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«Art. 4.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução do presente decreto.»

Eu não comprehendo como se possa d'aqui inferir que estas disposições ampliam as faculdades do governo em materias de contabilidade publica. E se tal cousa estivesse escripta no decreto, que não está, acabava-se ahi escripta uma disposição que não podia escrever-se, e que não podia ter execução, porque o governo não podia conferir a si mesmo faculdades que pela constituição lhe não competem.

Mas se muitas das disposições do regulamento geral de contabilidade de 12 de dezembro do anno passado se podem considerar regulamentares, e se podem considerar como execução e desenvolvimento dos preceitos do decreto de 19 de agosto de 1859, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu pergunte ao sr. ministro — se porventura está n'este caso a disposição dos artigos 41.° e 42.°?

Dizem elles o seguinte:

«Art. 41.° A lei annual das receitas deverá conter a auctorisação para o governo poder representar, dentro do respectivo anno economico, uma parte dos rendimentos por ella votados, e realisar sobre a sua importancia as sommas em dinheiro de que carecer para fazer face aos encargos do serviço publico.

«Art. 42.° Quando se der o caso da existencia de um deficit no orçamento geral do estado, a lei annual das receitas auctorisará o governo a supprir, pelos meios extraordinarios que a mesma lei deve indicar, a differença entre a receita e a despeza do respectivo anno economico.»

Pergunto — se determinar as condições da lei da receita os termos em que o parlamento ha de legislar, póde caber de modo algum em disposições regulamentares? Isto é legislar, e é quasi constituir.

Quanto ás prescripções que se encontram no artigo 60.°, que dão e tiram direitos aos credores do estado, não sei quem contestará que são tambem materia legislativa, pura e exclusivamente legislativa.

Diz o artigo 60.°: «São prescriptos e definitivamente extinctos em proveito do estado, todos os creditos que não tendo sido pagos antes da annullação das ordens de pagamento, respectivas ao exercicio a que pertencerem, não fossem por falta de reclamação ou justificação sufficiente liquidados, ordenados e satisfeitos no praso de cinco annos, contados da data da abertura do mesmo exercicio.

«§ 1.° Exceptuam-se os creditos pertencentes a menores e a outros que pelas leis do reino gosam do direito de restituição.

«§ 2.° Para os credores residentes fóra do territorio europeu o praso da prescripção é de seis annos».

Aqui estabelecem-se, dão se e tiram-se direitos. Eu não quero agora prevenir a resposta do sr. ministro, nem sei qual ella será. Se depois tiver a palavra, usarei d'ella para desenvolver este ponto. Mas sustento que no regulamento se estabelecem prescripções que não estão nas nossas leis.

Vamos ao artigo 67.º Mas primeiro direi á camara que eu bem sei onde se foi buscar a disposição d'este artigo.

O nobre ministro conhece-o, e até ahi tambem vão os meus apoucados conhecimentos. Sei bem qual é a fonte d'estas disposições: é o regulamento geral de contabilidade francez de 31 de maio de 1838; mas duvido muito que estejam lá bem comprehendidas.

Seja me licito n'esta parte ter uma opinião que não se conforma inteiramente com a dos seus illustres compiladores, porque n'esse regulamento geral de contabilidade não se prescrevem só regias de contabilidade, mas prescrevem-se tambem regras de pura administração, e de administração de ramos que em grande parte não pertencem mesmo ao ministerio da fazenda; estabelecem se regras para o concurso de obras publicas, regras para os fornecimentos ao estado, etc.

Mas diz o artigo 67.°: «Em regra, todas as obras de novas construcções, seja de que natureza forem, devem ser feitas por meio de concurso publico».

E diz o artigo 68.°: «A regra estabelecida no artigo antecedente soffre as seguintes excepções:

«1.ª Construcções navaes;

«2.ª As obras que por sua natureza e importancia não podendo estar sujeitas, sem inconveniente, a uma concorrencia illimitada, convindo por isso submette-las a restricções que não admittam ao concurso senão pessoas previamente reconhecidas pelo governo com os requisitos necessarios para as executarem, não offereçam em resultado das propostas dos concorrentes em praça preços razoaveis ou garantias seguras.

