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devorista, ainda a divida publica montava apenas a réis 50.000:000$000, e a comparo com o que é hoje!...

Quando vejo que, apesar dos justos clamores do povo, traduzidos em successivas revoluções, a divida publica augmentou, só em dezesete annos, 80.000:000$000 réis!...

Quando me lembro da parte que tomei nas representações contra o sr. Fontes, e da opposição convicta que fiz com toda a energia da minha palavra ao sr. Casal Ribeiro... não a s. ex.ª, que aliás estimo e admiro, mas ao seu systema financeiro; e me recordo de que o sr. Fontes nos pedia só 16.000:000$000 réis, e o sr. Casal Ribeiro 3.000:000$000 réis, ao passo que o sr. ministro da fazenda actual só em dois annos nos levou 44.800:000$000 réis!... Eu, sr: presidente, que estou fazendo a s. ex.ª toda á opposição que sei e posso fazer; eu, que se podesse, o derrubaria do poder hoje mesmo; quasi que tremo de que s. ex.ª caía; e como que me vejo tentado a dizer-lhe o que dizia a mulher velha a Nero: «És peior que o teu antecessor, e este era peior que o antecessor d'elle; Deus te conserve para que não venha ainda outro peior»! (Riso.)

Mas, sr. presidente, isto não póde continuar assim.

O discurso da corôa e a resposta são unanimes no seu enthusiasmo pelos emprestimos, mas os emprestimos podem levar nos á banca rota, podem levar nos a uma ruina completa.

A França é uma nação poderosissima, os seus recursos são incomparavelmente maiores do que os nossos, e apesar d'isso nas ultimas discussões do parlamento francez eu vejo todos os homens d'estado, quer governamentaes quer da opposição, pedirem unanimes a mais rigorosa economia e a estricta fiscalisação sobre a despeza publica (apoiados).

Nem eu podia esperar outra cousa d'esses espiritos eminentes. Não são as finanças a minha especialidade, mas sei o sufficiente para poder assegurar que nunca os emprestimos foram considerados pelos homens da sciencia senão como um mal, a que só se deve recorrer em caso de necessidade irrecusavel e urgente (apoiados).

Só entre nós os homens publicos vêm nos emprestimos motivo para enthusiasmo, e o governo se applaude de viver d'elles, e á custa d'elles!!!

Os resultados d'essa tendencia desastrosa di-los o augmento successivo, espantoso e rapido da divida publica.

As consequencias d'esse debito incrivel hão de vir mais cedo do que se pensa; se o governo, a camara ou o povo não pozerem prego n'essa roda fatal.

Nunca mais do que hoje os governos dos estados precisaram de attender tanto ao futuro, e de se prepararem para elle.

A sociedade acha-se abalada por toda a parte; os mais fortes governos sentem tremer-lhe a terra debaixo dos pés; a guerra, ou rebentou já, ou rebentará n'um dia proximo, e ninguem pôde dizer hoje quem ella envolverá, e qual será a ultima palavra d'ella.

E todavia... nós não fazemos senão empenhar-nos; surdos aos queixumes do povo, e aos conselhos da sciencia e da, prudencia!

E contra esta cegueira, sr. presidente, que eu clamo; peço ao governo e á camara que attendam uma vez á sorte futura d'este paiz.

Peço-o com instancia, porque estou convencido de que caminhamos a largos passos para o abysmo. E se o governo não quer, ou não sabe dar-nos remedio; se a camara não quer, ou não tem força de o obrigar a isso: o povo, não o povo proletario, mas o povo contribuinte ha de levantar-se um dia, e com plenissima rasão, e em toda a força do seu direito, e ha de vir aqui temeroso e resoluto expulsar o governo d'aquellas cadeiras, e expulsar-nos a nós d'esta casa — a nós que não soubemos, ou não quizemos cumprir com a nossa missão, e com o nosso dever.

Isto não é ameaça, sr. presidente, não é minha intenção faze-la, não tenho direito de a fazer, não tenho força para a fazer, e a ameaça sem o direito nem a força, seria ridicula.

Tambem não é profecia. Não tenho o dom, nem a inspiração de profeta.

Leio porém nos factos, e deduzo d'elles o que todo o homem verdadeiramente amante do seu paiz tem direito, e tem obrigação de deduzir.

