel.
De facto, como muito bem tem sido dito n'esta casa, nos ultimos annos a doença tinha-o afastado dos trabalhos mais activos da politica.
Mas a sua vida foi bastante longa, bastante gloriosa, e o seu nome fica vinculado a bastantes factos de interesse e importancia, para que o seu nome não seja nem nunca possa ser um desconhecido para ninguem (Muitos apoiados.) e para que se tornem necessarias as palavras eloquentes e calorosas dos seus amigos para pôr em alto relevo, em toda a sua grandeza, a estatura politica do homem que foi Antonio de Serpa Pimentel. (Muitos apoiados.) .
Sr. presidente, com Antonio de Serpa Pimentel não acaba simplesmente essa geração entre todas brilhante e notavel do segundo periodo da nossa epocha constitucional, tomo muito bem e eloquentemente disse e commentou o meu illustre amigo, leader da maioria parlamentar, o sr. Ressano Garcia.
Na politica portugueza Antonio de Serpa Pimentel era quasi tambem o unico representante de uma outra plêiade de homens que foram talvez a que mais lustre, maior grandeza e maior brilho lhe deram; refiro-me, sr. presidente, a esse grupo de homens politicos que foram ao mesmo tempo homens de letras, e que trouxeram á politica portugueza o brilho inconfundivel que resalta do seu alto talento e da sua grande illustração litteraria, desde Alexandre Hcrculano, seguindo por Almeida Garrett, Rebello da Silva, Andrade Corvo, Pinheiro Chagas, Oliveira Martins e tantos outros. (Muitos apoiados.)
Antonio de Serpa Pimentel nunca foi tão politico que não fosse acima de tudo um homem de letras, (Apoiados.) e foi principalmente por ter as virtudes e qualidades que fnzem e formam a organisação intellectual de um homem de letras, que propriamente esse homem, primeiro entre os primeiros pelo seu talento e illustração, occupou talvez no mando activo da politica um logar tão proeminente, como outros que seguramente sobre o ponto de vista intellectual não lhe eram superiores.
É que, sr. presidente, na politica a primeira condição para vencer, é uma forte vontade de mandar, e em todos aquelles a que ha pouco tive occasião de me referir, a politica era mais um motivo attrahente para os seus espiritos sequiosos do tudo que fosse uma manifestação de intellectualidade, de que propriamente um campo de batalha, em que se combatesse por uma ambição soffrega e impaciente de preponderar. (Vozes: - Muito bem.)
Viu-se isto, sr. presidente, quando Serpa Pimentel, sem o ter pretendido, sem empregar o mais pequeno esforço para o obter, se encontrou nomeado chefe do partido regenerador.
Nunca chefe algum de partido politico mostrou menos apreço e interesse por uma tão alta investidura, como Serpa Pimentel; e sabe v. exa. que a rasão não era porque amasse menos o paiz do que qualquer outro homem publico, mas sim porque dedicava todo o seu tempo, vontade e intelligencia aos seus livros, e ao convivio com as letras, que foram sempre o grande prazer do seu espirito e coração.
Por isso, a sua acção e direcção sobre o partido regenerador e os seus correligionarios, foram sempre tão delicadas e amoraveis, como o eram as relações entre Serpa Pimentel e quaesquer outros homens de sociedade.
Foi sempre um espirito de conciliação, foi sempre, acima de tudo, um homem que desejava respeitar todos os interesses, e que desejava sempre ver satisfeita a vontade de cada um, para o que concorria tanto quanto podia.
Por isto, tambem nos seus actos de homem publico, mostrou sempre um espirito de justiça inexcedivel. (Apoiados.)
Servindo o seu paiz com a maior dedicação e proficuidade, nunca foi embaraço para ninguem, nem procurou nunca que a sua acção fosse pesada a quem quer que fosse. (Vozes: - Muito bem.)
Creio que é este um dos lados mais notaveis da figura politica de Serpa Pimentel, porque é o resultado de possuir umas qualidades tão complexas e superiores, que não é facil, mas sim raro, encontrar juntas n'uma só pessoa. (Apoiados.)
Para ser assim, é necessario possuir uma intelligencia verdadeiramente superior, d'estas que têem a consciencia da sua força, e que ao mesmo tempo não buscam um pedestal, nem nas vaidades, nem nas grandezas humanas, mas sim no seu proprio e unico merecimento!
Elle tinha um tal equilibrio de faculdades e uma tal disseminação de si proprio, que o tornavam, por assim dizer, absolutamente invencivel aos enthnsiasmos da fortuna, como á falta de prosperidade; e é sobretudo neces-