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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 6 DE FEVEREIRO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 64 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Garcia de Lima, Annibal, Soares de Moraes, A. B. Ferreira, Sá Nogueira, Quaresma, Eleuterio Dias, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazziotti, Mello Breyner, Lemos e Napoles, Pinheiro Osorio, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Palmeirim, Barão das Lages, Barão do Vallado, Freitas Soares, Albuquerque e Amaral, Almeida e Azevedo, Cyrillo Machado, Cesario, Claudio Nunes, Bivar, Coelho do Amaral, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Pulido, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. da Costa Xavier, J. J. de Azevedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Mello e Mendonça, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Galvão, Silva Cabral, Alves Chaves, J. M. de Abreu, Costa e Silva, Frasão, Rojão, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Oliveira Baptista, Julio do Carvalhal, Levy Maria Jordão, Camara Leme, Alves do Rio, Sousa Junior, Murta, Pinto de Araujo, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães e Thomás Ribeiro.

Entraram durante a sessão — Os srs. Affonso Botelho, Vidal, Braamcamp, Ayres de Gouveia, Carlos da Maia, Correia Caldeira, Gonçalves de Freitas, Fontes Pereira de Mello, Pereira da Cunha, Pinto de Albuquerque, Zeferino Rodrigues, Barão de Santos, Abranches, Beirão, Carlos Bento, Ferreri, Conde da Torre, Domingos de Barros, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Barroso, Izidoro Vianna, F. M. da Cunha, Cadabal, Blanc, Silveira da Mota, Mártens Ferrão, Fonseca Coutinho, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Rodrigues Camara, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, José da Gama, Sette, José Guedes, Casal Ribeiro, Silveira e Menezes, Menezes Toste, Batalhós, Mendes Leal, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Mendes Leite, Pereira Dias, Vaz Preto, Mariano de Sousa, Charters, Fernandes Thomás e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. Adriano Pequito, Abilio, Ferreira Pontes, Seixas, Arrobas, Antonio Pequito, Lopes Branco, David, Barão da Torre, Barão do Rio Zezere, Garcez, Oliveira e Castro, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Sepulveda Teixeira, Conde da Azambuja, Cypriano da Costa, Poças Falcão, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Fernandes Costa, Ignacio Lopes, Gavicho, Bicudo, Chamiço, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Gomes de Barros, Henrique de Castro, Nepomuceno de Macedo, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Joaquim Cabral, Ferreira de Mello, Torres e Almeida, Simas, Faria Guimarães, Infante Pessanha, Figueiredo de Faria, D. José de Alarcão, Latino Coelho, Alvares da Guerra, Gonçalves Correia, Camara Falcão, Freitas Branco, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Moraes Soares, Simão de Almeida, Teixeira Pinto e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Uma declaração do sr. Pinto de Albuquerque, de que o sr. Joaquim Caldeira de Albuquerque não compareceu á sessão de hontem, e não comparece á de hoje e a mais algumas por motivo justificado. — Inteirada.

2.º Um officio do sr. A. J. de Seixas, participando que não póde assistir á sessão de hoje e a mais algumas, em consequencia de ter fallecido hontem sua esposa. — Mandou-se desanojar.

3.° Do ministerio da guerra, participando, em satisfação de um requerimento do sr. José de Moraes, que alem do sr. Palmeirim, que foi promovido a major general, por assim lhe competir por antiguidade, nenhum outro sr. deputado obteve despacho por este ministerio. — Para a secretaria.

4.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando cento e cincoenta exemplares das contas da gerencia d'este ministerio do anno economico de 1861-1862. — Mandaram-se distribuir.

5.° Uma representação dos delegados do procurador regio nas comarcas de Extremoz e Fronteira, pedindo uma lei que leve aos supplicantes, para se contar a sua antiguidade, o tempo que estiveram demittidos por motivos politicos. — Á commissão de legislação.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.° Requeiro se peça ao governo uma relação dos officiaes militares que se acham empregados em serviços estranhos ao ministerio da guerra, na qual se designem estes serviços, e os vencimentos que percebem pelo mesmo ministerio. = Antonio Cabral de Sá Nogueira.

2.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos, com urgencia, a esta camara os documentos seguintes:

I As investigações (ou declarações juradas) a que têem procedido alguns administradores nos concelhos do districto de Villa Real, especialmente no da Regua, ácerca de factos praticados pelos individuos que, nas eleições municipaes de 22 de novembro passado, estiveram em opposição ás auctoridades na referida eleição;

II O relatorio ultimamente apresentado pelo governador civil de Villa Real á junta geral do districto;

III As representações das camaras municipaes ultimamente eleitas, ou outras quaesquer que tenham subido ao ministerio do reino, pedindo a conservação do governador civil do districto de Villa Real. = Pinto de Araujo.

NOTAS DE INTERPELLAÇÃO

1.ª Desejamos interpellar s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas ácerca da urgente necessidade de se continuar a estrada de Thomar, em direcção aos Cabaços e Espinhal, porque foi sempre das estradas mais frequentadas, e hoje tanto mais depois que o caminho de ferro passa na Barquinha. = O deputado, Simão Maria d'Almeida = M. Osorio Cabral = Antonio Eleuterio Dias da Silva = Antonio Carlos da Maia = Pedro A. Monteiro Castello Branco = Antonino J. R. Vidal = Adriano Pequito Seixas de Andrade.

2.ª Desejo interpellar a s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas sobre o estado em que vae a obra da nova alfandega da cidade do Porto, e a solidez que este edificio dá esperança de ter; assim como se o porto da foz do Douro se conserva, depois d'estas obras começadas, nas mesmas condições que tinha antes. = Lopes Branco.

3.ª Desejo interpellar s. ex.ª o sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre se houveram propostas de algum governo estrangeiro, para Portugal lhe ceder, por qualquer modo, alguma porção de territorio em alguma das suas provincias ultramarinas, ou lhe permittir, para algum fim, o uso d'elle, perpetuo ou temporario.

Desejo ao mesmo tempo interpellar o mesmo sr. ministro sobre se existe alguma proposta ou exigencia de algum governo estrangeiro, para lhe ser permittida a occupação militar, ou ter guarnição em alguma parte do territorio portuguez do continente ou das ilhas adjacentes e provincias do ultramar. = Lopes Branco.

4.ª Desejo interpellar a s. ex.ª o Sr. ministro do reino sobre se o governo tem tenção de propor ou consentir em alguma medida, que tenda a diminuir algum dos ramos do ensino das escolas polytechnica e medico cirúrgica da cidade do Porto, ou se está resolvido a manter ambas no mesmo pé em que actualmente se acham montadas, e forem augmentando as duas escolas correspondentes de Lisboa. = Lopes Branco.

Mandaram-se fazer as communicações respectivas.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° São applicaveis ás ilhas dos Açores e da Madeira as disposições contidas na proposta de lei de 19 de janeiro de 1864 para a abolição do monopolio do tabaco, salvas as alterações comprehendidas nos artigos seguintes.

Art. 2.° De 1 de maio de 1864 em diante é livre nas mesmas ilhas a cultura, fabrico e venda do tabaco.

Art. 3.° É permittida a importação do tabaco estrangeiro sómente pelas alfandegas maiores.

Art. 4.° A reexportação do tabaco não dá logar a restituição alguma de direitos.

Art. 5.° O tabaco quer seja produzido, quer importado nas referidas ilhas, só póde ser admittido a despacho nas alfandegas do continente do reino em concorrencia com o tabaco estrangeiro.

Art. 6.° Não é applicavel ás sobreditas ilhas a disposição do § 2.° do artigo 8.° da precitada proposta de lei.

§ unico. Não é igualmente applicavel a disposição do referido artigo 8.° in principio aos cultivadores que venderem tabaco da sua producção.

Art. 7.° A differença que houver entre a importancia dos direitos e imposições que se cobrarem por virtude da presente lei, e a somma de 10:000$000 réis em que é computado o actual rendimento liquido do tabaco nas mencionadas ilhas, será paga pelos cultivadores do tabaco na proporção da area de cultivo e producção respectiva, regulando o governo o modo mais conveniente de fazer esta distribuição e de effectuar a cobrança.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 5 de fevereiro de 1864. = Joaquim Thomás Lobo d'Avila.

Foi enviado á commissão de fazenda.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, approvando o projecto de lei do governo, que tem por fim interpretar as disposições do artigo 4.° da carta de lei de 8 de julho de 1843.

Já que tenho a palavra usarei d'ella tambem para mandar para a mesa um requerimento dos empregados da alfandega municipal, pedindo que a percentagem dos seus emolumentos seja igualada á dos empregados das outras alfandegas.

Entre os argumentos que apresentam estes funccionarios ha a natureza do serviço que fazem, porque effectivamente estes empregados trabalham todos os dias do anno, sem terem um dia santo ou um domingo livre, e trabalham desde o romper do sol até ao pôr do sol. É um trabalho arduo, e por isso entendo que esta petição está no caso de ser attendida.

Em todo o caso rogo a v. ex.ª a bondade de a remetter á commissão competente.

O sr. Monteiro Castello Branco: — Vou mandar para a mesa um requerimento para que, pela secretaria respectiva, se peça ao sr. ministro das obras publicas informação sobre o estado era que se acham os estudos e trabalhos em relação á directriz da estrada de Coimbra á Portella pela margem direita do Mondego. Talvez pareça pouco desacertado este modo de pedir, mas vou dar a rasão por que procedo d'esta fórma.

Esta questão já por vezes foi trazida perante esta assembléa, é sempre se tem manifestado o desejo de se resolver este negocio, construindo se esta estrada; por isso entendi que devia servir-me d'este meio, para que o sr. ministro das obras publicas venha expor á camara o estado em que se acha esta estrada.

Mando o meu requerimento para a mesa; e desejo que seja expedido com toda a urgencia.

É o seguinte:

REQUERIMENTO

Requeiro que, pela secretaria d'esta camara, se peça ao sr. ministro das obras publicas nos informe do estado dos estudos e trabalhos para a construcção da estrada entre Coimbra e a Portella pela margem direita do Mondego.

Sala das sessões, 6 de fevereiro de 1864. = O deputado, Monteiro Castello Branco.

Foi enviado ao governo.

O sr. Garcia de Lima: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento dos segundos amanuenses da repartição de fazenda do districto de Bragança, em que pedem ser equiparados em vencimentos aos amanuenses do governo civil.

Igual petição têem feito outros empregados da mesma ordem, e que tem sido apresentada á camara. Entendo que o que estes empregados pedem é um acto de justiça, que eu terei occasião de fundamentar quando a commissão apresentar o seu parecer.

O sr. Pinto de Araujo: — Eu tinha de fazer algumas considerações a respeito de varios acontecimentos que ultimamente tiveram logar no districto de Villa Real, mas desejava que para esse fim estivesse presente algum dos membros do gabinete; e como nenhum está presente, pedia a v. ex.ª que me reservasse a palavra para quando algum dos srs. ministros estiver presente, porque é n'essa occasião que eu desejo fallar.

O sr. Visconde de Pindella: — Pedi a palavra para requerer a v. ex.ª que, logo que fosse possivel, e sem que fossem prejudicados outros objectos que estão em primeiro logar, desse para discussão o projecto de lei n.° 165 da sessão passada, que diz respeito a pensões, porque entendo que estas pensionistas têem o mesmo direito e igual justiça que aquellas, cujas pensões lhe foram votadas na sessão passada. Por consequencia parece-me justo o meu pedido, e como tal o recommendo a v. ex.ª

Por esta occasião não posso deixar de unir a minha voz á do meu illustre collega e amigo, o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, relativamente aos segundos sargentos que serviram a junta do Porto (apoiados).

