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Eu tenho diante dos olhos as proprias palavras de s. ex.ª: «Não fizeram (dizia s. ex.ª), se não importunar-me e perseguir-me com propostas, que eu não quiz nem podia aceitar».

S. ex.ª não queria, nem podia aceita-las. Mas pedia-as ao sr. Knigt, solicitava-as dos srs. Santos & Vianna, firmava-se n'ellas e argumentava com ellas, no telegramma ao sr. Brito; declarava-lhe n'esse telegramma que não só tinha essas, mas esperava mais, dizia depois á corôa que as solicitára, e se occupára d'ellas no interesse do thesouro, e confessou-nos ultimamente que não só as recebera e discutira, mas se informara até das forças monetarias das differentes casas proponentes, para ver se com alguma d'ellas podia tratar o emprestimo, que aliás estava tratado, e fixado já com a casa Stern, havia dois, tres ou quatro mezes.

Isto, sr. presidente, não é decente, não é decoroso. Digo-o com muito sentimento; e sinto-o, pelo paiz, pelo governo e por s. ex.ª Desejaria muito poder lhe dar aqui um testemunho contrario.

S. ex.ª referiu-se a calumnias que pareciam pôr em duvida a sua honestidade, como ministro, e lhe attribuiam interesses illicitos n'esta negociação.

Presto a s. ex.ª, e com muito prazer, o meu testemunho de que dos documentos publicados nenhuma prova resulta a similhante arguição.

Mas se por este lado posso dar-lhe o meu testemunho, sinto não lho poder dar por outros.

S. ex.ª disse que = se não fôra inteiramente franco com os proponentes, proviera isso de ser obrigado a guardar segredo sobre a emissão, até á data d'esta =.

Eu quero suppor que assim fosse. Mas o que é verdade, é que s. ex.ª nem guardou esse segredo, nem o segredo o obrigava a faltar á verdade.

Nos contratos d'esta natureza o segredo guarda-se, com o receio de que a noticia da emissão faça descer os fundos e difficulte por esse modo a operação, eu a reduza a condições mais onerosas; e guarda-se tambem, para os banqueiros pelos seus meios disporem a praça a receber bem o emprestimo e a emissão.

Não me parece que s. ex.ª seja inteiramente partidario d'este systema, que eu agora não trato de louvar nem de condemnar. S. ex.ª disse nos ainda outro dia que = em finanças todo o segredo era fatal =; e se essa era a sua opinião, não sei como s. ex.ª se obrigou para com Stern a esse segredo.

Mas que casta de segredo foi que o sr. ministro guardou? Não disse a ninguem que o contrato estava feito, isso é verdade. Mas a emissão, o desejo de effectuar um emprestimo, a proximidade e projecto d'elle; que era exactamente o que Stern desejava que ficasse em segredo, isso publicou-o e communicou-o s. ex.ª a quem lh'o quiz ouvir.

Com o contrato publicaram-se seis ou sete propostas, que não vieram senão dos que souberam que se projectava o emprestimo.

S. ex.ª mesmo não fazia mysterio d'isso. Aceitava as propostas que lhe faziam, esperava ainda outras, e discutia-as com os proponentes e com as pessoas que podessem dar-lhe informações ácerca d'ellas.

E, se isto se chama guardar segredo da proximidade de uma emissão de fundos, não sei o que seja torna-la publica.

Mas emfim, não pedia s. ex.ª guardar segredo ácerca do proprio contrato, sem faltar á verdade?

Se assim fosse s. ex.ª teria feito duplicadamente mal em estipular o segredo.

De facto porém, não havia necessidade nenhuma de faltar á verdade.

Se eu me visse collocado na posição em que s. ex.ª se achou, sei muito bem como me havia de tirar d'ella sem faltar, nem á verdade, nem ao estipulado.

Quando me perguntassem se eu já tinha contratado o emprestimo, eu diria que tinha adoptado o systema de nunca responder a perguntas de similhante natureza, para nunca me ver na collisão de, ou faltar á verdade, ou revelar o que o interesse do estado me aconselhasse a occultar.

E se me offerecessem propostas, eu diria que não era então occasião de as receber e de me occupar d'ellas; e tomaria, quando muito, nota das pessoas que mas offerecessem, para as avisar quando me conviesse ouvi-las e recebe-las.

