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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso que devia ser transcripto a pag. 346, col. 2.ª, lin. 74.ª no Diario de Lisboa, na sessão de 5 de fevereiro

O sr. Pinto Coelho (sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte:

PROPOSTA

«Proponho que o § 7.° da resposta termine nas palavras «riqueza publica»; e que o resto d'esse paragrapho se substitua do seguinte modo:

«Comtudo, senhor, não é sem algum sobresalto pela sorte futura do paiz que a camara observa a notavel tendencia do governo para occorrer, tanto ás despezas ordinarias, como ás extraordinarias do estado, por meio de emprestimos grandiosos e successivos, com augmento prodigioso e rapido da divida publica, e consequente e espantosa elevação do imposto.

«A camara sente ainda, e mais que tudo, que o governo de Vossa Magestade na negociação, que ultimamente fez, do emprestimo de 2.500:000 libras, se houvesse por modo menos digno das altas funcções, que exerce.»

Sr. presidente, desculpe-me, v. ex.ª, e desculpe-me a camara de eu alterar a inscripção, tomando a palavra sobre a ordem.

Peço desculpa especialmente ao meu illustre e nobre amigo, o sr. Mártens Ferrão, que pela ordem da inscripção me antecedia.

Mas em debate tão serio, eu não desejava que a discussão se fechasse, sem eu ter occasião de submetter á apreciação da camara a proposta, que acabo de ler: e depois dos annuncios successivos que ouvi fazer, primeiro ao illustre deputado, que primeiramente fallou por parte da commissão, e hontem ao sr. ministro da marinha, receei, e re-

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ceei muito, que me não chegasse a palavra pela ordem da inscripção.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a palavra para uma requerimento.

O Orador: — Pensei que limitando-me eu a fallar restrictamente como devo sobre a proposta que acabei de ler, a palavra competiria depois ao sr. Mártens Ferrão, e que eu assim o não prejudicaria; mas o requerimento para que ouvi agora pedir a palavra, tira-me esta esperança. Sinto-o por isso, sem querer negar ao illustre deputado o pleno direito de o fazer.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Muito obrigado!

O Orador: — Não tem de que me estar obrigado: não faço mais do que reconhecer o seu direito. Não sou eu que lh'o dou, é o regulamento d'esta casa.

Sr. presidente, a materia que se tem discutido especial e precipuamente é de tal importancia que quando vi que o ultimo orador que occupou a tribuna, e que de mais a mais a occupou por parte do governo, entendeu dever tratar de tudo menos d'ella; julguei que devia fazer toda a diligencia possivel para fixar a attenção da camara sobre esse ponto, e fazer com que as questões grandes fossem consideradas como taes (apoiados). Foi por isso tambem que me resolvi a pedir a palavra sobre a ordem, e a apresentar a minha proposta.

A resposta ao discurso da corôa tem paragraphos que se não discutem; e paragraphos que podem e devem discutir-se.

Os tres primeiros paragraphos estão superiores a toda a discussão: são paragraphos de cortezia e respeito ao augusto chefe do estado; e com esses não temos que fazer senão votar.

As minhas convicções politicas são conhecidas de todos: não as occulto; e parece-me que, se as quisesse occultar, não sabia.

As minhas affeições são outras e muito outras; mas quando eu entrei pela primeira vez n'esta casa; quando tomei assento n'esta camara; vim resolvido a não pedir aqui, senão o cumprimento da letra e espirito da lei que hoje rege; e no espirito e letra d'essa lei estão todos os tres paragraphos de que trato.

Voto pois esses paragraphos, e voto-os sem os discutir, do mesmo modo por que os votei no primeiro dia em que tomei assento n'esta camara.

Mas a par d'estes tres paragraphos ou em seguida a elles, contém a resposta ao discurso da corôa outros que encerram importantes questões da governação do estado; -e sobre esses ha tanto que discutir, e tanto, creio eu, que emendar, que a discussão seria immensa e vastissima, se houvessemos de nos occupar de todos elles (apoiados).

E n'esta parte, seja dito de passagem, se acaso a resposta ao discurso da corôa se discutisse por paragraphos, como se está discutindo hoje no corpo legislativo francez, cada um de nós se occuparia de uma questão só, e poderiamos ouvir, no mesmo dia, dois, tres oradores ou mais.

Discutida porém, como vae, envolvendo-se n'uma só questão todos os paragraphos, todos os assumptos de que ella se occupa, isto é, todo o governo do estado — cada discurso tem durado dois e tres dias, cansando os oradores que os pronunciam, e fatigando, apesar do talento e habilidade dos oradores, a propria camara que os escuta, e cuja attenção não póde fixar-se igualmente sobre tantas e tão variadas questões ao mesmo tempo.

É essa mais uma rasão para eu contrahir as minhas observações a um só ponto, a um só paragrapho, sustentando restrictamente a minha proposta, sem prescindir do direito, se a palavra me chegar na ordem da inscripção, o que não espero, de fazer ainda observações sobre outros pontos, que tambem são importantes, posto que não tanto como este.

Sr. presidente, contrahiu-se um emprestimo, e o discurso da corôa, na parte em que dá conta d'elle á camara, enthusiasma se com elle e declara-o a operação financeira mais vantajosa para o paiz de quantas têem feito até hoje.

Esta asserção, sr. presidente, é ousada e temeraria; a nossa historia financeira desmente-a, e um exame perfunctorio do orçamento basta para repellir tambem, e completamente, todo o motivo para -enthusiasmo.

Emquanto ao ponto historico, foi elle já demonstrado por modo tal pelo sr. Carlos Bento, e ultimamente pelo sr. Fontes, que eu reporto-me completamente ao que ss. ex.ªs disseram, e parece-me poder asseverar que é completamente inexacta a asserção de que este emprestimo é a melhor operação financeira que se tem feito (apoiados).

Esta asserção, disse eu, e repito-o, era já de si ousada e temeraria, porque para a enunciar seria preciso examinar detidamente e comparar entre si todas as operações financeiras que se têem feito entre nós; o que o governo de certo cão fez, nem dá indicio de ter feito.

Alem de ousada e temeraria, a asserção não é verdadeira, não é exacta; e sinto que o governo n'esta parte, na parte memo da exactidão historica, enganasse o augusto chefe do estado, e o levasse pela sua propria bôca, irresponsavel e impeccavel, a proferir diante do parlamento uma asserção menos verdadeira. (O sr. Casal Ribeiro: — Apoiado.)

Agora em quanto ao enthusiasmo pelo emprestimo, permitta-me a camara que chame a sua attenção para o exame dos orçamentos, e lhe peça que olhe pela sorte futura d'este paiz; mas que olhe de uma vez com aquella attenção que o negocio reclama.

N'este ponto, e n'outros muitos, caminha-se, caminha-se, caminha-se insensivelmente; e quando se olha para traz, quando se vê a distancia immensa que se tem andado passo a passo, momento a momento, estremece se de ver aonde fica o marco d'onde se partiu.

Foi o que me succedeu, sr. presidente, quando os orçamentos me revelaram os progressos rapidos e espantosos da nossa divida, e me mostraram o verdadeiro estado d'ella.

Não fui, sr. presidente, aos primeiros orçamentos; não quiz começar pelos d'essas eras ainda revoltas de 1833 e 1834; dei os primeiros dez annos para a regularisação e organisação da fazenda publica, e comecei pelo orçamento de 1843-1844.