«3.ª As obras cujo custo não exceder a quantia de réis 1:500$000.»

Serão isto regras legislativas ou não? Serão isto regras de administração ou não? Em que leis anteriores achou o sr. ministro consignadas estas regras? Eu não digo se são boas ou más, noto apenas de passagem que é facil estabelecer em um artigo uma regra geral de concurso, que no seguinte se deixa ao arbitrio do governo supprimir o concurso. Mas sem discutir se a regra é boa ou má, e se a excepção está ou não bem definida, pergunto se isto são ou não prescripções legislativas sobre materias de administração?

Diz o artigo 70.°: «É perfeitamente applicavel aos fornecimentos para o serviço do exercito e da marinha, ou para qualquer outro serviço publico, a regra estabelecida no artigo 67.° d'este regulamento.»

Quer dizer — para fornecimentos do exercito e da marinha ha de haver concurso. Bem, nas nossas leis já o havia. Mas diz o

Ǥ unico. Exceptuam-se:

«1.° As compras de objectos para o expediente do serviço das repartições do estado, que são pagas pelas sommas destinadas ás despezas miudas das mesmas repartições, e em geral os fornecimentos cuja despeza não exceder a quantia de 1:500$000 réis.

«2.° Os fornecimentos que, em casos de reconhecida urgencia determinada por circumstancias imprevistas, não possa soffrer a demora da adjudicação em praça, ou que, por motivo de interesse do estado, não convenha fazer-se em hasta publica.»

Aqui temos nós no final do n.° 2.º do paragrapho uma larga excepção — ou que por motivo de interesse do estado não convenha fazer-se em hasta publica.

De certo, nunca se póde suppor que o governo resolva a não ser por interesse do estado; nenhum governo fará o contrario; e a ninguem mesmo seria licito suppor que o governo não tomasse qualquer resolução no interesse do estado como elle o entende. Mas desde o momento em que elle é o unico juiz d'esse interesse esta disposição quer dizer — haverá concurso ou não, conforme os ministros entenderem mais conveniente. Nem mais nem menos.

Ora esta auctorisação ao poder executivo para contratar fornecimentos em praça ou fóra de praça será materia de regulamento de contabilidade? Não me parece.

Eu creio portanto que não posso pôr a minha questão mais modestamente do que nos termos em que a ponho. O que para mim é certissimo apresento-o como duvida; as duvidas pedem exame; e é só o exame que requeiro á camara, é só o exame que solicito d'ella. E ouso esperar que o sr. ministro da fazenda, embora possa não concordar com todas as minhas observações, se não opporá pela sua parte, e não negará o seu voto á minha moção de ordem, quer dizer, a que o assumpto seja examinado.

Eu já fui ministerial tambem, já fui ministerial mesmo ao lado do illustre ministro da fazenda. S. ex.ª sabe perfeitamente — que n'aquelle tempo em que militámos nas mesmas fileiras politicas não era costume, e estimarei que não o seja nunca, negar-se o exame de questões d'esta ordem (apoiados), negar-se a sujeição d'ellas á prerogativa parlamentar, muito principalmente quando são questões que importam a divisão dos poderes (apoiados); divisão dos poderes, que é, segundo a doutrina expressa da carta constitucional, a primeira e a fundamental base do systema representativo (apoiados).

Termino por agora. Espero a resposta do sr. ministro, e se for necessario novamente pedirei a palavra.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — O illustre deputado começou dizendo que = não queria dar nenhuma feição politica a esta questão; mas queria unicamente que a camara examinasse, estudasse se effectivamente havia ou não no regulamento de contabilidade, publicado pelo governo, alguma disposição que importasse exorbitancia do poder executivo. Não queria fazer censura nem critica, não obstante não ter duvida, para si, em que effectivamente n'aquella parte se havia exorbitado =.

Eu faço completa justiça ás intenções do nobre deputado, e acredito que a paixão não o anima de certo n'este momento; mas fazendo eu completa justiça a s. ex.ª não posso deixar de reconhecer, e a camara tambem, que quaesquer que sejam as declarações que se façam de parte a parte, as cousas são o que são, e têem a significação que devem ter (apoiados), embora quem as apresente lhes queira dar uma outra feição e outro caracter, inteiramente inoffensivo e innocente, e só com o intuito de examinar a questão.