Ouvir porém, e receber essas propostas; solicita-las e pedi-las mesmo; levar os proponentes a faze-las na persuasão de se estar livre ainda para tratar com elles; e tudo isto na occasião em que o governo se achava já ligado por um contrato solemne assignado mezes antes; isso é que eu digo e sustento que nenhum homem de bem tem direito de fazer; e que por maioria de rasão, nenhum governo póde praticar sem faltar ao decoro, á dignidade e á lealdade do governo (apoiados).

Fazer uma proposta para um emprestimo de 2.500:000 libras não é uma cousa indifferente. É preciso obter informações, reunir capitaes, pesar eventualidades, combinar interesses, conseguir adhesões; e tudo isso dá trabalho e leva tempo.

O proponente, se o governo lhe aceitar a sua proposta, está obrigado a realisar o contrato, nos termos d'ella, sob pena de inteiro descredito para a sua casa; o que o obriga não só a estudar bem o que propõe, senão tambem a conservar n'uma certa expectativa os seus capitaes.

E por uma rasão analoga, todo o governo que solicita e recebe propostas, tem o dever rigoroso de ser leal e verdadeiro na recepção e resolução d'ellas.

Solicita-las e recebe-las para um contrato que o governo não póde ou não tenciona fazer, não é tratar negocios a serio, é fazer do governo uma farça.

O sr. ministro recorreu ainda a outro ponto da defeza. «O acto, disse s. ex.ª, seria mau; mas esse acto trouxe ao thesouro 1/2 por cento, elevando a 48 o emprestimo que estava contratado a 47 1/2.

Permitta-me a camara que eu não aceite similhante doutrina, nem em meu nome, nem no nome dos demais membros d'esta camara (apoiados).

Mas a verdade é que nem esse lucro veiu pelo acto mau de receber propostas quando já se não podiam receber; veiu pela concessão de uma preferencia, que o sr. ministro não tem a auctoridade de estipular e que não devia estipular por similhante preço e por similhante modo (apoiados).

S. ex.ª parece não estar muito disposto a cumprir essa estipulação. Pelo menos é o que eu deduzo dos termos em que s. ex.ª nos deu parte d'ella.

O sr. ministro disse-nos por essa occasião que = não obstante ter promettido a preferencia não inserira no contrato essa estipulação =.

O exame comtudo dos documentos officiaes, mostra que essa clausula, posto que se não inserisse no contrato, vale tanto como este.

No telegramma de 26 de novembro, que já li, recommendava a direcção geral da thesouraria ao sr. conselheiro Brito, que solicitasse de Stern a elevação do preço da emissão.

A esta recommendação respondeu o sr. Brito n'outro telegramma de 1 de outubro, dizendo o seguinte: «Stern... annue ao preço de 48, promettendo o governo dar-lhe a preferencia no proximo emprestimo que fizer».

E a este telegramma respondeu a thesouraria pelo outro do dia 2, nos termos seguintes: «S. ex.ª agradece a annuencia de Stern... e promette em compensação dar-lhe preferencia, em igualdade de circumstancias, no proximo emprestimo que fizer».

Por consequencia a promessa está feita, está aceita e é uma estipulação que se deve cumprir tão religiosamente como todas as demais do contrato, se com este for approvada pelo poder legislativo.

Mas o que é a preferencia?

A preferencia não é possivel se não ha concurso; e o concurso quasi que é impossivel quando ha a preferencia.

É impossivel sem concurso; porque quem diz preferencia em igualdade de circunstancias, suppõe que ha differentes propostas e concorrentes; nem de outro modo haveria logar á comparação e preferencia.

E a preferencia quasi que torna impossivel o concurso; porque poucas pessoas ou nenhumas quererão dar-se ao trabalho e tomar a responsabilidade de fazer uma proposta, com a certeza de estarem fazendo preço para outrem.

A preferencia ainda, poderia estipular se com os correctivos que nos apontou o outro dia o sr. Fontes; ordenando o concurso por carta fechada e limitando a preferencia á hypothese unica de apparecerem duas propostas iguaes, sendo uma d'ellas a da casa preferida.

Estipulada porém de um modo absoluto, como a estipulou o sr. ministro, tem explicação nem correctivo de casta alguma, é uma estipulação absurda e prejudicialissima.