Se o que leio me denuncia um futuro triste; a minha obrigação é chamar a attenção do governo, a do parlamento, e a do paiz para essa pagina negra.

É o que faço. E se o governo e a camara não quizerem attender a esta situação, responsabilidade é a sua e não minha.

Sr. presidente, tenho explicado e fundamentado a primeira parte da minha proposta; passo á segunda.

A segunda parte é mais difficil e não menos importante.

A segunda parte é propriamente uma censura directa ao governo. Confesso que hesitei muito antes de me resolver a apresenta-la; apresentei-a, com profundo sentimento do meu coração; mas fui obrigado a isso por um dever que reputo rigoroso.

Desejaria tratar esta questão entre nós, a sós uns com os outros; mas o systema que nos rege obriga-me a trata-la em publico. Submetto-me a essa obrigação.

Antigamente havia um adagio que dizia: «Palavra de rei não engana nem volta atrás». Hoje esse adagio é uma velharia que está submergida pela moderna civilisação, e vejo o velho principio substituido por outro, que é: «Não me pergunteis se fui leal, se fui sincero, se fui decoroso; perguntae-me quanto o thesouro lucrou, quanto entrou nos cofres do estado» (apoiados).

Depois de um grande revez, nos antigos tempos, dizia um grande homem; «tout est perdu hors l'honneur» (tudo se perdeu menos a honra).

Hoje este principio é fossil; e o principio que parece estar em moda é o seguinte: «Perca se o que se perder, mas venha dinheiro». Dinheiro e muito dinheiro que todo elle é preciso para fazer face ás despezas publicas que são urgentes.

Declaro, sr. presidente, e muito solemnemente, que não aceito estas innovações, apesar de ellas virem cobertas pela auctoridade do ministerio (apoiados). Viro-me pelo contrario para os adagios antigos; choro por elles; levanto-me por elles, e quero sustenta-los.

Sr. presidente, é preciso ver a questão como ella é, formula-la, trata-la, encara-la de frente, e ver qual é a asseveração e qual a defeza.

O governo assignou o contrato para o emprestimo em 30 de julho de 1863.

Quando o publicou na folha official, publicou tambem, cinco, seis ou sete propostas que foram desprezadas.

Ao mesmo tempo, ou com differença de dias, começaram a surdir queixas dos differentes proponentes, dizendo-se enganados pelo sr. ministro da fazenda.

E essas queixas acham-se claramente formuladas por um d'esses proponentes na correspondencia ultimamente publicada no Diario de Lisboa.

«Em setembro (dizem os srs. Knowles & Foster), fui convidado pelos meus correspondentes a fazer propostas ao governo; disse-lhes que se eram verdadeiras as informações que tinha, o governo não podia receber propostas, porque já tinha feito o contrato. Os meus correspondentes disseram-me que = tinham ido ter com o sr. ministro da fazenda, e que s. ex.ª lhes dissera que era falso que tivesse contratado com qualquer casa, e que se achava completamente livre =. Fiado n'essa asseveração, fiz então a minha proposta, e hoje verifica se que quando o sr. ministro me dizia que = nada tinha ainda contratado =, a verdade era que o contrato estava já assignado havia dois mezes. Por conseguinte o sr. ministro houve-se comigo e com os meus correspondentes com menos boa fé.»

Isto é uma accusação muito grave para o sr. ministro e para a dignidade do governo (apoiados).

Não me importa saber porque motivo, e porque modo essa correspondencia aqui veiu. O que sei é que nós, como representantes do paiz, como fiscaes das acções do gabinete, temos o rigoroso dever de verificar o que ha de verdade n'essa accusação importante.

O governo nega o facto. O sr. ministro da fazenda disse-nos e muito explicitamente: «Não convidei ninguem afazer propostas depois do contrato; importunaram-me com ellas; mas eu não as pedi, não as recebi; não as solicitei, nem discuti; não as aceitei, nem fiz obra por ellas».

Se assim fosse, sr. presidente, se o que o sr. ministro diz fosse exacto, a accusação carecia de fundamento.

Examinando, comtudo, os decretos publicados, convenci-me, bem a meu pesar, de que a arguição era verdadeira.

