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SESSÃO DE 14 DE FEVEREIRO DE 1882

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar ferreira de Mesquita

Summario

O sr. deputado Cunha Bellem faz algumas considerações ácerca da saude publica - Por proposta do sr. Luciano Cordeiro resolve-se que seja eleita numa commissão de sete membros para dar parecer sobre a proposta de lei que revela o governo de ter promulgação medidas com caracter legislativo; e que, exceptuando esta e as outras especiaes já auctorisadas pela camara, todas as outras que ainda o não foram sejam nomeadas pela mesa - Continua a discussão do projecto de resposta ao discurso da corda: falla o sr. Antonio Maria de Carvalho.

Abertura - Ás duas horas da tarde.

Presentes - 63 Srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão os srs.: - Abilio Lobo, Agostinho Lucio, Agostinho Fevereiro, Alberto Pimentel, Sarrea Prado, Azevedo Castello Branco, Gonçalves Crespo, Pereira Côrte Real, A. J. d'Avilla, Cunha Bellem, Antonio Maria de Carvalho, Santos Viegas, Seguier, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Fonseca Coutinho, Trajano de Oliveira, Augusto de Castilho, Zeferino Rodrigues, Barão de Ramalho, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, Fillippe de Carvalho, Firmino Lopes, Mouta e Vasconcellos, Coelho e Campos, Francisco Patricio, Gomes Barbosa, Correia Arouca, Hermenegildo da Palma, Jayme da Costa Pinto, Rodrigues da Costa, Searnichia, Ribeiro dos Santos, Sousa Machado, J. A. Neves, J. J. Alves, Amorim Novaes, Dias Ferreira, José Frederico, Figueiredo de Faria, Teixeira de Queiroz, J. M. Borges, José de Saldanha (D.), Pinto leite, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz da Camara (D.), Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Guedes Bacellar, Miguel Dantas, Miguel Candido, Miguel Tudella, Pedro Martins, Barbosa Centeno e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: Lopes Vieira, Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Mello Ganhado, Pereira Carrilho, Postsch, Fuschini, Saraiva de Carvalho, Castro e Solla, Brito Côrte Rel, Conde de Bomfim, Conde da Foz, Conde do Sobral, Borja, Emygdio Navarro, Estevão de Oliveira Junior, Eugenio de Azevedo, Vieira das Neves, Gomes Teixeira, Wanzeller, Guilherme de Abreu, Silveira da Motta, Illydio do Valle, Jeronymo Osorio, J. A. Pinto, Brandão e Albuquerque, Ferrão Castello Branco, Avellar Machado, José Bernardino, Borges de Faria, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Rosa Araujo, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Sousa Monteiro, Pereira de Mello, Malheiro, Gonçalves de Freitas, Luiz Palmeirim, M. J. Vieira, Pinheiro Chagas, Vicente da Graça, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Pedro Correia, Pedro Franco, Tito de Carvalho, Visconde de Alentem, Visconde de Porto Formoso e Visconde de Reguengos.

Não compareceram à sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Sousa Cavalheiro, Ignacio da Fonseca, A. J. Teixeira, Pinto de Magalhães, Diogo de Macedo, Pinto Basto, Ferreira Braga, Vaz Monteiro, Rocha Peixoto, Silva e Matta, Pedro Roberto, Dantas Baracho e Visconde de Balsemão.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministério do reino, remettendo o parecer da faculdade de medicina da universidade de medicina da universidade de Coimbra e as consultas das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, com relação á reforma do ensino pharmaceutico.

Á secretaria.

2.º Do ministerio da fazenda, enviando as consultas da junta de credito publico ácerca da organização da caixa geral de depositos e da caixa economica portuguesa.

Á secretaria.

3.º Do mesmo ministerio, enviando alguns documentos relativos á liquidação de varias contas da responsabilidade da junta do credito publico.

Á secretaria.

Representações

1.ª Da camara municipal do concelho de Silva, pedindo para que se mande proceder aos estudos e em seguida á canalização da ria que de Sines conduz ao Porto de Villa Nova de Portimão.

Apresentada pelo sr. deputado Figueiredo Mascarenhas e enviada á comissão de obras publicas.

2.ª Dos escripturrarios do escrivão de fazenda do concelho de Leiria, pedindo augmento de ordenado.

Apresentada pelo sr. Amorim Novaes, e enviada á comissão de fazenda.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. - O regulamento geral do serviço de pilotagem das barras e portas do continente e ilhas adjacentes, approvado por carta de lei de 6 de maio de 1878, está há annos em vigor, e não tem ainda sido alterado em parte alguma do seu contrato.

Na minha qualidade do porto de Setubal, durante os dois ultimos annos, tive occasião de o examinar com attenção, e de reconhecer pela pratica alguns pontos em que elle carece, pelo que respeita áquella porto, de pequenas e insignificantes modificações.

Estabelece o dito regulamento que o pessoal da corporação dos pilotos da barra de Setubal constará de um piloto mór, um sota-piloto mór e doze pilotos, ao quaes serão divididos em duas esquadras para a entrada e saida das embarcações.

Estas esquadras alternar-se-ão semanalmente, como tambem o piloto mór e o sota-piloto mór, devendo um d'elles achar-se sempre a bordo do hiate do serviço da barra.

Diz tambem o mesmo regulamento no artigo 19.º que o piloto mór é um dos tres claviculares do cofre da corporação onde se arreedam as importancias das pilotagens, e é claro que esta disposição é de todo o ponto imcompativel com o precedente, a não ser que o piloto mór entregue a outra a sua chave do cofre na occasião de sair para a barra na semana que lhe incumbe esse serviço.

Por outro lado o serviço mais importante dos superiores da corporação é sem duvida nenhuma o da arrecadação e divisão dos dinheiros e o da direcção da escola dos pilotos que devem pilotar os navios de saida, e que devem substituir gradualmente no hiate da barra os que forem entrando.

É o piloto mór, além d'isso, o intermediario entre o capitão do porto e os pilotos, e deve portanto achar-se sem-

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pre a terra e ao seu lado, para receber as suas ordens e transmittil-as.
Ha ainda outra consideração, que é importante e se refere á disciplina e boa ordem da corporação. É claro que, sendo o piloto mór obrigado a estar uma semana a bordo do hiate na barra, n'uma quasi ociosidade, em contacto intimo e immediato e de todos os momentos com os pilotos, que em geral pertencem a uma classe que não prima pela boa educação, e isto n'um espaço tão restricto, estabelece-se para logo uma tal liberdade prejudicialissima, mas inevitavel, que tende a enfraquecer o respeito e o pretigio que o piloto mór deve aos seus subordinados inspirar.

Para evitar esses diversos inconvenientes é que no presente projecto se propõe a maneira de prover ao bom desempenho do serviço, conservando em terra o piloto mór da barra de Setubal.

Outro ponto em que o regulamento de pilotagem carece de ser modificado é a importancia a cobrar pela pilotagem de entrada e saída, a qual é actualmente demasiadamente baixa, sem que o commercio e a navegação se eximam a pagar mais. A navegação que principalmente frequenta o porto de Setubal é composta de navios que vem dos portos do norte da Europa em busca de sal, que é, por assim dizer, o unico artigo de exportação. Succede, porém, que, quando em consequencia de más colheitas ou da especulação de alguns, o preço do sal se eleva, a navegação busca esse genero n'outros portos, e abandona o do Setubal. Essa terrivel crise, que se faz sentir mais ou menos directamente sobre todas as classes de trabalhadores d'aquella importante cidade marítima, é sobremodo ardua para os pilotos da barra, que se acham então privados da sua unica fonte de receita.

É tão verdade isto, e são tão exíguos os proventos d'aquella prestante corporação, que, quando ultimamente se abriu concurso para a admissão de alguns pilotos, ninguem a elle quiz concorrer nas condições exigidas pelo regulamento, sendo depois necessario que superiormente fossem dispensadas algumas d'essas condições, aliás importantes, para assim se poder completar o quadro com homens que, perante a lei, não podiam nem deviam ser admitidos n'elle.

Pareceu, pois, que se podia sem inconveniente elevar as pilotagens, e que
portanto se devia fazel-o, para assim collocar classe dos pilotos em melhores condições economicas de poder affrontar as crises que por vezes a tem a illigido.

Fez-se isso, porém, de modo que não podesse servir do novo estorvo á navegação. Para esse fim elevou-se de 150 a 200 o numero de metros cubicos que devem ser computados a 30 réis cada um, e fixou-se em 10$000 réis em vez de 8$000 réis, e em 3$000 réis em vez de 2$500 réis a maxima e a minima paga de pilotagem, seja qual for o numero de metros cubicos que tenha a embarcação.

A similhança tambem do que se pratica no Tejo, julgou-se dever dividir na estação de saude a juzante da cidade de Setubal o serviço da entrada da barra, d'aqulle que é propriamente trabalho no rio e amarração do navio.

Em vista de todas as ponderações acima feitas, e para se evitar que os pilotos da barra de Setubal busquem n'outras occupações um modo de vida mais remunerador, como já alguns tinham feito, e visto que se póde conseguir isso sem despendio algum para o estado, tenho a honra de apresentar o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° O artigo 158.º, capitulo 14.º do regulamento geral do serviço do pilotagem das barras e portos do continente e ilhas adjacentes, approvado por carta de lei de 6 de maio de 1878, fica substituído pelo seguinte:

"O pessoal da corporação dos pilotos da barra de Setubal é o seguinte:
"1 piloto mór;

"2 cabos de pilotos;

"10 pilotos."

Art. 2.º O artigo 159.º do mesmo regulamento fica substituido pelo seguinte:

"O serviço dos pilotos será feito por duas esquadras, uma para a pilotagem de entrada a bordo do hiate, dirigida alternadamente e ás semanas por cada um dos cabos; e a outra para a pilotagem de saida dos navios e trabalhos do rio, dirigida de terra pelo piloto mór, o qual tambem tem a seu cargo o cobrança e divisão dos dinheiros da pilotagem e a superintendencia em todo o material naval da corporação."

Art. 3.º O artigo 162.º do mesmo regulamento fica substituido pelo seguinte:

"As pagas de pilotagem de saida e entrada até á estação de saude, e trabalhos no rio, são os seguintes:

"Embarcações de longo curso á véla ou a vapor:

"Pilotagem de saida e entrada até á estação de saude,
"Até 200 metros cubicos, cada metro, 30 réis.
"Cada metro cubico a mais, 10 réis.
"Maxima paga de pilotagem, seja qual for o numero de metros cubicos que meça a embarcação, 10$000 réis.
"Minima dita, 3$000 réis.
"As embarcações costeiras, quando receberem pilotos pagarão na mesma rasão dos navios de grande curso, não devendo comtudo a maxima paga, seja qual for o numero de metros cubicos, exceder a 4$000 réis, nem a minima baixar de 2$000 réis.
"Trabalhos do rio Sado:
"A paga ao piloto por trabalho no rio, não excedendo um dia, em embarcação de longo curso, 1$200 réis.
"Por dia a mais alem da ração, 800 réis.
"A paga ao piloto por trabalhos no rio, não excedendo um dia, em embarcação de navegação costeira, 1$000 réis.
"Por dia a mais, alem da ração, 600 réis."
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das Sessões da camara dos deputados, 13 de fevereiro de 1882. = Augusto de Castilho.
Foi admittido e enviado á commissão de marinha, ouvida a de guerra.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei por mim apresentado na sessão de 6 de fevereiro de 1878, e que teve segunda leitura na sessão de 12 do corrente mez (pag. 343 do Diario da camara. = Antonio Manuel da Cunha Bellem.

Foi admittido e enviado ás commissões de marinha e de guerra.

O sr. Frederico Costa: - Mando para a mesa o seguinte projecto de lei:
(Leu.)

Acompanha este projecto de lei uma representação de varios eleitores da freguezia da Branca, concelho de Albergaria a Velha, comarca de Agueda, districto de Aveiro pedindo a annexação d'aquella freguezia ao concelho e comarca de Estarreja.

Aproveito estar com a palavra para mandar para a mesa um requerimento do sr. Joaquim José Alves, capitão quartel mestre de estado maior de artilheria.

Este official queixa-se de estar preterido por dois outros que nomeia, e pede para ser indemnisado na preterição que soffre, só para os effeitos da reforma.

Peço a v. exa. que dê a este requerimento o competente destino.
O sr. Aralla e Costa: - Mando para a mesa o seguinte projecto de lei, que vem acompanhado de uma representação da comarca municipal da villa de Ovar, em sentido favoravel ao mesmo projecto.
(Leu.)

O sr. Correia de Oliveira: - Mando para a mesa a seguinte participação.

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Leu-se na mesa a seguinte:

Participação

Declaro que não compareci ás ultimas sessões da camara pelo motivo justificado do lugubre, e para mim muito funesto acontecimento, da morte de meu prezado pae. = Manuel Correia de Oliveira.

Á secretaria.

O sr. Cunha Bellem: - Quando hontem o illustre ministro do reino declarou que ía hoje ter uma conferencia com a camara municipal de Lisboa, para tratar do saneamento da capital, tive desejo de pedir logo a palavra para me congratular com s. exa. por esse facto . Realmente a questão de maior importancia para o nosso paiz é a que diz respeito a todos os ramos de saude publica. (Apoiados.)

Não pedi hontem a palavra para affirmar o meu applauso á iniciativa do sr. ministro do reino, por ser já tarde e por ver que a camara estava impaciente para passar á ordem do dia.

Cumpro hoje um dever de consciencia, e um dever da profissão que exerço; de entreter a camara por alguns minutos sobre assumptos, de saude publica, que, se não excitam as paixões politicas, nem interessam talvez aos debates parlamentares, interessam seguramente a um dos ramos mais importantes, a uma das affirmações mais accentuadas da civilização e do progresso do nosso paiz. (Apoiados.)

São estas as reformas que o paiz não pede muitas vezes, mas que a sciencia tem obrigação de lhe dar; são estas as reformas de que todos os paizes cultos se occupam, e que têem a honra de ser tratadas em todos os parlamentos do mundo. (Apoiados.)

As grandes questões do saneamento da capital, especialmente as que lhe dizem respeito ao systema do esgoto e do saneamento da margem norte do Tejo, são as questões capitaes; é d'ellas que depende o melhor e mais perfeito estado da atmosfera que nos cerca.

Todavia, alem d'estas já outras questões que parecem de secundaria importancia e influencia, que não são de effeitos tão sensíveis, e não prendem por isso tão profundamente as attenções, nem são tão apreciadas, mas que cooperam tambem como factores importantes para a questão de salubridade publica. (Apoiados.)

Pelo pouco que tenho visto nos paizes estrangeiros, e pelo que tenho estudado; pelo aproveitamento que tenho tido de conversas com collegas distinctissimos, e, entre elles, com um collega muitissimo illustrado, com quem tenho feito, muitas vezes, estudos no paiz e no estrangeiro, o sr. dr. Guilherme Ennes, reflectindo nas condições de salubridade de Lisboa, ás vezes em estudos de hygiene militar, ás vezes nos trabalhos de jornalismo medico, e não raro tambem nas agradaveis palestras, n'essas longas horas de caminho de ferro, ao percorrer diversos paizes da Europa, tenho pensado que muitos melhoramentos se podiam introduzir em Lisboa e no Porto, as duas cidades em que, por maior accumulação de produção e mais alto grau de civilisação, as necessidades são mais urgentes, e em que estão ainda completamente descurados os ramos de serviço medico-sociaes apenas na sua infancia. (Apoiados.)