Eu, com a franqueza que sempre tenho, e guardando a deferencia que devo a todos os meus collegas, não posso deixar de sentir que a illustre commissão de guerra, chamada por duas vezes a dar informações sobre este negocio, nenhum dos seus membros tenha tido a bondade de pedir a palavra e responder a este respeito, porque ainda mesmo quando uma commissão dá uma resposta só para satisfazer, ainda que se decida o negocio, é uma cousa que sempre satisfaz, e que pelo menos dá esperanças de que aquelle negocio se possa resolver; mas estarem na camara alguns membros da commissão, ser ella chamada a dar uma resposta, e não responder, é uma cousa que me custa.

O sr. Camara Leme: — Peço a palavra por parte da commissão de guerra.

O Orador: — Faço ponto nas minhas considerações, por saber que o meu amigo, o sr. Camara Leme, nos veiu tirar de uma posição pouco agradavel; e o que é estar a chamar constantemente a attenção de uma commissão, e ella não se dignar responder!

Não sei mesmo se na illustre commissão existe algum projecto, ou se lá existe o que não passou na outra camara, sobre os segundos sargentos que serviram a junta do Porto. Sobre isto é que eu pedia uma resposta do meu amigo, o sr. Camara Leme.

Emquanto á justiça que assiste a estes individuos, isso já está dito, e creio que é escusado repetir ou insistir no que a camara toda sabe; mas o que me parece que nós devemos saber é — se esta questão andará, porque entendo que é de alta justiça que ande, e que deveria ter já andado, assim como andou com relação aos primeiros sargentos; e eu julgo que não se devia partir esta questão ao meio, e que a mesma justiça que têem uns têem os outros, porque estão nas mesmas circumstancias (apoiados). Em virtude da resposta que der o illustre membro da commissão de guerra, hei de fazer mais algumas reflexões, se v. ex.ª me conceder a palavra.

O sr. Camara Leme: — Eu já n'uma das sessões passadas, quando o meu illustre collega, o sr. Sant'Anna, chamou a attenção da commissão de guerra para este objecto, disse o que havia de dizer a este respeito. E repetirei agora o que então disse.

A commissão de guerra, quando se tratou do projecto dos sargentos da junta do Porto, ampliou aquelle principio aos segundos sargentos, e esta camara approvou essa idéa (apoiados).

Este negocio foi depois á camara dos dignos pares, e ahi foi approvado, apenas o projecto inicial do governo, excluindo os segundos sargentos que, como muito bem disse o illustre deputado, tinham o mesmo direito que os primeiros (apoiados).

Já vê o illustre deputado que a commissão tanto está concorde n'esse principio, que a sua opinião foi — que se estendesse tambem aos segundos sargentos. Eu não posso dizer ao meu illustre amigo, o sr. visconde de Pindella, qual seria a resolução da commissão; mas estou persuadido de que não póde ter opinião differente d'aquella que já consignou

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no seu parecer, resolvendo este negocio de uma maneira satisfactoria para o nobre deputado e para a camara.

O sr. Palmeirim: — Pedi a palavra para declarar ao nobre deputado que a commissão de guerra não tem thema para dar o seu parecer sobre o negocio a que s. ex.ª se referiu.

A camara dos dignos pares approvou unicamente o projecto inicial do governo, como muito bem disse O sr. Camara Leme, rejeitando a ampliação que esta camara lhe tinha feito.

Esta camara aceitou as alterações feitas pela camara dos dignos pares, e portanto não ha motivo para se trazer uma nova opinião.

O sr. Visconde de Pindella: — Isso é o que desejavamos saber.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Mando para a mesa uma representação dos parochos dos concelhos de Alcacer do Sal, Grandola e S. Thiago do Cacem, pedindo que se attenda á posição desgraçada era que se acham os sacerdotes que estão parochiando, e têem muita rasão n'aquillo que pedem.

Eu já na ultima vez, que tive a honra de levantar a voz n'esta casa, senti que não estivesse presente o sr. ministro da justiça para chamar de novo a sua attenção, como já tenho feito muitas vezes e igualmente muitos dos meus illustres collegas, sobre a questão das congruas parochiaes.

Torno de novo, por occasião de remetter esta representação para a mesa, a chamar a attenção do sr. ministro da justiça sobre este assumpto, ainda que não esteja presente; mas emfim esse é o unico meio que tenho de me dirigir ao governo.

É singular que nenhum dos srs. ministros appareça aqui antes da ordem do dia. O governo não vem aqui senão quando tem questões que podem embaraçar a conservação ministerial, e só á hora em que se discutem e votam essas questões; fóra d'isso os negocios de interesse publico que interessam classes respeitaveis, mas que não interessara a casa ministerial, não podem ser tratados senão do modo improfícuo, como estou tratando este, na ausencia do sr. ministro, sem poder obter resposta alguma.

Eu, reunindo o meu voto aos dos signatarios d'esta representação, peço instantemente que se trate d'este negocio, e não peço nada ao governo; mas peço á camara que trate d'este importante assumpto (apoiados), porque os parochos não são menos attendiveis que quaesquer outros servidores do estado (apoiados); pelo contrario, é a primeira e a mais respeitavel das classes dos servidores do estado.

Portanto é preciso que elles tenham garantia, que tenham futuro, que tenham posição e que tenham pão na velhice (apoiados); porque esta veneranda classe não merece me nos do que todas as outras. Portanto é preciso que a camara resolva esta questão.

Esta representação indica algumas disposições que estes parochos entendem que podem com vantagem introduzir se na lei da dotação do clero, e a camara que não deseja senão illustrar-se para votar conscienciosamente em materia tão importante, não deixai á de querer tornar conhecimento das idéas apresentadas por este:, dignos prelados; e portanto pedia a v. ex.ª que, pela auctoridade da mesa, se entender que cabe nas suas attribuições, ou consultando-se a camara se for preciso, se mandasse imprimir no Diario de Lisboa esta representação, a fim de que todos os srs. deputados possam ter conhecimento das idéas que apresentára estes parochos.

Mandei ha tres dias para a mesa um requerimento pedindo que fosse impresso em separado, e distribuido pelos srs. deputados, o relatorio do sr. Antonio José d'Avila, relativo ao tabaco; documento a que se referiu o sr. ministro da fazenda no seu relatorio sobre a mesma questão, e que póde dar muita luz na discussão (apoiados).

Muitos srs. deputados já não têem o Diario em que se acha esse documento, e portanto pedia a v. ex.ª que mandasse dar expediente ao meu requerimento, que julgo o não tem tido por não ter assistido ás ultimas sessões.

O sr. Presidente: — Eu vou consultar a camara sobre o requerimento do sr. deputado.

Resolveu se que se mandasse imprimir o relatorio apresentado em 1857 pelo sr. Antonio José d'Avila sobre o tabaco.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — O sr. Palmeirim declarou ha pouco que na commissão de guerra não havia thema sobre que se tomasse uma resolução a respeito dos segundos sargentos que serviram na junta do Porto.

Ainda que me pareça que a commissão de guerra podia perfeitamente formular um projecto de lei, e que não era perciso que o thema d'esse projecto fosse apresentado por nenhum sr. deputado, entretanto confeccionei agora mesmo á pressa um projecto de lei que vou mandar para a mesa (leu).

Não lhe fiz nenhum relatorio, porque o relatorio d'este projecto está feito pela opinião publica (apoiados).

O sr. José de Moraes: — Mando para a mesa um requerimento, que é o seguinte (leu).

Não peço a urgencia d'elle, mas requeiro a v. ex.ª que o mande ler na primeira sessão que houver, cumprindo-se assim as disposições do regimento.

Tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda, para chamar a attenção de s. ex.ª sobre differentes pontos, mas como s. ex.ª não está presente, peço para ser inscripto de novo.

O sr. Sá Nogueira: — Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Frederico de Mello: — Pedi a v. ex.ª a palavra para chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre um objecto importante, e de que já fallei em uma das sessões passadas, e é sobre á conveniencia de se crear uma cadeira de latim na villa de Almodovar, districto de Beja.

Desejava por esta occasião apresentar algumas considerações tendentes a mostrar a justiça e conveniencia publica da creação de uma cadeira de latim n'aquella villa. É de justiça, sr. presidente, porque tendo sido legadas umas propriedades ao extincto convento da ordem terceira da villa de Almodovar, para com o rendimento das mesmas serem creadas ali duas cadeiras de theologia dogmatica e philosophia racional e moral; foram estas creadas, e depois supprimidas, achando se hoje a fazenda nacional na posse d'aquellas propriedades. Parece-me portanto um acto de justiça, que quando n'aquella villa se não restituam as duas referidas cadeiras, que pelo menos seja ali estabelecida uma cadeira de latim, que considero essencialmente necessaria.

É de conveniencia publica, porque a instrucção é essencialmente necessaria para a illustração e moralidade dos povos. Sem instrucção não póde haver progresso nem civilisação. Mas como propagar a instrucção tão necessaria para os povos, se nos faltam as escolas?

Devo dizer a v. ex.ª e á camara que no districto de Beja não ha senão duas cadeiras de latim, uma na sede do districto e outra em Moura. E serão estas duas unicas cadeiras as sufficientes para diffundir a instrucção secundaria em todo o districto, tanto quanto e para desejar? É certo que não. O districto de Beja tem uma grande area, e uma parte importante do districto, especialmente aquella parte do campo de Ourique, que abrange uma grande extensão, e aonde existem algumas povoações importantes, está privada hoje de cadeiras de instrucção secundaria. Isto é um mal e um obstaculo á civilisação, que cumpre remediar.

Não faço mais considerações, reservo-me para fallar d'este importante objecto para quando estiver presente o sr. ministro do reino, para quem desde já chamo a sua attenção para a creação de uma cadeira de latim na mencionada villa de Almodovar.

O sr. Pinto de Magalhães: — Desejo saber primeiramente se o governo já mandou os esclarecimentos por mim pedidos, sobre os acontecimentos de Villa Real, na sessão de 7 de janeiro ultimo.

O sr. Presidente: — Ainda não vieram.

O Orador: — Então mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Mando igualmente uma proposta concebida n'estes termos (leu).

Permitta-me a camara que eu diga algumas palavras sobre as violencias praticadas em Villa Real, por occasião das eleições municipaes.

Primeiramente dissolveu o governo a camara municipal de Alijó, para por este meio de rigor atterrar os eleitores, e afugenta-los da urna.

Depois deram-se por suspeitos todos os membros do conselho de districto que suppunham ser da opposição, para não julgarem os processos e reclamações eleitoraes. E como não fosse isto sufficiente, mandou-se distribuir tropa por quasi todas as assembléas do districto, para auxiliar a auctoridade nas tropelias eleitoraes.

Os eleitores, por via de differentes meios, têem representado ao governo, e uma commissão de trinta e dois eleitores, comprehendendo os doze maiores contribuintes da Regua, apresentou uma representação perante o throno de Sua Magestade, contra as violencias praticadas n'aquelle districto, e sobretudo na Regua.

O governo não respondeu nada a esta representação. A junta geral do districto constituiu-se extraordinariamente de uma maneira insolita e revolucionaria, e contra o disposto no codigo administrativo; e o governo tambem nada respondeu a esta representação. Ha poucos dias, trinta e tantos eleitores, proprietarios do districto de Villa Real, chegaram a Lisboa para reclamarem tambem contra estas violencias; e o governo, a quem já apresentaram os seus queixumes, até hoje ainda não deu explicações algumas.

Ora, a camara dos deputados póde não permanecer silenciosa em presença d'esta recusa do governo a dar explicações (muitos apoiados).

Quando se trata de esmagar os eleitores perante a urna, quando se pretende aniquilar e invalidar a auctoridade da urna, donde nós todos somos filhos (muitos e repetidos apoiados), devemos empregar todos os meios para que a lei seja honrada, lealmente seguida e respeitada, e não viciada (muitos apoiados).

Temos uma obrigação forte e religiosa de empregar os meios possiveis para que factos d'esta natureza não se repitam (apoiados).

Os meus patricios foram ao Porto e vieram a Lisboa pugnar pelos seus direitos, e eu como deputado, filho de Trás os Montes, não posso deixar de levantar a minha voz contra todos os abusos das auctoridades (apoiados).