Sabe v. ex.ª a quanto montava então a divida publica? A divida interna consolidada era de 29.268:000$000, réis, e a externa andava por uns 20.000:000$000 réis; de modo que uma e outra, reunidas, não excediam de 50.000:000$000 réis.

Deixei esse orçamento; saltei dezesete annos, e fui buscar o orçamento de 1860.

E vi com espanto que a divida interna se achava elevada de 29.000:000$000 a 62.500:000$000 réis; a externa de 20.000:000$000 a 67.960:000$000 réis; e o total de 50.000:000$000 a 130.466:000$000 réis!

Quer dizer que a divida consolidada tinha crescido, em só dezesete annos, 80.466:000$000 réis!

Passei ao orçamento de 1861, e achei a divida interna elevada ainda de 62.500:000$000 a 64.800:000$000 réis; a externa de 67.960:000$000 a 68.300:000$000 réis; e o total de 130.000:000$000 a 133.100:000$000 réis!

Corri ao orçamento de 1862 e achei a divida interna elevada de 64.000:000$000 a 74.900:000$000 réis; a externa de 68.000:000$000 a 74.200:000$000 réis; e o total de 133.000:000$000 a 149.100:000$000 réis!

Fechei esse orçamento, e fui ainda ver o de 1863, e achei a divida interna elevada de 74.000:000$000 a 88.100:000$000 réis; a externa de 74.000:000$000 a 89.800:000$000 réis; e a divida total de 149.000:000$000 a 177.900:000$000 réis!

E confesso, sr. presidente, que estes resultados me horrorisaram, e excederam tudo o que eu esperava!

De 1843 a 1860 nós augmentámos 80.000:000$000 réis á nossa divida; em 1861 augmentámos-lhe 3.000:000$000 réis; em 1862 augmentámos-lhe 16.000:000$000 réis; augmentámos-lhe 28.000:000$000 réis em 1863; e eu não sei onde havemos de ir dar connosco, endividando-nos todos os annos, n'esta proporção, e por esta fórma.

Tinha-me espantado ao ver o prodigioso augmento de 80.000:000$000 réis só em dezesete annos; nem eu sei dizer á camara como fiquei quando vi que, só nos ultimos quatro annos, a divida augmentou 47.000:000$000!

E note a camara que ainda aqui se não inclue o ultimo emprestimo; e que d'aquelles 47.000:000$000 réis 28.000:000$000 réis pertencem só ao ultimo anno!

De modo que quanto mais andâmos mais nos empenhâmos; e se nos primeiros annos andávamos, hoje nem já andâmos, voâmos para o precipicio! (Apoiados.)

É preciso que nos não illudâmos.

Eu tenho assistido silencioso a esta marcha perigosa. Tenho visto os meios a que os nossos financeiros sucessivamente têem recorrido para que o povo contribuinte não veja o caminho que se anda em pouco tempo, e a que ponto as cousas publicas são levadas.

Quando eu comecei a ouvir fallar nas despezas publicas, ouvi contar por milhões de cruzados. Depois deixou-se esta phraseologia e principiou-se a contar por milhares de contos; e era melhor, porque o milhar de contos comprehende dois milhões e meio de cruzados; e convinha trocar duas unidades e meia por uma só. Agora nem já por milhares se conta, mas por milhões de libras. E o resultado? Quer v. ex.ª e a camara saber qual elle é? É o orçamento quem no-lo diz tambem.

No orçamento de 1842-1843 sabe v. ex.ª quanto o ministerio da fazenda pediu no parlamento para juros da divida interna e externa? Para a divida interna 1.443:000$000 réis; e para os juros da divida externa, e não só para os juros, senão para todos os encargos da divida externa 1.144:000$000 réis; total 2.587:000$000 réis.

E quer v. ex.ª saber agora quanto o ministerio da fazenda nos pediu em 1860 para juros da divida interna e externa? Pediu-nos para a divida interna 1.875:000$000 réis, e para a divida externa 2.031:000$000 réis; quer dizer, pediu-nos ao todo 3.914:000$000 réis.

Em 1861 para 1862, pediu-nos 1.944:000$000 réis para a divida interna; 2.049:000$000 réis para a externa; ao todo 3.998:000$000 réis.

Em 1862 para 1863, pediu-nos 2.247:000$000 réis para a divida interna; 2.226:000$000 réis para a externa; ao todo 4.473:000$000 réis.

Em 1863 para 1864, pediu nos 2.643:000$000 réis para a divida interna; 2.694:000$000 réis para a externa; ao todo 5.337:000$000 réis para os juros de uma e outra!

Quer dizer, que a verba para os juros, que em 1844 era de 2.500:000$000 réis, está hoje elevada a 5.300:000$000 réis, isto é, a muito mais do dobro!

D'aqui vem o augmento successivo das contribuições, nem pedia deixar de ser.

No orçamento de 1843-1844 pediu-nos o ministro da fazenda de impostos directos e indirectos 5.812:000$000 réis.

Sabe v. ex.ª, dezesete annos depois, o que é que nos pediram? 9.464:000$000 réis.

Em dezesete annos portanto de 5.800:000$000 réis, passou-se a 9.400:000$000 réis!

No anno seguinte pediram-se-nos 11.180:000$000 réis.

Em 1862 pediram-se-nos 12:326:000$000 réis.

Em 1863 já se nos pediram 12.866:000$000 réis.

Onde irá isto dar comsigo? Continuar-se-ha n'este systema? Continuaremos nós a ouvir pedir todos os dias auctorisações para emprestimos, e a dar essas auctorisações votando por consequencia o augmento successivo do imposto?

O sr. ministro da fazenda já nos declarou que este anno não tencionava levantar mais emprestimo algum. Não disse positivamente que não o faria, disse que não tencionava faze-lo, e como as tenções de s. ex.ª nem sempre se realisam; e ainda no anno passado tendo-nos s. ex.ª dito que só precisava levantar 3.000:000$000 réis, ao depois levantou réis 5.000:000$000, a tenção de s. ex.ª só por si não é segurança bastante de que não levante ainda este anno outro emprestimo.

A rasão mesmo em que s. ex.ª fundou essa sua tenção negativa, merece tambem ser pesada.

«Este anno, disse s. ex.ª, não preciso levantar emprestimo algum, porque tenciono vender o caminho de ferro do sul.».

Quer dizer «este anno não peço emprestado, porque tenho que vender, quando se acabar o que tenho que vender, pedirei emprestado».

Isto é systema que não se póde consentir, é systema que não póde continuar, é systema que tem de parar.

Eu não me canso, não me envergonho de pedir a attenção da camara e do governo para este ponto, porque pôde trazer consequencias muito serias.

Uma voz eloquente e auctorisada dizia ha poucos dias no corpo legislativo em França, depois de observações feitas ao governo do imperador: «attendei ao povo emquanto pede, não espereis que elle exija».

Se a observação era ou não fundada em França, não o sei, não o quero saber; mas permitta-me a camara que eu use da mesma expressão, e que a applique ao ponto de que trato.

Attendei aos justos queixumes do povo em quanto elle pede, e não espereis que o povo exija.

Não são receios vãos e infundados, os que eu tenho: receio e muito, porque de ha muito vejo o povo agitar-se em differentes provincias a proposito do augmento dos impostos e das immoderadas exigencias do fisco.