E cobre-se-me o rosto de vergonha ao ver que o governo se esqueceu n'este procedimento do decoro e dignidade que devia a si proprio; e ao ver que d'aquelle logar elevado d'onde só deviam partir exemplos de verdade e lealdade, partiu, na occasião de que se trata, um exemplo contrario!

Eu vou indicar á camara os documentos de que resultou a minha convicção: e a camara fará inteira justiça aos motivos que me obrigam a usar de phrase tão dura.

Entre as propostas publicadas com o contrato, ha uma assignada pelos srs. Fonsecas, Santos & Vianna que começa do seguinte modo:

«Ill.mo e ex.mo sr. (dirige-se ao sr. ministro da fazenda). De conformidade com o que se tem passado na conferencia que v. ex.ª nos tem concedido, para combinarmos a maneira de conseguir, nos melhores termos possiveis para o thesouro, o levantamento de um novo emprestimo; temos tido uma activa correspondencia com os nossos respeitaveis amigos de Londres os srs. Knowles & Foster, que o anno passado, com tão bom exito, zêlo e intelligencia, se encarregaram, de accordo com v. ex.ª, do levantamento do emprestimo de libras 5:000:000 nominal dos nossos fundos. D'esta correspondencia, resulta podermos fazer a v. ex.ª uma proposta para um contrato provisorio, para se conseguir aquelle emprestimo, devendo ser effectuado pela approvação em Londres, no praso de doze dias depois de approvado por v. ex.ª aqui.»

Esta proposta, sr. presidente, tem a data de 24 de setembro de 1863; e o contrato, como a camara sabe, estava assignado desde 30 de julho.

E todavia os proponentes dizem n'essa proposta ao proprio sr. ministro «que a faziam de conformidade com o que se passou em uma conferencia anterior com s. ex.ª».

Ora, não era nada provavel que os proponentes dissessem n'aquella data ao sr. ministro o contrario do que se houvesse passado com elle proprio; acresce porém que o proprio sr. ministro recebeu a proposta n'esses termos, e publicou-a na folha official, sem rectificação nem reserva.

E eu devo por conseguinte acreditar que é verdade o que ella diz. E o que ella diz é exactamente o contrario do que o sr. ministro nos veiu aqui dizer!

Mais ainda. Não são só os srs. Fonsecas, Santos & Vianna que asseveram isto; entre as propostas publicadas pelo governo no mesmo dia ha outra do sr. Knigt que começa assim:

«London & Brasilian bank, limited. — Lisboa, 24 de setembro de 1863. — Sr. ministro. — V. ex.ª dignou-se pedir-me que eu lhe submettesse as perspectivas que haveria para emittir um emprestimo nacional; venho por conseguinte expor a v. ex.ª a minha humilde opinião.»

O sr. Knigt offerece em seguida a sua proposta, e concilie depois:

«Se v. ex.ª se dignar indicar-me o seu preço e as suas condições, não duvido que eu consiga terminar este negocio.»

Esta proposta é portanto ainda, mais explicita que a dos srs. Fonsecas, Santos & Vianna. N'ella diz expressamente o sr. Knigt que foi o sr. ministro quem lhe pediu a proposta.

E s. ex.ª aceitou e publicou tambem esse documento, sem rectificação nem reserva.

Mas não é só isso. Estes documentos são publicados pelo sr. ministro, mas emanados dos proponentes; permitta-me a camara que lhe leia tambem documentos emanados do proprio governo.

Começarei pelo telegramma de 26 de novembro de 1863.

E note desde já a camara, que n'esta data não eram passados só dois mezes, mas quatro, depois do contrato se achar assignado.

N'esse telegramma, dirigido pela direcção geral da thesouraria ao sr. conselheiro Brito, da nossa agencia em Londres, diz o governo:

«Concorrem diversas propostas, e esperam-se ainda outras, chegando já o preço a 48. Tenha isto em vista quando tratar com Stern sobre augmento, que agora mais necessario se torna.»

Pois o sr. ministro não queria propostas, não as pedia, não as desejava; e estava não só recebendo-as, mas firmando se n'ellas para Londres?!

E note a camara, o sr. ministro não se firmava nas que já tinha, senão que esperava mais: «Esperam-se ainda outras» diz o telegramma.

Como as esperava o sr. ministro, se nem as solicitava, nem as pedia, nem as queria?