É preciso portanto que o governo nos venha dizer o motivo por que não existe a paz, liberdade e tranquillidade n'aquelle districto.

Eu não quero agora apresentar a maneira como se fizeram as eleições e o modo como a auctoridade interveiu d'ellas com toda a força; espero para isso, quando o governo estiver presente; mas apresento estas observações para que os meus collegas estejam prevenidos e vejam a urgencia do negocio, e que nos devemos interessar para que o governo venha explicar-se e tratar d'esta questão com a magnitude j que ella merece, pois diz respeito ao negocio mais importante do systema constitucional, qual é a liberdade do voto, porque emquanto o voto não for livre, e emquanto as eleições forem viciadas não teremos systema constitucional, teremos um systema viciado, um sophisma claro e manifesto. É necessario por conseguinte que empreguemos todos os meios para que de futuro desappareçam estes actos attentatorios contra a liberdade de voto, que desauctorisam o systema, e que já era tempo não se repetissem no nosso paiz, para honra de todos os partidos e do mesmo paiz (apoiados). Espero a presença do governo para se tratar este assumpto.

O sr. F. M. da Cunha: — Mando para a mesa alguns pareceres da commissão de obras publicas.

O sr. Thomás Ribeiro: — Começo por pedir a rectificação de algumas palavras que foram mal entendidas, no outro dia, pelos srs. tachygraphos.

Quando tive a honra de levantar a minha voz n'esta casa, tinha dito n'essa occasião, occupando-me de acontecimentos do districto de Aveiro, que tinha fallado com os srs. deputados d'aquelle districto, que estavam na camara, mas que infelizmente não tinha fallado com aquelle a quem mais directamente me cumpriu fallar, que era o sr. doutor Vicente, deputado por Arouca, porque s. ex.ª não estava na camara; entendeu-se, porém, o contrario, affirmou-se por parte da tachygraphia que eu tinha fallado com o sr. doutor Vicente.

Peço esta rectificação, e nada mais sobre este ponto.

Como vejo presente o nobre ministro da guerra e alguns membros da commissão de guerra, lembrarei, por esta occasião, uma questão que já por vezes tenho trazido a esta camara; questão que verdadeiramente não é questão. Tracta-se de melhorar a sorte dos voluntarios da Rainha.

Tenho já pedido isto bastantes vezes ao antecessor do nobre ministro da guerra, sei que ha algumas disposições a este respeito, consta-me que passou aqui um projecto apresentado pela commissão de guerra, mas sei tambem que tem havido reclamações por parte de alguem que se julgava lesado n'esse projecto.

Não sei se essa medida jaz ainda na commissão de guerra; e por isso pedia á illustre commissão que desse, agora mesmo, algumas explicações a tal respeito; assim como pedia ao nobre ministro da guerra, ao qual é a primeira vez que tenho a honra de me dirigir, tome á sua conta esta causa sagrada para todos nós.

Ninguem desconhece, no nosso paiz, o que se deve ao corpo dos voluntarios da Rainha. Eu estou certo que o illustre ministro, tão liberal como é, não deixará de ter em consideração os poucos que restam; o sacrificio é pequeno para o paiz, em consequencia dos poucos homens que restam d'aquelle corpo, mas quando o sacrificio fosse grande, a divida é summamente sagrada, para que ainda por mais tempo se deixe em aberto.

Tenho muita confiança no nobre ministro da guerra, e s. ex.ª tomará debaixo da sua protecção a causa d'estes desvalidos, e espero que a commissão de guerra não se demorará em dar algum parecer a respeito d'esse projecto, que não passou ainda para a camara dos dignos pares...

Uma voz: — Já foi.

O Orador: — Mas ao menos que attenda ás reclamações que posteriormente vieram.

Fico satisfeito de saber que o projecto já está na camara dos dignos pares, porque eu na sessão passada saí mais cedo do que era meu desejo, e depois da minha saída é que estas cousas se passaram.

O sr. J. M. de Abreu: — Mando para a mesa duas notas de interpellação.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara. A primeira parte devia ser a discussão da moção do sr. Casal Ribeiro, mas como é necessario a presença do sr. ministro da fazenda, e s. ex.ª ainda não está presente passa-se á segunda parte que é a continuação da discussão do projecto de lei n.° 114, sobre celleiros communs. Este projecto já foi approvado na generalidade, e agora vae entrar se na especialidade; e primeiramente vão ler-se as propostas que estão sobre a mesa, offerecidas pelo sr. Ferreri na discussão da generalidade, para, no caso de serem admittidas, serem consideradas quando se tratar dos artigos a que dizem respeito.

Leram-se na mesa e são as seguintes:

ADDITAMENTO

No artigo 4.° — despezas obrigatorias para obras publicas de terceira ordem, creação de escolas de instrucção primaria, e para partidos de cirurgia e medicina dos proprios municipios e parochias, precedendo a approvação do conselho de districto. = Ferrari.

SUBSTITUIÇÃO AO ARTIGO 5.°

A administração dos celleiros communs dos particulares ficará pertencendo, segundo as leis da sua instituição, e dos contratos aos seus fundadores, ou aos seus representantes debaixo de immediata fiscalisação do administrador do concelho, o qual por aquelle serviço deverá receber uma gratificação, que será arbitrada pelo governo, tirada dos acrescimos dos mesmos celleiros. = Ferreri.

ADDITAMENTO AO ARTIGO 5.°

Os juros que pelos adiantamentos do trigo têem a pagar os lavradores, nunca excederão a 5 por cento, tanto nos celeiros publicos como nos particulares. = Ferreri.

SUBSTITUIÇÃO AO ARTIGO 7.º

Quando nos celleiros publicos ou particulares se recolham os fundos de dois annos, visto não haver necessidade de distribuição por falta de procura dos mesmos, serão os do anno antecedente vendidos, e o seu capital é dado a juro a preço de 5 por cento para beneficio dos lavradores. = Ferreri.

O artigo 7.° passa a 8.° e o 8.° a 9.° = Ferreri.

Todas estas propostas foram admittidas.

O sr. Presidente: — Está em discussão o artigo 1.°

O sr. Rojão: — Como auctor do projecto, e como relator do parecer que se discute, é do meu rigoroso dever responder as considerações feitas pelo meu illustre e nobre amigo, o ex.mo sr. Ferreri, e combater as emendas que mandou para a mesa; mas antes de o fazer permitta-me v. ex.ª e a camara

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que eu agradeça cordealmente a s. ex.ª a urbanidade e amisade com que me honrou; e bem assim o generoso e franco apoio que prestou á maior parte do dito meu projecto; apoio que com muito gosto aceito.

O illustre deputado, que encetou o debate, disse que = o fim principal do meu projecto era pôr a administração d'estes depositos debaixo da direcção immediata das camaras municipaes e juntas de parochia (o que é uma verdade), e que não tinha duvida em annuir a esta disposição =. Se o illustre deputado annue a esta disposição, claro é que approva os tres primeiros artigos do projecto, e que eu nada tenho a dizer a tal respeito.

O mesmo illustre deputado, continuando a fallar, disse que = elle, apesar de eu lhe ter explicado a instituição destes celleiros, divergia alguma cousa da minha opinião, e que era por essa rasão que tinha pedido a palavra para fazer algumas considerações sobre alguns artigos do projecto, e mandar para a mesa algumas emendas =.

É verdade que eu a pedido de s. ex.ª lhe expliquei aqui mesmo a instituição d'estes celleiros, seus fins humanitarios e philanthropicos, e as leis por onde se regulam; mas tambem é verdade que s. ex.ª me não comprehendeu, o que não deve admirar, porque uma breve e succinta explicação feita a quem não conhece a instituição não é, nem pôde ser sufficiente, é sem duvida aqui está a rasão da sua divergencia.

Dadas estas explicações, vou combater a primeira emenda, ou antes o additamento que s. ex.ª mandou para a mesa e é o artigo 4.° aonde s. ex.ª propõe que depois da palavras = para obras publicas = se acrescente = para creação de cadeiras de instrucção primaria =.

Sr. presidente, este additamento parece-me desnecessario, porque as cadeiras de que trata o additamento ou são publicas ou particulares; se são publicas desnecessario é o additamento, porque pelo § 14.º do capitulo 1.° do titulo 4.° da carta constitucional esse direito pertence ao poder legislativo, e hoje por delegação ao poder executivo; se são particulares, tambem é desnecessario, porque não ha hoje municipalidade, nem junta de parochia que não tenha cadeira de instrucção primaria, pedindo-a e fornecendo casa, mobilia e utensilios para ellas; e se isto 6 verdade, como é, de que serve o additamento? De nada, rasão por que voto contra elle.

É ao artigo 5.° o segundo additamento, e é o seguinte: «Administração dos celleiros particulares é a mesma do parecer, acrescentando = debaixo da immediata fiscalisação do administrador do concelho, o qual por aquelle serviço deverá receber uma gratificação, que será arbitrada pelo governo, e tirada dos acrescimos dos mesmos celleiros =. Este additamento tambem o julgo desnecessario, porque não ha pessoa alguma que ignore hoje, que todos os estabelecimentos publicos e particulares estão debaixo da tutella do governo, que elle exerce nos districtos pelos seus governadores civis, e nos concelhos pelos seus administradores.

Mas ainda ha mais outra rasão, e é que a fiscalisação que o illustre deputado quer dar aos administradores do concelho está decretada no artigo 7.° do projecto.

Se o illustre deputado tivesse estudado o projecto, e tivesse combinado os seus artigos uns com os outros, conhecer a inutilidade do seu additamento, e para o convencer d'esta verdade eu vou ler o citado artigo. E quaes serão as disposições d'este decreto que não estão em opposição com este projecto? São as contidas no artigo 6.º e seu § unico, que tambem vou ler. E não será isto mesmo que o illustre deputado quer? Sem duvida, e se é o additamento é desnecessario. Julgo ter provado a inutilidade tanto do primeiro como do segundo additamento; agora vou combater os dois artigos apresentados pelo mesmo sr. deputado que encetou a discussão.

O artigo 1.°, sob o n.° 6.°, é o seguinte: «Os juros que pelo adiantamento do trigo têem a pagar os lavradores nunca excederá a 5 por conto, tanto nos publicos como nos particulares». Este artigo não póde ter applicação aos celleiros publicos, porque pelo alvará de 20 de setembro de 1779 os juros de todos os celleiros publicos foram reduzidos, a pedido das camaras a 5 por cento, e é ainda o juro que se recebe; logo só poderá ser applicado aos celleiros particulares. Esta questão é muito grave, porque vae atacar interesses de terceiro e direitos adquiridos.

Poderemos nós approvar a reducção proposta? O § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional, garantindo a propriedade, responde negativamente. Mas haverá algum caso em que as côrtes possam decretar a expropriação da propriedade do cidadão? Ha, mas só e unicamente quando o bem publico, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, sendo elle previamente indemnisado do valor d'ella. E haverá n'esta reducção a utilidade publica? Não, porque a reducção aproveita a meia duzia de concelhos, e a indemnisação grava a nação toda. Esta rasão só parece-me bastante para o artigo ser rejeitado.

O artigo 2.º, sob o n.° 7.°, é o seguinte: «Quando nos celleiros publicos ou particulares houver recolhimento de dois annos, visto não haver necessidade de distribuição por falta de procura dos mesmos, serão os do anno anterior vendidos, e o capital dado a juro de 5 por cento para beneficio da lavoura».