O proprio sr. ministro da fazenda, poucos dias depois de tomar assento nas cadeiras do ministerio, se viu obrigado a acolher manifestações populares n'aquelle sentido, mandando rever as matrizes; sustar as execuções fiscaes; e demorar a cobrança dos impostos. De então até hoje não se tem querido apertar com os contribuintes; não se tem querido obriga-los a pagar tudo o que lhes está lançado e que não podia deixar de se lançar (á parte alguma maior, ou menor desigualdade), para encher esse fosse immenso e profundo das despezas publicas; e têem-se vivido em grande parte dos emprestimos, occorrendo com elles ás despezas ordinarias que deviam saír da receita ordinaria.

Mas isto não póde continuar.

Cada emprestimo traz um augmento de juros, um augmento de despeza, um augmento de impostos.

O contribuinte está calado emquanto o lançamento é só lançamento, e não passa á execução. Desde o momento em que o fisco se vir obrigado a lançar mão das execuções fiscaes para coagir os contribuintes, o povo ha de levantar-se temeroso e afflicto, e ha de fazer tremer aquelles que o não attenderam em devido tempo.

Quando eu comecei, sr. presidente, a abrir os olhos para a politica, regia, o poder um partido que a phrase popular designava com o epitheto de devorista. Permitta me a camara que eu recorde o epitheto sem desaire para os membro d'esse partido, alguns dos quaes conheço, e de quem sou até amigo: eu respeito os homens de bem de todos os partidos, para que elles me respeitem tambem a mim (apoiados). E em todos os partidos me honro de ter amigos. (Vozes: — Muito bem.) Recordo o epitheto só para provar que as queixas do povo são antigas.

Já então a população contribuinte se agitava, em presença do que, com rasão ou sem ella, chamava desperdicios, e como que presentindo que todos esses desperdicios haviam de trazer-lhe augmento de imposto.

O governo de então despresou os clamores populares, e n'um bello dia a revolução de setembro de 1836 derrubou o governo e a constituição.

A revolução comtudo não emendou o mal.

A divida publica augmentou em vez de diminuir; e quando o sr. Conde de Thomar, para fazer face ao augmento de despeza, quiz elevar o imposto e estabelecer a contribuição de repartição; a revolução estalou de novo, e mais violenta ainda, ao clarão das listas e matrizes; e o paiz ardeu todo em guerra civil nos annos de 1846 e 1847.

A final porém a voz do povo foi ainda abafada d'essa vez.

Veiu a paz, e as despezas augmentaram, e o imposto exacerbou-se, e nova revolução rebentou em 1852.

O movimento triumphou, mas a despeza não diminuiu; cresceu pelo contrario.

E em 1856 apresentou o sr. Fontes essas medidas financeiras, contra que se levantaram os cincoenta mil peticionarias, um dos quaes era eu, desejoso, como todos, de ver caír, não o sr Fontes, que não tinha, não tem hoje, e não póde ter inimigos pessoaes, mas a situação a que s. ex.ª pertencia.

Essa situação caiu effectivamente, mas o mal ficou. A despeza publica continuou a crescer de dia para dia; o nosso estado financeiro aggravou-se cada vez mais; e em 1860 submetteu o sr. Casal Ribeiro ao parlamento esse grupo de leis que hoje vigoram, e que tão acre discussão suscitaram n'esta camara e no paiz.

Perante a opposição que então se levantou, entendeu s. ex.ª que devia resignar o poder.

O ministerio mudou, mas as leis ficaram.

E o partido historico, que occupou aquellas cadeiras, em nome d'essas antipathias populares, perfilhou o systema que então era combatido, o proseguiu rasgadamente no augmento da divida publica.

E quando eu, sr. presidente, me recordo de que oito annos depois de derribado do poder o chamado partido

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devorista, ainda a divida publica montava apenas a réis 50.000:000$000, e a comparo com o que é hoje!...

Quando vejo que, apesar dos justos clamores do povo, traduzidos em successivas revoluções, a divida publica augmentou, só em dezesete annos, 80.000:000$000 réis!...

Quando me lembro da parte que tomei nas representações contra o sr. Fontes, e da opposição convicta que fiz com toda a energia da minha palavra ao sr. Casal Ribeiro... não a s. ex.ª, que aliás estimo e admiro, mas ao seu systema financeiro; e me recordo de que o sr. Fontes nos pedia só 16.000:000$000 réis, e o sr. Casal Ribeiro 3.000:000$000 réis, ao passo que o sr. ministro da fazenda actual só em dois annos nos levou 44.800:000$000 réis!... Eu, sr: presidente, que estou fazendo a s. ex.ª toda á opposição que sei e posso fazer; eu, que se podesse, o derrubaria do poder hoje mesmo; quasi que tremo de que s. ex.ª caía; e como que me vejo tentado a dizer-lhe o que dizia a mulher velha a Nero: «És peior que o teu antecessor, e este era peior que o antecessor d'elle; Deus te conserve para que não venha ainda outro peior»! (Riso.)

Mas, sr. presidente, isto não póde continuar assim.

O discurso da corôa e a resposta são unanimes no seu enthusiasmo pelos emprestimos, mas os emprestimos podem levar nos á banca rota, podem levar nos a uma ruina completa.

A França é uma nação poderosissima, os seus recursos são incomparavelmente maiores do que os nossos, e apesar d'isso nas ultimas discussões do parlamento francez eu vejo todos os homens d'estado, quer governamentaes quer da opposição, pedirem unanimes a mais rigorosa economia e a estricta fiscalisação sobre a despeza publica (apoiados).

Nem eu podia esperar outra cousa d'esses espiritos eminentes. Não são as finanças a minha especialidade, mas sei o sufficiente para poder assegurar que nunca os emprestimos foram considerados pelos homens da sciencia senão como um mal, a que só se deve recorrer em caso de necessidade irrecusavel e urgente (apoiados).

Só entre nós os homens publicos vêm nos emprestimos motivo para enthusiasmo, e o governo se applaude de viver d'elles, e á custa d'elles!!!

Os resultados d'essa tendencia desastrosa di-los o augmento successivo, espantoso e rapido da divida publica.

As consequencias d'esse debito incrivel hão de vir mais cedo do que se pensa; se o governo, a camara ou o povo não pozerem prego n'essa roda fatal.

Nunca mais do que hoje os governos dos estados precisaram de attender tanto ao futuro, e de se prepararem para elle.

A sociedade acha-se abalada por toda a parte; os mais fortes governos sentem tremer-lhe a terra debaixo dos pés; a guerra, ou rebentou já, ou rebentará n'um dia proximo, e ninguem pôde dizer hoje quem ella envolverá, e qual será a ultima palavra d'ella.

E todavia... nós não fazemos senão empenhar-nos; surdos aos queixumes do povo, e aos conselhos da sciencia e da, prudencia!

E contra esta cegueira, sr. presidente, que eu clamo; peço ao governo e á camara que attendam uma vez á sorte futura d'este paiz.

Peço-o com instancia, porque estou convencido de que caminhamos a largos passos para o abysmo. E se o governo não quer, ou não sabe dar-nos remedio; se a camara não quer, ou não tem força de o obrigar a isso: o povo, não o povo proletario, mas o povo contribuinte ha de levantar-se um dia, e com plenissima rasão, e em toda a força do seu direito, e ha de vir aqui temeroso e resoluto expulsar o governo d'aquellas cadeiras, e expulsar-nos a nós d'esta casa — a nós que não soubemos, ou não quizemos cumprir com a nossa missão, e com o nosso dever.