Nós temos muita manifestação de civilização, temos caminhos de ferro, temos estradas, temos escolas, temos o progresso debaixo das suas multiplices fórmas, mas não temos nada, absolutamente nada, do que diz respeito aos melhoramentos e progressos no ramo que interessa á saude publica. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Nós temos ainda, por exemplo, e eu queria chamar para isto a attenção do sr. ministro do reino, o facto deplorabilissimo de estarem os cemiterios dentro dos muros da cidade, dentro do povoado. (Apoiados.) Temos o cemiterio protestante, o cemiterio dos israelitas, o cemiterio dos lutheranos, onde os mortos estão ao lado dos vivos; onde está a morte a inficionar a vida.

Eu, moro perto d'esses cemiterios, sei que muitas pessoas se têem queixado do mau cheiro que muitas vezes ha na atmosphera, na occasião em que se realisam os enterramentos; e embora se diga que aquelle bairro tem sido um dos mais salubres, isso não é rasão para que o abandonemos, para que não tratemos de o tornar melhor, de o conservar bem; porque é uma condição perfeitamente racional, porque é uma lei imperiosa da civilisação afastar os mortos para bem longe dos vivos. (Apoiados.)

Não venho apreguar as idéas do incineração para o nosso paiz. Sei que na Italia se está já pondo em pratica, com vantagem, e conquistando sympathias o processo da cremação dos cadaveres, mas sei tambem as objecções que a este respeito se podem fazer, debaixo do ponto de vista religioso e debaixo do ponto de vista medico-legal; e não ignoro que propor tal seria uma inopportunidade para o nosso paiz. Respeito as crenças religiosas de todos, mas impressiona-me mais o risco de destruir indicios ou provas de crimes por este processo da incineração.

Sei igualmente que ha medicos muito distinctos que entendem que a inhumação feita em condições perfeitamente hygienicas, preenche os fins que se deve ter em vista em relação á salubridade publica.

Pedia, pois, ao sr. ministro do reino que, occupondo-se, como prometteu já occupar-se, das condições de salubridade da cidade de Lisboa, cuidasse de remover para bem longe da capital a necropole, como acontece em Londres e como acontece em todos os paizes que querem ter os fóros de nações civilisadas. (Apoiados.)

Mas não é só pelos cemiterios que vicia a atmosphera das povoações. Ha muitos modos de propagar as doenças inficiosas, e ha muitas doenças que assim se propagam.

Nós temos uma pratica deplorabilissima, e para a qual tambem queria chamas a ttenção do sr. ministro do reino, que sinto não estar presente; é a venda do espolio dos pobres que morrem no hospital de S. José.

Isto é mais do que bárbaro, é selvagem. (Apoiados.)

Todos que conhecem as descobertas do immortal Pasteur, e ellas são hoje do domínio publico, sabem que ha doenças que se contagiam até pelo fato. Não temos ainda sequer no primeiro hospital do paiz, no hospital de S. José, um forno de ar quente, de uma temperatura elevadíssima, acima de 100º, que é o unico meio capaz de matar o nicrobo. E eu que desejo a maxima liberdade para todos e para tudo, só a não desejo para microbo; e eu que amo a tolerancia, só não quero que sejam tolerados os meios de propagação da doença.

Os tristes despojos da miséria são vendidos em basta publica, para que o hospital possa haver um vergonhoso rendimento; e d'ahi, espalhados pelos adellos, vão inficionar milhares de famílias. (Apoiados.) Esta questão é tão importante como a da canalisação. (Apoiados.)

Acontece tambem entre nós, como em paiz algum se vê, que se transportam os doentes de molestas contagiosas contagiosas nas carroagens que transitam na via publica.

Quando qualquer individuo tem o seu creado ou creada com bexigas negares, febre typhoide, escarlatina ou qualquer moléstia contagiosa, chama o primeiro trem que passa e manda n'elle o doente para o hospital de S. José ou casa de saúde. Se esse teem, no regresso, encontra uns noivos que querem ir passar um dia alegre a Cintra ou ao Campo Grande, vão ahi receber a infecção d'aquelle meio inficionado.

Isto não se faz em parte nenhuma; em toda a parte ha estabelecimentos proprios de carruagens para transportar os doentes ás casas de saúde, nos hospitaes ou ás casas de campo, e nota-se que isto não custa muito dinheiro; basta um poucochinho de boa vontade; e entretanto é preciso attender-se a estas cousas que são do interesse de todos. (Apoiados.)

Tambem em toda a parte, até mesmo onde não ha uma organisação tão perfeita e tão completa, como é a da As-

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sistence publique, de Paris, se cuida de desinfectar as casas e a mobilia de gente pobre. Entre nós não ha nada estabelecido a este respeito, n'uma familia onde se dê um caso de doença inficiosa, os individuos não atacados ficam a viver, direi antes a vegetar, n'aquella atmosphera, que é perigosa, que é que é envenenadora e que finalmente póde ser mortífera. (Apoiados.)

Peço desculpa á camara de lhe estar roubando algum tempo, mas esta questão é tão importante, tenho tanto a consciencia do meu dever, e reconheço tanto a illustração do parlamento portuguez, que não posso deixar de lhe expor mais algumas considerações a este respeito.
Entre nós, ha muito medo da febre amarella e do cholera-morbus, mas ao mesmo tempo tem-se olhado com desdem para a variola, que é ainda hoje a mais mortifera das epidemias.

Não temos lei de vaccinação obrigatoria! É certo que atacâmos a liberdade individual d'aquelles que se alistam no exercito e na armada, obrigando-os a vaccinarem-se, mas respeitâmos essa liberdade nos individuos do sexo feminino e nos que não são chamados no serviço das armas, não os obrigando a vaccinarem-se!

Em muitos paizes, como v. exa. sabe, ha a vaccinação obrigatoria; e a França tem pendente da discussão do parlamento uma lei de vaccinação obrigatoria, com sancção penal contra os paes ou tutores de creanças que as não mandarem vaccinar até á idade de um anno, e não as fizeram revaccinar em periodos deconnaes. Esta lei, que não está ainda approvada, é de um grande alcance e de uma grande importancia para a saude publica. (Apoiados.)

A Suissa, mais sensatamente, promulgou uma lei de vaccinação, indirectamente obrigatoria; porém nós não temos nada com respeito á vaccinação senão no exercito e armada, senão para a admissão das creanças, nos asylos e escolas; mas nas fabricas, nas oficinas e nos pontos onde se accumula muita gente, não ha nada que possa garantir da variola a communidade.

Bem sei que a Inglaterra, por uma comprehensão demasiado theorica da idéa de liberdade, não tem a vacinação obrigatoria.

Ora eu quero conceder que cada um tenha a liberdade de ter bexigas, mas não quero que vá até ao ponto de ter a liberdade de as communicar aos outros; quem quizer tel-as, esteja em sua casa sósinho e tenha-as, muito embora; mas não vá por-se em successivo contacto official e officioso com os outros. (Muitos apoiados.)

O outro ponto para que queria chamar a attenção do sr. ministro do reino, é a raiva canina. Em toda a parte ha medidas curativas e medidas preventiva muito importantes ácerca da raiva. Ainda ha pouco tempo a prefeitura do Sena publicou umas instrucções muito sensatas, que fez espalhar largamente, e indicando quaes os meios de que se havia lançar mão quando qualquer indivíduo fosse mordido por cão damnado ou suspeito; e n'aquelle paiz, em que o direito de pratica medica é uma cousa seria, abriu-se uma excepção para os casos de raiva, e permittiu-se que todos os pharmaceuticos podessem fazer o tratamento das mordeduras de cão
damnado e fazer a cauterisação com o ferro em braza, permittindo-se igualmente que qualquer transcunte podesse fazer a applicação da cauterisação em casos de mordedura de animal suspeito da raiva.

N'outros paizes há o açaime obrigatorio para todos os cães; e a ultima vez que estivemos em Bordéus, um medico muito trabalhador e muito distincto mostrou-nos uns estudos estatisticos de quasi todos os paizes da Europa, provando que os casos de raiva na especie humana são muito mais raros onde há o açaime obrigatorio. Pediu-nos esse medico que lhe mandassemos as instrucções vigentes em Portugal, e nada podémos mandar-lhe, porque nada há.

Em Portugal não temos lei alguma que obrigue o uso do açaime, e, comtudo, alem da enorme quantidade de cães que infestam a cidade, por toda a parte se encontram cães vadios, o que é um grande perigo para a mais terrivel das doenças.

Uma voz: - Há Santa Quiteria de Meca.

O Orador: - Temos Santa Quiteria de Meca, é verdade! mas o progresso vae mais longe do que a Santa Quiteria, o qual é tambem um perigo, porque ainda ha convicções de que Santa Quiteria de Meca é superior aos esforços da sciencia, porque essa fé absurda leva muitos ignorantes a não se tratarem a tempo pelos unicos meios que podem evitar a inoculação do virus.

Como essa Santa Quiteria de Meca e outras mais em estaturas nos altares ha muitas de carne e osso que promettem curas milagrosas, prejudicando os legitimos interesses da sciencia e dos homens que exercem a clinica com muita dignidade, e illudindo o publico, abusando da sua boa fé, explorando as suas convicções e prejudicando a sua saude.

Já que fallei em falsificações, deverei tambem lembrar os laboratorios para a inspecção dos generos alimenticios, que actualmente estão adoptados em toda a parte menos entre nós.

Ha muita gente que tem receio se ser envenenada pelo microbo dos canos, e não tem receio do ser envenenada pelo vinho fuchsinado, pelo pão aluminado, pelo leite adulterado e por todas as contratações contra as quaes não temos garantia alguma, porque não sabemos se o que comprâmos para nossas casas, com o nosso dinheiro, que representa o suor do nosso rosto, está ou não no seu verdadeiro estado de pureza.

Portanto, parecia-me de toda a conveniencia que em Lisboa se estabelecessem os laboratorios á similhança dos que existem em França e que esta medida fosse extensiva a todas as populações importantes, porque em todas ellas se faz em larga escala a adulteração do generos alimenticios.

Nos laboratorios de inspecção que existem em França, analysam-se os generos, a requesição do comprador, e tambem o consumidor póde ir ali comparar os generos que compra com as amostras d'esses mesmos generos em perfeito esta de pureza, que ali existem, e, se reconhecem que o genero é falsificado, o vendedor é obrigado a pagar uma multa enorme.

É por estes pequenos meios que se coopera para o melhoramento das condicções de saude publica.

Nós damos instrucção ao povo, temos aberto numerosas escolas, mas não temos absolutamente nada que se pareça com inspecção hygienica d'essas escolas.

A creança aprende a ler, aprende os primeiros rudimentos da instrucção, mas aprende tambem a ficar viciosa na sua estructura, a ficar rachitica, a estragar a sua vista; emfim, poderei ficar muito illustrada mas fica tambem muito estragada.

Em toda a parte onde há escolas há inspecção de hygiene escolar, para vigiar os methodos de ensino, o material das escolas e tudo quanto aquelle importantissimo ramo dos serviços publicos tem e póde ter, debaixo do ponto de vista hygienico. Não é só mandar ensinar as creanças, desenvolver-se o espirito e illustrar-lhe o animo; é tambem preciso simultaneamente desenvolver o corpo e tornal-as sadias para que a par de homens illustrados sejam homens vigorosos, e possam prestar á patria todos os serviços que d'elles reclame. (Apoiados.)

E o que digo a respeito das escolas, digo tambem com relação ás casas de banhos.

Não ha paiz nenhum onde se não exerça uma grande inspecção sobre estes estabelecimentos.

A Hespanha, que citâmos frequentemente como atrazada, e não com muita rasão por vezes, tem já hoje nas suas principais cidades, inspectores dos estabelecimentos de banhos, como tem algumas outras praticas dos paizes mais adiantados, o que é certamente devido ao proximo contacto em que está com a França e com o centro da Europa.

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Em toda a parte ha inspecção para as casas de banhos, não digo dos banhos hygienicos, de limpeza, fallo dos banhos therapeuticos.

Aqui temos muitas casas, temos banhos salgados, banhos alcalinos, não ha inspecção alguma sobre elles. O medico manda aos seus doentes fazer uso de banhos n'esses estabelecimentos, e não sabe muitas vezes em que os faz immergir, nem com que garantia de asseio e de segurança, se não adquirirá ali outras doenças.

Para isso chamaria tambem a attenção do sr. ministro do reino se s. exa. estivesse presente, comtudo elle terá conhecimento do que estou dizendo, pelos projectos que tenho tenção de apresentar.

Ha ainda um outro ponto que desejo tratar e com elle terminarei as minhas considerações. Refiro-me aos accidentes da rua.

É vulgar, de noite, encontrarem-se homens sem sentidos, a quem socorro o soldado da guarda municipal ou a policia civil, que são, de certo, pessoas competentissimas para capturar os delinquentes, mas não para fazerem um trabalho que pertence a medicos, mas nunca para conhecer se o estado d'esses individuos, n'essas condições, é proveniente de embriaguez ou de alguma doença que repentinamente se atacasse.

Para elles, é considerado quasi sempre este estado como o de embriaguez, e entendem que o melhor é conduzir esses desgraçados para o posto da guarda, a fim de ahi dormirem na tarimba até ao dia seguinte, sem mais inspecção medica, sem mais nada.

Ora isto não póde assim continuar.

O agente da ordem publica póde ter muita competencia para desempenhar o seu logar como tal, mas nunca para fazer o diagnostico de qualquer doença do que um individuo seja atacado. E a este respeito citarei um facto acontecido commigo, e muito significativo.

Uma vez vi um trem parado no largo do Calhariz, e entre a multidão que o cercava, vi um cavalheiro fardado de general junto do trem, approximei-me pelo sentimento de camaradagem militar e pelo dever de medico, e vi que era o illustre e respeitavel Canha.

Fallei com s. exa., que me disse que o seu cocheiro lhe tinha declarado não poder continuar a guiar, porque se encontrava incommodado e com tonturas, e que em vista d'isso o tinha mandado metter no proprio trem para o conduzir a casa.

Querendo eu examinar o estado em que se encontrava o creado, ia a entrar no trem, quando d'elle saía um policia, que me disse a meia voz: "O que elle está é embriagado!" E elle o que estava era simplesmente morto!
Pela historia que me contou depois aquelle illustre general, o homem tinha morrido talvez de uma congestão, não sei se pulmonar, se cerebral, derivada do padecimentos antigos do centro circulatorio.

O policia, na sua alta sabedoria, julgou que o homem estava embriagado, e que com uma noite bem dormida ficaria completamente restabelecido.