O telegramma diz ainda: «Tenha isto em vista quando tratar com Stern sobre augmento.» Isto quer dizer que havia alguma cousa a tratar com Stern sobre augmento do preço da emissão; e que para isso convinha que houvesse propostas vantajosas.

E se essa era a intenção do governo, como ousa elle negar hoje que solicitava e desejava essas propostas?

Mais ainda. No relatorio que s. ex.ª fez á corôa, dando conta do emprestimo, disse s. ex.ª:

«Julguei dever occupar-me de propostas que me foram apresentadas por parte de diversas casas de Portugal e do estrangeiro, e n'isto havia grande conveniencia para o thesouro; porque, se por uma circumstancia eventual, prevista no contrato de 30 de julho, ficasse este sem effeito, o governo ficava habilitado para escolher a casa que melhores condições lhe tivesse offerecido»...

Sr. presidente, se estas propostas eram de utilidade para o thesouro; se s. ex.ª se occupava d'ellas; se as desejava para garantia e utilidade do estado; como vem hoje dizer-nos que nem as pedia, nem as queria?!

S. ex.ª não só as pediu; não só as aceitou e discutiu; mas fez mais; e é s. ex.ª quem o confessa.

S. ex.ª desceu até a tirar informações das casas proponentes para ver se podia, ou não, tomar em consideração as suas propostas.

Foi o que s. ex.ª nos disse, e peço licença para avivar a sua memoria. Não hei de aqui asseverar cousa alguma que não seja comprovada por documentos.

O sr. ministro foi arguido pelo sr. Serpa de preferir os capitães estrangeiros aos nacionaes. E como se defendeu s. ex.ª d'esta arguição? Disse nos o seguinte:

«Quando a casa Fonsecas, Santos & Vianna tratou des e ingerir no emprestimo, busquei indagar quaes eram os fundos de que ella podia dispor, se effectivamente a sua firma dava todas as garantias que se devem dar em negocios d'esta natureza. Não fiz isto com espirito de syndicar dos interesses particulares de cada um; mas como se me tinha dirigido uma proposta cumpria me informar-me se essa firma inspirava confiança, e fui informado que essa casa, composta aliás de cavalheiros muito respeitaveis, tinha apenas um fundo de 150:000$000 réis, sendo a responsabilidade social de cada um dos socios 50:000$000 réis.... soube pois que era uma casa que, não obstante ser dirigida por cavalheiros muito respeitaveis, não offerecia uma garantia monetaria bastante forte para tomar a responsabilidade de 5.500:000$000 réis.»

O sr. ministro, na sessão seguinte, veiu rectificar essas informações, e disse-nos que = averiguando melhor o caso, achara que o fundo d'esta casa era de 200:000$000 e não de 150:000$000 réis =.

Em uma interrupção que eu n'essa occasião fiz a s. ex.ª, e de que peço desculpa, disse eu que embora o fundo fosse de 200:000$000 réis, a responsabilidade de cada um dos socios era illimitada e solidaria para com terceiros.

Effectivamente é esse o nosso direito a respeito de sociedades mercantis; e é tambem o direito vigente nas outras nações cultas.

O socio póde entrar para a sociedade só com 3:000$000, com 13:000$000, ou 30:000$000 réis; mas os seus bens, ainda que valham o dobro, o triplo, ou o decuplo do fundo com que elle entrou, ficam-lhe todos, solidaria e illimitadamente, responsaveis pelas obrigações da sociedade para com terceiros.

E eu sinto, sr. presidente, que o governo julgando necessario informar-se da solvabilidade de uma firma para negocio tão grave, se contentasse com informações tão difficientes e inexactas.

Mas o meu proposito não é analysar agora essas informações, e eu volto á questão.

O que se deduz das proprias palavras que li do sr. ministro, é que s. ex.ª não só recebeu e aceitou a proposta dos srs. Fonsecas, Santos & Vianna, mas desceu até a informar-se das possibilidades monetarias d'essa firma, para ver se podia com ella negociar o emprestimo.

E é depois d'esta confissão; no proprio dia que s. ex.ª aqui a fez, e momentos depois de a ter feito, que s. ex.ª nos disse a proposito d'essa, e de outras propostas = que não quiz, nem pediu, nem aceitou proposta alguma! =