Isto não é ameaça, sr. presidente, não é minha intenção faze-la, não tenho direito de a fazer, não tenho força para a fazer, e a ameaça sem o direito nem a força, seria ridicula.

Tambem não é profecia. Não tenho o dom, nem a inspiração de profeta.

Leio porém nos factos, e deduzo d'elles o que todo o homem verdadeiramente amante do seu paiz tem direito, e tem obrigação de deduzir.

Se o que leio me denuncia um futuro triste; a minha obrigação é chamar a attenção do governo, a do parlamento, e a do paiz para essa pagina negra.

É o que faço. E se o governo e a camara não quizerem attender a esta situação, responsabilidade é a sua e não minha.

Sr. presidente, tenho explicado e fundamentado a primeira parte da minha proposta; passo á segunda.

A segunda parte é mais difficil e não menos importante.

A segunda parte é propriamente uma censura directa ao governo. Confesso que hesitei muito antes de me resolver a apresenta-la; apresentei-a, com profundo sentimento do meu coração; mas fui obrigado a isso por um dever que reputo rigoroso.

Desejaria tratar esta questão entre nós, a sós uns com os outros; mas o systema que nos rege obriga-me a trata-la em publico. Submetto-me a essa obrigação.

Antigamente havia um adagio que dizia: «Palavra de rei não engana nem volta atrás». Hoje esse adagio é uma velharia que está submergida pela moderna civilisação, e vejo o velho principio substituido por outro, que é: «Não me pergunteis se fui leal, se fui sincero, se fui decoroso; perguntae-me quanto o thesouro lucrou, quanto entrou nos cofres do estado» (apoiados).

Depois de um grande revez, nos antigos tempos, dizia um grande homem; «tout est perdu hors l'honneur» (tudo se perdeu menos a honra).

Hoje este principio é fossil; e o principio que parece estar em moda é o seguinte: «Perca se o que se perder, mas venha dinheiro». Dinheiro e muito dinheiro que todo elle é preciso para fazer face ás despezas publicas que são urgentes.

Declaro, sr. presidente, e muito solemnemente, que não aceito estas innovações, apesar de ellas virem cobertas pela auctoridade do ministerio (apoiados). Viro-me pelo contrario para os adagios antigos; choro por elles; levanto-me por elles, e quero sustenta-los.

Sr. presidente, é preciso ver a questão como ella é, formula-la, trata-la, encara-la de frente, e ver qual é a asseveração e qual a defeza.

O governo assignou o contrato para o emprestimo em 30 de julho de 1863.

Quando o publicou na folha official, publicou tambem, cinco, seis ou sete propostas que foram desprezadas.

Ao mesmo tempo, ou com differença de dias, começaram a surdir queixas dos differentes proponentes, dizendo-se enganados pelo sr. ministro da fazenda.

E essas queixas acham-se claramente formuladas por um d'esses proponentes na correspondencia ultimamente publicada no Diario de Lisboa.

«Em setembro (dizem os srs. Knowles & Foster), fui convidado pelos meus correspondentes a fazer propostas ao governo; disse-lhes que se eram verdadeiras as informações que tinha, o governo não podia receber propostas, porque já tinha feito o contrato. Os meus correspondentes disseram-me que = tinham ido ter com o sr. ministro da fazenda, e que s. ex.ª lhes dissera que era falso que tivesse contratado com qualquer casa, e que se achava completamente livre =. Fiado n'essa asseveração, fiz então a minha proposta, e hoje verifica se que quando o sr. ministro me dizia que = nada tinha ainda contratado =, a verdade era que o contrato estava já assignado havia dois mezes. Por conseguinte o sr. ministro houve-se comigo e com os meus correspondentes com menos boa fé.»

Isto é uma accusação muito grave para o sr. ministro e para a dignidade do governo (apoiados).

Não me importa saber porque motivo, e porque modo essa correspondencia aqui veiu. O que sei é que nós, como representantes do paiz, como fiscaes das acções do gabinete, temos o rigoroso dever de verificar o que ha de verdade n'essa accusação importante.

O governo nega o facto. O sr. ministro da fazenda disse-nos e muito explicitamente: «Não convidei ninguem afazer propostas depois do contrato; importunaram-me com ellas; mas eu não as pedi, não as recebi; não as solicitei, nem discuti; não as aceitei, nem fiz obra por ellas».

Se assim fosse, sr. presidente, se o que o sr. ministro diz fosse exacto, a accusação carecia de fundamento.

Examinando, comtudo, os decretos publicados, convenci-me, bem a meu pesar, de que a arguição era verdadeira.

E cobre-se-me o rosto de vergonha ao ver que o governo se esqueceu n'este procedimento do decoro e dignidade que devia a si proprio; e ao ver que d'aquelle logar elevado d'onde só deviam partir exemplos de verdade e lealdade, partiu, na occasião de que se trata, um exemplo contrario!

Eu vou indicar á camara os documentos de que resultou a minha convicção: e a camara fará inteira justiça aos motivos que me obrigam a usar de phrase tão dura.

Entre as propostas publicadas com o contrato, ha uma assignada pelos srs. Fonsecas, Santos & Vianna que começa do seguinte modo:

«Ill.mo e ex.mo sr. (dirige-se ao sr. ministro da fazenda). De conformidade com o que se tem passado na conferencia que v. ex.ª nos tem concedido, para combinarmos a maneira de conseguir, nos melhores termos possiveis para o thesouro, o levantamento de um novo emprestimo; temos tido uma activa correspondencia com os nossos respeitaveis amigos de Londres os srs. Knowles & Foster, que o anno passado, com tão bom exito, zêlo e intelligencia, se encarregaram, de accordo com v. ex.ª, do levantamento do emprestimo de libras 5:000:000 nominal dos nossos fundos. D'esta correspondencia, resulta podermos fazer a v. ex.ª uma proposta para um contrato provisorio, para se conseguir aquelle emprestimo, devendo ser effectuado pela approvação em Londres, no praso de doze dias depois de approvado por v. ex.ª aqui.»

Esta proposta, sr. presidente, tem a data de 24 de setembro de 1863; e o contrato, como a camara sabe, estava assignado desde 30 de julho.

E todavia os proponentes dizem n'essa proposta ao proprio sr. ministro «que a faziam de conformidade com o que se passou em uma conferencia anterior com s. ex.ª».

Ora, não era nada provavel que os proponentes dissessem n'aquella data ao sr. ministro o contrario do que se houvesse passado com elle proprio; acresce porém que o proprio sr. ministro recebeu a proposta n'esses termos, e publicou-a na folha official, sem rectificação nem reserva.

E eu devo por conseguinte acreditar que é verdade o que ella diz. E o que ella diz é exactamente o contrario do que o sr. ministro nos veiu aqui dizer!

Mais ainda. Não são só os srs. Fonsecas, Santos & Vianna que asseveram isto; entre as propostas publicadas pelo governo no mesmo dia ha outra do sr. Knigt que começa assim:

«London & Brasilian bank, limited. — Lisboa, 24 de setembro de 1863. — Sr. ministro. — V. ex.ª dignou-se pedir-me que eu lhe submettesse as perspectivas que haveria para emittir um emprestimo nacional; venho por conseguinte expor a v. ex.ª a minha humilde opinião.»

O sr. Knigt offerece em seguida a sua proposta, e concilie depois:

«Se v. ex.ª se dignar indicar-me o seu preço e as suas condições, não duvido que eu consiga terminar este negocio.»