Como este caso, podem dar-se muitos outras, em que a morte não seja fulminante, como n'esta, outros em que a sciencia possa e deva intervir, em que tenha probabilidade ou possibilidades de salvar uma vida.

É pois mister que, nos médicos que exercem a medicina publica se dêem mais largas attribuições, e a devida remuneração, que se lhes alargue o quadro, para que nas casas das guardas haja quem proceda todas as noites aos exames nos indivíduos encontrados nas ruas sem sentidos, averiguando-se d'este modo se são embriagados ou effectivamente doentes... E doentes são tambem os embriagados, porque a embriaguez, não é mais do que um envenenamento produzido pelo alcool, que póde dar symptomas passageiros, ou que póde chegar a reclamar a intervenção medica.

Entendo que é verdadeiramente barbaro deixar esses homens, viciosos ou doentes, ao abandono em uma casa da guarda, até que no dia seguinte a Providencia se digne mandal-os para melhor vida ou fazel-os tornar a si.
Ha accidentes na via publica a que todos querem acudir, mas muitas vezes esse auxilio não faz mais do que aggravar o mal.

Na cidade do Nova York, e creio que em todas as principaes dos Estados Unidos ha um systema tão perfeito, que em pouco tempo, em minutos, se póde dizer, tocando-se em um botão que ha em differentes estabelecimentos, apparece logo um carro de ambulancia, com todo o material de soccorro e curativo, com meios de transporte e um medico.
O estabelecimento d'esta instituição não é muito dispendioso, e parece-me que reclamado pelas exigencias sociaes de uma cidade civilisada, e que muito mais civilizada tem de ser quando pela conclusão do caminho de ferro da Beira mais intimamente ligada estiver com a Europa central.
Não é só ter o titulo do cidade culta, não é desvanecermo-nos com a circunstancia de ser o nosso porto que facilitará as communicações dos paizes da Europa com os paizes da America.

Seremos visitados por muitos estrangeiros, de certo; mas devemos proporcionar a todos os que transitam de um para outro ponto, a todos os que vem de um paiz civilisado e vão para outro paiz civilisado todas as commodidades e garantias necessarias para a sua saude, como se proporcionam nos paizes d'onde elles vem e para onde se dirigem. (Apoiados.)

Finalmente, ainda lembraria ao sr. ministro do reino, se estivesse presente, o estado desgraçado em que só encontra entre nós a pratica da arte dentaria.

Se alguem se desse ao trabalho de fazer uma estatistica de queixos arrancados e do dentes tirados, que podiam ainda ser conservados, veria que ha cousas horrorosas.

Em França acaba de promulgar-se uma lei, que diz que só a quem tiver titulo legal por qualquer escola de medicina é permittida a pratica de qualquer ramo da arte de curar; e esta lei diz evidentemente respeito no exercicio da arte dentaria, determinando que esta arte só possa ser exercida por individuos que tenham títulos de qualquer escola superior medica e que seja doutor em qualquer das faculdades.

Entre nós não ha o menor escrupulo em consentir que, apesar de termos alguns dentistas illustrados, os barbeiros exerçam essa profissão em prejuizo da humanidade.

Sr. presidente, a este respeito teria muito que dizer, mas limito-mo a pedir aos srs. ministros do reino e da justiça que cuidem de trazer ao parlamento uma lei especial sobre o intrujismo em medicina.

Sei que ha na legislação do paiz qualquer cousa, que é quasi letra morta, para punir aquelles que exercem indevidamente a arte de curar; mas o que é facto é que essa lei, ou por não estar completamente em pratica, ou por ser de pratica difficil, ou porque o poder judicial precisa de outros elementos, de outras provas para punir, é que temos intrusos por toda a parte, de todas as fórmas e feitios.

E digo isto tanto mais desassombradamente, quanto posso dizer que não exerço a clinica civil, que não procuro n'ella a justa e legitima remuneração do meu trabalho.

Desgraçadamente tambem temos collegas, entre muitos muito dignos, que fazem da sua profissão um sacerdocio; temos tambem alguns que servem de capa para cobrir com a sua responsabilidade a responsabilidade dos charlatães.

Ora, o charlatanismo em medicina é uma cousa que se não póde tolerar, nem se compadece com as idéas do progresso e da civilisação.

É mister que esse charlatanismo, feita ou infeliz, tenha ou não tenha casos de cura, acabo para honra e decoro da classe que se préza de ser digna, para honra e decoro de progresso e de bom nome de um paiz civilisado. (Apoiados.)

Peço desculpa á camara do tempo que lhe roubei. Se estivesse presente o sr. ministro da justiça, eu pediria para attender a um projecto que vou ter a honra de mandar

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para a mesa, sobre a creação de peritos ou de medicos forenses, por emquanto juntos aos tribunaes de Lisboa e Porto.

Fazem-se verdadeiros milagres de força de vontade de perspicacia e de talento em muitos exames medico-legaes; mas tambem por esse paiz fazem-se barbaridades, horrores que é de metter medo.

A saude publica deve merecer toda a consideração dos poderes publicos; (Apoiados.) mas não menos e deve merecer este assumpto, para interesse da communidade e para que sejam punidos os criminosos, e não sejam punidos os innocentes.

A medicina forense, que entre nós não tem nem a primeira palavra de organisação, tem de se pedir por favor á sociedade pharmaceutica lusitana que faça os exames toxicologicos.

É mister que estes medicos especiaes, creados pelo menos junto dos tribunaes da relação do Lisboa e Porto, façam todos os exames na area dos districtos criminaes d'essas cidades, e pousam ser chamados para fazer qualquer outro exame mais difficil; e sobretudo que redijam questionarios como um que tenho idéa de ter visto, e que me parece ser allemão, para dirigir e guiar todos os outros collegas muito illustrados, mas menos experimentados, na parte que diz respeito á medicina forense - para fazerem exames de corpo de delicto, para sobretudo autopsias e para responder a todos os quesitos d'esse questionario, correspondente aos casos de que se trata, e assim haver já uma norma para os casos muito oscuros em que só a pericia e a perspicacia dos medicos póde concorrer para esclarecimento da acção da justiça.

De novo peço desculpa á camara de ter occupado tanto tempo a sua attenção, que talvez podesse prender-se a assumptos que mais interessam do que estes, que eu aliás considero muito vitaes para o paiz. (Apoiados)
Ha mais tempo que eu queria fallado n'estes assumptos e apresentado estes projectos de lei, se a commissão de saude publica se tivesse constituido.
Não sei até que ponto a camara e a commissão se interessarão por estas considerações e por estes projectos de lei, mas uso do meu direito de iniciativa como deputado, e cumpro o meu dever como medico, apresentando á assembléa dos representantes do povo a resenha das necessidades a que julgo urgentissimo satisfazer a bem do paiz, a bem de todos.

Estas questões não enthusiasmam, não interessam os partidos, não accendem o fogo sagrado das paixões politicas, mas estas questões são importantissimas para todos igualmente.

Estas questões não têem bandeira de partido, (Apoiados.) têem apenas por divisa a affirmação e o culto da civilisação e do progresso. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. J. J. Alves: - Mando para a mesa dois requerimentos; um do capitão almoxarife de artilheria Luiz da Cunha Lima, e outro de alferes almoxarife da mesma arma, Joaquim Maria Curado.

Pedem ambos que, como dispões a lei de 10 de abril de 1874, a sua promoção continue a ser regulada como está disposto, no quadro especial a que pertencem.

Peço a v. exa. que dê a estes requerimentos o devido destino.

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Pedi a palavra a v. exa. porque, n'uma das sessões passadas, o meu illustre collega o sr. Lopes Vieira, deputado por Leiria, me emprazou para declarar á camara em que jornal ou em que carta tinha visto a noticia de que do horto do jardim botanico de Coimbra tinham saido bacellos phylloxerados para differentes pontos do paiz.

No empenho de satisfazer aos desejos do illustre deputado, enviei um telegramma ao sr. Joaquim de Ornellas, proprietario abastado, que cultiva com todo o cuidado as suas propriedades.

A resposta a esse telegrama diz o seguinte.
(Leu.)

Parece-me que assim satisfaço ás exigencias do meu illustre collega; e deixo á consciencia de s. exa. classificar o procedimento da direcção do horto do jardim botanico de Coimbra, que o illustre deputado se prodoz defender, emprazando-me para levantar o que elle reputava um attentado.
O sr. Luciano Cordeiro: - Mando proposta, de que peço a urgência, para que seja nomeada uma commissão que dê parecer sobre a proposta de lei apresentada pelo governo, no intuito de ser relevado da responsabilidade que assumiu por ter promulgado certas medidas no intervallo da sessão; e amplio ainda esta proposta para que a mesa fique auctorisada a nomear todas aquellas commissões regimentaes que ainda não estão eleitas.
Lida na mesa, e considerada urgente, foi posta logo á discussão a seguinte:

Proposta

Proponho:

1.º Que seja nomeada uma commissão de sete membros para dar parecer sobre a proposta de lei relevando o governo da responsabilidade em que incorreu das medidas do caracter legislativo que promulgou desde julho de 1881 até dezembro do mesmo anno;

2.º Que exceptusndo esta, e as mais commissões especiaes já auctorisadas pela camara, e que devem ser eleitas por ella, todas as outras que ainda o não foram sejam nomeadas pela mesa. = Luciano Cordeiro.
Foi approvado.

O sr. Soarnichia: - Mando para a mesa sete requerimentos de officiaes ajudantes de praça, no mesmo sentido dos que foram há pouco apresentados pelo sr. Joaquim José Alves; e outro requerimentos de Caetano Xavier Diniz, alferes do regimento de infanteria do ultramar, pedindo não ser preterido pelos seus camaradas alferes graduados.

O sr. Miguel Dantas: - Mando para a mesa um requerimento do general de brigada reformado, José Maria Tristão, pedindo melhoria de reforma em general de divisão.

Abstenho-me agora de fazer quaesquer considerações sobre este pedido, que julgo de todo o ponto justo, e espero que a commissão de guerra, a quem é remettido, o tomará na devida consideração.

O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa tres representações. A primeira é de Onofre Paiva de Andrade, capitão do exercito de Africa occidental, que pede lhe seja contado para effeitos de reforma, e em harmonia com o disposto na lei de e de junho de 1863, o tempo de serviço que tem até á promulgação do decreto de 2 de dezembro de 1889.

Esta pretensão é justa, porque tendo-se o supplicante alistado no exercito sob o imperio d'aquella lei, devem os beneficios d'ella aproveitar-lhe até ao momento em que foi derogada.

As outras representações são dos reverendos conegos da sé de Loanda, que pedem se lhes tornem extensivas as vantagens concedidas pela lei de 28 de junho de 1864 e decreto de 28 de dezembro de 1878 aos funccionarios civis.

Mal se comprehende, sr. presidente, que tanto os funccionarios civis como os militares das colonias tenham direito a serem aposentados depois de certo tempo de serviço e a gosarem um anno de licença na metropole após dez annos de residencia effectiva no ultramar, o que d'estes beneficios, aliás justissimos, sejam provados apenas os funccionarios ecclesiasticos!
Hoje que todas as attenções estam voltadas para a Africa e a cada momento repetimos que o clero é um elemento proficuo e indispensavel para a civilisação d'aquelle conti-

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mente, não podemos, nem devemos negar aos sacerdotes, que se arriscam a servir nas colonias, vantagens que de ha muito concedemos aos outros funccionarios, e a que elles têem não menos incontestavel direito.

Peço a v. exa. se digne dar a estas representações e destino devido.
Mando tambem para a mesa o seguinte requerimento:
(Leu.)

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara com a possivel brevidade uma nota dos direitos de importação e exportação arrecadados em cada uma das declarações da alfandega de faro durante os ultimos tres annos economicos. = Barbosa Centeno, deputado por Tavira.
Mandou-se expedir.

O sr. Pedro Martins: - Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei n.º 111 de 1879, que tem por fim mandar pagar uma certa somma ao alferes reformado João Carlos Maximiano e Costa.
O sr. Filippe de Carvalho: - Mando para a mesa tres reprentações da camara da Horta, peindo, da primeira a concessão definitiva do convento que foi dos jesuitas, onde estão actualmente os paços do concelho. A camara lembra que está pendente um projecto de lei para esta concessão. Renovarei por isso a iniciativa d'este projecto.

Na segunda pede a camara ser auxiliada com os meios necessarios para adquirir um edificio em que possam ser accommodadas a administração do concelho, tribunal de justiça e outras repartições publicas.

Na terceira lembra e pede que seja creado na ilha do Faial um corpo militar, e mostra a conveniencia d'este pedido com rasões que são incontestaveis. Chamarei a attenção do sr. ministro da guerra para esta justissima pretensão.

Concluo por pedir, para não tomar demasiado tempo á camara, que estas representações sejam publicadas no Diario da camara, onde melhor poderão ser estudadas.

Mando tambem para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu. )

São urgentes estes estabelecimentos, porque eu preciso saber se os estrangeiros podem amortisar a parte do territorio portuguez em que levantam as suas edificações, posto que para instituições de grande e incontestavel utilidade.

A camara comprehende que esta questão do direito de propriedade é gravissima. Opportunamente requererei iguaes esclarecimentos sobre outras propriedades que os estrangeiros sobre outras propriedades que os estrangeiros têem adquirido em Portugal o que estão sendo applicadas a instituição em Portugal e que estão sendo applicadas a instituições que elles administram e que repetirei que são muito uteis e muito dignas da mais ampla protecção do estado; mas não deve este levar a protecção até no ponto de consentir em factos que podem vir a ter consequencias ou complicações sérias. Previnamos as cousas a tempo.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que seja pedido ao governo, pelo ministerio da fazenda, copia authentica dos titulos em que assenta o direito da propriedade do collegio inglez de Campolide. E pelo ministerio da justiça, copia dos documentos que devem ter havido para a edificação e funcções religiosas do tempo do mesmo collegio. = Filippe de Carvalho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Conde de Thomar: - Por parte da commissão de negocios externos mando para a mesa os pareceres sobre as convenções consulares com a Hollanda e com a Belgica.

O sr. Sarrea Prado: - Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo pelo ministerio da marinha.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pela quinta repartição do ministerio do ultramar, seja remettido á camara, para ser presente á commissão do ultramar, o processo do major Antonio M. Ribeiro da Fonseca, que tem relação com o pedido feito pelo dito major para lhe ser abonada a gratificação de commando de batalhão do regimento do ultramar quando esteja em Lisboa. = A. de Sarrea Prado.

Mandou-se expedir.

O sr. Lopes Vieira: - Tenho a agradecer ao illustre deputado, o sr. visconde da Ribeira Brava, a condescendencia que teve commigo guardando de memoria o pedido que fiz a s. exa. n'uma das ultimas sessões, para que, se soubesse de algum facto de saída e transporte de bacellos do jardim botanico de Coimbra, já depois que ali se reconheceu a phyloxera, tivesse a bondade de me fazer sciente d'isso.

S. exa. leu um telegramma que teve a delicadeza de me confiar, em que se assevera a remessa de bacellos d'ali feita em 3 de março de 1880.

