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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

plificando algumas disposições do regulamento de 19 de dezembro de 1892.

E hoje é o meu distincio collega Exmo. Sr. Paulo de Barros quem mais tem defendido a hydraulica portugueza.

Não ha, pois, duvida de que, áparte a lei do Sr. Pedro Victor e seu regulamento, todas as iniciativas governamentaes sobre a organização dos serviços e obras hydraulicas pertencem ao partido progressista.

Verdade é que um dos melhores ornamentos da minoria regeneradora, o Sr. Conselheiro Anselmo de Andrade, por mim já citado, abordou com grande convicção e notavel proficiencia a questão hydraulica no seu bello livro Portugal Economico. Pena é que S. Exa. não seja engenheiro para com o seu grande talento estudar profundamente o difficil problema, encarando-o por todos os seus aspectos, que são variados e sobremodo complicados.

O Sr. Pereira de Lima: - Mas note V. Exa. que para ser engenheiro a primeira condição indispensavel é ter engenho.

O Orador: - Não tendo comprehendido bem o áparte do Exmo. Sr. Dr. Pereira de Lima, sinto todavia que S. Exa. não me obrigue a calar-me, por me lembrar do que succedeu a lord Besconsfield quando, pela primeira vez falou na Camara ingleza... Calou-se, mas affirmou que haviam de ouvi-lo mais tarde e ouviram-no com enthusiasmo.

Além de que, eu não fiz politica progressista e tanto que citei a lei do Sr. Pedro Victor e poderia falar bastante no projecto do Sr. Dr. Pereira de Lima e do meu illustre collega Antonio da Conceição Parreira para a abertura do canal do Tejo e Sado.

Sr. Presidente: eu receio muito recorrer a exemplos de fora tratando de questões do paiz, porque já ouvi censurar por isso um illustre Deputado, e meu distinctissimo collega, o Sr. Rodrigues Nogueira, mas não existindo nada em Portugal sobre trabalhos hydraulicos sou forçado a recorrer aos exemplos de fora.

Vejamos pois algo do que se têm feito, em alguns outros paizes e muito especialmente na nossa vizinha Hespanha, cujo brilhante exemplo já de ha muito deveria ter sido seguido por nós, que temos a parte mais caudalosa, de alguns dos seus rios mais importantes e que, debaixo do mesmo ceu, usufruimos a continuação das suas terras feracissimas.

Sr. Presidente: eu desejaria ser agradavel á Camara tratando de uma d'estas questões emocionantes que fazem excitar os nervos, tal como a já celebre interpellação dos tabacos, que todos esperam anciosamente, a da qual muitos julgam, conscia ou inconscientemente, poder resultar a felicidade do nosso paiz, mas... a mocidade já passou, essa mocidade que, segundo o pensador francez: c'est une ivresse continuelle, c'est la fievre de la raison.

Agradecendo as attenciosas e penhorantes demonstrações de benevola deferencia que me são dispensadas de ambos os lados d'esta Camara, eu vou proseguir na ordem de ideias que me parecem ser as que, quando applicadas com criterio e opportunidade, fariam do nosso Portugal um paiz rico, não com a riqueza da conquista e da pilhagem, mas com a que provem do trabalho e em especial do aproveitamento dos thesouros naturaes, de que uns jazem improductivos no seio uberrimo do nosso fertil solo, e outros, como as aguas, correm doidamente á sua superficie, ou encharcam vastos paúes, que são enormes focos pathogenicos, em vez de risonhos prados verdejantes. Aproveitarmos todas as aguas que pudermos obter e fornecê-las á agricultura e á industria, libertando-nos das estagnadas e superabundantes, tal deve ser o nosso intuito, que é o de todas as nações e de todos os tempos.

Sr. Presidente: são estas as ideias que eu desejava explanar á Camara, seguindo a orientação dos meus illustres collegas Drs. Pereira Cardoso e Cassiano Neves, que tão eloquentemente mostraram a deficiencia dos meios de protecção á infancia e as enormes lacunas que ainda ha no tocante á educação.

S. Exas. trataram com toda a proficiencia d'essas graves questões que interessam fundamentalmente a raça portugueza, encarando-as sob os pontos de vista pedagogico, medico e humanitario. Pois eu desejaria tambem contribuir com o meu modesto obulo para essa grande campanha da defesa da nossa raça, que tem o seu ideal nitidamente traçado na colonização e aproveitamento d'esses vastos e feracissimos terrenos d'alem-mar, que todas as outras nações nos invejam e que poderão ser, como o Bra-sil, a nossa gloria, ou a nossa ruina, se tivermos perdido a força colonizadora dos tempos passados.

Sr. Presidente: seria grande o meu discurso, porque o assumpto é, por assim dizer, inesgotavel, mas, para não abusar em demasia da paciencia da Camara, vou cingir-me a algumas considerações sobre a questão das aguas na agricultura e na industria.

Todos conhecem a celebre formula de Gasparin:

Calor X Humidade = Vegetação.

Ora, tendo nós calor sufficiente, urge fornecer aos vegetaes a humidade precisa para que elles nos dêem a maxima producção. Mas sob este ponto de vista o nosso paiz é um dos ultimos da escala : basta dizer que a Belgica produz 31 hectolitros de trigo por cada hectare, ao passo que o nosso paiz dá menos de 8!

E a explicação d'isto está em que é deficientissima a quantidade de agua fornecida aos nossos campos, que não recebem mais do que o fraco e tão contingente peculio das chuvas, quando deveriam ter, segundo Olivier do Serres, o correspondente a 3.042:000 kilogrammas de agua por 1 hectare de trigo!

Mas não é, Sr. Presidente, na cultura dos cereaes que sómente escasseia a agua para que a sua producção seja abundante. Todos sabem que, de paiz exportador de carne para Inglaterra e outras nações, estamos hoje miseravelmente reduzidos a fornecedores de 3/4 da carne que consumimos, tendo de importar o 1/4 restante da America, e isto não obstante ser o consumo da carne em Portugal terrivelmente diminuto, como affirma o Sr. Conselheiro Anselmo de Andrade, e ninguem porá em duvida.

Ora, Sr. Presidente, quando se estão pedindo grandes sacrificios a todas as camaras municipaes e a todo o paiz para a lucta contra a tuberculose, e se estão fazendo grandes dispensarios e installações hospitalares para a cura d'esse e doutros terriveis flagellos da nossa raça, que, apesar de tudo, se definha a olhos vista, eu pergunto, Sr. Presidente, se não será tempo ainda de dar de comer ás nossas classes pobres, barateando-lhes os generos de primeira necessidade, entre os quaes em primeiro logar devem figurar o pão, a carne e o vinho ?!

E a proposito de vinho: a implantação das obras hydraulicas teria ainda a vantagem da substituição da cultura da vinha, hoje ruinosa, pela dos prados, sem que a economia nacional perigasse, e antes melhorasse consideravelmente, podendo ser que por fim desapparecesse a terrivel crise vinicola, esse eterno pesadelo de governantes e governados 1.

Creio, pois, ter suficientemente demonstrado que a questão hydraulica é, em termos geraes, o que interessa mais profundamente a economia nacional, cumprindo a este e a todos os Governos a sua resolução, que terá de levar muitos annos de uma acção continua e persistente.

E, como o partido progressista parece ser o que mais perfilha estas ideias, ligando o regenerador mais especial

1 A vinha carece tambem do muita agua, em media 1,2 a 1,3 millimetros por hectare, em França, e muito mais em Portugal. Comparando com o trigo - 2,67 a 2,80 millimetros. Vê-se que a vinha exige quasi metade do trigo.