Eu sou tão partidario como o nobre deputado, e fazendo justiça a todos os meus collegas, como todos nós, da divisão dos poderes (apoiados), que é um fundamento da constituição do estado (apoiados); nenhum de nós contesta, nem póde contestar, esse principio; nem d'isso se trata. Do que se trata é de manter cada poder dentro da esphera das suas attribuições.

Se é um principio que o poder executivo não deve invadir as prerogativas do poder legislativo, igual principio é que o poder legislativo não deve invadir as prerogativas do poder executivo (apoiados), quando elle se exerce dentro da esphera das suas attribuições; porque se assim não fosse poderia n'um caso haver suspensão no direito de fazer leis, no outro como poderia haver suspensão no direito de administrar, entorpecimento e desordem na administração publica, e eliminação do principio sobre o qual se deve basear a responsabilidade ministerial (apoiados).

Portanto é necessario attender a toda esta ordem de principios, e não considerar a divisão dos poderes só em referencia a um dos ramos dos poderes do estado (apoiados).

O nobre deputado não quer dar feição politica a esta questão, e quer unicamente que a camara a examine muito bem.

Ha ao lado d'esta questão de divisão uma questão de fórma.

Pergunto: é esta a fórma regular por que uma camara deve examinar os actos do poder executivo, quando elle julga havê-los praticado dentro da esphera das suas attribuições? Não é (apoiados).

O poder executivo decretou uma medida, um regulamento, na convicção de que estava dentro da esphera das suas attribuições. De duas uma, ou o poder executivo decretou bem, tinha fundamento para o fazer, e a camara não tem que se occupar d'este assumpto, porque o poder executivo empregou a sua acção dentro dos limites das leis, e a camara não tem que examinar esse regulamento debaixo d'este ponto de vista, ou elle exorbitou, infringiu alguma lei n'um ou outro artigo.

N'esse caso qual é a marcha a seguir? O deputado que entende que o governo infringiu a lei n'um ou n'outro ponto, que exorbitou, formula os pontos em que a lei foi violada, em que o governo exorbitou, e apresenta a sua proposta; essa proposta vae á commissão de infracções, e a commissão resolve se o governo deve ser accusado ou merece bill de indemnidade.

Esta é que é a marcha regular (apoiados).

Se o simples facto de um deputado ter duvidas sobre se em um regulamento ha um ou outro artigo em que o poder executivo exorbitou, fizesse com que o regulamento inteiro fosse entregue ao exame de uma commissão, dizia-se n'um dia: «O regulamento está entregue ao exame da commissão, entregue ao juizo da camara». No dia seguinte vinha uma proposta expressa nos termos de se suspender a execução do regulamento por esse motivo (apoiados); e dir-se-ía: «Lá está o regulamento entregue ao exame da camara, isso prova que elle não presta».

Estou convencido que o sr. Casal Ribeiro não fez a sua proposta senão com a idéa da commissão examinar aquelles pontos sobre os quaes s. ex.ª tem duvidas; mas peço a s. ex.ª que se lembre — se a camara annuir aos desejos do nobre deputado s. ex.ª vê no dia seguinte, com pasmo seu, apparecer uma proposta para a suspensão do regulamento interno... (O sr. Casal Ribeiro: — Peço a palavra.), porque está entregue ao exame de uma commissão (apoiados); e pergunto — este é o modo regular do poder legislativo fiscalisar se o poder executivo andou bem ou mal? Não me parece, porque assim ía tolher-se a marcha administrativa do governo (apoiados). Pois por um ou outro sr. deputado duvidar se uma ou outra disposição de um regulamento tem materia legislativa ha de immediatamente a camara resolver que o regulamento seja avocado e examinado por uma commissão? Repito, não póde ser; porque assim ía-se tolher, sem mais formalidade, a acção do poder executivo em muitos dos ramos da administração, e o governo do estado deixaria de exercer o seu direito dentro da esphera das suas attribuições (apoiados). Entendo portanto que esta não é a marcha regular. Se no regulamento ha alguma cousa, algumas disposições (na minha convicção reputo que não ha), em que o governo exorbitasse, em que o governo violasse alguma lei, formule-se a accusação n'essa parte, e se não querem mesmo dar-lhe uma fórma tão acre, tão violenta, formule-se a duvida que ha, e peça-se que vá á commissão de infracções, e esta depois apresentará o seu parecer censurando o governo ou propondo um bill de indemnidade, caso que se não queira atacar o governo.