Este artigo tambem não pôde ser approvado, quanto aos particulares, porque ataca o direito de propriedade, como eu já demonstrei; e, quanto aos publicos, tambem não pôde ser approvado, porque ataca pela base a instituição d'estes celleiros; ataca a lei que os creou, ataca a vontade dos actuaes possuidores, e ataca finalmente os fins phylanthropicos e humanitarios d'estes depositos, como eu vou demonstrar. Ataca pela base a instituição d'estes estabelecimentos, porque lhes muda a natureza, fazendo de montes agrarios ou monte pios bancos ruraes, o que não póde ser, porque são instituições differentes. Ataca a lei que os creou, porque só creou depositos de trigo e não de dinheiro; e tanto isto é verdade que o Senhor D. Sebastião, no regimento que deu ao celleiro de Evora, que foi o primeiro que se fundou no reino, mandou emprestar aos seus fundadores 2:000 cruzados do cofre dos orphãos d'esta cidade, para comprarem trigo para augmentar o fundo do deposito; e ordenou que se emprestasse aos lavradores trigo por trigo; e que, nos annos de escassez, se vendesse ao povo por preços commodos e rasoaveis, e que o producto da venda fosse empregado na futura colheita na compra de trigo para, diz o regimento, não diminuir o fundo do celleiro. Ataca a vontade dos actuaes possuidores, porque a maior parte das camaras, aonde ha estes celleiros, têem pedido a esta camara a approvação deste projecto; e não são as camaras interessadas que têem pedido a approvação do projecto, mas igualmente a têem pedido as juntas geraes dos districtos de Evora e Portalegre. Ataca, finalmente, os seus fins phylanthropicos e humanitarios, porque, passando o artigo que combato, com o andar dos tempos, o fundo d'estes depositos se converteria em dinheiro, e passaria para os agiotas e negociantes; e a lavoura e o povo ficariam sem trigo e sem dinheiro. É por todas estas ponderosas rasões que eu voto e peço á camara que vote contra o artigo.

O artigo 6.° do projecto auctorisa as juntas geraes, logo que este projecto seja lei do estado, a fixarem, á vista das estatisticas que lhe serão apresentadas, a quantidade de trigo que deve constituir o fundo de cada um dos respectivos celleiros, e as camaras municipaes e juntas de parochia, precedendo proposta e auctorisação do conselho de districto, a venderem o excedente e os acrescimos para obras publicas, etc.

Esta auctorisação é para evitar derramas e os grandes depositos, para se não perder o trigo.

Esta medida não é nova. Em 1829, a pedido da camara municipal de Mourão, ordenou-se que o capital d'este celleiro fosse reduzido a trezentos moios, e que o excedente, assim como os acrescimos, deduzidas as despezas obrigatorias, fosse vendido, e o seu producto applicado para obras publicas, etc. Em 1847 foi a camara municipal de Evora auctorisada pelo conselho de districto a vender dezoito moios para calçadas e estradas; a mesma auctorisação foi dada a outras Camaras. Eis-aqui está prevenido o desejo do meu nobre amigo, porque sendo approvado este artigo, como espero, acabam para sempre as derramas.

Concluindo, peço á camara a approvação do projecto.

Foi approvado o artigo 1.º

Entrou em discussão o Artigo 2.°

O sr. Castro Ferreri: — Eu tinha mandado para a mesa duas emendas, e pedi a v. ex.ª que as reservasse para serem consideradas ou votadas quando se discutissem os differentes artigos a que ellas dizem respeito. Portanto pedia a v. ex.ª que se não esquecesse de as apresentar em occasião opportuna.

O sr. Presidente: — Já foram lidas e admittidas para serem consideradas nos logares respectivos.

Seguidamente foram approvados os artigos 2.°, 3.º e 4.°, ficando prejudicada a emenda offerecida a este ultimo artigo pelo sr. Castro Ferreri. Entrou em discussão o Artigo 5.º

O sr. Castro Ferreri: — Julgo que o nobre deputado e meu amigo, o sr. Rojão, que é relator deste projecto, concordou comigo em algumas disposições que ahi vem; portanto eu desejo que s. ex.ª diga se as adopta ou não.

Eu mandei essas emendas para a mesa com o intuito simplesmente, não de contrariar o projecto, mas de o melhorar, segundo a minha fraca intelligencia. A minha substituição não tinha por fim senão pôr os celleiros communs e particulares debaixo da fiscalisação do administrador do concelho, e ahi parece-me dizer-se que os celleiros particulares ficassem debaixo da inspecção o fiscalisação de uma junta privativa, da qual ninguem quer ser por ter responsabilidade e ser gratuita. Ora se o administrador tem um onus, é claro que deve ter uma remuneração, que deve ser convenientemente arbitrada pelo governo, e tirada dos remanescentes que existirem n'esses celleiros.

Parece-me que o illustre deputado concordará com o que acabo de expor; portanto peco lhe que se queira explicar sobre este objecto, e se entender que isto póde contrariar o projecto ou se póde de alguma maneira prejudicar a sua intenção, aliás muito louvavel, de melhorar aquelles estabelecimentos, eu não tenho duvida nenhuma em o retirar. Mas parece-me que o fim, que eu proponho, não é senão dar maiores garantias aos pequenos lavradores, isto é, aquelles que, por assim dizer, careçam de se soccorrerem a esses celleiros.

O sr. Rojão: — Eu já disse que julgava desnecessario o additamento offerecido a este artigo pelo illustre deputado; porque ninguem ignora que todos os estabelecimentos publicos e particulares estão debaixo da tutella do governo, que elle exerce nos districtos pelos seus governadores civis, e nos concelhos pelos seus administradores.

O sr. Castro Ferreri: — Eu ouvi as explicações do nobre relator, mas parece-me que ha engano na maneira com que me respondeu, ou então que não me comprehendeu.

Ouvi dizer que os celleiros communs são administrados por uma junta especial, e que o governo tem superintendencia sobre todas estas juntas; n'isto não ha duvida. Mas isso é generico, e eu dizia que era melhor que a administração especial fosse exercida pelo administrador do concelho, e não por uma junta gratuita, que se recusa a fazer esse serviço, visto que é responsavel por todos os generos que entram n'aquelles celleiros, e é gratuito. A generalidade da inspecção, já se vê, é a auctoridade administrativa, mas ha uma junta que fiscalisa, e que dispõe de todos os generos que existem nos celleiros; a minha substituição era para que em vez d'essa junta fosse a auctoridade administrativa quem administrasse e fiscalisasse. Não era só a superintendencia, era ao mesmo tempo a direcção e a administração d'estes celleiros.

Portanto já se Vê que ha uma differença entre ser uma junta gratuita, que se recusa a esse serviço, ou ser a auctoridade administrativa a quem incumbisse a sua administração, remunerando-se portanto por esse serviço.

Mas eu não faço questão d'isto. Se o illustre deputado entende que o modo por que está redigido o artigo é mais conveniente do que o que eu propunha, eu não tenho duvida nenhuma em acquiescer a isso.

O sr. Frederico de Mello: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta que vou ler na conformidade do regimento (leu).

Vae assignada por mim e pelo meu nobre amigo e collega, o sr. Abranches.

O que me levou a apresentar esta proposta é que me parece de toda a justiça que, quando nas execuções de fazenda os delegados do procurador regio têem uma percentagem e uma garantia por esse serviço, sejam remunerados tambem estes trabalhos.

O sr. Castro Ferreri: — Retiro a minha substituição, visto que o sr. relator entende que é mais conveniente para o bem geral a fórma que se acha estabelecida. Foi retirada.

Art. 5.° — approvado.

O sr. Presidente: — Está agora em discussão o additamento, do sr. Castro Ferreri, a este artigo.

O sr. Rojão: — Eu não posso acceder a esse additamento, porque emquanto aos celleiros publicos, no alvará de 20 de setembro de 1769 está marcado o juro de 5 por cento, que é o que recebem agora; e emquanto aos particulares, bem sabe a camara que isso é uma questão grave que vae ferir interesses de terceiro e direitos adquiridos.

Essa reducção vae mesmo de encontro ao § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional, que garante o direito de propriedade. É verdade que esse paragrapho permitte a expropriação por utilidade publica legalmente reconhecida, com previa indemnisação; mas pergunto eu — na reducção proposta pelo illustre deputado haverá utilidade publica? Eu digo que não; pelo contrario ha prejuizo, porque o beneficio d'essa reducção aproveita só a meia duzia, e o prejuizo da indemnisação vae gravar o maior numero.

O sr. Casal Ribeiro (sobre a ordem): — Eu requeria a v. ex.ª que, visto estar presente o sr. ministro da fazenda, entrassemos na discussão da minha moção, dada por v. ex.ª para a primeira parte da ordem do dia. Creio que v. ex.ª mesmo declarou que este projecto entrava em discussão por não estar presente o sr. ministro da fazenda.

Vozes: — Em se terminando este projecto, que está a acabar. O sr. Frederico de Mello: — Pedi a palavra para declarar que a minha intenção, quando ha pouco mandei uma proposta para a mesa, foi para que ella se inserisse no logar que a commissão julgasse conveniente.

O sr. Rojão: — A commissão aceita a idéa, salva a redacção.

O sr. Castro Ferreri: — Eu retirarei tudo menos este additamento, porque trata se de usura e eu sou inimigo de toda a usura, e muito mais sendo usura em prejuizo dos pobres e dos desgraçados.

Não posso comprehender como os que receberam generos dos celleiros publicos não hão de pagar mais de 5 por cento, e aquelles que os receberem dos celleiros particulares hão de ser condemnados a pagar mais.

Segundo sou informado os que recebem generos de celleiros particulares pagam 8, 10 e 12 por cento, revertendo isto a favor dos herdeiros dos instituidores primitivos. Entendo que esta usura não deve continuar.

Se os celleiros são estabelecidos para proteger aquelles que menos meios de fortuna têem, a camara não póde deixar de consignar precisamente o preço do juro, que não deve ser superior a 5 por cento, porque do contrario o individuo que carecer de meios para fazer a sementeira, ou mesmo para o grangeio, terá que pagar 10 e 12 por cento, e comtudo a terra não lhe produzir o necessario para pagar esse juro e a compensação das suas fadigas e trabalhos.

Eu desejava que n'este caso o juro fosse ainda inferior a 5 por cento. Nem eu vejo que isto possa atacar o direito de propriedade. Pois a usura é propriedade? A usura é contra a propriedade, é um abuso da lei, é um abuso da miseria e da desgraça, é um abuso do forte contra o fraco.

Portanto sinto poder ser vencido pela maioria da camara, mas não retiro esse additamento, e desejo que o juro seja em generos ou em dinheiro, tanto nos celleiros publicos como nos particulares, não possa exceder a 5 por cento; a camara porém póde resolver o que julgar conveniente.

O sr. Rojão: — Se a camara quer reduzir o juro emquanto aos celleiros particulares, eu aceito, mas parece-me que o não póde fazer, porque isso vae atacar a fé dos contratos.

O alvará de 1769, que já citei, tratando de reduzir os juros, diz: «Esta reducção não tem applicação aos celleiros particulares, porque esses juros são filhos de contratos e os contratos devem ser garantidos». Agora se a camara os quer reduzir, eu aceito.

É uma usura, diz o illustre deputado. Mas o povo tem meio de acabar com essa usura; é não ir aos celleiros onde essa usura tem logar, mas sim aquelles que se prestem a receber um juro mais rasoavel. Eu entendo que, sem offensa da lei e dos contratos, não póde reduzir-se o juro emquanto aos celleiros particulares.

Foi rejeitado o additamento do sr. Castro Ferreri.

Artigo 6.° — approvado.

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Artigo 7.°

Leu-se a seguinte

PROPOSTA

Proponho que nas execuções dos celleiros communs promovidas pelo delegado, se abone a estes e aos mais empregados da justiça a percentagem que nas execuções fiscaes lhes é garantida. = Fortunato Frederico de Mello = Bernardo Francisco de Abranches.

O sr. Rojão: — Creio que essa proposta está prejudicada pela approvação do artigo 6.° (apoiados); portanto entendo que não póde submetter-se á votação, nem mesmo podia ser approvada.

Foi logo approvado o artigo 7.°

Artigo 8.° — approvado.