Agradeço a s. exa. ainda esta prova de confiança; todavia devo lembrar-lhe que esta operação não destroe o que eu tinha dito quando afirmei, perante a camara, que desde que se conheceu em Coimbra a existencia da phyloxera não mais se consentiu na saída de bacellos affectados.

V. exa. a camara estão certos que eu disse: "Haverá apenas dois annos que se conheceu ali a existencia da molestia." Eu quiz precisar as datas, mas não o pude fazer, porque não tinha n'esse momento, em que faltava, documento algum official ou extraofficial de que me podesse servir; mas o que é certo é que n'este telegramma se affirma a saída de bacellos em 3 de março de 1880, e que desde então até hoje vão proximadamente os dois annos a que me referi, e depois dos quaes não mais têem saído bacellos d'ali para fóra.

Portanto o telegrama não modifica, em cousa alguma, as declarações que fiz perante a camara.

Aproveito tambem a occasião e peço licença para ler á camara uma carta que o illustre deputado, o sr. Navarro, recebeu do director do jardim botanico de Coimbra, carta que vem confirmar a verdade do que eu disse n'essa sessão, e da exposição que fiz dos factos trazidso á discussão. D'este modo espero socegar completamente o espirito de alguns illustres membros d'esta camara, que porventura ainda duvidem se se faz o transporte da bacellos de Coimbra para outras localidades.

Vou ler a carta, porque n'isso não ha inconveniente algum para o seu signatario, e porque o sr. Emygdio Navarro me auctorisou para o fazer, o que devéras agradeço a s. exa.

Diz a carta:

"É infelizmente fóra de duvida que parte da vinha cultivada na cerca de S. Bento, annexa ao jardim, está phyloxerada;. O mal veiu em bacellos provenientes do Douro, plantados em 1879, epocha em que ninguem pensava em Portugal em phyllexera.

"Não se guarda, porém, para estudo, como s. exa. disse de certo, por mal informado. Tem sido combatido segundo as indicações da sciencia e continuar-se-ha.

"Não foi destruida a vinha, porque nenhuma rasão aconselhava isso. Pelo menos assim o penso e commigo pessoas que consultei, a fim de acertar, porque é esse sempre o meu desejo.

"Publiquei as rasões que me levam a optar pela conservação da vinha, e tomo a liberdade de lhe enviar um folheto.

"Pelo que diz respeito ao resultado do tratamento, quero só dizer-lhe que em maio passado se fez toda a diligencia

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para mostrar a phylloxera a um estudante do instituto agricola, e não foi possivel encontrar vestigios d'ella, havendo bastantes no anno anterior.
"Só no fim do verão foram encontradas algumas n'uma parte da vinha."
Pelo final da carta se vê tambem, como eu affirmei, que não foi improficuo o tratamento encetado para combater a phylloxera e evitar a sua propagação; e até se dá notícia de um facto bastante lisonjeiro, qual é não terem apparecido, durante muito tempo depois do tratamento feito, phylloxeras algumas.

Folgo muito do ver confirmadas as asseverações que tive a honra de fazer perante a camara, e confirmadas por pessoa tão competente como é o director do jardim botanico. E por agora nada mais acrescentarei a este respeito, porque não desejo fatigar a attenção da camara.

O sr. Guilherme de Abreu: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Declaro que por motivo muito justificado não pude comparecer ás sessões anteriores, desde o dia 4 do corrente mez. = O deputado por Cabeceiras de Basto, Guilherme Augusto pereira de Carvalho e Abreu.

Á secretaria.

O sr. Avila: - Por parte da commissão de guerra mando a mesa o requerimento do general da brigada reformado, Antonio Chrispiniano do Amaral e os projectos de lei n.ºs 64-O e 64-R, cuja iniciativa foi renovada pelos srs. deputados Angelo de Sarrea Prado e visconde da Ribeira Brava, a fim de serem enviados ao governo, para que se sirva informar a respeito d'estes assumptos.

O sr. Presidente: - Vão ser enviados ao governo.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao disposto da corôa

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Sr. presidente, v. exa. e a camara comprehendem perfeitamente que só o dever que corre ao soldado de obedecer ás ordens do seu commandante me póde levar a ter o arrojo de tomar n'esta occasião a palavra, quando á opposição cabe responder ao eloquente discurso do sr. presidente do conselho: mas v. exa. e a camara, o melhor que todos o sr. presidente do concelho, poderão apreciar que ao soldado não cabe escolher o seu posto, e que o seu dever é a obediencia, ainda que a morte possa ser o termo que elle encontre no cumprimento do seu dever.

Mas perante um arrojo d'esta ordem cabe-me ao menos uma consolação, e essa é a de ter a honra de esgrimir, n'este combate singular, com um dos generaes que mais louros tem conquistado n'estas luctas parlamentares.
Não fallarei em benevolencia, porque não costumo pedil-a, porque não imagino que seja necessario um tal pedido.

Em todo o caso começarei por fazer uma declaração que devo á camara e ao paiz, e é que se as minhas opiniões politicas são, de há muito tempo, inteiramente oppostas ás opiniões politicas que vejo hoje representadas n'aquellas cadeiras, n'esta posição em que me encontro desde 1872, nunca determina o meu espirito qualquer sentimento de menos respeito para com os ministerios que têem representado a regeneração, e sim unica e exclusivamente o convencimento de que essa administração tem sido o continuará a ser, se não mudar de rumo, inteiramente prejudicial aos interesses publicos.

Devo dizer tambem que não lamento ter de abusar dos momentos da camara n'uma discussão d'esta ordem, porque entendo que no parlamento não póde haver discussão mais o importante do que a da resposta ao discurso da corôa, quando no interregno parlamentar se deram os attentados contra a constituição do reino, que são do conhecimento da camara, e que não podem deixar de merecer por parte dos representantes do paiz, as mais acres e sentidas censuras.

Não quero abusar da paciencia da camara citando-lhe opiniões respeitabilissimas, e entre ellas a do sr. presidente do conselho, considerando como a occasião mais asada para pedir ao governo contas dos seus actos, a resposta ao discurso da corôa.

S. exa. que tão brilhantemente entrou na discussão da resposta ao discurso da corôa em 1849, dispensar-me-ha certamente de citar agora as memoraveis palavras que proferiu em defeza do direito das opposições, relativamente á conveniencia da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Servem ellas de resposta á insistencia com que s. exa. lamentou que o partido constituinte, cumprindo a sua missão de pedir, a quem tenha infringido a lei, a responsabilidade que lhe resulta d'essa infracção, entrasse n'este debate. (Apoiados.)

Se não fosse o cansaço por parte da camara, e por outro lado a ansiedade com que o sr. presidente do conselho olhava para o relogio, como que implorando-o a que o acompanhasse na impaciencia em que estava de sentir dar as seis horas para que os echos da sua palavra nos acompanhassem ainda no sair d'esta sala, eu teria pedido a palavra hontem mesmo e, seguindo a tactica, sempre admiravelmente usada por tão grande mestre, teria começado refutando as ultimas considerações feitas por s. exa.
Hoje, porém, não tem isso o mesmo merecimento, e vou por isso responder a essas considerações pela ordem por que foram feitas, reservando para depois a apreciação do projecto de resposta ao discurso da corôa.
Julgou o sr. presidente do concelho dever dar o primeiro logar á questão da oppurtunidade ou inopportunidade das reformas politicas.
Bemdigo a s. exa. por ter começado pelo que para nós tambem occupa o primeiro logar.

Por essa occasião affirmou s. exa. á camara e ao paiz os seus sentimentos liberaes.

Declaro francamente que nunca duvidei dos sentimentos liberaes do sr. presidente do conselho, mas nos primeiros annos da sua vida parlamentar. Nos annos seguintes, principalmente no periodo que decorre desde 1870, encontro infelizmente um a historia parlamentar do nosso paiz grandes argumentos para duvidar dos sentimentos liberaes de s. exa.

Nem o facto de ter o seu nome ligado a differentes reformas é bastante, sem necessidade de outras provas, para que a camara e o paiz estejam convencidos dos seus sentimentos liberaes.

Estava attento quando s. exa. fazia á camara a resenha das suas reformas liberaes, e apenas ouvi mencionar o acto addicional; o que foi de certo por esquecimento, porque sei que s. exa. enumerando na outra casa do parlamento as suas reformas, indicou tambem as differentes leis eleitoraes a que tinha o seu nome vinculado!

A reforma liberal do acto addicional que s. exa. considera como um titulo de gloria, não é para mim titulo bastante para que s. exa. possa ser tido perante qualquer como homem liberal; alem de que se o acaso faz com que qualquer homem publico tenha o seu nome ligado a uma reforma, não é isso bastante para que se possa considerar acima de toda a suspeita com respeito aos seus sentimentos liberaes.

Importa em casos d'estes ver e apreciar as condições e circumstancias que determinam essa reforma.

Aquella reforma está assignada por Rodrigo da Fonseca Magalhães e duque de Saldanha; e esses é que podiam arrogar a si a gloria que de tal reforma a consciencia publica julgue caber-lhes.

É necessario que nós em questões d'esta ordem nos transportemos á epocha em que as reformas tiveram logar,

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para vermos o quinhão da gloria que cabe a cada um dos individuos que as affirmam.

E se nós volvermos a esse periodo, de nós distante trinta annos, alem de reconhecermos que o nome do sr. presidente n'esse documento tem a importancia que para nós teria hoje o nome do sr. Hintze em reformas feitas pelo sr. Fontes, convencer-nos-hemos tambem de que essa reforma não foi uma explosão dos sentimentos liberaes dos ministros que a firmaram.

Era preciso mostrar-se que essa revolução não tinha sido simplesmente devida a ambições pessoaes, mas tinha tido por fim tambem beneficiar o paiz e d'ahi a necessidade de uma reforma qualquer.

Alem d'isso essa reforma não foi um acto de dictadura, um acto do poder legislativo; e que torna essa responsabilidade ou gloria divisível por quantos constituiam o parlamento n'essa occasião, e n'estas condições parece-me que não póde ser considerada documento bastante, que isolado de quasquer outros titulos demonstre outros títulos demonstre e nos prove os sentimentos liber aes de um dos signatários que menos auctoridade tinha, por certo, n'essa epocha. (Apoiados.)

E eu quizera antes que s. exa. em vez de nos dizer:

"Sou homem liberal, porque o meu nome está na reforma do acto addicional e nos differentes decretos eleitoraes."

Nos dissesse:

"Sou homem liberal, e dou como testemunho d'isso o respeito que tenho tido sempre pela constituição do estado."

Pois o acto addicional será documento de que alguém se orgulhar? A apreciação das suas disposições não levará muito tempo á camara, e deverá ser feita tendo-se em vista o periodo de luta ardentissima que se tinha atravessado até 1851.

É necessario que a camara tenha em conta que até 1851 a carta constitucional foi sustentada pela força das bayonetas em beneficio da corôa e em prejuizo do povo, por todos os que desde 1842 estiveram no poder, sem exclusão do proprio duque de Saldanha.

N'estas condições o homem que desembainhára a sua espada levantando a bandeira popular, mal podia, vencedor, á testa do governo, esquecer inteiramente as promessas com que conseguira o apoio do partido liberal.
Era necessario, pois, fazer alguma cousa, e como que, permitta-me a camara a expressão, deitar poeira nos olhos do povo.

O menos que se podia fazer, foi o que se fez.

Estabeleceu-se a eleição directa, a favor da qual até muitos homens conservadores se tinham pronunciado em 1848, na discussão sobre a constitucionalidade do artigo 63.º da carta, e que, apesar da resistencia dos governos, havia de fatalmente ser acceita pela força impetuosa da corrente da opinião.

Isto, porém, reconheciam todos que não seria bastante para convencer o paiz dos sentimentos liberaes do governo. Serio muitissimo irrisório que a isto se limitasse uma reforma da carta, depois das camaras terem julgado que o artigo 63.º, não era constitucional.

Era preciso, pois, mais alguma cousa, e para isso se estabeleceram as outras disposições do acto addicional, cuja importancia eu vou apreciar.
Abrindo o acto addicional e deixando de parte o artigo 1.º, pela sua nenhuma importancia no que diz respeito ás liberdades populares, encontrâmos o artigo 2.º, cujas disposições parece que deveriam concorrer para conservar para de toda a mancha a representação nacional.
Diz esse artigo:

"O deputado que, depois de eleito, receitar merecê honorifica emprego retribuído ou commissão subsidiada sendo o despacho dependente da livre escolha do governo perde o logar de deputado..."

Esta disposição teve manifestamente por fim pôr cobro á corrupção do que se lançava mão n'outros tempos, e se é triste que a opinião chegasse a reclamal-a, mais triste é ainda que hoje esteja sendo sophismada.
E eu pergunto ao nobre presidente do conselho, como é que o seu partido tem entendido até hoje o artigo 2.° do acto addicional?

Sabe v. exa. e a camara como o tem entendido? Sophismando-o, porque umas vezes têem aguardado o termo da legislatura para premiar a dedicação partidária, outras têem pago adiantadamente, chegando a despachar os seus amigos na vespera da eleição, e não depois d'ella, para que o deputado eleito não perca o seu logar.

Aqui tem a camara para o que serviu aquelle artigo.

Passarei agora em claro os artigos 3.°, 4.º, 5.º, 6.º, 7.°, 8.º e 9.° que se referem á eleição directa, o farei paragem no artigo 10.°

N'este artigo vejo consignada uma medida que era, havia muito tempo, reclamada pela opinião geral, e pela qual os homens liberaes d'este paiz tinham pugnado em todos os parlamentos até 1851; refiro-me á attribuição que se concede, ás côrtes de approvarem os tratados do commercio. Mas s. exa. e a camara sabem como o partido regenerador ainda ha pouco respeitou este artigo do acto addiccional, por occasião de se apresentar o tratado do commercio com a França apresentando-o ao parlamento, despido de todos os esclarecimentos que poderiam servir para elucidar o nosso voto, e tão tarde que, quando pediamos tempo para estudar e para ouvir as reclamações dos interessados, respondia-se-nos com a impossibilidade material do se poder fazer essa concessão, porque em 4 de fevereiro devia o tratado ser ratificado.

Se o sr. presidente do conselho se vangloria de ter o seu nome vinculado ao acto addicional, digo a s. exa. que escolhe mau titulo para pedir a nossa admiração; porque se a offensa d'estas disposições é censuravel em qualquer ministro, muito mais o é quando esse ministro é um dos que firmaram aquella disposição. (Apoiados.)

Mas ha um outro artigo que tambem satisfez, uma necessidade tantas vezes reclamada pelos homens mais liberaes d'este paiz, e é o artigo 12.º do acto addicional, que estabelece que os impostos são votados annualmente e que as leis que os estabelecem obrigam sómente por um anno.

Mas porque estamos nós aqui a discutir a resposta ao discurso da corôa senão exactamente porque vimos ainda da sessão passada, sophismada esta disposição pelo mesmo homem que a firmou! E logo accentuarei mais este ponto, porque para mim, pela situação que caiu, respondo unicamente o actual sr. presidente do conselho, não possa admittir a responsabilidade de outrem.