A proposito d'estas questões, appareceu ahi tambem a questão Youle.

Essa questão pareceu-me ao principio uma questão só de legalidade, a discussão mostrou me porém que tambem ahi se envolvia uma questão de moralidade.

Eu não tenho a dizer sobre uma e outra senão duas palavras.

Desde que Knowles & Foster, na sua carta de 28 de agosto, declararam reservadas as 500:000 libras á ordem do governo; Knowles & Foster converteram em titulo escripto a promessa verbal que haviam feito; e o governo ficou inteiramente armado para os obrigar a cumprirem essa promessa, se elles intentassem faltar a ella.

Portanto desde este ponto o lucro das 500:000 libras ficou pertencendo ao estado. Qual teria esse lucro, o mercado o diria; mas qualquer que fosse, grande ou pequeno, maior ou menor, pertencia todo ao estado (apoiados).

E se era do estado, já se vê que nenhum pagamento podia saír d'esses lucros, senão no interesse, e de conta do estado (apoiados).

Isto é clarissimo. Mas como se nega tudo, vejo-me obrigado a ler dois documentos d'onde se mostra que o proprio governo assim o entendeu sempre.

A camara recorda-se do sr. ministro da fazenda lhe dizer que os srs. Knowles & Foster lhe suscitaram a idéa da gratificação Youle saír d'aquelles lucros: que o sr. ministro annuira a isso, auctorisando a ao principio até 1:000 libras approximadamente, e depois até 1:500 libras; e que os srs. Knowles & Foster a arbitraram a final em 2:000 libras.

Tudo isto é verdade, e eu não vou ler á camara, senão o que se seguiu a isto.

Logo que os srs. Knowles & Foster participaram ao sr. conselheiro Brito o arbitramento das 2:000 libras; o sr. Brito officiou-lhe nos termos seguintes:

«Londres, 16 do dezembro de 1862. — Accusando a recepção da carta que vv. s.ªs acabára de dirigir-me com referencia á de 4, na qual vv. s.ªs me participam ter arbitrado ao sr. F. Youle 2:000 libras, como gratificação, em vez de 1:500 libras que, quando muito eu estava auctorisado a conceder, em conformidade do officio do conselheiro director geral da thesouraria do ministerio da fazenda, de 26 do novembro ultimo, a vv. s.ªs communicado; apresso-me a prevenir a vv. s.ªs de que, não me julgando auctorisado a annuir a este arbitramento, apesar das rasões por vv. s.ªs ponderadas na sua carta, e das que vv. s.ªs verbalmente me expozeram a esse respeito para o justificarem; dou hoje conta da carta de vv. s.ªs a s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, cuja resolução não perderei tempo em communicar a vv. s.ªs = Assignado o sr. Guilherme Candido Xavier de Brito.»

A communicação veiu effectivamente; e o que respondeu o sr. ministro, da fazenda a ella? Respondeu porventura que os srs. Knowles & Foster podiam dar dos lucros o que quizessem ao sr. Youle; e que o reparo do sr. Brito era infundado?

Não, senhores. Respondeu o que consta de outro officio do sr. Brito que vou ler. Esse officio é tambem dirigido aos srs. Knowles & Foster, e diz assim:

«Londres, 3 de janeiro de 1863. — Referindo me á minha carta de 16 de dezembro ultimo, em resposta á de s. s.ª da mesma data, ácerca do abono de 2:000 libras ao sr. F. Youle, a titulo de gratificação pelo seu serviço em relação ao emprestimo de 1862; tenho a satisfação de participar a v. s.ª que s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, a quem foi presente aquella correspondencia, se dignou mandar me communicar, pelo conselheiro director da thesouraria do ministerio da fazenda, de 26, que approvava a resolução por v. s.ª tomada, sendo a somma paga áquelle cavalheiro encontrada no lucro das 500:000 libras de bonds reservadas nos termos e para os fins indicados na carta de v. s.ª de 28 de agosto ultimo.»;

O sr. conselheiro Brito julgava-se auctorisado portanto a conceder, note-se bem, a conceder, por conta e ordem do governo, até 1:500 libras; e porque o arbitramento se elevava a 2.000, elle não quiz permitti-lo nem sancciona-lo sem auctorisação expressa do governo.