Isto é o que me parece a marcha regular, e não se tolhe a execução completa de um regulamento, e não se vae prender a acção administrativa do poder executivo antes de estar decidido se effectivamente n'uma ou noutra disposição houve violação de lei (apoiados). Portanto a questão pelo modo que a apresentou o nobre deputado, sem elle querer, repito, porque faço completa justiça ás suas intenções, tomava um caracter politico, porque dizia-se: «A camara mandou o regulamento a uma commissão»; e isto importa um voto de censura ao ministro que publicou esse regulamento (apoiados). Era a illação que immediatamente se tirava no dia seguinte, não s. ex.ª, porque é incapaz de faltar ao que diz, mas outros que não tivessem a mesma responsabilidade de s. ex.ª tirariam essa illação.

Não quero dizer tambem, que para sustentar o principio politico; para se não dar um voto de censura ao governo, se admitta tudo quanto está no regulamento como legal (que o é segundo me parece); examine, se se quer; mas examine-se segundo as formulas constitucionaes, e então a proposta tem de ser redigida n'outros termos, para se não entorpecer a acção regular do poder executivo (apoiados).

Disse s. ex.ª: «a minha moção não significa uma censura; não significa uma critica». Agradeço a sua benevolencia para comigo; significa unicamente uma duvida. Pois a camara comquanto respeite muito, como respeita, o nobre deputado, ou qualquer outro dos nobres deputados, póde estar aqui constituida em synedrio, ou em capitulo definitorio, para decidir as duvidas de um ou outro deputado? (Apoiados.) Não póde ser. Se o nobre deputado tiver duvidas tem uma formula regular para que a camara as possa attender; e n'esses termos a camara tomará conta d'ellas. Se fossemos resolver as duvidas que cada um póde ter, a camara occupar-se-ía de assumptos que lhe deviam ser extranhos, e andaria de um modo pouco regular (apoiados).

S. ex.ª teve a bondade da dizer que concordava com muitas das disposições do regulamento, e que mesmo n'aquellas em que lhe parece haver menos legalidade, não censura a doutrina; fez unicamente questão da fórma, e julgou que o governo do estado não estava dentro da orbita das suas attribuições, publicando-as. Isto até certo ponto já devia dar uma certa segurança á camara de que o regulamento não é tão mau, que não mereça a approvação de um homem tão distincto e de competencia especial, como s. ex.ª o sr. Casal Ribeiro. As duvidas que tem são unicamente com relação á fórma, é uma questão de legalidade. Já vê a camara que não é uma questão de essencia, de doutrina com respeito á materia do regulamento; e sem eu querer tirar o valor d'essa questão de legalidade, que o tem, e muito nos governos constitucionaes; sem querer, digo, tirar o valor que essa questão póde ter, e tem, é evidente que a execução do regulamento não tem os mesmos inconvenientes que teria se a sua doutrina fosse impugnada (apoiados).

Disse s. ex.ª que esta medida, já tinha sido premeditada em seu tempo, e que existia um trabalho de uma commissão a este respeito, e que s. ex.ª a tinha querido mesmo decretar, e leu, para assim o provar, um excerpto de uma folha do seu relatorio, que precede os decretos n.ºs 1 e 2 de 19 de agosto de 1859, acrescentando que não a tinha decretado por não julgar que o governo estivesse sufficiente mente habilitado para isto.

Ora, se isto prova a duvida que s. ex.ª teve, por outra parte como confirma a illação, que depois apresentou, de que não tinhamos ainda progredido bastante? Pois estamos