Esta proposta é portanto ainda, mais explicita que a dos srs. Fonsecas, Santos & Vianna. N'ella diz expressamente o sr. Knigt que foi o sr. ministro quem lhe pediu a proposta.

E s. ex.ª aceitou e publicou tambem esse documento, sem rectificação nem reserva.

Mas não é só isso. Estes documentos são publicados pelo sr. ministro, mas emanados dos proponentes; permitta-me a camara que lhe leia tambem documentos emanados do proprio governo.

Começarei pelo telegramma de 26 de novembro de 1863.

E note desde já a camara, que n'esta data não eram passados só dois mezes, mas quatro, depois do contrato se achar assignado.

N'esse telegramma, dirigido pela direcção geral da thesouraria ao sr. conselheiro Brito, da nossa agencia em Londres, diz o governo:

«Concorrem diversas propostas, e esperam-se ainda outras, chegando já o preço a 48. Tenha isto em vista quando tratar com Stern sobre augmento, que agora mais necessario se torna.»

Pois o sr. ministro não queria propostas, não as pedia, não as desejava; e estava não só recebendo-as, mas firmando se n'ellas para Londres?!

E note a camara, o sr. ministro não se firmava nas que já tinha, senão que esperava mais: «Esperam-se ainda outras» diz o telegramma.

Como as esperava o sr. ministro, se nem as solicitava, nem as pedia, nem as queria?

O telegramma diz ainda: «Tenha isto em vista quando tratar com Stern sobre augmento.» Isto quer dizer que havia alguma cousa a tratar com Stern sobre augmento do preço da emissão; e que para isso convinha que houvesse propostas vantajosas.

E se essa era a intenção do governo, como ousa elle negar hoje que solicitava e desejava essas propostas?

Mais ainda. No relatorio que s. ex.ª fez á corôa, dando conta do emprestimo, disse s. ex.ª:

«Julguei dever occupar-me de propostas que me foram apresentadas por parte de diversas casas de Portugal e do estrangeiro, e n'isto havia grande conveniencia para o thesouro; porque, se por uma circumstancia eventual, prevista no contrato de 30 de julho, ficasse este sem effeito, o governo ficava habilitado para escolher a casa que melhores condições lhe tivesse offerecido»...

Sr. presidente, se estas propostas eram de utilidade para o thesouro; se s. ex.ª se occupava d'ellas; se as desejava para garantia e utilidade do estado; como vem hoje dizer-nos que nem as pedia, nem as queria?!

S. ex.ª não só as pediu; não só as aceitou e discutiu; mas fez mais; e é s. ex.ª quem o confessa.

S. ex.ª desceu até a tirar informações das casas proponentes para ver se podia, ou não, tomar em consideração as suas propostas.

Foi o que s. ex.ª nos disse, e peço licença para avivar a sua memoria. Não hei de aqui asseverar cousa alguma que não seja comprovada por documentos.

O sr. ministro foi arguido pelo sr. Serpa de preferir os capitães estrangeiros aos nacionaes. E como se defendeu s. ex.ª d'esta arguição? Disse nos o seguinte:

«Quando a casa Fonsecas, Santos & Vianna tratou des e ingerir no emprestimo, busquei indagar quaes eram os fundos de que ella podia dispor, se effectivamente a sua firma dava todas as garantias que se devem dar em negocios d'esta natureza. Não fiz isto com espirito de syndicar dos interesses particulares de cada um; mas como se me tinha dirigido uma proposta cumpria me informar-me se essa firma inspirava confiança, e fui informado que essa casa, composta aliás de cavalheiros muito respeitaveis, tinha apenas um fundo de 150:000$000 réis, sendo a responsabilidade social de cada um dos socios 50:000$000 réis.... soube pois que era uma casa que, não obstante ser dirigida por cavalheiros muito respeitaveis, não offerecia uma garantia monetaria bastante forte para tomar a responsabilidade de 5.500:000$000 réis.»

O sr. ministro, na sessão seguinte, veiu rectificar essas informações, e disse-nos que = averiguando melhor o caso, achara que o fundo d'esta casa era de 200:000$000 e não de 150:000$000 réis =.

Em uma interrupção que eu n'essa occasião fiz a s. ex.ª, e de que peço desculpa, disse eu que embora o fundo fosse de 200:000$000 réis, a responsabilidade de cada um dos socios era illimitada e solidaria para com terceiros.

Effectivamente é esse o nosso direito a respeito de sociedades mercantis; e é tambem o direito vigente nas outras nações cultas.

O socio póde entrar para a sociedade só com 3:000$000, com 13:000$000, ou 30:000$000 réis; mas os seus bens, ainda que valham o dobro, o triplo, ou o decuplo do fundo com que elle entrou, ficam-lhe todos, solidaria e illimitadamente, responsaveis pelas obrigações da sociedade para com terceiros.

E eu sinto, sr. presidente, que o governo julgando necessario informar-se da solvabilidade de uma firma para negocio tão grave, se contentasse com informações tão difficientes e inexactas.

Mas o meu proposito não é analysar agora essas informações, e eu volto á questão.

O que se deduz das proprias palavras que li do sr. ministro, é que s. ex.ª não só recebeu e aceitou a proposta dos srs. Fonsecas, Santos & Vianna, mas desceu até a informar-se das possibilidades monetarias d'essa firma, para ver se podia com ella negociar o emprestimo.

E é depois d'esta confissão; no proprio dia que s. ex.ª aqui a fez, e momentos depois de a ter feito, que s. ex.ª nos disse a proposito d'essa, e de outras propostas = que não quiz, nem pediu, nem aceitou proposta alguma! =

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Eu tenho diante dos olhos as proprias palavras de s. ex.ª: «Não fizeram (dizia s. ex.ª), se não importunar-me e perseguir-me com propostas, que eu não quiz nem podia aceitar».

S. ex.ª não queria, nem podia aceita-las. Mas pedia-as ao sr. Knigt, solicitava-as dos srs. Santos & Vianna, firmava-se n'ellas e argumentava com ellas, no telegramma ao sr. Brito; declarava-lhe n'esse telegramma que não só tinha essas, mas esperava mais, dizia depois á corôa que as solicitára, e se occupára d'ellas no interesse do thesouro, e confessou-nos ultimamente que não só as recebera e discutira, mas se informara até das forças monetarias das differentes casas proponentes, para ver se com alguma d'ellas podia tratar o emprestimo, que aliás estava tratado, e fixado já com a casa Stern, havia dois, tres ou quatro mezes.

Isto, sr. presidente, não é decente, não é decoroso. Digo-o com muito sentimento; e sinto-o, pelo paiz, pelo governo e por s. ex.ª Desejaria muito poder lhe dar aqui um testemunho contrario.

S. ex.ª referiu-se a calumnias que pareciam pôr em duvida a sua honestidade, como ministro, e lhe attribuiam interesses illicitos n'esta negociação.

Presto a s. ex.ª, e com muito prazer, o meu testemunho de que dos documentos publicados nenhuma prova resulta a similhante arguição.

Mas se por este lado posso dar-lhe o meu testemunho, sinto não lho poder dar por outros.

S. ex.ª disse que = se não fôra inteiramente franco com os proponentes, proviera isso de ser obrigado a guardar segredo sobre a emissão, até á data d'esta =.

Eu quero suppor que assim fosse. Mas o que é verdade, é que s. ex.ª nem guardou esse segredo, nem o segredo o obrigava a faltar á verdade.