Artigo 9.° — approvado.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão da moção do sr. Casal Ribeiro. É a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que a commissão de fazenda seja encarregada, com urgencia, de examinar o regulamento geral da contabilidade de 12 de dezembro de 1863; e propor a sancção legislativa das providencias contidas no mencionado regulamento, que porventura d'ella careçam e devam ser conservadas. = Casal Ribeiro.

O sr. Casal Ribeiro: — Poucas palavras tenho a acrescentar agora aquellas que proferi na occasião em que tive a honra de apresentar a minha moção, para a fundamentar.

Muito de intento tratei de afastar esta proposta da discussão que estava pendente — a da resposta ao discurso da corôa. Muito de intento o fiz pela rasão que já expuz á camara, e por outra ainda. Não queria desviar a attenção da discussão do emprestimo. A camara sabe, e sabem todos, que quando n'uma discussão se tratam diversos objectos, entre os quaes não ha grande analogia, a attenção prejudica se, e com este prejuizo de attenção se pôde prejudicar tambem a madureza da deliberação. Muito de intento o fiz tambem, porque não era minha intenção dar feição politica a esta proposta. Francamente declaro que não a tinha, nem a tem, e desejo que se lhe não dê. E se porventura pretendesse apresenta la á discussão por occasião da resposta ao discurso do throno, ella tomaria, mau grado meu, este caracter.

Ora eu já tenho bastante pratica do parlamento e das assembléas legislativas para poder apreciar o que são discussões politicas, e as diversas rasões e os diversos motivos que podem influir nos animos para votar as questões que tomam tal caracter. Digo isto sem fazer critica a ninguem, sem censurar os actos da camara. A nenhum de nós é desconhecido que quando uma questão toma feição politica, muitas vezes as conveniencias e adhesões partidarias dão em resultado sustentarem-se e votarem-se cousas que mais despreoccupadamente examinadas talvez tivessem resultado bem diverso.

Não volto, nem quero, por modo algum, voltar á discussão que teve logar n'esta casa, nem analyso as resoluções tomadas na sessão passada. Respeito essa resolução como é meu dever e obrigação respeitar.

Mas unicamente, e como exemplo do que acabo de expender, v. ex.ª me permittirá que cite uma das moções que foi hontem rejeitada, que eu esperava, que devia esperar ver aceita, a qual, di-lo hei francamente, seria de certo approvada se não fosse envolvida n'uma questão politica. Partiu da opposição, mas em si era altamente ministerial. A camara estava em disposições de regosijo, de enthusiasmo; um deputado da opposição, o sr. Carlos Bento, lembrou-se tambem de se regosijar com o governo pela declaração feita pelo sr. ministro da fazenda = de que no anno proximo futuro não haveria emprestimos; pelo menos um grande emprestimo externo =. Regosijava-se com o governo; pretendiamos regosijar-nos, mas não tivemos a fortuna de ver aceita a nossa disposição prasenteira (riso) por não haver emprestimo no anno futuro. Não quero dar falsas interpretações ás votações da maioria; não quero pensar que aquella votação significa que a maioria não estima, como nós estimâmos, que não haja emprestimos por não haver necessidade d'elles. Vejo só que a votação... foi votação politica. Atrevo-me porém a suppor que o paiz tenha o mau gosto de se regosijar e muito; se no proximo futuro anno não houver emprestimo (apoiados), embora (porque não ha nada n'este mundo por mais favoravel que seja que não tenha um contra); embora isto tenha o contra de que na resposta ao futuro discurso da corôa falte um periodo de retumbante louvor ao sr. ministro da fazenda por uma nova asserção que de certo seria mais avantajada do que o emprestimo Stern, Como o emprestimo Stern foi mais avantajado que o emprestimo Knowles. Eu, pela minha parte, daria desde já voto anticipado de que todas as operações financeiras do sr. ministro da fazenda seriam de mais em mais avantajadas Ou Vantajosas; e não disputaria mesmo o portuguezismo d'estas palavras, em troco da certeza de que o sr. ministro receberia por uma vez os louvores, e nos dispensaria de continuar a admirar o progresso do seu talento na negociação de emprestimos.

Voltando pois á moção, repito que não tem caracter politico; e como tal creio que posso pedir para ella alguma despreoccupação, d'isto a que se chama as conveniencias politicas, e as adhesões partidarias. A minha moção não significa censura ao governo; não significa mesmo a critica do regulamento geral de contabilidade publicado em 12 de dezembro de 1863. A minha moção significa apenas uma duvida; quando se duvida convem o exame. E o que peço á Camara, não que resolva sobre o merito d'aquelle diploma, não que resolva sobre a questão, para mim a principal. Se todas as sua disposições podiam ser adoptadas pelo poder executivo, e se podem continuar a vigorar sem sancção legislativa; mas que attenda, que examine, que remetta este assumpto á commissão de fazenda, e que a commissão de fazenda examinando este negocio traga um parecer, a fim de que a commissão o possa avaliar, e resolver então como melhor entender. Creio que a commissão de fazenda não póde ser suspeita á maioria, porque saíu do seu seio.

E eu digo que não tenciono entrar agora na questão do merecimento do regulamento geral de contabilidade publica, porque, como já declarei, na maxima parte das suas disposições não discordo d'elle, e antes encontro ali consignadas boas doutrinas, faltando em geral.

Mas ha a questão principal, que é uma questão de competencia, e vem a ser — se ha n'elle sómente materia propriamente regulamentar ou tambem legislativa.

Parece-me já ouvir dizer a alguem, a algum espirito muito mais elevado que o meu, que o não é de certo questão de formal... Questão pequena! Questão insignificante!... Foi d'essa maneira que ainda ha poucos dias se appellidou aqui o facto de haver sido suspensa por uma portaria, officio, ou como melhor se chame, um decreto que tinha força de lei (apoiados), e que havia sido publicado em virtude de uma auctorisação (apoiados). Questão de fórma! Sim, questão de fórma que póde não preoccupar os espiritos desassombrados, esses que quando se approvam as cousas e as acham boas ou convenientes, entendem que são indifferentes os meios; mas questão de fórma, e por isso mesmo questão importante e grave para aquelles que como eu estão ainda adictos ás velhas doutrinas da velha carta constitucional, na qual o sabio legislador consignou a divisão dos poderes politicos como a mais solida base do edificio constitucional (apoiados).

Para mim tenho por certo que ha no regulamento disposições legislativas, mas o que para mim é certeza não o proponho á camara se não como duvida.

E, sr. presidente, acrescentarei ainda a este respeito, que felizmente para mim a duvida não nasce de hoje; a duvida não póde ser attribuida á posição politica que occupo n'esta casa. Duvido hoje que o regulamento geral de contabilidade de 12 de dezembro de 1863 podesse ser publicado pelo governo, sem carecerem muitas das suas disposições da sancção legislativa: duvido hoje, deputado da opposição, como em 1859 duvidei, ministro da corôa. Felizmente para mim, repito, a minha opinião sobre este objecto está consignada em um documento official. A camara permittir-me-ha que eu leia um trecho do relatorio que escrevi por occasião de propor á regia sancção o decreto de 18 de agosto de 1859 sobre a reforma do tribunal de contas e algumas medidas relativas á contabilidade publica. Concluía o meu relatorio d'esta maneira:

«Com as disposições que constam dos decretos que os ministros têem a honra de submetter á approvação de Vossa Magestade, acreditam os ministros que ficará sensivelmente melhorado este ramo de serviço publico; mas nem por isso julgam ainda completamente satisfeito o intuito de organisar a contabilidade publica por maneira que preencha plenamente os fins que se tem em vista. Outras medidas ha que bem podem considerar-se complementares; taes são, por exemplo, o regulamento da contabilidade publica codificando as principaes disposições que regem o assumpto, e a reforma das recebedorias, concebida de maneira que facilitando aos contribuintes o pagamento voluntario dos impostos, e evitando em grande parte o vexame das execuções fiscaes, possa ao mesmo tempo garantir melhor ao thesouro a cobrança dos rendimentos publicos, tornando-se effectivas e reaes as finanças, e diminuindo o numero e importancia dos alcances. Dependendo porém em parte taes medidas do poder legislativo, por não se poderem considerar rigorosamente comprehendidas nas auctorisações concedidas ao governo pela lei de 14 de agosto de 1858, e convindo que sejam adoptadas em harmonia com outras igualmente tendentes a melhorar outros ramos de serviço, que têem estreitas relações com o que diz respeito á contabilidade, os ministros de Vossa Magestade reservam-se para as apresentar ás côrtes em propostas especiaes.»

A camara vê que não é a posição politica, que occupo n'esta casa, que faz que eu traga aqui esta questão. Não é o deputado da opposição que sustenta hoje estas doutrinas no interesse politico, porque as doutrinas que sustento e as opiniões que tenho sobre este assumpto, são as mesmas, exactamente as mesmas, que tive em 1859 e que consignei n'este documento.

Sr. presidente, se se tratasse apenas da pura e simples codificação de medidas legislativas ou regulamentares adoptadas sobre a contabilidade publica; se se tratasse apenas de pura codificação d'aquellas medidas sem que houvesse alterações, innovações ou modificações de qualquer ordem nas disposições legislativas, poderia isto caber na alçada do governo; mas desde o momento em que n'uma medida regulamentar apparecem disposições novas que só são da competencia do corpo legislativo, é necessario que este as auctorise; sem o que não podem vigorar. E note a camara que o regulamento publicado pelo sr. ministro existia já em projecto na epocha em que eu occupei o ministerio da fazenda; s. ex.ª sabe que o projecto existia já feito n'aquella epocha. Creio que depois soffreu algumas alterações, e é natural que assim acontecesse, mas existia feito em 1858 ou antes de 1858 por uma commissão de pessoas competentes, a qual tinha sido encarregada d'este assumpto. Eu examinei o projecto de regulamento, e pareceu-me bom em muitas das suas disposições, mas não me atrevi a publica-lo, principalmente por este motivo.

E note o governo que eu estava n'aquella epocha auctorisado pela lei de 14 de agosto de 1858 para a reforma do tribunal de contas e das repartições de contabilidade dos diversos ministerios. E se o governo quizesse entender com certa largueza a lei de 14 de agosto de 1858, podia talvez julgar-me habilitado para publicar aquelle documento. Pareceu-me porém que nunca é demasiado o escrupulo da parte do governo n'estas questões que importam a pureza do systema representativo, que a nós todos cumpre zelar (apoiados). Pareceu-me que não se achavam rigorosamente comprehendidas todas as disposições do regulamento na auctorisação da lei de 14 de agosto de 1858, e que por isso o não devia propor á assignatura real.

Acrescentarei ainda outro motivo secundario, mas que tambem influiu no meu animo até certo ponto, não para deixar de publicar o regulamento, porque para o não publicar bastava a primeira rasão, que para mim era capital, mas para não pedir á camara auctorisação para o publicar depois, como a pedi para a reorganisação do thesouro e das repartições de fazenda. É que eu creio pouco nas codificações, que me permittirei de qualificar codificações á priori.

Sr. presidente, eu sei perfeitamente que em França, em 31 de maio de 1838, se codificou em um regulamento geral os principios que regiam a contabilidade publica; mas n'esse notavel diploma o sr. marquez d'Audifret dizia que = era chegada a occasião, depois de provada a excellencia dos methodos pela pratica de vinte annos =; e dizia vinte annos, porque os contava desde a lei de 1817. Um largo periodo de vinte annos tinha mostrado a conveniencia dos methodos empregados, e os seus bons resultados.

Poder-se-ía ir mais longe que 1817, porque já d'antes datava o systema de contabilidade publica francez, que póde considerar-se como modelo, e que foi estabelecido no primeiro imperio, e depois em 1817, adaptado ás instituições representativas.

Não podemos desconhecer que nos trinta annos de governo representativo, a que se refere o sr. ministro da fazenda, o não temos adiantado tanto domo a França adiantou n'aquelles trinta annos; e ainda hoje estamos muito longe de satisfazer aos preceitos de uma boa contabilidade, e de possuirmos contas que prestem idéas claras, methodicas, e, por assim dizer, sintheticas dos factos que devem representar.