Eu entrei agora na politica, mas peço aos meus adversarios que, quando me responderem, o não façam dando-me como argumento da justificação do seu procedimento e que outros tenham feito. O dever do homem publico é unicamente mostrar que procedeu dentro da lei e com respeito por ella.

Não quero tambem fallar na disposição que encontro igualmente no acto addicional e que o proprio sr. presidente do conselho considerou hontem como uma limitação dos direitos do poder legislativo!

Creio que s. exa. não considerará legitimamente liberal qualquer disposição que póde ser considerada como uma limitação dos actos do poder legislativo, quer dizer, como uma limitação dos direitos da soberania nacional.

S. exa. considerará assim a faculdade por virtude da qual o ministro da marinha póde, na ausencia das côrtes, legislar para o ultramar;
considerou isto como limitação do nosso direito, e não creio certamente que em boa jurisprudencia constitucional possa ser considerado como uma liberdade mais concedida aos povos, como uma homenagem prestada ao principio da soberania nacional, o facto de se limitarem as attribuições do poder legislativo!

Aqui está, pois, o que é o acto addicional. Como a camara vê, deu o menos que podia dar, e unicamente aquillo

Sessão de 14 de fevereiro de 1882. 28*

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que, por honra nossa, nunca devia ter deixado de estar consignado no nosso codigo politico.

Não os nomeou hontem, mas creio que era tambem intenção de s. exa. o nomear tambem, como fez na outra casa do parlamento, os decretos eleitoraes, que todos se encontram firmados com o seu nome!

Estas são d'aqnellas asserções que podem produzir um grande effeito, que podem mesmo lisonjear momentaneamente a vaidade do indivíduo; mas para quem conhece a historia d'esses diferentes decretos, para quem conheço a historia parlamentar, não póde nunca, com taes documentos, ser julgado com direito ao reconhecimento e admiração do paiz.

Comecemos pelo decreto de 1852.

Não quero néste momento apreciar a maneira por que elle tem sido cumprido por parte dos governos; mas ainda ha poucos dias disso, na ausencia do nobre presidente do conselho, que a fatalidade levava e, exa. a sophismar sempre todos os decretos em que havia cooperado como ministro, agora em presença de s. exa. repito estas palavras com a liberdade e franqueza com que um homem publico deve avaliar sempre os differentes actos do governo.
Eu abro o decreto de 1852, e vejo ali o nome do sr. Fontes Pereira do Mello; mas pergunto - constituirá este facto um titulo de gloria para s. exa.? Vejamos.

Qual é a historia do decreto de 1852? V. exa. e a camara sabem muito bem a grande lucta que em todos os periodos do governo do sr. conde de Thomar houve no parlamento e fora d'elle pedindo a modificação da lei eleitoral, porque todas as leis eleitoraes que tinhamos, eram filhos da dictadura e nenhuma da representação nacional.

V. exas. sabem que em 1838, a camara, julgando dar uma satisfação ao paiz, considerou como não constitucional o artigo 63.º da carta constitucional, e o sr. presidente do conselho sabe isto perfeitamente, porque em 1849 sustentou esta boa doutrina.

Sabe igualmente a camara que, apesar d'aquella deliberação, a eleição indirecta prevaleceu levantando grande resistencia na opinião.

N'estas condições, dada a revolução, nenhum homem liberal abandonaria a bandeira da eleição directa, e assim o governo, filho da revolução, não podia, ainda que quizesse, deixar de consignar o principio da eleição directa e de regulamentar esta, cercando-a dessas disposições que se encontram no decreto de 1852, e que garantiriam a liberdade do voto e a genuidade da representação se fossem lealmente observadas pelas auctoridades.

Agora vamos ao decreto de 1859, e declaro a v. exa. que ouvi com assombro enumerar este decreto como sendo um dos titulos de gloria do actual presidente do conselho, e digo com assombro, porque na casa em que s. exa. proferiu estas palavras, não faltavam homens que tivessem sido companheiros do grande vulto liberal chamado duque de Loulé, e admirei-me de que não houvesse um que se levantasse a fim de, reivindicar para quem do direito esse titulo de gloria.

Ninguem ignora que o decreto de 1859 encontrou-o o sr. presidente do conselho formulado pela commissão especial creada para a reforma da lei eleitoral, no parecer apresentado sobre a proposta de lei do sr. duque do Loulé apresentada na sessão de 26 de fevereiro de 1859.

O sr. Fontes não fez mais do que resignar-se a deixar que aquelle projecto seguisse os tramites legaes até ser proclamado lei, não fallando quem suspeite da boa vontade com que viu tornar-se lei aquelle projecto que a opinião reclamava então como um passo mais no caminho da liberdade.
Ora n'estas condições não se comprehende perfeitamente que aquella lei possa ser considerada como um documento dos seus sentimentos liberaes.
Com justiça creio poder dizer que, ainda com respeito a esta lei, s. exa. se limitou a colher os frutos da iniciativa dos outros.

Vamos á lei de 1878, e eu vejo ainda o mesmo que se dá com as medidas que acabámos de apreciar. Sempre o sr. Fontes succedendo aos seus adversarios na occasião propicia para assignar com o seu nome o que foi trabalho de outros!

O nobre presidente do conselho só pensou na necessidade da reforma eleitoral quando encontrou o projecto feito pelo seu antecessor. Reconhecia, como todos, os defeitos do decreto de 18 de março de 1869, mas de 1871 a 1874 não teve tempo para o reformar!

Chega porém á camara em 1878, e encontra a reforma eleitoral do nobre duque de Avila, e o que faz? Aceita esse projecto tal qual, perdão! faz-lhe apenas as modificações que as conveniencias particulares do seu partido reclamavam; porque as alterações, que s. exa. fez foi na devisão dos círculos, em harmonia com as suas conveniencias políticas.

Será isto um titulo de gloria para s. exa.?

Sr. presidente, eu não pretendo deprimir ninguem, faço apenas justiça a cada um, que me não animam outros sentimentos!

Sabe o paiz e posso dizel-o affontamente, sem que com isso querer orgulhar-me com similhante facto, que em todas as corporações de que tenho feito parte tenho procurado sempre, despido de quaesquer interesses que não seja o bem do paiz, cumprir o meu dever pugnando pelo que julgo de justiça, e é ainda inspirado n'esse sentimento que tenho combatido sempre a política representada pelo sr. presidente do conselho.

Desde 1872, e a camara logo saberá a rasão por que tenho guerreado quanto tenho podido a politica do partido regenerador, por cujo chefe eu professo o maior respeito, não me cansarei de o dizer, porque estou n'uma posição especial, para que me julgue obrigado a fazer esta declaração do meu sentimento particular para com o homem particular, desde 1872, repito, em toda a parte onde o tenho podido fazer, tenho combatido tenazmente a sua politica, porque a considero nefasta ao paiz.
Folgo porém ter esta occasião para declarar á camara o seu paiz que me ouve que a minha guerra ao partido regenerador nunca significou, nem podia significar a minima desconsideração para com o nobre presidente do conselho, cujo caracter eu respeito e considero.

E digo sinceramente que o respeito, tanto que quando o outro dia s. exa. na outra casa do parlamento, parece ter o seu espirito entresticido pela idéa de que faltaria quem lhe erigisse uma estatua, quando elle abandonasse a terra, estava dizendo commigo, que s. exa. era injusto, porque se não houvesse quem lhe erigisse uma estatua, não lhe faltaria quem lhe lavrasse o epitaphio, para o que eu mesmo me offereceria e o epitaphio que eu faria era muito simples. - "Aqui jaz um homem que mais util podia ter sido ao seu paiz, se o tivesse querido ser." - Porque ninguem se encontrou ainda nas condições e na posição em que s. exa. se tem encontrado para poder fazer a felicidade do seu paiz.

Posto isto e demonstrado que não é o nome do individuo em qualquer acto que significa que isso foi efectivamente quem mais cooperou para que a ele visse a luz publica, passarei a apreciar as considerações apresentadas por s. exa. no intento de provar á camara e ao paiz que as reformas políticas são inopportunas.

Disse s. exa. com applauso da maioria que não são opportunas as reformas, porque ha muita cousa util a fazer.

Emquanto aos applausos da maioria, direi apenas que não seriam elles menores se ámanhã o sr. presdiente do conselho viesse declarar á camara que deviamos antepor a tudo as reformas politicas.

Da mesma fórma por que ao sr. presidente do conselho não convinha a discussão em que estamos empenhados, não

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cessam os seus amigos de nos criticar por fazermos aquillo que a opinião do sr. Fontes e dos seus actuaes collegas foi sempre um direito das opposições, e, circumstancias como estas em que nos encontrâmos, imperioso dever.

Sr. presidente, o partido constituinte acceita alegre e conscio de ter cumprido um dever, a responsabilidade que lhe deve caber por esta discussão.

Depois do gravissimo periodo atravessado pelo paiz, elle julgou do seu dever fallar francamente á corôa e revellar-lhe o seu sentimento de que a constituição não tivesse sido respeitada durante o interregno parlamentar.

E podia sobre a mesa estar um sem numero do projectos para se discutir, que a minha opinião individual seria ainda a de que em caso algum nós deviamos sanccionar com o silencio actos do que não podemos nem queremos acceitar a responsabilidade.

Mas que projecto tem v. exa. sobre a mesa para dar para discussão?
O que haviamos de fazer, se acaso o partido constituinte não estivesse prestando este grande serviço de discutir a resposta ao discurso da corôa?

Para que se ha de dizer ao paiz o contrario d'aquillo que provam os registos parlamentares?

Pois não se sabe que foi necessário entreter uma sessão com discussões combinadas nos corredores, porque na vespera a opposição tinha desistido de discutir uma eleição que se julgava que seria largamente tratada?
Bastou isso para que a camara se visse na necessidade de pedir ao sr. ministro das obras publicas, que estivesse aqui, com sacrifício extraordinário, a moer palavras, permitta-me a phrase, para que aquelle relógio chegasse proximo do termo marcado no regimento.

Mas podiam estar na mesa os projectos mais importante que nós, constituintes, haviamos de levantar sempre a questão.

Não careciamos de outra auctoridade, bastava-nos a auctoridade do nobre presidente do conselho de ministros.

E, se não bastasse essa auctoridade, aliás acima de toda a suspeita, tinhamos ainda a auctoridade do illustre justiça e a auctoridade do illustre ministro das obras publicas.

Não nos faltaria mesmo, em caso de necessidade, a auctoridade do illustre ministro do reino, como o prova o nossa Diario das sessões, que não lerei agora á camara, por não o merecer a questão.

Ainda na ultima sessão s. exas. entendiam que a discussão da resposta ao discurso da corôa era um dever dos parlamentos.

O governo tinha então projectos de interesse publico sobre a mesa, mas apesar d'isso a opposição regeneradora punha-se ao lado da opposição constituinte para discutir a resposta ao discurso da corôa.

Então era um direito das opposições, e apenas decorrido um anno, apesar dos factos gravíssimos succedidos no interregno parlamentar, e que hontem era um direito, é hoje um abuso condemnavel!

De maneira, que se a regeneração não está no poder, a discussão da resposta é conveniente aos interesses do paiz, mas se está no governo, então a discussão é um attentado contra os legitimes interesses do paiz!
Ora, n'estas condições a camara comprehenderá que o melhor que temos a fazer é o que estamos fazendo, e cumprir como podemos e como sabemos aquillo que considerâmos um dever.

Apreciemos, pois, as rasões em que o sr. presidente do conselho se apoia para dizer que a reforma da carta não é opportuna. É verdade que ao mesmo tempo que disse isto foi deixando meia aberta a porta falsa por onde ainda o havemos de ver sair.

Na outra casa do parlamento já s. exa., foi dizendo que esta opportunidade póde ser questão de um dia, de um mez, ou de um anno, e a mim não me ha de surprehender-se d'aqui a um anno eu tiver ocasião de ver votar n'esta casa o projecto apresentado pelo meu collega e chefe, o sr. Dias Ferreira. A porta está aberta. A questão de opportunidade póde ser questão de dias.

D'aqui até lá, porém, bom é, que eu vá lembrando á camara quaes as opiniões dos chefes da regeneração sobre a opportunidade da reforma da carta.

Não mencionarei as opiniões de todos conhecidas, do grande liberal, António Rodrigues Sampaio, eloquentemente sustentadas na velha Revolução de Setembro, jornal por onde, quasi eu podia dizer á camara, comecei a soletrar.

Limito-mo a ler á camara a opinião do nobre presidente do conselho sobre a necessidade da reforma da nossa constituição, e que s. exa. sustentava nobremente no parlamento em 1849, com o enthusiasmo da sua curta idade, e a convicção do quem tem ainda a alma limpa de outras paixões que não sejam o amor do paiz.

Dizia o nobre presidente do conselho em 15 de janeiro de 1849:

«Ha muitos homens de muito boa fé que estão persuadidos que será pelo menos um grande risco o estabelecimento de certas instituições mais liberaes, porque observando os acontecimentos occorridos na Europa n'estes últimos tempos, attribuem á concessão d'essas instituições todas as calamidades que tem havido. Eu peço licença a v. exa. para dizer que não partilho d'esses terrores; estou convencido de que as circumstancias particulares do nosso paiz, não consentem o desenvolvimento de certas idéas ultra-revolucionarias, porque não está isso conforme com os nossos hábitos, nem com a nossa legislação, nem com as disposições actuaes. Alem d'isso, n'um paiz como o nosso, debaixo de um clima benigno, que tem fructos para sustentar o triplo do seus habitantes, que póde receiar-se d'essas utopias que inundam a Europa com o sangue de seus filhos? Não tenho recceio algum, porque pela natureza das cousas o paiz ha de reagir contra essas utopias, porque quer a liberdade e a ordem, quer, como eu quero, o systema representativo sem sophisma, entenda-se bem, e é isto que estou convencido que não tem acontecido n'esta terra há muitos annos; tem-se estabelecido o sophysma em principio, e foi o sophysma que já fez cair a primeira monarchia da Europa n'este ultimo anno; invocou-se ali o sophisma, e o sophisma foi mais alem do que ninguem previa, porque mesmo n'aquella hora em França ninguem a previa, ninguem o podia prever.
E agora pergunto eu a s. exa.: prevê com segurança o que será o dia de ámanhã?

Em 1849 fallava s. exa. assim perante o paiz; em 1882, trinta annos depois, s. exa. diz, que não são opportunas as reformas políticas!

Satisfazer-se-ia s. exa. em 1849 com o acto addicional? Creio bem que posso affirmar á camara que não!

Quem faltava com aquelle enthusiasmo e ardor, não se contentava apenas com as disposições quasi indiferentes do acto addicional.

É por isso que eu digo que, emquanto a opiniões politicas, eu prefiro as que s. exa. professava quando estava no vigor da idade.

Eu estudei a historia parlamentar de s. exa., que admiro, e não o fiz, no intuito de o contrariar, mas apenas no desejo de encontrar nos seus discursos não só lição, mas incentivo para mudar de idéas, se porventura, reconhecesse que estava em erro.