Nos contratos d'esta natureza o segredo guarda-se, com o receio de que a noticia da emissão faça descer os fundos e difficulte por esse modo a operação, eu a reduza a condições mais onerosas; e guarda-se tambem, para os banqueiros pelos seus meios disporem a praça a receber bem o emprestimo e a emissão.

Não me parece que s. ex.ª seja inteiramente partidario d'este systema, que eu agora não trato de louvar nem de condemnar. S. ex.ª disse nos ainda outro dia que = em finanças todo o segredo era fatal =; e se essa era a sua opinião, não sei como s. ex.ª se obrigou para com Stern a esse segredo.

Mas que casta de segredo foi que o sr. ministro guardou? Não disse a ninguem que o contrato estava feito, isso é verdade. Mas a emissão, o desejo de effectuar um emprestimo, a proximidade e projecto d'elle; que era exactamente o que Stern desejava que ficasse em segredo, isso publicou-o e communicou-o s. ex.ª a quem lh'o quiz ouvir.

Com o contrato publicaram-se seis ou sete propostas, que não vieram senão dos que souberam que se projectava o emprestimo.

S. ex.ª mesmo não fazia mysterio d'isso. Aceitava as propostas que lhe faziam, esperava ainda outras, e discutia-as com os proponentes e com as pessoas que podessem dar-lhe informações ácerca d'ellas.

E, se isto se chama guardar segredo da proximidade de uma emissão de fundos, não sei o que seja torna-la publica.

Mas emfim, não pedia s. ex.ª guardar segredo ácerca do proprio contrato, sem faltar á verdade?

Se assim fosse s. ex.ª teria feito duplicadamente mal em estipular o segredo.

De facto porém, não havia necessidade nenhuma de faltar á verdade.

Se eu me visse collocado na posição em que s. ex.ª se achou, sei muito bem como me havia de tirar d'ella sem faltar, nem á verdade, nem ao estipulado.

Quando me perguntassem se eu já tinha contratado o emprestimo, eu diria que tinha adoptado o systema de nunca responder a perguntas de similhante natureza, para nunca me ver na collisão de, ou faltar á verdade, ou revelar o que o interesse do estado me aconselhasse a occultar.

E se me offerecessem propostas, eu diria que não era então occasião de as receber e de me occupar d'ellas; e tomaria, quando muito, nota das pessoas que mas offerecessem, para as avisar quando me conviesse ouvi-las e recebe-las.

Ouvir porém, e receber essas propostas; solicita-las e pedi-las mesmo; levar os proponentes a faze-las na persuasão de se estar livre ainda para tratar com elles; e tudo isto na occasião em que o governo se achava já ligado por um contrato solemne assignado mezes antes; isso é que eu digo e sustento que nenhum homem de bem tem direito de fazer; e que por maioria de rasão, nenhum governo póde praticar sem faltar ao decoro, á dignidade e á lealdade do governo (apoiados).

Fazer uma proposta para um emprestimo de 2.500:000 libras não é uma cousa indifferente. É preciso obter informações, reunir capitaes, pesar eventualidades, combinar interesses, conseguir adhesões; e tudo isso dá trabalho e leva tempo.

O proponente, se o governo lhe aceitar a sua proposta, está obrigado a realisar o contrato, nos termos d'ella, sob pena de inteiro descredito para a sua casa; o que o obriga não só a estudar bem o que propõe, senão tambem a conservar n'uma certa expectativa os seus capitaes.

E por uma rasão analoga, todo o governo que solicita e recebe propostas, tem o dever rigoroso de ser leal e verdadeiro na recepção e resolução d'ellas.

Solicita-las e recebe-las para um contrato que o governo não póde ou não tenciona fazer, não é tratar negocios a serio, é fazer do governo uma farça.

O sr. ministro recorreu ainda a outro ponto da defeza. «O acto, disse s. ex.ª, seria mau; mas esse acto trouxe ao thesouro 1/2 por cento, elevando a 48 o emprestimo que estava contratado a 47 1/2.

Permitta-me a camara que eu não aceite similhante doutrina, nem em meu nome, nem no nome dos demais membros d'esta camara (apoiados).

Mas a verdade é que nem esse lucro veiu pelo acto mau de receber propostas quando já se não podiam receber; veiu pela concessão de uma preferencia, que o sr. ministro não tem a auctoridade de estipular e que não devia estipular por similhante preço e por similhante modo (apoiados).

S. ex.ª parece não estar muito disposto a cumprir essa estipulação. Pelo menos é o que eu deduzo dos termos em que s. ex.ª nos deu parte d'ella.

O sr. ministro disse-nos por essa occasião que = não obstante ter promettido a preferencia não inserira no contrato essa estipulação =.

O exame comtudo dos documentos officiaes, mostra que essa clausula, posto que se não inserisse no contrato, vale tanto como este.

No telegramma de 26 de novembro, que já li, recommendava a direcção geral da thesouraria ao sr. conselheiro Brito, que solicitasse de Stern a elevação do preço da emissão.

A esta recommendação respondeu o sr. Brito n'outro telegramma de 1 de outubro, dizendo o seguinte: «Stern... annue ao preço de 48, promettendo o governo dar-lhe a preferencia no proximo emprestimo que fizer».

E a este telegramma respondeu a thesouraria pelo outro do dia 2, nos termos seguintes: «S. ex.ª agradece a annuencia de Stern... e promette em compensação dar-lhe preferencia, em igualdade de circumstancias, no proximo emprestimo que fizer».

Por consequencia a promessa está feita, está aceita e é uma estipulação que se deve cumprir tão religiosamente como todas as demais do contrato, se com este for approvada pelo poder legislativo.

Mas o que é a preferencia?

A preferencia não é possivel se não ha concurso; e o concurso quasi que é impossivel quando ha a preferencia.

É impossivel sem concurso; porque quem diz preferencia em igualdade de circunstancias, suppõe que ha differentes propostas e concorrentes; nem de outro modo haveria logar á comparação e preferencia.

E a preferencia quasi que torna impossivel o concurso; porque poucas pessoas ou nenhumas quererão dar-se ao trabalho e tomar a responsabilidade de fazer uma proposta, com a certeza de estarem fazendo preço para outrem.

A preferencia ainda, poderia estipular se com os correctivos que nos apontou o outro dia o sr. Fontes; ordenando o concurso por carta fechada e limitando a preferencia á hypothese unica de apparecerem duas propostas iguaes, sendo uma d'ellas a da casa preferida.

Estipulada porém de um modo absoluto, como a estipulou o sr. ministro, tem explicação nem correctivo de casta alguma, é uma estipulação absurda e prejudicialissima.

A proposito d'estas questões, appareceu ahi tambem a questão Youle.

Essa questão pareceu-me ao principio uma questão só de legalidade, a discussão mostrou me porém que tambem ahi se envolvia uma questão de moralidade.

Eu não tenho a dizer sobre uma e outra senão duas palavras.

Desde que Knowles & Foster, na sua carta de 28 de agosto, declararam reservadas as 500:000 libras á ordem do governo; Knowles & Foster converteram em titulo escripto a promessa verbal que haviam feito; e o governo ficou inteiramente armado para os obrigar a cumprirem essa promessa, se elles intentassem faltar a ella.

Portanto desde este ponto o lucro das 500:000 libras ficou pertencendo ao estado. Qual teria esse lucro, o mercado o diria; mas qualquer que fosse, grande ou pequeno, maior ou menor, pertencia todo ao estado (apoiados).