Não me parecia portanto que a occasião fosse, a mais propria para a codificação, porque os elementos d'ella estão ainda longe de attingir a perfeição desejada. Mas esta é questão de methodo. Se os methodos forem alterados, como terão de ser, mais tarde haverá codificação nova. Por esta simples questão de methodo não occuparia eu a attenção da camara.

A questão importante para mim é a questão de competencia...

O sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra.

O Orador: — O governo podia, dentro das suas attribuições, publicar um regulamento, ninguem o contesta; mas a questão não está n'isto, está em que não póde introduzir no regulamento disposições que têem caracter legislativo sem que para isso tenha auctorisação das côrtes. Da mesma maneira que disposições regulamentares, embora vão em uma lei, conservam a natureza regulamentar; assim as disposições de caracter legislativo, embora vão n'um regulamento, não perdem esse caracter.

Sr. presidente, eu folgo de que o sr. ministro da fazenda pedisse a palavra, e não hei de mesmo continuar por muito tempo, porque quero ter o gosto de ouvir as explicações de s. ex.ª; mas note s. ex.ª bem, que o que peço não é que se resolva no sentido das minhas opiniões; é que se examine. Estou fundamentando as minhas opiniões, e dizendo as rasões por que duvido. Estou persuadido, emquanto se me não provar o contrario, de que no regulamento geral de contabilidade publica ha disposições legislativas. Esta é a minha convicção, mas o que eu peço é que a camara examine por meio de uma commissão.

E agora acrescento que me é licito duvidar, quando o primeiro a duvidar foi o proprio sr. ministro da fazenda; foi ex.ª o primeiro que duvidou que o regulamento geral de contabilidade publica fosse puramente regulamentar; e tanto duvidou, que trouxe uma proposta de lei com referencia á organisação da junta do credito publico, que não é outra cousa se não a confirmação legislativa do regulamento. S. ex.ª declarou no regulamento que haveria um pagador thesoureiro; e como tal logar não existia, e não compete ao governo crear empregos, veiu agora propo-lo por uma lei.

Eu vejo indicada no relatorio dos srs. ministros, como fundamento da publicação do regulamento, em primeiro logar a disposição constitucional de que ao governo compete o publicar regulamentos, o que ninguem contesta. Em segundo logar parece querer-se fundamentar a auctoridade com que o regulamento é publicado, nas disposições dos artigos 3.° e 4.° do decreto n.° 2 de 19 de agosto de 1859. Como eu tive a honra de apresentar á sancção real este decreto, hesitei sobre se teria n'elle consignado doutrina, da qual de algum modo se podesse inferir que em materias de contabilidade ficava ao executivo a faculdade de legislar. A camara permittir-me ha que lhe leia os artigos citados do decreto n.° 2 de 19 de agosto de 1859, dos quaes me parece que de modo algum tal cousa se póde inferir:

«Art. 3.° Ao ministerio da fazenda pela direcção geral da contabilidade incumbe:

«1.° Prescrever as formulas e modelos, e expedir as instrucções precisas para simplificar, facilitar e harmonisar a escripturação a cargo de todas as repartições de contabilidade, e dos funccionarios d'ellas dependentes;

«2.° Promover por intervenção dos ministros respectivos a exacta observancia dos regulamentos e instrucções de contabilidade publica;

«3.° Reunir e centralisar todos os elementos necessarios para se organisarem as contas geraes do estado, a fim de serem enviadas nas devidas epochas ao tribunal de contas, e depois apresentadas ás côrtes;

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«Art. 4.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução do presente decreto.»

Eu não comprehendo como se possa d'aqui inferir que estas disposições ampliam as faculdades do governo em materias de contabilidade publica. E se tal cousa estivesse escripta no decreto, que não está, acabava-se ahi escripta uma disposição que não podia escrever-se, e que não podia ter execução, porque o governo não podia conferir a si mesmo faculdades que pela constituição lhe não competem.

Mas se muitas das disposições do regulamento geral de contabilidade de 12 de dezembro do anno passado se podem considerar regulamentares, e se podem considerar como execução e desenvolvimento dos preceitos do decreto de 19 de agosto de 1859, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu pergunte ao sr. ministro — se porventura está n'este caso a disposição dos artigos 41.° e 42.°?

Dizem elles o seguinte:

«Art. 41.° A lei annual das receitas deverá conter a auctorisação para o governo poder representar, dentro do respectivo anno economico, uma parte dos rendimentos por ella votados, e realisar sobre a sua importancia as sommas em dinheiro de que carecer para fazer face aos encargos do serviço publico.

«Art. 42.° Quando se der o caso da existencia de um deficit no orçamento geral do estado, a lei annual das receitas auctorisará o governo a supprir, pelos meios extraordinarios que a mesma lei deve indicar, a differença entre a receita e a despeza do respectivo anno economico.»

Pergunto — se determinar as condições da lei da receita os termos em que o parlamento ha de legislar, póde caber de modo algum em disposições regulamentares? Isto é legislar, e é quasi constituir.

Quanto ás prescripções que se encontram no artigo 60.°, que dão e tiram direitos aos credores do estado, não sei quem contestará que são tambem materia legislativa, pura e exclusivamente legislativa.

Diz o artigo 60.°: «São prescriptos e definitivamente extinctos em proveito do estado, todos os creditos que não tendo sido pagos antes da annullação das ordens de pagamento, respectivas ao exercicio a que pertencerem, não fossem por falta de reclamação ou justificação sufficiente liquidados, ordenados e satisfeitos no praso de cinco annos, contados da data da abertura do mesmo exercicio.

«§ 1.° Exceptuam-se os creditos pertencentes a menores e a outros que pelas leis do reino gosam do direito de restituição.

«§ 2.° Para os credores residentes fóra do territorio europeu o praso da prescripção é de seis annos».

Aqui estabelecem-se, dão se e tiram-se direitos. Eu não quero agora prevenir a resposta do sr. ministro, nem sei qual ella será. Se depois tiver a palavra, usarei d'ella para desenvolver este ponto. Mas sustento que no regulamento se estabelecem prescripções que não estão nas nossas leis.

Vamos ao artigo 67.º Mas primeiro direi á camara que eu bem sei onde se foi buscar a disposição d'este artigo.

O nobre ministro conhece-o, e até ahi tambem vão os meus apoucados conhecimentos. Sei bem qual é a fonte d'estas disposições: é o regulamento geral de contabilidade francez de 31 de maio de 1838; mas duvido muito que estejam lá bem comprehendidas.

Seja me licito n'esta parte ter uma opinião que não se conforma inteiramente com a dos seus illustres compiladores, porque n'esse regulamento geral de contabilidade não se prescrevem só regias de contabilidade, mas prescrevem-se tambem regras de pura administração, e de administração de ramos que em grande parte não pertencem mesmo ao ministerio da fazenda; estabelecem se regras para o concurso de obras publicas, regras para os fornecimentos ao estado, etc.

Mas diz o artigo 67.°: «Em regra, todas as obras de novas construcções, seja de que natureza forem, devem ser feitas por meio de concurso publico».

E diz o artigo 68.°: «A regra estabelecida no artigo antecedente soffre as seguintes excepções:

«1.ª Construcções navaes;

«2.ª As obras que por sua natureza e importancia não podendo estar sujeitas, sem inconveniente, a uma concorrencia illimitada, convindo por isso submette-las a restricções que não admittam ao concurso senão pessoas previamente reconhecidas pelo governo com os requisitos necessarios para as executarem, não offereçam em resultado das propostas dos concorrentes em praça preços razoaveis ou garantias seguras.

«3.ª As obras cujo custo não exceder a quantia de réis 1:500$000.»

Serão isto regras legislativas ou não? Serão isto regras de administração ou não? Em que leis anteriores achou o sr. ministro consignadas estas regras? Eu não digo se são boas ou más, noto apenas de passagem que é facil estabelecer em um artigo uma regra geral de concurso, que no seguinte se deixa ao arbitrio do governo supprimir o concurso. Mas sem discutir se a regra é boa ou má, e se a excepção está ou não bem definida, pergunto se isto são ou não prescripções legislativas sobre materias de administração?

Diz o artigo 70.°: «É perfeitamente applicavel aos fornecimentos para o serviço do exercito e da marinha, ou para qualquer outro serviço publico, a regra estabelecida no artigo 67.° d'este regulamento.»

Quer dizer — para fornecimentos do exercito e da marinha ha de haver concurso. Bem, nas nossas leis já o havia. Mas diz o

Ǥ unico. Exceptuam-se:

«1.° As compras de objectos para o expediente do serviço das repartições do estado, que são pagas pelas sommas destinadas ás despezas miudas das mesmas repartições, e em geral os fornecimentos cuja despeza não exceder a quantia de 1:500$000 réis.

«2.° Os fornecimentos que, em casos de reconhecida urgencia determinada por circumstancias imprevistas, não possa soffrer a demora da adjudicação em praça, ou que, por motivo de interesse do estado, não convenha fazer-se em hasta publica.»

Aqui temos nós no final do n.° 2.º do paragrapho uma larga excepção — ou que por motivo de interesse do estado não convenha fazer-se em hasta publica.

De certo, nunca se póde suppor que o governo resolva a não ser por interesse do estado; nenhum governo fará o contrario; e a ninguem mesmo seria licito suppor que o governo não tomasse qualquer resolução no interesse do estado como elle o entende. Mas desde o momento em que elle é o unico juiz d'esse interesse esta disposição quer dizer — haverá concurso ou não, conforme os ministros entenderem mais conveniente. Nem mais nem menos.

Ora esta auctorisação ao poder executivo para contratar fornecimentos em praça ou fóra de praça será materia de regulamento de contabilidade? Não me parece.

Eu creio portanto que não posso pôr a minha questão mais modestamente do que nos termos em que a ponho. O que para mim é certissimo apresento-o como duvida; as duvidas pedem exame; e é só o exame que requeiro á camara, é só o exame que solicito d'ella. E ouso esperar que o sr. ministro da fazenda, embora possa não concordar com todas as minhas observações, se não opporá pela sua parte, e não negará o seu voto á minha moção de ordem, quer dizer, a que o assumpto seja examinado.

Eu já fui ministerial tambem, já fui ministerial mesmo ao lado do illustre ministro da fazenda. S. ex.ª sabe perfeitamente — que n'aquelle tempo em que militámos nas mesmas fileiras politicas não era costume, e estimarei que não o seja nunca, negar-se o exame de questões d'esta ordem (apoiados), negar-se a sujeição d'ellas á prerogativa parlamentar, muito principalmente quando são questões que importam a divisão dos poderes (apoiados); divisão dos poderes, que é, segundo a doutrina expressa da carta constitucional, a primeira e a fundamental base do systema representativo (apoiados).

Termino por agora. Espero a resposta do sr. ministro, e se for necessario novamente pedirei a palavra.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — O illustre deputado começou dizendo que = não queria dar nenhuma feição politica a esta questão; mas queria unicamente que a camara examinasse, estudasse se effectivamente havia ou não no regulamento de contabilidade, publicado pelo governo, alguma disposição que importasse exorbitancia do poder executivo. Não queria fazer censura nem critica, não obstante não ter duvida, para si, em que effectivamente n'aquella parte se havia exorbitado =.

Eu faço completa justiça ás intenções do nobre deputado, e acredito que a paixão não o anima de certo n'este momento; mas fazendo eu completa justiça a s. ex.ª não posso deixar de reconhecer, e a camara tambem, que quaesquer que sejam as declarações que se façam de parte a parte, as cousas são o que são, e têem a significação que devem ter (apoiados), embora quem as apresente lhes queira dar uma outra feição e outro caracter, inteiramente inoffensivo e innocente, e só com o intuito de examinar a questão.