A verdade, porém, é que não encontrei nos seus discursos senão estimulo para sustentar, como sustento, os princípios liberaes que recebi no berço, via já v. exa. e viu a camara, como o sr. Fontes pedia reformas políticas, para que não succedesse cá o que succedeu em França em 1848.
Pois agora vou mostrar á camara qual o conceito em que s. exa., tinha então a nossa carta contitucional.

É de 11 de fevereiro de 1851 o que passo a ler.

Sessão de 14 de fevereiro de 1882.

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Dizia s. exa.:

«O illustre deputado que primeiro abriu o debate, disse que a carta é a constituição mais liberal e mais perfeita que existe. Eu não entrarei agora no exame de qual é a constituição mais, ainda que me parece que o respeitavel auctor d'esta proposição mostrou n'estas poucas palavras que não é muito conhecedor das constituições dos diversos estados da Europa e da America; mas, para demonstrar que ella não é muito perfeita e que, sobretudo, carece de reforma, basta considerar como as suas principaes disposições só prestam para apoiar as opiniões as mais oppostas e contradictorias.»

Esta era a opinião do sr. presidente do conselho com relação a essa carta velha que s. exa. lamentava em 1848 ninguém cumprisse, e que apesar d'essa lamentação, s. exa., durante o largo período em que tem sido ministro, nunca cumpriu.

Mas, disse s. exa: «Tenho percorrido o paiz de um extremo ao outro, e ainda ninguém me pediu os reformas políticas.»

Oh! Sr. presidente, nunca ninguem lhe pediu isso, porque não está nos nossos usos; o que está nos nossos usos é pedir empregos, condecorações e titulo, mas não reformas.

Mas eu pergunto a s. exa.,: não é esta a representação nacional? E aqui mesmo não lhe pediram quatorze dos seus amigos reformas políticas?
S. exa., diz que no paiz não se pedem reformas politicas, quando nos deputados regeneradores que votaram pela admissão do projecto do meu illustre chefe se encontram representados todos os districtos do paiz!
Eu vejo n'essa votação representado o circulo de S. João da Pesqueiro, o circulo de Soure, da Povoa de Lanhoso, de Montemór o Velho e outros, afóra todos os círculos representados pela opposição, e s. exa. diz que de um extremo ao outro do paiz ninguém lhe pediu reformas politicas?
Quererá s. exa. dizer que esses deputados da maioria não representam o paiz?

Mas, sr. presidente, o regimento não permitte interrupções, e eu quero, debaixo de todos os pontos de vista, mesmo porque careço, na posição especialissima em que me encontro, de toda a força que elle me dá, prestar a maior homenagem ás suas disposições.

Eu não farei, pois, uma pergunta aos nobres ministros que estão sentidos junto do sr. presidente do conselho, porque sei que o regimento não m'o permitte; mas em todo o caso s. exas. podem satisfazer a minha curiosidade com um aceno de cabeça.

Desejo perguntar a s. exas. se estão de accordo com o sr. presidente do conselho acerca da questão da opportunidade das reformas politicas.
Se estão de accordo, não fazem aceno nenhum; se não estão, fazem.
Estão de accordo?

Pausa.

Estão de accordo. (Risos.)

Vou explicar a v. exa. a rasão d'este meu pedido, que poderia parecer extraordinario á camara, mas que o não é, porque se funda apenas no que passo a dizer.

Eu vou explicar á camara a rasão por que o governo não julga opportuna a reforma da carta, sentindo ter de apresentar o verdadeiro motivo.
A minha pena, não é por mim que nada valho, e sou apenas um voto, a minha pena é pela maioria, a quem considero, cujos talentos respeito, porque a vejo na posição a mais difficil em que uma maioria se póde achar collocada.

Sabe v. exa. porque?

Era por isso que eu provocava da parte dos srs., ministros um aceno de cabeça. Estava na esperança de que o sr. ministro do reino dissesse:

«Eu quero a reforma, mas não me deixam manifestar o meu desejo.»

Mas, infelizmente, s. exa. conserva-se firme como um rochedo.

Querem, pois, saber a rasão por que hoje para o ministerio é inopportuna a reforma da carta?

Vou ler á camara a rasão dada pelo sr. ministro do reino.

Dizia s. exa. em 26 de março de 1881:

«E necessario que o actual presidente do conselho de ministros faça pela sua parte uma eleição que contente a todo o paiz e depois faremos então as reformas que o illustre deputado entende que se devem fazer.
«Com uma camara viciada não me parece que se possam fazer as reformas que alludiu o illustre deputado sr. Dias Ferreira.

«Quando tivermos feito uma eleição livre, quando tivermos uma camara em cuja sincera eleição todos acreditem, podemos então fazer as reformas que nos parecerem legitimas; antes, de certo não.»

Aqui tem v. exa. explicada a rasão por que não é o momento opportuno.
É porque v. exas. (dirigindo-se para um srs. deputados da maioria) não foram eleitos livremente, (Apoiados.)

É esta a conclusão que tiro a respeito da opportunidade a que se referiu o sr. ministro.

Fallo com este desafogo, sem receio de que as minhas palavras passem das mãos dos srs. tachygraphos para o Diario da camara, porque diligenciarei procurar sempre, como até hoje tenho feito, ser extremamente coherente com as opiniões que manifesto em qualquer occasião.

Por isso lamento que quem proferiu aquellas palavras não duvidasse de acceitar a posição de ministro do reino, tomando por consequencia a responsabilidade das ultimas eleições.(Apoiados.)

O facto, pois, de não achar opportunidade para as reformas políticas na occasião em que disfrutâmos do sossego e paz publica, póde significar que não se considera a camara dos deputados como legitima representante do paiz. (Apoiados.)

Effectivamente, se os meus ouvidos não me atraiçoaram, já ouvi também ao sr. presidente do conselho fallar na outra camara em eleições de uma forma que me pareceu revelar em s. exa. as mesmas duvidas ácerca da legitimidade da representação d'esta casa do parlamento.

E por isso concluo que estão ambos perfeitamente de accordo em que com uma camara viciada não se podem fazer as reformas propostas pelo meu honrado chefe, o sr. Dias Ferreira.

Não quero cansar a camara insistindo mais n'este assumpto de reformas politicas, e direi apenas como o sr. presidente do concelho, que é pelo menos preciso que se cumpra a carta.

É verdade: mas o cumprimento da carta não me cabe a mim, representante do paiz, cabe principalmente a quem está na posição de chefe do gabinete; (Apoiados.) e porque não se cumpre é que nós queremos as reformas politicas que obstem a essa infracção constante dos seus preceitos. (Apoiados.)

Disse eu ha pouco, que podia ver a mesa cheia de propostas da maior utilidade publica que eu não os votava sem primeiro ter levantado a questão política.

Repito-o agora e insisto ainda na affirmativa de que sem reformas políticas, que pelo menos obriguem o governo a cumprir a carta, não posso admittir a possibilidade do desenvolvimento e do progresso do paiz. (Apoiados.)

A questão das reformas políticas não é só bandeira de um partido. Essas reformas pede-as o paiz, por toda a parte onde as violências são enormissimas,(Apoiados.)

Onde a falta de respeito pela lei é flagrante. (Apoiados.)

Essas reformas pede-as o pobre, o desgraçado que vê seu filho levado a sentar praça, única e exclusivamente em

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proveito das influencias eleitoraes da freguezia. (Muitos apoiados.)
Em toda a parte onde a lei é infringida, onde já um cidadão portuguez que tenha que se queixar de violencias por parte da auctoridade pela falta de cumprimento da lei, se há de encontrar quem peça reformas politicas e proteste contra a tyrannia, contra o abuso e contra a prepotencia. (Apoiados.)

Não podem reformas políticas! Não as pede s. exa.; e corollario que tiro, apreciando os opiniões de s. exa., a maneira por que tem governado, e confrontando tudo isso período constitucional de 1842 a 1852, é, que é
mais facil governar, sophismando, pondo de parte a carta e servino-se - para não usar de outra expressão que podesse parecer menos parlamentar - da maleabilidade dos indivíduos e dos partidos, do que governar como até 1852 se tinha governado, sem querer saber da maleabilidade para só sustentar nas bayonetas as determinações dos governo.

O periodo constitucional divide-se por esta fórma: até 1852, não temos o sophisma com o consentimento tácito dos individuos e dos partidos maleáveis; tínhamos o sophismo, mas o sophisma só porventura mais perigoso, pelo menos mais digno: os direitos do povo eram espesinhados a cada momento, sustentando-se o poder na força das bayonetas, e os homens liberaes que hoje encontramos aqui, encontravam-se então em Torres Vedras, batendo-se pelos direitos do povo contra o sr. presidente de conselho, que sustentava os abusos da corôa! De 1852 para cá o proceder dos governos continuou o mesmo com a differença ade que não se apoia nas bayonetas, porque conhecendo a nossa indole e a indifferença e descrença que lavra no paiz, prefere lançar mão da arma da maleabilidade dos individuos e dos partidos! (Apoiados.)

Não quero abusar por muito tempo da attenção da camara, e por isso ponho ponto nas considerações que tinha a offerecer ao sr. presidente do conselho com relação ao que s. exa. disse a respeito de reformas políticas, e vou entrar n'outros pontos, cuja importância me não parece menor» sobre os quaes não podia deixar de apresentar a minha opinião franca e sincera, e de lavrar o meu protesto de homem liberal e de representante do paiz, que não póde ver com indifferença violadas as nossas mais sagradas disposições.

Sr. presidente, nós, geração liberal que, alem dos sentimentos de liberdade innatos em nós, temos como obrigação ter sempre presente ao nosso espirito a historia do passado e os exemplos que nos deixou essa geração immensa de homens liberaes de 1820 a 1837, nós não podemos acceitar a doutrina subversiva de toda a liberdade de todas as nossas mais sagradas disposições, apresentada e sustentada hontem pelo illustre presidente do conselho, com uma coragem que eu admirei e com um silencio da parte da maioria que lastimo profundamente.

Disse hontem o nobre presidente do conselho: «Eu respondo pelo que digo, pelo que faço e pelos homens que trouxe para meu lado, e d'ahi para traz não tenho responsabilidade!»

Eu não tenho obrigação de acceitar senão o que s. exa. me dá. S. exa. não me quer dar mais nada, e eu mais cousa alguma lhe posso pedir. Mas os representantes da nação creio terem o direito de perguntar a quem é que se ha de pedir a responsabilidade da dictadura em que o governo anterior se constituiu, e a responsabilidade das violencias praticadas na eleição de deputados a que se procedeu.

Se estamos em regimen constitucional devem responder-me. (Com vehemencia.) Quem é que responde ao representante do povo que vem queixar-se, no selo do parlamento, contra as violencias praticadas durante o período em que esteve no poder o ministério transacto?
Responda ao menos quem se prestou a deixar fugir do ministerio os homens que deviam responder pelos actos que praticaram, perante o parlamento.
Se eu me desse ao trabalho de remexer os apontamentos que aqui tenho, de certo encontraria a explicação das palavras do nobre presidente do conselho.

S. exa. também em 1848 e 1849 surprehendeu a assembléa, debaixo dos pontos de vista que a podia surprehender, pelo sua influencia, eloquência e muita isenção de caracter com que sempre fallou até 1851, isto é, está occupar um logar nos conselhos da corôa, que parece terem por virtude o fazerem esquecidos os homens que, quando eram opposição, sustentavam certos o determinados principios.

Dizia então s. exa. que o único sentimento que o animava era o bem do seu paiz, o eu digo tambem, que no sentimento que se traduz das minhas palavras não ha senão caso interesse, filho do muito que quero a esta terra.

Cae um governo em casa, phrase do nobre presidente do conselho, e s. exa. é chamado a formar novo gabinete.

Pedem-se-lhe explicações, e s. exa. diz: «Ahi estão dois collegas que faziam porte da administração passada, e elles que respondam».
Então o que é feito da solidariedade ministerial?

Póde haver algum collega do nobre presidente do conselho que tenha mais responsabilidade do que s. exa.?

Que solidariedade é esta, em nome da qual os srs. Julio de Vilhena e Hintze Ribeiro respondem pelos actos do ministrerio transacto, e não responde o sr. Fontes, que organisou a nova situação?

Pois não responde pelos actos d'aquelle ministerio, nem sequer, por consideração para com o outro presidente do conselho, pela condescendencia e só condescendencia, de ter acceitado a missão de organisar gabinete!

Oh! sr. presidente, suppunha que ao menos, o sacrificio immenso prestado por esse vulto venerando de António Rodrigues Sampaio merecia do illustre presidente do conselho de ministros, o tomar no seio do parlamento a responsabilidade dos actos do seu gabinete; pensava que quanto mais não fosse, bastaria a consideração de que o illustre presidente do conselho do governo demissionario tinha acceitado aquelle encargo unicamente por condescendencia, e porque ao sr. presidente do ministro actual não lhe fazia arranjo acceitar n'aquella occasião a missão de organisar gabinete; mas nem essa consideração póde valer para que v. exa. lhe estendesse aqui mão amiga!

Não sou eu que tenho de pedir contas a s. exa., por esse facto, bem o sei, mas do que tenho todo o direito é de pedir-lhe contas pela offensa constitucional que se deu, e pela qual só póde responder o governo que estiver aqui, seja elle qual for. (Apoiados.)

Oh! sr. presidente, ao mesmo tempo que se sustenta que só se tem a responsabilidade dos actos posteriores é entrada para o governo, diz-se que é o artigo 74.° da carta o causador de tudo!!

Hontem, ao ouvir s. exa., ía marchando de surpresa em surpreza; vi s. exa. sustentar em plena representação nacional, exactamente quando acabava de dizer que não eram necessárias reformas políticas, porque não tinha ainda chegado para ellas o momento opportuno, vi sustentar, repito, que tinha caído duas vezes em virtude do artigo 74.º!

Caíram os progressistas, foi o artigo 74,°; caiu, emfim, o sr. Cánovas em Madrid, foi o artigo 74,° de lá!

De maneira que eu, que imaginava que estava n'um paiz constitucional, que acima da lei escripta havia os principios constitucionaes doutrina esta, sustentada largamente pelos ministros do reino, da justiça e das obras publicas, quando estavam nos bancos da opposição, eu que imaginava isso tudo, vejo, com grande surpreza, que das responsabilidades de todas essas cises, não posso pedir contas, por que as não posso pedir ao poder a que se refere o artigo 74.°!

Sessão de 14 do fevereiro do 1882.

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Vejo descoberto n'este parlamento o poder moderador e eu não lhe posso pedir contas!

Pois acceita-se o encargo de formar ministerio, e para se caír, invoca-se o artigo 74.º, sem se querer comprehender os altos principios constitucionaes!

Contra asserções d'esta ordem protesto, e hei de protestar sempre! (Apoiados.)

Se o artigo 74.° póde ser interpretado por esta fórma nós não temos systema liberal, temos única e exclusivamente o absolutismo.

N'este ponto entro com certa vantagem, porque entro escudado nas tres auctoridades dos srs. Thomás Ribeiro, Júlio de Vilhena e Hintze Ribeiro, que sustentavam contra o governo presidido pelo sr. Anselmo Braamcamp, que este artigo 74.° da carta não podia ser entendido por esta forma.