E se era do estado, já se vê que nenhum pagamento podia saír d'esses lucros, senão no interesse, e de conta do estado (apoiados).

Isto é clarissimo. Mas como se nega tudo, vejo-me obrigado a ler dois documentos d'onde se mostra que o proprio governo assim o entendeu sempre.

A camara recorda-se do sr. ministro da fazenda lhe dizer que os srs. Knowles & Foster lhe suscitaram a idéa da gratificação Youle saír d'aquelles lucros: que o sr. ministro annuira a isso, auctorisando a ao principio até 1:000 libras approximadamente, e depois até 1:500 libras; e que os srs. Knowles & Foster a arbitraram a final em 2:000 libras.

Tudo isto é verdade, e eu não vou ler á camara, senão o que se seguiu a isto.

Logo que os srs. Knowles & Foster participaram ao sr. conselheiro Brito o arbitramento das 2:000 libras; o sr. Brito officiou-lhe nos termos seguintes:

«Londres, 16 do dezembro de 1862. — Accusando a recepção da carta que vv. s.ªs acabára de dirigir-me com referencia á de 4, na qual vv. s.ªs me participam ter arbitrado ao sr. F. Youle 2:000 libras, como gratificação, em vez de 1:500 libras que, quando muito eu estava auctorisado a conceder, em conformidade do officio do conselheiro director geral da thesouraria do ministerio da fazenda, de 26 do novembro ultimo, a vv. s.ªs communicado; apresso-me a prevenir a vv. s.ªs de que, não me julgando auctorisado a annuir a este arbitramento, apesar das rasões por vv. s.ªs ponderadas na sua carta, e das que vv. s.ªs verbalmente me expozeram a esse respeito para o justificarem; dou hoje conta da carta de vv. s.ªs a s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, cuja resolução não perderei tempo em communicar a vv. s.ªs = Assignado o sr. Guilherme Candido Xavier de Brito.»

A communicação veiu effectivamente; e o que respondeu o sr. ministro, da fazenda a ella? Respondeu porventura que os srs. Knowles & Foster podiam dar dos lucros o que quizessem ao sr. Youle; e que o reparo do sr. Brito era infundado?

Não, senhores. Respondeu o que consta de outro officio do sr. Brito que vou ler. Esse officio é tambem dirigido aos srs. Knowles & Foster, e diz assim:

«Londres, 3 de janeiro de 1863. — Referindo me á minha carta de 16 de dezembro ultimo, em resposta á de s. s.ª da mesma data, ácerca do abono de 2:000 libras ao sr. F. Youle, a titulo de gratificação pelo seu serviço em relação ao emprestimo de 1862; tenho a satisfação de participar a v. s.ª que s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, a quem foi presente aquella correspondencia, se dignou mandar me communicar, pelo conselheiro director da thesouraria do ministerio da fazenda, de 26, que approvava a resolução por v. s.ª tomada, sendo a somma paga áquelle cavalheiro encontrada no lucro das 500:000 libras de bonds reservadas nos termos e para os fins indicados na carta de v. s.ª de 28 de agosto ultimo.»;

O sr. conselheiro Brito julgava-se auctorisado portanto a conceder, note-se bem, a conceder, por conta e ordem do governo, até 1:500 libras; e porque o arbitramento se elevava a 2.000, elle não quiz permitti-lo nem sancciona-lo sem auctorisação expressa do governo.

A auctorisação foi-lhe, e elle approvou então o arbitramento, e auctorisou o pagamento.

E já se vê que se se tratasse de dinheiro pertencente, não ao estado, mas aos srs. Knowles & Foster, nem o sr. Brito se assustaria tanto com o excessivo da gratificação, nem a approvação d'esta ficaria dependente do ministerio da fazenda (apoiados).

O negocio passou-se assim porque se tratava de dinheiro do estado, e só do estado.

E d'esses dinheiros, é ponto sabido e confessado até em certo modo pelo sr. ministro da fazenda que o governo não podia dispor sem previa auctorisação do parlamento.

Se o negocio parasse ahi eu não via em todo elle senão uma questão de legalidade.

Mas se é verdade que o sr. ministro mandou reformar a conta que os srs. Knowles & Foster prestaram da venda das 500:000 libras, e em que se haviam creditado pelo pagamento que fizeram d'aquellas 2:000 libras; se é verdade que o sr. ministro ordenou ou insinuou que esse pagamento se eliminasse da conta, para não constar d'ella, como durante a discussão ouvi asseverar, e em grande parte ouvi mesmo confessar; essa occultação feita com a intenção de esconder aos poderes publicos o pagamento e de fugir á responsabilidade legal d'elle, é um precedente terribilissimo e altamente censuravel, não só pelo que é em si, senão tambem e principalmente pela desconfiança que lança sobre todos os mais documentos emanados das repartições publicas (apoiados).

E quando não só se não nega o facto, mas se pretende até justifica-lo, e não sei se louva-lo, é preciso que nos levantemos todos e protestemos todos contra elle (apoiados).

Para que os documentos publicos nos inspirem confiança é mister que acreditemos que n'elles está toda a verdade e só a verdade.

Se qualquer auctoridade ou mesmo qualquer dos srs. ministros se julga auctorisado a mandar reforma-los com prejuizo da verdade, e para que digam só o que convem, os documentos perdem toda a sua authenticidade, e ainda dos mais verdadeiros nos será licito duvidar.

E esta desconfiança, levada até aos documentos de despeza, torna impossivel a fiscalisação, faz o governo cumplice com os seus empregados na viciação dos documentos publicos, e dá a esses empregados, senão o direito, pelo menos a faculdade de enganarem o governo, do mesmo modo e pelo mesmo motivo por que o governo nos pretende enganar a nós (apoiados).

O sr. ministro da marinha que hontem orou largamente em resposta ao sr. Fontes, e que de certo o seu discurso tratou de tudo, menos d'esta questão, que uma ou duas vezes que pareceu approximar-se d'ella, como que se sentiu sobre brasas, e fugiu tremendo de lhe tocar e de se envolver n'ella (apoiados), que apesar de directamente provocado pelo sr. Fontes para declarar se o governo aceitava a solidariedade n'este ponto, se deteve, e largamente, a explicar-nos porque motivo o governo não era solidario na reforma do exercito, e nem uma palavra nos disse sobre solidariedade ministerial nos factos, aliás importantes, de que o sr. ministro da fazenda está sendo accusado, o que para mim significa o desejo da parte de s. ex.ª de não prejudicar o seu collega, mas tambem de não quinhoar na triste responsabilidade d'elle, e d'esse desejo folgo de prestar-lhe aqui testemunho perante a camara e o paiz (apoiados). O sr. ministro da marinha disse em resposta ao sr. Fontes, que todos nós, que todos os partidos eram historicos, que todos elles se prendiam á historia por um ou outro lado.

E effectivamente assim é. Mas permitta-me s. ex.ª que lhe diga que na historia ha exemplos para tudo: ha historia boa, e historia má (apoiados). E mal irá ao partido que não for buscar os seus modelos a essas grandes acções de virtude e grandeza de alma, que só por si constituem os grandes homens, e honram a epocha que os viu florescer, e o paiz que lhes deu o ser.

Eu tambem pertenço a um partido historico. Mas quer v. ex.ª saber qual é a historia que eu venero, a historia que eu estudo, a que eu desejaria imitar? Eu vou aponta-la em um só exemplo.