Eu sou tão partidario como o nobre deputado, e fazendo justiça a todos os meus collegas, como todos nós, da divisão dos poderes (apoiados), que é um fundamento da constituição do estado (apoiados); nenhum de nós contesta, nem póde contestar, esse principio; nem d'isso se trata. Do que se trata é de manter cada poder dentro da esphera das suas attribuições.

Se é um principio que o poder executivo não deve invadir as prerogativas do poder legislativo, igual principio é que o poder legislativo não deve invadir as prerogativas do poder executivo (apoiados), quando elle se exerce dentro da esphera das suas attribuições; porque se assim não fosse poderia n'um caso haver suspensão no direito de fazer leis, no outro como poderia haver suspensão no direito de administrar, entorpecimento e desordem na administração publica, e eliminação do principio sobre o qual se deve basear a responsabilidade ministerial (apoiados).

Portanto é necessario attender a toda esta ordem de principios, e não considerar a divisão dos poderes só em referencia a um dos ramos dos poderes do estado (apoiados).

O nobre deputado não quer dar feição politica a esta questão, e quer unicamente que a camara a examine muito bem.

Ha ao lado d'esta questão de divisão uma questão de fórma.

Pergunto: é esta a fórma regular por que uma camara deve examinar os actos do poder executivo, quando elle julga havê-los praticado dentro da esphera das suas attribuições? Não é (apoiados).

O poder executivo decretou uma medida, um regulamento, na convicção de que estava dentro da esphera das suas attribuições. De duas uma, ou o poder executivo decretou bem, tinha fundamento para o fazer, e a camara não tem que se occupar d'este assumpto, porque o poder executivo empregou a sua acção dentro dos limites das leis, e a camara não tem que examinar esse regulamento debaixo d'este ponto de vista, ou elle exorbitou, infringiu alguma lei n'um ou outro artigo.

N'esse caso qual é a marcha a seguir? O deputado que entende que o governo infringiu a lei n'um ou n'outro ponto, que exorbitou, formula os pontos em que a lei foi violada, em que o governo exorbitou, e apresenta a sua proposta; essa proposta vae á commissão de infracções, e a commissão resolve se o governo deve ser accusado ou merece bill de indemnidade.

Esta é que é a marcha regular (apoiados).

Se o simples facto de um deputado ter duvidas sobre se em um regulamento ha um ou outro artigo em que o poder executivo exorbitou, fizesse com que o regulamento inteiro fosse entregue ao exame de uma commissão, dizia-se n'um dia: «O regulamento está entregue ao exame da commissão, entregue ao juizo da camara». No dia seguinte vinha uma proposta expressa nos termos de se suspender a execução do regulamento por esse motivo (apoiados); e dir-se-ía: «Lá está o regulamento entregue ao exame da camara, isso prova que elle não presta».

Estou convencido que o sr. Casal Ribeiro não fez a sua proposta senão com a idéa da commissão examinar aquelles pontos sobre os quaes s. ex.ª tem duvidas; mas peço a s. ex.ª que se lembre — se a camara annuir aos desejos do nobre deputado s. ex.ª vê no dia seguinte, com pasmo seu, apparecer uma proposta para a suspensão do regulamento interno... (O sr. Casal Ribeiro: — Peço a palavra.), porque está entregue ao exame de uma commissão (apoiados); e pergunto — este é o modo regular do poder legislativo fiscalisar se o poder executivo andou bem ou mal? Não me parece, porque assim ía tolher-se a marcha administrativa do governo (apoiados). Pois por um ou outro sr. deputado duvidar se uma ou outra disposição de um regulamento tem materia legislativa ha de immediatamente a camara resolver que o regulamento seja avocado e examinado por uma commissão? Repito, não póde ser; porque assim ía-se tolher, sem mais formalidade, a acção do poder executivo em muitos dos ramos da administração, e o governo do estado deixaria de exercer o seu direito dentro da esphera das suas attribuições (apoiados). Entendo portanto que esta não é a marcha regular. Se no regulamento ha alguma cousa, algumas disposições (na minha convicção reputo que não ha), em que o governo exorbitasse, em que o governo violasse alguma lei, formule-se a accusação n'essa parte, e se não querem mesmo dar-lhe uma fórma tão acre, tão violenta, formule-se a duvida que ha, e peça-se que vá á commissão de infracções, e esta depois apresentará o seu parecer censurando o governo ou propondo um bill de indemnidade, caso que se não queira atacar o governo.

Isto é o que me parece a marcha regular, e não se tolhe a execução completa de um regulamento, e não se vae prender a acção administrativa do poder executivo antes de estar decidido se effectivamente n'uma ou noutra disposição houve violação de lei (apoiados). Portanto a questão pelo modo que a apresentou o nobre deputado, sem elle querer, repito, porque faço completa justiça ás suas intenções, tomava um caracter politico, porque dizia-se: «A camara mandou o regulamento a uma commissão»; e isto importa um voto de censura ao ministro que publicou esse regulamento (apoiados). Era a illação que immediatamente se tirava no dia seguinte, não s. ex.ª, porque é incapaz de faltar ao que diz, mas outros que não tivessem a mesma responsabilidade de s. ex.ª tirariam essa illação.

Não quero dizer tambem, que para sustentar o principio politico; para se não dar um voto de censura ao governo, se admitta tudo quanto está no regulamento como legal (que o é segundo me parece); examine, se se quer; mas examine-se segundo as formulas constitucionaes, e então a proposta tem de ser redigida n'outros termos, para se não entorpecer a acção regular do poder executivo (apoiados).

Disse s. ex.ª: «a minha moção não significa uma censura; não significa uma critica». Agradeço a sua benevolencia para comigo; significa unicamente uma duvida. Pois a camara comquanto respeite muito, como respeita, o nobre deputado, ou qualquer outro dos nobres deputados, póde estar aqui constituida em synedrio, ou em capitulo definitorio, para decidir as duvidas de um ou outro deputado? (Apoiados.) Não póde ser. Se o nobre deputado tiver duvidas tem uma formula regular para que a camara as possa attender; e n'esses termos a camara tomará conta d'ellas. Se fossemos resolver as duvidas que cada um póde ter, a camara occupar-se-ía de assumptos que lhe deviam ser extranhos, e andaria de um modo pouco regular (apoiados).

S. ex.ª teve a bondade da dizer que concordava com muitas das disposições do regulamento, e que mesmo n'aquellas em que lhe parece haver menos legalidade, não censura a doutrina; fez unicamente questão da fórma, e julgou que o governo do estado não estava dentro da orbita das suas attribuições, publicando-as. Isto até certo ponto já devia dar uma certa segurança á camara de que o regulamento não é tão mau, que não mereça a approvação de um homem tão distincto e de competencia especial, como s. ex.ª o sr. Casal Ribeiro. As duvidas que tem são unicamente com relação á fórma, é uma questão de legalidade. Já vê a camara que não é uma questão de essencia, de doutrina com respeito á materia do regulamento; e sem eu querer tirar o valor d'essa questão de legalidade, que o tem, e muito nos governos constitucionaes; sem querer, digo, tirar o valor que essa questão póde ter, e tem, é evidente que a execução do regulamento não tem os mesmos inconvenientes que teria se a sua doutrina fosse impugnada (apoiados).

Disse s. ex.ª que esta medida, já tinha sido premeditada em seu tempo, e que existia um trabalho de uma commissão a este respeito, e que s. ex.ª a tinha querido mesmo decretar, e leu, para assim o provar, um excerpto de uma folha do seu relatorio, que precede os decretos n.ºs 1 e 2 de 19 de agosto de 1859, acrescentando que não a tinha decretado por não julgar que o governo estivesse sufficiente mente habilitado para isto.

Ora, se isto prova a duvida que s. ex.ª teve, por outra parte como confirma a illação, que depois apresentou, de que não tinhamos ainda progredido bastante? Pois estamos

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em 1864, quer dizer, mais de quatro annos depois do decreto de s. ex.ª de 1859, como julga s. ex.ª que seja ainda cedo para se decretar a codificação de todas as disposições regulamentares sobre contabilidade, se em 1859 já s. ex.ª julgava que era tempo, e se não o fez foi porque se não julgou auctorisado?! Pois se a legislação que existia n'esse tempo ainda não era bastante aperfeiçoada para permittir desde logo a codificação, como é que s. ex.ª teve esse pensamento, e como é que diz que só por se não julgar auctorisado é que o não fez? (Apoiados.) E se teve esse pensamento, porque me quer hoje irrogar censura, porque eu o fiz quatro annos depois?!

Ora, esse projecto do regulamento de contabilidade, disse s. ex.ª que = estava feito então por uma commissão de homens distinctissimos nesta especialidade =. É verdade que este assumpto tinha sido estudado, e ahi está esse projecto que então se elaborou, mas esse projecto não é o regulamento que eu tive a honra de publicar. Ali formulam-se diversas idéas geraes que são communs ao regulamento actual e ao que ha sobre esta especialidade, porque todos vão á mesma fonte, mas estava bem longe de ser este trabalho um regulamento de contabilidade. E tanto o não era, que no ultimo artigo d'esse projecto, assignado por homens distinctissimos na especialidade como eram os srs. visconde de Algés, José Joaquim Lobo e Antonio de Paiva Pereira, que foram os que se occuparam d'este trabalho em outubro de 1857, anteriormente á entrada do sr. Casal Ribeiro no ministerio. Este ultimo artigo diz:

«Os regimentos especiaes dos diversos serviços de contabilidade, reunidos e codificados n'um só corpo de instrucções, applicados debaixo dos mesmos principios e das mesmas fórmas ás escripturações administrativas das receitas e despezas do estado, ás gerencias dos exactores e responsaveis, e á acção fiscal e judiciaria do tribunal de contas, constituem o regulamento geral da contabilidade publica que deve completar o systema de organisação geral d'este ramo de serviço, a que o presente decreto se refere.»

Portanto este projecto refere-se a uma organisação geral, e diz que = para se completar era indispensavel o regulamento geral de contabilidade =, e por consequencia este projecto não era o regulamento geral de contabilidade, visto que o reputava necessario para o seu complemento (apoiados).

Isto não quer dizer nada, porque podia o projecto ter sido estudado então, e eu não tenho a pretensão de ter inventado o regulamento de contabilidade; mas effectivamente esta é a verdade: o trabalho não estava feito, foi feito no meu tempo, de accordo com pessoas muito competentes que consultei e ouvi sobre esta materia, e não foi copiado de trabalhos anteriores.

Disse s. ex.ª, a respeito da codificação, que = ella só se devia fazer quando existissem já leis, regulamentos e instrucções praticas a respeito da contabilidade publica; em uma palavra, quando houvesse elementos para fazer uma codificação que prestasse, o que por emquanto não existia entre nós =. Se eu visse que entre nós não existiam já os elementos a que se referiu o illustre deputado, não tinha feito aquelle regulamento. Não quer isto dizer que elle seja perfeito; mas o proprio regulamento geral francez, feito em 1838, a que se referiu o illustre deputado, foi já refundido em 1862, e com bastantes alterações, o que prova que se o nosso tiver de ser alterado, não se póde dizer que seja por defeito organico d'elle, mas por defeito inherente a todas as instituições humanas, que não podem ser perfeitas, pois a perfeição só pertence á Divindade. Portanto se o regulamento geral de contabilidade, que publiquei, for susceptivel de correcção, o que não póde deixar de ser, como o são todas as cousas, especialmente as quebro referem a assumptos d'aquella ordem, cuja pratica é difficilima, e exige longos e aturados estudos, não póde isso admirar, porque o mesmo regulamento de 1838, francez, foi refundido em 1862, e lá vem um novo e extenso relatorio, feito até pelo mesmo cavalheiro a quem o illustre deputado se referiu, o marquez de Audifret, que felizmente ainda vive.