Estou convencido de que ha um principio inmenso que restringe a interpretação do artigo 74.°, e esse é o da confiança do paiz e o do respeito pela soberania nacional, e se não fôra isto, certamente que, entre 1829 e 1882 não haveria differença alguma.

O que nos dia o artigo 74,° da carta constitucional?

«O rei exerce o poder moderador:

«1.° Nomeando os parou sem numero fixo;

«2.° Convocando as côrtes geraes extraordinariamente quando assim o pede o bem do reino;

«3.º Sanccionando os decretos e resoluções das côrtes geraes para que tenham força de lei.

4.º Prorogando ou adiando as côrtes geraes e dissolvendo as camaras dos deputados nos casos em que o exigir a salvação do estado, convocando immediatamente outra que a substitua.

5.º Nomeando e demittindo livremente os ministros d'estado;

6.º Suspendendo os magistrados nos casos do artigo 121.º

7.º Perdoando e moderando as penas impostas aos réus condemnados por sentença;

8.º Concedendo amnistia em caso urgente e assim o aconselhem a humanidade e bem do estado.

Estas faculdades não de ser entendidas em termos habeis, e se porventura ellas podessem ser usadas e abusadas, em restricções nem consideração pela representação nacional e pelos legítimos interesses do paiz, se ellas podessem ser entendidas assim, não seria o sr. D. Miguel, que Deus haja, que teria posto de parte esta carta. O governo que o sr. D. Miguel fez, fazia-se igualmente com este artigo 74.°, entendido por esta fórma.
Se o chefe do estado póde dissolver o adiar as côrtes quando lhe aprouver, se o chefe do estado póde nomear os pares que quiser, isto sem consideração pelo paiz, e simplesmente dominado por qualquer capricho seu, se esta é a interpretação do artigo 74.º, então para que serve principio da representação nacional?

O sr. presidente do conselho de ministros, para se justificar das infructiferas quédas que tem dado, não duvidou hontem ir á Hespanha e á Inglaterra buscar exemplos.

Folgo immenso que s. exa. citasse hontem, por duas vê-se, os exemplos da Inglaterra, porque eu terei tambem de argumentar com exemplos da mesma Inglaterra; mas devo dizer que ha exemplos não colhem, porque as circmustancias em que se deram os factos a que s. exa. se referiu, eram muito differentes das que se deram em Portugal.

O sr. Cánovas caiu, é verdade, mas perante o poder moderador; não caiu em casa, simplesmente porque não estava disposto a exercer mais as funcções do ministro; caíu constitucionalmente não caiu, como tem acontecido a sr. Fontes, e ainda hontem o confessou, única e exclusivamente por estar doente, e não porque lhe faltasse a confiança em qualquer das casas ao parlamento, como só doença de um homem podesse ser rasão que determinasse a quéda de uma situação que tenha a confiança da nação!

Citou tambem o exemplo recente do sr. Beaconsfield, que é inteiramente differente. Caiu, mas depois da eleição, quer dizer, quando a urna tinha exprimido a manisfestação do seu voto. (Apoiados.)

Creio que caír em casa, é um privilegio por ora nosso.

Ferry caíu em França. Muitos dias antes a sua quéda era annunciada por todos os orgãos do seu partido; mas veiu caír no seio da representação nacional. É se o illustre presidente do conselho demissionario tinha qualquer rasão pela qual entendesse que não podia permanecer nos conselhos da corôa, podia muito bem ter aproveitado essa occasião para cumprir o § 4.º do artigo 74.º e Ter convocado as côrtes, para caír, como fez Ferry, diante da representação nacional.

Para completar a apresentação do discurso do illustre presidente do conselho, resta ainda apreciar as considerações apresentadas por s. exa., para sustentar as fornadas.

Disse já á camara que o artigo 74.° da carta não póde ser entendido pela fórma por que s. exa. e no nosso paiz; que ha de ser apreciado e é em conta uma certa ordem de déas que, se não estão escriptas na lei, estão no coração do todos nós. Entendo por isso que uma fornada não é constitucional senão dadas circumstancias que determinem a sua necessidade.

Mas s. exa. disse que carecia da fornada porque não tinha maioria na camara dos dignos pares? Como é então que acceitou o poder? Pois porque caiu a situação progressista? Em nome de que principios entrou a situação de março de 1881? Se não tinha maioria na outra camara, como não a tinha n'esta casa, em virtude de que principios foi chamada a regeneração? Sempre o tal artigo 74.º!

Pois s. exa. não tinha maioria, agora quando toda a gente sabe na camara dos pares há um certo numero de votos que são essencialmente governamentaes? S. exa. podia porventura duvidar d'isto depois de ter visto como o sr. José de Mello Gouveia se prestou a acceitar a pasta qu era gerida pelo sr. Julio de Vilhena?

Evidentemente que a rasão apresentada pelo sr. presidente do conselho não colhe. Será porque s. exa. entenda que acima de tudo, acima de quaesquer principios constitucionaes, está a sua vontade?

Sr. presidente, eu vou ler algumas palavras do illustre ministro da justiça, e deixo depois a s. exa. chegar ao resultado que quizer, porque não posso admittir que no mesmo ministerio estejam dois homens que pensem de modo tão differente sobre um assumpto da mais alta importancia política, S. exas. hão de dizer depois qual a opinião do governo sobre este assumpto.

Na sessão de 17 de janeiro do ultimo anno dizia s. exa.:

«Sr. presidente, é conveniente ausentar de uma vez na verdadeira theoria constitucional.

«Lucram com isso todos os partidos; lucram os partidos governamentais e lucram os partidos que estão na opposição.

«Nós estamos todos filiados no systema monarchico, e não podemos nem devemos atraiçoar esse systema; cumpramos pois o nosso dever, mostrando á corôa, uma vez que estamos discutindo a resposta ao discurso que ella aqui pronunciou, qual é a verdadeira theoria constitucional e os perigos que corre esta instituição, se aquelles que a respeitam e que têem obrigação de a manter continuarem como até aqui, nestas repetidas e numerosas nomeações de pares.»

Esta é a opinião de um dos membros do governo, e admiro-me muito de que este membro do governo, a quem respeito altamente pelos seus talentos, e por quem professo há muito profunda amisade, admiro-me muito, digo, de que este membro do governo não julgasse que tinha chegado a occasião de entregar o poder no momento em que o sr. Fontes fez a ultima fornada.
Não quero abusar da attenção da camara, e por isso não

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me dou ao trabalho de ler a citação de homens notaveis a que o sr. Julio de Vilhena julgou dever encostar-se para sustentar a sua opinião. Referiu-se, porém s. exa. á opinião dos srs. casal Ribeiro e Miguel Osorio, e disse o seguinte mais:

«Eis a verdadeira theoria constitucional.

«Era indispensavel uma votação.

«Não se podia alterar a feição politica da camara alta, unicamente pela simples suspeita de que podia haver uma votação contraria ao governo; só pela simples suspeita de que o governo podia ter uma votação adversa n'esta casa.

«A carta tem muitos preceitos; mas há no direito publico constitucional outros preceitos que, como v. exa. sabe, não estão escriptos n'aquelle codigo. O direito publico interno, bem como o direito publico externo, contém tradições e principios recopiladas pelo publicistas, e é indispensavel seguir essas tradições, esses principios para manter-se o justo equilibrio que devem apparentar os diversos elementos que actuam no regimen constitucional.

«Estamos respondendo á corôa, é-nos licito, portanto, apresentar-lhe as opiniões do homem eminentes, inteiramente afastados dos debates politicos, e que na região serena afastados dos debates politicos, e que na região serena dos principios se não deixaram influenciar pelas paixões partidarias, como muitas vezes acontece.»

E disse isto um doutor da universidade! Não é qualquer opinião sem auctoridade. S. exa. tem a circumstancia agravante na hypothese de que é doutor da universidade, de que foi um dos seus mais dilectos filhos. Dizia ainda s. exa.:

«Entendem muitos illustres publicistas que as nomeações frequentes de individuos para o pariato constituem o descredito da instituição. Ora, ninguem tem desacreditado mais aquella instituição, como demonstrei, do que o partido representado no governo.»

seguiu-se então a citação de um grande numero de homens distinctos, cujas opiniões o sr. ministro leu á camara, para mostrar que estava de accordo com a opinião d'elles.

Sr. presidente, eu entrando agora na politica tenho a desgraça de ver os meus companheiros de Coimbra collocados n'uma posição tão falsa que se me afigura que difficilmente elles poderão sustentar as opiniões que têem manifestado.

Temos tambem o sr. ministro do reino que n'essa occasião accentuou as suas opiniões. S. exa. tambem apresentou uma opinião contraria á que hoje apresentou os seus collegas.

Não reproduzo as palavras de s. exa. porque, n'esta questão da fornada, não me quero lembrar de s. exa., e muito menos d que é ministro do reino. Fique s. exa. em paz com a sua cadeira de par.

Quer v. exa., e quer a camara ouvir a opinião de não menos distincto jurisconsulto, o sr. Hintze Ribeiro, sobre o assumpto?

Dizia s. exa. na sessão de 29 de janeiro de 1881:

«Pois modifica-se a constituição de uma camara, pois augmenta-se o numero de membros que a compõem, só pela declaração de um homem, seja elle quem for, esteja elle na posição em quer estiver?

«Pois um governo póde jamais solicitar do poder moderador que exerça uma faculdade, que por isso mesmo que é illimitada tem de ser prudente, sem primeiro ter experimentado um revez, e sem primeiro ter encontrado na camara alta uma manifestação de desconfiança sem assumpto que esteja dependente da sua decisão?

«Eu pensava que as fornadas se faziam no uso plenissimo do direito que é concedido ao poder moderador, mas só quando as circumstancias o exigiam. Agora vejo que basta uma phrase do sr. Fontes para justificar uma fornada.»

Sr. presidente do conselho de ministros, eu faço minhas estas interrogações do seu actual collega das obras publicas.

Eu quero ver como s. exa., apesar da sua rara habilidade podem mostrar ao paiz que não sacrificam as opiniões que manifestam n'estes logares em troca d'aquelas cadeiras.

Os homens publicos têem obrigação de ter mais amor á sua opinião, e pesarem muito quanto dizem, para não darem ao paiz o triste espectaculo que estamos presenciando.

Asserções d'estas não se avançam para ámanhã serem desmedidas; asserções d'estas, quando se avançam aqui, sustentam-se nos bancos do poder.

Mas disse s. exa. uma cousa que me surprehendeu tambem; disse s. exa. todos se queixam das fornadas, e a final as fornadas não fazem mal nenhum; e a prova é que as duas fornadas que os progressistas fizeram, e de que se queixaram tanto os senhores, não fizeram mal nenhum.

Pois será indifferente perturbar o equilibrio constitucional? Será indifferente ir introduzir sem necessidade nenhuma politica uma fornada na outra camara do parlamento?

N'este ponto estou de accordo com os srs. ministros do reino, da justiça e das obras publicas. Não entendo que se faça uma fornada sem necessidade nenhuma.

Tenho concluido as minhas observações com respeito ás considerações apresentadas hontem pelo nobre presidente do conselho, e devo por isso entrar, sem mais delongas, na apreciação da resposta ao discurso da corôa.

Se as infracções da nossa constituição dadas durante o interregno parlamentar em caso algum podem merecer a nossa absolvição, essas infracções muito menos podem merecer a nossa absolvição sendo praticadas por esta situação; e por isso logo o primeiro paragrapho da resposta ao discurso da corôa me offerece grandes duvidas.

S. exas. pozeram uma bôca doo augusto chefe do estado as seguintes palavras;

«Abrindo a primeira sessão da presenta legislatura cumpro gostosamente um dever constitucional.»

Como v. exa. sabe estas respostas não são apenas um mero comprimento, nunca fora consideradas como tal em circumstancias como aquellas que nós temos atravessado; significam mais alguma cousa, significam a falla franca do paiz expondo ao seu monarcha as suas necessidades; e no momento em que se falla em deveres constitucionais nós não podemos deixar sentir que o primeiro dever constitucional, que os homens que ali estão sentados deviam ter aconselhado ao monarcha era o de convocar a nova camara dentro do periodo maximo de tres mezes, porque em primeiro logar a carta constitucional estabelece que em caso de dissolução a nova camara será convocada immediatamente, e este preceito não foi observado, porque o que se fez foi dar cumprimento á lei de 21 de maio de 1863, que estabeleceu a disposição do artigo 18.º da carta. (Apoiados.)

Esta disposição porém não se refere ao caso presente.

Em segundo logar, no consenso unanime de todos os partidos, temos a interpretação do que se deve entender pela convocação immediata. Pois não temos um projecto de reforma apresentado pelo illustre presidente do conselho, em que s. exa. estabelecia como periodo maximo dentro de noventa dias? E não estariam os homens que uma vez apresentaram uma proposta n'estes termos, colocados na obrigação absoluta de esclarecer o monarcha sobre o cumprimento d'esse dever, e mostrar-lhe que as côrtes não podiam ser convocadas para alem do periodo de noventa dias?

O desprezo da disposição contida no § 4.º do artigo 74.º da carta é manifesto, e mostra bem a consideração que se governo merece a representação nacional.

Reunimos aqui em 2 de janeiro, porque não podia ser de outro modo. Não sei, porém, se não virá ainda tempo em que nem essa disposição da carta seria observada.

Eu, porém, protesto e hei de protestar sempre contra

Sessão de 14 de fevereiro de 1882.

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Este constante desprezo dos direitos da nação e deixo aqui lavrado o meu protesto contra a violação do § 4.º do artigo 74.º da carta.

O limite nunca podia passar alem dos noventa dias, porque tinha sido essa uma das reformas que o espirito do seculo reclamava. Já em 1872 o sr. Fontes obrigava o monarcha a declarar na falla do throno que era indispensavel no interesso do paiz, que a faculdade do artigo 74.º foi modificada e que a convocação da nova camara fosse feita dentro de noventa dias. Era dever seu aconselhar pois ao monarcha a convocação da nova camara dentro d'aquelle praso. Em vez d'isto, porem, pozeram de parte o artigo 74.º de que se servem conforme lhes faz conta, e limitar-se a cumprir o preceito ordinário do artigo 18.º da Carta.
E depois d'isto não duvidam de pôr na boca do soberano as seguintes palavras:

«No uso da auctorisação concedida pela carta do lei de 30 de junho fui ao reino vizinho...»

Pois o governo, que se acha em dictadura, dá-se ao trabalho do mencionar na resposta ao discurso da corôa que El-Rei anuiu com consentimento das côrtes!

A questão da saída, com ou sem consentimento, póde ter porventura a menos importância que a infracção que fizeram da constituição na questão dos impostos? (Apoiados.)

E mencionámos no projecto de resposta, com grande ufania, que o monarcha saíu do reino com o consentimento das côrtes geraes, e não temos uma palavra para lamentar que a disposição mais importante do acto addicional, aquella que mais segurança póde dar ao paiz, fosse, sem desculpas, violada! (Apoiados.)