Todos nós sabemos as difficuldades em que D. João de Castro se viu na praça de Diu.

Depois de successivos ataques, todos gloriosamente repellidos pelo esforço então invencivel dos portuguezes; a

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cidade achava-se quasi que desguarnecida, e as muralhas arrasadas... A camara comprehende de certo que eu alludo ás muralhas de Diu, e não a essas muralhas da situação que um poetico orador nos dizia aqui o outro dia que não se esboroavam, nem sequer ao som da tuba que fez prostrar as muralhas de Jericó.

D. João de Castro, contemplava pois o destroço e ruinas das muralhas de Diu; e não podia resignar-se a deixa-las por terra, emquanto os inimigos, tantas vezes batidos e repellidos, cobravam animo e reuniam exforços para novos ataques.

Mas as muralhas não podiam levantar-se sem despezas avultadas.

E quando D. João de Castro, recorrendo ao thesouro, o achou exhausto; e recorrendo á sua propria bolsa, a achou vasia, por ter despendido tudo quanto tinha no serviço do estado; virou então os olhos supplicantes para a cidade de Goa, e á camara e povos d'essa cidade pediu vinte mil pardaos.

E quer v. ex.ª saber os termos em que elle os pediu? Escreveu á camara e povos uma carta notavel, na qual, depois de lhes expor o estado de ruina das defezas da praça, a necessidade urgente de repara-las, e a carencia absoluta de meios para o fazer; lhes dizia: «Que tendo mandado desenterrar os ossos de seu filho, D. Fernando, morto na defensa da cidade, para os dar como penhor da quantia que pedia, se não poderam desenterrar por não estarem ainda em estado d'isso; e que por esta rasão cortara as proprias barbas, que ali enviava em penhor.» E como que receiando que ainda isso não bastasse, terminava com as seguintes e memoraveis palavras:

«Eu não possuo oiro (dizia elle), nem prata, nem movel, nem cousa alguma de raiz por onde vos possa segurar vossas fazendas; sómente uma verdade secca e breve que me Nosso Senhor deu.»

E sabe v. ex.ª qual d'estes dois penhores escolheu para si a cidade de Goa? Tornou a enviar, com expressões de profundo respeito e veneração, as barbas valiosas do insigne varão; e guardou para si aquella «verdade secca e breve» que elle dizia ter recebido de Nosso Senhor: e foi sobre essa verdade que a cidade mandou, não só os vinte mil pardaos, senão mais ainda; e mais mandaria se mais podesse ter colhido e levantado no curto praso que a urgencia do caso concedia. Esta, sr. presidente, é que é a historia de que eu sou historico: não o sou, nem o hei de ser nunca, d'aquella historia, em que os governos, em vez da «verdade secca e breve» fazem jogo com a mentira e com a illusão; fingem querer fazer contratos, que já não podem, nem querem fazer; e se applaudem de, pelo engano e pela burla, trazerem interesses pouco licitos ao thesouro.

O sr. ministro da marinha referiu-se tambem ás colligações; e a proposito de algumas palavras que recordou, de um discurso memoravel do sr. José Estevão, notou que alludindo o sr. Fontes á colligação existente entre o partido regenerador, e o cartista ou conservador, commettesse a quasi ingratidão de esquecer um terceiro partido que entrava n'essa colligação, e que, segundo s. ex.ª asseverou, era aquelle a que eu me honro de pertencer.

Sr. presidente, não é a primeira vez que o nobre ministro da marinha provoca explicações sobre este ponto. Eu já as dei uma vez; mas como s. ex.ª parece não as ter comprehendido bem, eu vou dá-las novamente, e farei diligencia por ser bem claro e explicito.

Sr. presidente, o partido a que pertenço, tem-se colligado por diversas vezes, e com diversas fracções do partido liberal; mas sempre em pontos certos e restrictos, e para fins definidos.

Hoje não ha colligação nenhuma de partido a partido; mas quando as tem havido, as colligações têm versado só sobre pontos em que todos nos podemos pôr de accordo; nunca chegaram áquelles em que nós divergimos profunda e radicalmente (apoiados).

E já que o sr. ministro deseja que eu seja explicito, citar-lhe-hei como exemplo, a questão dynastica, na qual era impossivel toda a transacção entre os meus correligionarios politicos e os do sr. Fontes (apoiados).

Estes e outros pontos similhantes, são pontos de dogma para os respectivos partidos politicos; e seria offender-nos a uns e a outros, suppor que cada um de nós abjurava d'elles (apoiados).

Alem da questão dynastica, ha tambem pontos religiosos, e pontos politicos em que não seria facil pôr-nos de accordo.

Mas afóra esses pontos ha outros muitos, em que, por pensarmos todos do mesmo modo, nos encontrâmos unidos e combatemos juntos, sem necessidade até de tratado previo que non reuna e colligue.

E quer s. ex.ª que lhe cite já um exemplo?

Citar-lh'o hei mesmo sem sair da questão.

Todos nós, deputados da opposição realista e da opposição liberal, nos achamos accordes em querer, em pedir, em exigir... decoro e dignidade nos bancos dos srs. ministros (muitos apoiados).

Todos nós condemnamos essa politica doble, que abusa da boa fé dos proponentes, e faz jogo com elles; que diz que é falso ter assignado um contrato que effectivamente assignára; que nega perante nós ter solicitado e aceitado propostas, depois de á propria corôa ter confessado que as aceitára e fizera obra por ellas; e que arrastada por um sestro deploravel de menos franqueza e lealdade, nem aos documentos publicos consente que fallem verdade (apoiados).

Essa politica, toda a opposição, qualquer que seja a sua côr politica, toda a opposição a condemna.

E digo mais — não é só a opposição, a propria maioria a condemna comnosco.

Póde ella não ver nos factos tanto negrume como nós vemos; póde achar-se menos livre do que nós; póde achar-se mais ligada a compromissos, mais interessada na conservação de uma situação que, apesar de todos os pesares, julgue ligada com o interesse do paiz.

Mas, no fundo do seu coração, as suas idéas são as nossas; os seus desejos como os nossos.

E não é só a maioria; o proprio sr. ministro da fazenda acredito que está completamente arrependido do que fez.

Foi um erro, deploravel sim, mas foi um erro que s. ex.ª hoje desejaria e muito não ter praticado. Não o diz, mas sente-o; seria preciso que eu descresse completamente de s. ex.ª para duvidar d'isso.

S. ex.ª podia ter-se poupado, e podia ter-nos poupado a nós, opposição e maioria, a esta desagradabilissima discussão.

Quando se commettem erros d'estes, é melhor ter coragem de largar a vida publica, e ir sepulta-los no lar domestico, do que affrontar a opinião publica do paiz proclamando e sustentando doutrinas de todo o ponto inadmissíveis e insustentaveis.

Como se não procedeu assim, a discussão era inevitavel. A minha phrase tem sido dura, e peço á camara toda que m'a releve; mas depois das doutrinas que vi, e das doutrinas que ouvi, não podia usar de outra senão d'ella.

O sr. ministro da marinha alludiu hontem á transformação successiva dos differentes partidos politicos; pela minha parte espero resistir a essas tendencias de transformação.

Sou hoje o mesmo que sempre fui. E espero na Divina Providencia que conservarei sempre os meus principios immutaveis, e que até ao fim da minha vida poderei apresentar-me como homem de uma só côr, de uma só fé, e digo-o bem alto, de uma palavra só (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

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