Mas disse s. ex.ª que = entre nós quasi que não havia ainda legislação que codificar, nem regulamentos =. Parece-me que s. ex.ª n'esta parte tratou com demasiado desfavor os esforços que se têem feito de 1834 para cá, e as diversas disposições que se têem publicado em differentes annos a este respeito, esquecendo que existe mesmo uma especie de regulamento de contabilidade feito em 1850, emfim que a contabilidade se faria por algum systema; parece que se esqueceu que esse systema foi estudado por pessoas competentes, como o sr. Carlos Morato Roma, homem de muito talento, instrucção e aptidão para esta especialidade, não se podendo dizer que o trabalho d'esse homem não foi nada, e que successivamente não foi sendo aperfeiçoado (apoiados). Aqui tenho esta nota que indica os differentes decretos, portarias, instrucções e cartas de lei, tudo a respeito de contabilidade publica anterior a 1834 e posterior a 1834, e que passo a ler, para a camara ver que alguma cousa existe:

«Carta constitucional de 1826, artigos 136.° a 138.°;

«Acto addicional á carta, artigos 12.° e 13.°;

«Decreto de 16 de maio de 1832; Decreto de 12 de junho de 1835;

«Decreto e instrucções de 2 de dezembro de 1835;

«Decreto de 30 de dezembro de 1839;

«Carta de lei de 16 de novembro de 1841;

«Instrucções de 8 de fevereiro de 1843;

«Regulamento de 18 de agosto de 1843;

«Instrucções de 21 de agosto de 1843;

«Decreto de 26 de setembro de 1849;

«Instrucções de 30 de outubro de 1849;

«Ditas de 9 de novembro de 1849;

«Decreto de 10 de novembro de 1849;

«Regulamento de 28 de janeiro de 1850;

«Dito de 11 de junho de 1850;

«Portaria de 20 de maio de 1853;,

«Dita de 10 de fevereiro de 1855;

«Carta de lei de 15 de junho de 1857;

«Portarias de 17 de junho e 30 de setembro de 1858;

«Decreto n.° 3 de 19 de agosto de 18591»

Portanto não é justo nem fundado o dizer-se que = se foi fazer uma codificação só pelo prurido de a fazer sem haver elementos para ella =. Havia, como fica demonstrado, uma legislação que successivamente se tinha promulgado sobre este objecto, com aperfeiçoamentos continuos.

O regulamento não fez senão systematisar, agrupar, harmonisar, colligir, uniformisar, codificar, n'uma palavra, todas estas disposições (apoiados). O regulamento não inventou disposição alguma legislativa, o regulamento não fez leis (apoiados). Portanto não invadiu as attribuições do poder legislativo, porque o poder legislativo pela carta constitucional vota todas receitas e despezas do estado. Não é infringir a lei dizer — o poder legislativo ha de votar todas as despezas e receitas do estado (apoiados). Não se fez senão repetir o facto (apoiados). Mesmo quando se tratou d'esta discussão houve quem fizesse, com muita justiça, um parallelo.

Pois dizer-se — tal facto existirá, porque está na ordem legal, na ordem constitucional que exista, isto importa, impõe á camara a obrigação de o praticar? Não. Pois, por exemplo, quando se faz uma tabua das marés, e se diz — haverá maré cheia ás oito horas e meia da manhã, e haverá maré vasia ás duas horas e meia, isto implica a violação das leis da natureza, e impõe uma obrigação ao Ente Supremo? (Riso.) Não de certo. Isto não é senão a explicação de um facto que está promulgado pelas leis da natureza e pela vontade do Ente Supremo. Creio que o nobre deputado, que respeita, como eu, o poder legislativo, não o quer collocar acima do Ente Supremo. E todavia diz se isto sem lhe dar nenhuma interpretação offensiva aos attributos da Divindade e das leis da natureza, porque se não faz senão annunciar um facto (apoiados). Dizer — haverá maré cheia ás tantas horas, será porventura ordenar que a haja, será invadir as leis da natureza? Não é assim. Não se faz senão annunciar o facto. Dizer que o parlamento fará isto, votará aquillo, será o mesmo que ordenar? Não, indica se unicamente o que o parlamento faz em virtude do seu direito, da constituição do estado e das leis (apoiados). Mais nada.

Vamos aos pontos precisos, determinados e definidos em que se suppõe que houve exorbitancia. Um d'elles refere-se ao thesoureiro pagador da junta do credito publico, e diz se que o governo tanto reconheceu que tinha havido exorbitancia n'este ponto, que tinha vindo legalisar o acto por uma proposta de lei. Não é exactamente assim.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Apoiado.

O Orador: — O decreto com força de lei n.° 1, de 19 de agosto de 1859, promulgado no tempo de s. ex.ª o sr. Casal Ribeiro, e que lhe faz muita honra, porque elle prestou um serviço ao paiz e á contabilidade publica, reorganisando o tribunal de contas sobre as bases convenientes, e estabelecendo assim o modo de regular a contabilidade judiciaria, que é indispensavel para o processo das contas. Mas n'este decreto, artigo 11.°, já se estabelece a regra de que o tribunal de contas tomará conta a todos os thesoureiros pagadores (apoiados) das diversas repartições do estado e da junta do credito publico. Designa-se mesmo — e da junta do credito publico. Portanto, esse decreto presuppõe que existe thesoureiro pagador da junta do credito publico; e tanto isto é assim, e tanto se entendeu por este modo que o tribunal de contas tem exigido as contas n'esses termos á junta do credito publico. E d'aqui tem nascido um conflicto entre a junta e o tribunal de contas; porque a junta entende que ella deve ser ordenadora e pagadora ao mesmo tempo, que deve accumular estas duas responsabilidades, que são inaccumulaveis e incompativeis; porque quem tem a responsabilidade da legalidade de uma despeza é quem a ordena, e quem tem a responsabilidade do pagamento, é quem paga. Ora quem paga não póde ao mesmo tempo ter o direito de ordenar, porque n'esse caso accumularia duas responsabilidades, que são incompativeis, e poderia dispor livremente dos meios que tem na sua mão a dependencia de ordem alguma. Portanto é um principio rudimental n'esta materia de que as funcções de ordenar e pagar são incompativeis, não podem existir no mesmo individuo. E assim tem entendido o tribunal de contas, e nos termos do decreto organico do mesmo tribunal tem pedido as contas á junta (apoiados). No regimento do tribunal de contas lá estão consignadas estas mesmas idéas, esta é a interpretação do decreto organico do tribunal de contas, e não podiam estar consignadas outras, porque quaesquer outras eram contrarias aos verdadeiros principios que devem reger a contabilidade publica. Portanto não fiz no meu regulamento mais do que s. ex.ª fez no seu decreto. Presuppuz a existencia d'esse thesoureiro pagador, e assim como s. ex.ª referendou o decreto no qual se auctorisava a junta a tomar contas a esse funccionario, eu suppuz tambem que elle existia. Mas não pratiquei illegalidade nenhuma, porque nem creei o emprego, nem lhe fixei o ordenado. Suppuz que de facto elle existia na junta do credito publico, assim como o suppoz o nobre deputado quando foi ministro (apoiados).

Portanto, já se vê que não infringi lei alguma; fiz exactamente o mesmo que fez o illustre deputado quando referendou o decreto de 19 de agosto de 1859. E como se deprehendia das leis existentes que havia um thesoureiro pagador, não obstante existir esta duvida a respeito do empregado, entendi que era melhor em logar de presuppor a existencia d'elle, que acabassemos este conflicto, e que se interpretasse e declarasse a lei de um modo authentico. Por conseguinte, torno a repetir, não se apresenta nenhum acto illegal por mim praticado.

E disse-se que eu era o proprio que vim reconhecer que tinha violado a lei! A camara vê que eu fiz uma proposta para interpretar e declarar uma lei, e mais nada (apoiados).

Qual é a outra accusação? Tambem se me fez uma accusação, porque estabeleci a prescripção para as dividas do estado, que não estava auctorisada na nossa legislação. Ora, todos que conhecem as ordenanças de fazenda de 17 de setembro de 1516, capitulos 209.°, 210.° e 211.º; sabem perfeitamente que é um principio da nossa legislação a prescripção d'essas dividas dentro do praso de cinco annos que marquei (apoiados). Argumenta-se que essas ordenanças da fazenda são obsoletas. Mas este argumento não é exacto por dois fundamentos, ambos muito valiosos. Primeiro, porque existindo, nos capitulos a que acabo de me referir, a prescripção pelo que respeita ás dividas dos particulares para com a fazenda, n'esta parte tem sido applicado o capitulo 210.°, e nunca se entendeu que esta legislação tinha caducado ou era obsoleta; e isto é a confirmação do que acabo de dizer, para mostrar que tal legislação nunca se entendeu que era obsoleta.

E porque é que á face d'esta mesma legislação haviam de prescrever as dividas activas do estado e não as passivas? Pois então ha prescripção para as dividas activas do estado, e para as passivas não? Se não caducou para as dividas activas do estado, tambem não deve caducar para as passivas (apoiados). Mas os argumentos que se citaram para provar que esta legislação tinha caducado, são contraproducentes, porque se ha leis posteriores que estabelecem a excepção, como a lei de 1853 e as outras, isso não faz se não confirmar a regra, e provar que as ordenanças de 1516 vigoram (apoiados).

Portanto, esta legislação está em vigor, não está obsoleta, e se eu não fiz mais de que consignar o principio que está na lei, como é que eu infringi a lei? (Apoiados.)

Não só não infringi lei nenhuma, mas passei para o regulamento um principio que é conveniente e que é proclamado como o principio mais util pelo proprio marquez de Audifret que se citou; principio que está introduzido em França, na Belgica e em toda a parte onde está bem organisada a contabilidade publica.

Por consequencia, não se pôde dizer que esta lei é obsoleta. Não é assim.

Ora, parece-me, que estando o governo auctorisado pela lei fundamental do estado para fazer os regulamentos para a execução das leis, eu creio que se lhe não pôde negar esse direito, quanto á contabilidade publica, que é um ramo importante da administração do estado. Ora se se não póde negar ao governo a auctorisação para codificar todas as disposições relativas a este negocio, auctorisação que se deriva da carta, e alem d'isso está reconhecida e enunciada nos artigos 3.° e 4.° do decreto n.° 2, com força de lei de 19 de agosto de 1859, referendado pelo sr. Casal Ribeiro, que dizem os artigos 3.° e 4.° do referido decreto? Dizem:

«Artigo 3.° Ao ministerio da fazenda, pela direcção geral da contabilidade, incumbe:

«1.° Prescrever as formulas e modelos, e expedir as instrucções precisas para simplificar, harmonisar e facilitar a escripturação a cargo de todas as repartições de contabilidade e dos funccionarios d'ellas dependentes.

«2.° Promover, por intervenção dos ministros respectivos, a exacta observancia dos regulamentos e instrucções de contabilidade publica.

«3.° Reunir e centralisar todos se elementos necessarios para reorganisarem as contas geraes do estado, a fim de serem enviadas nas devidas epochas ao tribunal de contas, e depois apresentadas as côrtes.

«Art. 4.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução do presente decreto.»

Portanto se estas disposições não importam uma auctorisação dada ao governo, como pretende o illustre deputado, significam pelo menos que elle entendeu que o governo tinha direito de regular a contabilidade publica.

Ora isto não se podia fazer sem um regulamento (apoiados). Logo estava reconhecida a necessidade do regulamento e a legalidade com que elle se podia fazer (apoiados); porque não se refere só á escripturação a cargo do ministerio da fazenda, mas a cargo de todas as repartições de contabilidade de todos os ministerios: logo, repito, reconheceu-se a necessidade de se fazer este regulamento e a legalidade d'essa providencia (apoiados).

Vozes: — Já deu a hora.

O Orador: — Como a hora já deu, e eu ainda não conclui as reflexões que desejo fazer sobre este negocio, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para a primeira sessão.

O sr. Presidente: — Fica reservada a palavra ao sr. ministro da fazenda. Na quarta feira não ha sessão, e a ordem do dia para sexta feira é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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