A auctorisação foi-lhe, e elle approvou então o arbitramento, e auctorisou o pagamento.

E já se vê que se se tratasse de dinheiro pertencente, não ao estado, mas aos srs. Knowles & Foster, nem o sr. Brito se assustaria tanto com o excessivo da gratificação, nem a approvação d'esta ficaria dependente do ministerio da fazenda (apoiados).

O negocio passou-se assim porque se tratava de dinheiro do estado, e só do estado.

E d'esses dinheiros, é ponto sabido e confessado até em certo modo pelo sr. ministro da fazenda que o governo não podia dispor sem previa auctorisação do parlamento.

Se o negocio parasse ahi eu não via em todo elle senão uma questão de legalidade.

Mas se é verdade que o sr. ministro mandou reformar a conta que os srs. Knowles & Foster prestaram da venda das 500:000 libras, e em que se haviam creditado pelo pagamento que fizeram d'aquellas 2:000 libras; se é verdade que o sr. ministro ordenou ou insinuou que esse pagamento se eliminasse da conta, para não constar d'ella, como durante a discussão ouvi asseverar, e em grande parte ouvi mesmo confessar; essa occultação feita com a intenção de esconder aos poderes publicos o pagamento e de fugir á responsabilidade legal d'elle, é um precedente terribilissimo e altamente censuravel, não só pelo que é em si, senão tambem e principalmente pela desconfiança que lança sobre todos os mais documentos emanados das repartições publicas (apoiados).

E quando não só se não nega o facto, mas se pretende até justifica-lo, e não sei se louva-lo, é preciso que nos levantemos todos e protestemos todos contra elle (apoiados).

Para que os documentos publicos nos inspirem confiança é mister que acreditemos que n'elles está toda a verdade e só a verdade.

Se qualquer auctoridade ou mesmo qualquer dos srs. ministros se julga auctorisado a mandar reforma-los com prejuizo da verdade, e para que digam só o que convem, os documentos perdem toda a sua authenticidade, e ainda dos mais verdadeiros nos será licito duvidar.

E esta desconfiança, levada até aos documentos de despeza, torna impossivel a fiscalisação, faz o governo cumplice com os seus empregados na viciação dos documentos publicos, e dá a esses empregados, senão o direito, pelo menos a faculdade de enganarem o governo, do mesmo modo e pelo mesmo motivo por que o governo nos pretende enganar a nós (apoiados).

O sr. ministro da marinha que hontem orou largamente em resposta ao sr. Fontes, e que de certo o seu discurso tratou de tudo, menos d'esta questão, que uma ou duas vezes que pareceu approximar-se d'ella, como que se sentiu sobre brasas, e fugiu tremendo de lhe tocar e de se envolver n'ella (apoiados), que apesar de directamente provocado pelo sr. Fontes para declarar se o governo aceitava a solidariedade n'este ponto, se deteve, e largamente, a explicar-nos porque motivo o governo não era solidario na reforma do exercito, e nem uma palavra nos disse sobre solidariedade ministerial nos factos, aliás importantes, de que o sr. ministro da fazenda está sendo accusado, o que para mim significa o desejo da parte de s. ex.ª de não prejudicar o seu collega, mas tambem de não quinhoar na triste responsabilidade d'elle, e d'esse desejo folgo de prestar-lhe aqui testemunho perante a camara e o paiz (apoiados). O sr. ministro da marinha disse em resposta ao sr. Fontes, que todos nós, que todos os partidos eram historicos, que todos elles se prendiam á historia por um ou outro lado.

E effectivamente assim é. Mas permitta-me s. ex.ª que lhe diga que na historia ha exemplos para tudo: ha historia boa, e historia má (apoiados). E mal irá ao partido que não for buscar os seus modelos a essas grandes acções de virtude e grandeza de alma, que só por si constituem os grandes homens, e honram a epocha que os viu florescer, e o paiz que lhes deu o ser.

Eu tambem pertenço a um partido historico. Mas quer v. ex.ª saber qual é a historia que eu venero, a historia que eu estudo, a que eu desejaria imitar? Eu vou aponta-la em um só exemplo.

Todos nós sabemos as difficuldades em que D. João de Castro se viu na praça de Diu.

Depois de successivos ataques, todos gloriosamente repellidos pelo esforço então invencivel dos portuguezes; a