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APPENDICE Á SESSÃO N.° 27 DE 16 DE NOVEMBRO DE 1894 467-A

Discurso proferido pelo sr. deputado Manuel Bravo Gomes, na sessão de 20 do novembro, depois de corrigido por s. exa.

O sr. Manuel Bravo Gomes: - Sr. presidente, não uso da palavra n'esta assembléa porque me julgue competente para o fazer, nem por ambição de gloria; seria isso vaidade da minha parte o insconsciencia do pouco que valho. Restabelecer a verdade dos factos e o meu unico desejo e, sendo trio limitada a minha ambição, creio que me será possivel realisal-a.

Antes, porém, de entrar no assumpto para que pedi a palavra, desejo, em breves traços e n'um simples esboço, fazer a apresentação da minha pessoa, visto ser o primeiro anno que venho ao parlamento e a primeira vez que faço ouvir a minha humilde voz diante de uma assembléa tão distincta, onde só vejo, para todos os lados que me volte, cadeiras occupadas for individualidades notaveis, talentos distinctissimos e de uma illustração indiscutivel.

Nas ultimas eleições motivos muito particulares fizeram com que o meu nome fosse escolhido para candidate pelo circulo que hoje represento n'esta casa; motivos particularissimos de gratidão e de uma verdadeira estima para uns e de respeito para outros me obrigaram a acceitar, o que de fórma alguma o teria feito em outras circumstancias, attendendo a incompetencia que me caracterisa e a falta de forças com que me sinto para desempenhar este honroso cargo.

Longe de Lisboa, onde colhi uma educação litteraria muito acanhada e restricta, vivendo em ermo logarejo do baixo Alemtejo, onde a convivencia e um crime e o livro o maior dos contra bandos, v. exa. comprehende bem o quão deslocada e cheia de difficuldades e a minha posição n'esta casa.

Entrando no parlamento tinha o proposito firme e inabalavel de não fazer uso da palavra, limitando-me simplesmente a ouvir os grandes mestres e com elles aprender; rasões ha, porem, que de um momento para o outro, quando menos esperâmos, nos obrigam a abandonar completamente o caminho por nos mesmos tragado e a seguirmos um rumo perfeitamente differente. Foi o que me succedeu, devido as accusações graves, permanentes e constantes feitas ao governo, que não pretendo defender, mas simplesmente justificar-me, visto que o apoio.

Essas accusações, recaindo constantemente sobre o governo, parecem tornal-o o unico responsavel pelo estado pouco favoravel em que nos encontrâmos.

No meu modo de ver, que nada vê, não me conformo, por modo algum, que essa responsabilidade seja do governo, o que diligenciarei provar em poucas palavras.

Uma sociedade eivada de vicios deve fatalmente trazer a desgraça a nação que com ella se fórma.

Em todos os estados constituidos na actualidade, ha duas entidades perfeitamente distinctas, ainda que intimamente ligadas entre si-governantes e governados. Examinemos esta ultima entidade e vejâmos como ella se encontra. Para o fazer preciso ir longe; mas apesar da Jornada ser longa, prometto ser muitissimo rapido e marchar com a velocidade de um expresso, porque não me julgo com direito de prender a attenção da camara por muito tempo, que bem e proficuamente podo ser aproveitado por illustres collegas meus de incontestavel merecimento e de valor provado.

Ha mais de trinta seculos apparece na India, sem se saber de quem, nem como, uma theoria, tão triste, como desconsoladora que inspirando Budha na creação de uma nova doutrina, arrasta comsigo alguns milhares de crentes. Mais tarde, mas ainda antes da era christã, appareceu essa theoria na Grecia, representada apenas por um unico philosopho, de cujo nome me não recordo, porque a minha memoria é infelicissima, para vir depois, no fim do seculo passado e principios do presente, reverdecer com toda a força e viço, tendo como principaes cultores e propagandistas Schopenhauer e Werthmann na Allemanha e Leopardi na Italia. A vida d'estes philosophos se não contra diz tambem não confirma as theorias por elles apresentadas nas suas obras. Assim Werthmann e principalmente Schopenhauer tem uma vida essencialmente optimista, emquanto que Leopardi julga ver a desgraça em toda a humanidade, desgraça que pessoalmente o affectava, devido a duas horrorosas doenças, que desde muito novo o affligiam - a tisica e hydropisia.

Estas theorias philosophicas, pessimismo ou como queiram chamar-lhe, não passam de uma manifestação do estado morbido da alma, ou simplesmente doença de alma, tanto mais perigosa quanto ella reveste um caracter perfeitamente epidemico, e que se não se tinha espalhado em epochas anteriores á falta de vehiculo proprio para a sua propagação, fel-o de uma maneira extraordinaria e rapida no nosso tempo, porque encontrou meios não só em abundancia, mas variados, para essa propagação, como foi o caminho de ferro approximando as grandes distancias, o maior grau de instrucção, mais conhecimento das linguas, e muito principalmente o desenvolvimento da imprensa, fornecendo o livro barato, que vae penetrar nos reconditos mais longinquos do mundo culto. E foi assim que essas theorias, que se achavam fechadas no meio restricto e acanhado de meia duzia de sabios, passaram para os dominios do vulgo, começando depois a degenerar cada vez mais e mais até tomarem uma fórma perfeitamente curiosa e original, isto é, o pessimismo a respeito de tudo e de todos, menos de nos mesmos, o que na verdade não e mais nem menos que o egoismo, desgraçada, mas unica qualidade que em geral, distingue o individuo de hoje, e portanto, a nossa sociedade. Os males terriveis, verdadeiras chagas da alma, que d'ahi resultam, não preciso descrevel-os, não só porque v. exa., como pratico da vida, os conhece melhor do que eu, mas até mesmo porque para o fazer seria necessario que eu podesse manejar a vontade o pincel maravilhoso de Ribera, uma penna privilegiada, ou ainda a eloquencia brilhante de Antonio Candido, que admiro ate ao enthusiasmo e que por mais de uma vez me tem arrastado nos seus arrojados voos do pensamento.

Tambem não entrei em divagações por me parecerem desnecessarias, não só pela rasão que já expuz, como tambem porque o assumpto e tão vasto que, se não cabe n'um grosso volume, menos na fórma acanhada de um discurso, e muito menos ainda nos limites da minha humilde e singela palestra.

Fazendo, porem, o que fiz, parece me ter demonstrado, ou pelo menos justificado, a rasão por que disse que não me conformo com as graves accusações feitas ao governo, como se elle fosse realmente responsavel pelos erros e defeitos de uma sociedade inteira.

Portanto, não sei que mais fazer, se lamentar este estado desgraçado de cousas, se admirar a energia e a coragem do governo, a sua dedicação pela causa publica, e em especial a qualidade essencialmente optimista que o reveste. Podia, se quizesse provar o que acabo de dizer, mas não preciso, porque o proprio ministerio se encarrega de o fazer polo proceder de cada um dos seus membros; assim prova-o a boa vontade do sr. ministro da marinha, apresentando uma proposta de lei tendente a levantar a nossa marinha de guerra, unica maneira de conservar as nossas colonias e tambem a nossa nacionalidade, a nossa independencia, a nossa autonomia. (Apoiados.) Prova-o tambem o sr. ministro da justiça, mostrando conhecer bem o estado da nossa sociedade quando com a sua proposta

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