E não se diga, como disso o illustre presidente do conselho demissionario, perante esta camara, que a offensa do artigo 12.º do neto addicional era indifferente, porque não significa senão a prorogação de uma lei existentes!

Ainda n'este ponto posso apoiar-me na auctoridade do illustre presidente do conselho, que dizia um 17 de janeiro de 1851 o seguinte:

«Sr. presidente, eu não esperava ouvir que o nobre presidente do conselho de ministros estabelecesse a distinção entre infracções grandes e infracções pequenas da carta constitucional!

«Eu não pensava que havia n'isto outra cousa senão o dever da parte do governo e dos corpos constituidos de executar a constituição e as leis, e d'esta camara examinar com todo o escrupulo e severidade possivel, se o governo tinha cumprido a sua missão n'esta parte.

«Quando se trata de infracções da carta constitucional, seja em objectos grandes ou pequenos, segundo a opinião dos srs. ministro, sempre são grandes na minha opinião e na opinião de todos os publicistas que querem que o parlamento seja a salvaguarda da constituição, juramento que prestámos n'aquella mesa (a presidencia).»

Eu tambem declaro que não comprehendo a distincção que se quer fazer entre grandes e pequenas infracções, e n'este ponto ainda sigo de preferencia a opinião que o sr. Fontes tinha em 1851.

Sr. presidente, eu limito a isto o muito que tinha a dizer sobre o projecto de resposta, porque é possivel que ainda tenha de tomar a palavra outra vez, e não quero concluir sem perguntar aos srs. ministros qual o seu pensamento de governo, na conjunctura grave em que nos encontrâmos.

É perfeitamente justificada esta minha curiosidade.

Vejo n'aquellas cadeiras uma situação nova o que pela primeira vez se apresenta perante os representantes do povo, e até ao momento actual não sei qual seja o pensamento politico do governo, quaes são as suas idéas ácerca da nossa administração, e creio que o nosso desamor pelo systema constitucional não irá até ao ponto de julgar-se indifferente que um deputado pergunto aos homens que se apresentam investidos da confiança da corôa, quaes as rasões em que se apoiam para esperarem a nossa confiança.
Julgo, pois que me devo considerar no direito de perguntar a s. exas., e folgo immenso que esteja presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, qual o pensamento do governo com relação á questão que, afóra as reformas politicas, sem as quaes não considero possivel, e s. exas. O têem demonstrado praticamente, levar por diante a reforma d'este paiz, qual é, repito, o pensamento do governo na questão mais importante e sobre a qual não me consta que por parte do governo se tenha apresentado até hoje proposta alguma.

Refiro-me á questão de fazenda.

A camara comprehende perfeitamente a importancia d'esta questão, e quando a não comprehendesse, eu tinha aqui diante de mim quem lhe podia comprovar essa importancia.

É ainda o nobre presidente do conselho, o creio que s. exa. não me levará a mal que eu me apoie em auctoridade que me merece tanto respeito.

Em 10 de março de 1849 ao opiniões do sr. Fontes sobre o assumpto eram as que possa a ler á camara.

Dizia s. exa.:

«Sr. presidente, um ministro da fazenda qualquer não toma posso da pasta, unicamente para receber o que se lhe dá, e pagar com o que recebe as despezas inehrentes ao serviço do estado.

«E eu faço um conceito muito superior de s. exa. para suppor que s. exa. entendesse que a sua missão era unicamente aquella.

«Eu desejava que s. exa. nos indicasse a nós, como representantes do povo, os meios d que carece para nós habilitarmos o governo com a somma necessaria, ou outro qualquer meio, pelo qual se resolva esta questão.
«Sr. presidente, eu se tivesse a honra de que Sua Magestade me mandasse convocar para tomar posse da pasta da fazenda, do que eu estou livre, porque não tenho os conhecimentos necessarios para essa incumbencia, mas se isso acontecesse, preferia o ir preso para o castello a aceitar similhante pasta; não porque não tenha a coragem necessarias para affrontar qualquer circumstancia penosa que se me apresente; mas porque não sei qual há de ser a maneira de se resolver esta questão. Entendo portanto que um cavalheiro qualquer que acceite e penoso encargo de ministro da fazenda na situação em que nos achâmos, deve Ter um pensamento organisador que resolva a situação actual...»

«Não pude convencer-me de que acceitasse aquella pasta, que me sentasse n'aquella cadeira, tão cheia de espinhos, sem Ter um pensamento organisador e salvador das nossas circumstancias actuaes...»

«Sr. presidente, a nossa situação é muitissimo difficil, mas não é acceitando a herança completamente, herança que desgraçadamente tem sido legada de um ministerios aos outros que se hão de resolver estes embaraços. Para os resolver é preciso sair fora das regras ordinarias. Estou persuadido que é preciso sair d'ellas, senão caminharemos para uma bancarota, porque há de vir um dia em que se acabem os rendimentos. É necessario mudar de vida, de systema e de tudo!!»

Eu faço minhas as palavras do sr. Fontes que a camara acaba de ouvir, e pergunto: onde está o programma do governo?

S. exa. não comprehendia que um ministro da fazenda acceitasse uma tamanha responsabilidade sem programma; pois nós estamos a 14 de fevereiro de 1882, há mez e meio que ás côrtes foram abertas, e ainda até hoje sobre a mesa da presidencia não vi uma única proposta que revelasse o pensamento financeiro de s. exa.

Ora, se em 1849 o presidente do conselho de hoje pensava assim, como deverá s. exa. pensar hoje, que são decorridos dez annos depois que veiu a esta casa assegurar á camara que no fim d'esse anno economico teríamos um saldo positivo de 27:000$000 réis, hoje, que são passados

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dez annos que s. exa. fez despertar na minha alma os maiores enthusiasmos lendo, longe da patria, o seu memoravel relatorio de 1872!

É verdade, sr. presidente! Senti estremecer de jubilo a minha alma ao ver que resuscitava para as finanças d'este paiz um novo marquez de Pombal.

O illustre presidente do conselho deve comprehender que satisfação eu não sentiria ao ler o sou relatório, longe d'aqui, dessas paragens do alem mar, porque s. exa. tambem já esteve longe da patria.

Com que prazer eu lia esse relatório, e cheio de enthusiasmo bemdizia ter finalmente subido ao poder um ministro entendia que não ora possível um paiz viver com constante, o que era necessário que acabasse uma vez, sob pena do sermos arrastados para uma voz, sob pena de sermos arrastados para um abysmo!

Oh! sr. presidente, a decepção, porém, que tive depois é que foi monumental, o logo mostrarei a camara quanto o sr. Fontes abusou da minha credulidade. Antes d'isso, porém, quero ler á camara algumas opiniões financeiras do sr. Fontes que, alem de serem em minha opinião a verdadeira doutrina, provam quanto é verdade que só lhe tem faltado a vontade de fazer bem ao paiz, e não os conhecimentos precisos para o fazer.

Sobre a necessidade da organisação da fazenda publica dizia já o sr. Fontes em 22 de julho de 1848:

«Sr. presidente, ha muito tempo que se esta a adiar a questão da fazenda, e lamento que ainda n'este anno de 1848, tendo já decorrido quatorze annos da nova organisação política, se venha trazer ao parlamento um projecto que importa o adiamento politica, se venha trazer ao parlamento um projecto que importa o adiamento da questão de fazenda! Este adiamento, afóra outros inconvenientes, mata a esperança haveria de resolver d'esta vez este problema, cuja solução por este modo se torna de cada vez mais illusoria. (Apoiados.) É preciso, sr. presidente, que n'este edificio da esperança (e póde chamar-se assim )não vamos todos os annos derribando pedra por pedra por pedra, pois que successivamente chegará a não haver confiança nem fé, quando vemos que todos os annos se atrazam as esperanças mais bem fundadas sobre o futuro.»
E que diremos nós, sr. presidente, que vemos decorridos quarenta e oito annos depois da nova organisação politica, e nos encontrâmos hoje em peiores condições que nos achavavamos em 1848?

N'esse mesmo anno, e cinco dias antes de ter proferido as palavras que acabo de ler, dizia s. exa.:

«Ha um grande erro no nosso paiz: fazem-se reformas em parte, quando ellas devem ser radicaes e completas; o que acontece é que na nossa terra hoje ninguem acredita em reformas, porque a cousa reformada fica sempre em peior estado. Não ha a coragem de levar por diante a reforma-se sómente uma parte e deixa uma certa somma de materia velha que vae destruir a presente maneira que este principio de reforma é sempre prejudicial e estraga tudo.»

Imagino que não enfado a camara lendo-lhe opiniões que para ella devem ser as melhores e os mais auctrisadas, porque são do illustre chefe do partido repenerador e presidente do conselho no ministério actual; creio que a camara, se as não conhece já, terá profundo interesse em aprender os bons principies professados por s. exa.

Repare a camara na boa doutrina que o sr. Fontes professava 23 do março de 1840:

«A respeito de mais impostos, peço perdão no illustre deputado para lhe dizer uma cousa. Pois este recurso de impostos é uma fonte inexgotavel? Aonde havemos do ir lançar contribuições indefinidamente? Pois não ha mais nada de que dizer que lançamos mais impostos? Eu peço licença para dizer, com Montesquieu, «que o imposto não «se calcula sobre o que o povo póde pagar, mas sim sobre «o que deve pagar». Oh! sr. presidente, lançar mais impostos para estradas quando temos um deficit no orçamento que nos corroe até as entranhas! Não serei eu que contribua com o meu voto para lançar uma contribuição nova, alem d'esta que propõe o projecto para fazer as estradas; por muito úteis que sejam, não chegam a ser tão indispensáveis como acabar com este deficit que nos mata: esta é a verdadeira organisação da fazenda; emquanto tivermos um déficit horroroso de alguns milhares do contos, é perfeitamente uma decepção o que se pretende; eu não sei como qualifique isto de lançar impostos sobre o publico para outro effeito que não seja cobrir esse deficit.

«Sr. presidente, desenganemo-nos; acabemos em primeiro logar com o déficit; ha de trazer isto tanta fortuna ao paiz como a lei das estradas, se não maior; porque acabar com esse deficit não é só acabar com um cancro que nos corroe incessantemente, e que nos obriga a operações ruinosas, é acabar também com o cancro da agiotagem.»

Como a camara vê, o sr. Fontes, desde os primeiros annos da sua vida política, se affligia e muito com o deficit, e a ponto tal que nem queria estradas emquanto elle não acabasse.

E não tem duvidado s. exa., e com elle os seus correligionários, de se apresentarem perante o paiz como os iniciadores dos melhoramentos públicos!

Tenho a peito destruir mais essa pretensão que os factos não continuam.
Iniciadores dos grandes melhoramentos públicos, tinham de ser todas as situações que se tivessem conservado no poder desde 1848 para cá. (Apoiados.) Já uma vez aqui o disse a voz respeitável do sempre chorado marquez d'Ávila e de Bolama.

N'esse periodo de commoções, em que os homens públicos não tinham o desafogo que s. exa., têem tido, ainda assim curava-se dos melhoramentos públicos; e digo francamente, nas condições em que o paiz, tem estado, de paz, e socego publico, nos últimos trinta annos, muito mais se devia ter feito se se tivesse tido a peito governar com o paiz, e para o paiz.
Infelizmente governa-se para os partidos em vez de se governar para o paiz. Já disso se queixava então o sr. Fontes no que vou ler á camara.
É de 22 de julho de 1848;

«Não ha muito que eu ouvi, n'um áparte, a um nobre deputado, membro da commissão de fazenda, dizer que os dois únicos meios de sairmos da situação em que nos achamos e organizar a fazenda, era, ou cortando nos empregados públicos, ou argumentando os tributos. Eu respeito muito esse illustre deputado, mas se o governo e a commissão de fazenda está não pensamento eu não lhe posso dar o meu voto; se o governo entende que não é possivel organisar a fazenda senão cortando aos empregados e augmentando os tributos, então, sr. presidente, parece-me que nunca se ha de tratar da questão de fazenda.

«Eu estou convencido que s. exa. o sr. ministro da fazenda, sabe que ha fontes de riqueza nacional muitíssimo importantes e d'onde se podem tirar muitos recursos, e logo o que vem a dizer-se que estamos á borda de um abysmo?... Não estamos á borda do um abysmo, e não diz que estamos á borda de um abysmo senão quem não sabe dirigir as cousas, só o diz quem não sabe do paiz metade; ha muitas riquezas nacionaes que se podem desenvolver e fazer prosperar e eu não posso admittir que qualquer ministro da fazenda diga que estamos á borda de um abysmo.

«Não estamos, sr. presidente, há salvação para tudo.

«Eu estou convencido que se se dirigirem bem as cousas, se se for superior aos prejuizos e interesses do partido e se se resistir ás egoistas pretensões particulares, enfim se se governar o paiz, se houver paz, ordem e liberdade, uma liberdade sem anarchia, sem sophismas, liberdades como ella deve ser, se houver tudo isto este paiz será salvo.»

Aqui tem a camara como o sr. Fontes Pereira de Mello fallava em 1848, e eu perguntarei: salvo s. exa. o paiz

Sessão do 14 de fevereiro de 1882.

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Tendo sido tão longos annos chefe de uma situação, na quadra a mais propicia que o paiz tem atravessado desde 1834?

A resposta temol-a nós no orçamento apresentado n'esta casa.

A camara póde estranhar de certo que eu tenha estado a fazer um discurso, lendo os discursos do sr. Fontes; mas eu tenho-o feito por uma circunstancia, e é porque não o podia fazer melhor, porque a maneira de pensar que tenho hoje, é a mesma que tinha o nobre presidente do conselho, quando, antes de 1851, se encontrava n'estas cadeiras.

Quando, porém, passou para essas (as dos srs. ministros) a transformação foi completa, e desde logo só mostrou o financeiro que conhecemos.
Sempre a prometter matar o deficit, e sempre a deixal-o mais nutrido.

Declaro sinceramente a v. exa. e a camara, que desejaria ter o meu espirito preparado para, ouvindo o sr. presidente do conselho, declarar que d'esta vez matará o deficit, poder acreditar essa declaração; mas infelizmente, não posso conseguir tal, e a culpa é de v. exa. que, sendo em 1852, pela primeira vez, ministro da fazenda, exprimiu logo, perante o parlamento, a esperança de que no fim do anno não haveria deficit. Creio que essa tem sido a causa das desventuras de v. exa., como financeiro.

V. exa., foi assás precipitado, dando logo na primeira vez que geria a pasta da fazenda, ao paiz, a esperança de que acabava com o deficit.

Dizia então já s. exa. na sessão de 14 do junho de 1852:

«O deficit, sr. presidente, é o peior dos impostos; é o mais grave, o mais intoleravel e o mais desigual para o paiz, de todos os impostos; e isto ha de continuar necessariamente, emquanto nós não estivermos no estado de fazer com que a nossa contribuição seja repartida igualmente por todos.»

N´essa mesma sessão dizia depois:

«D'este modo parece-me que tenho provado á camara, da melhor maneira que me é possivel, que o deficit é de 189:000$000 réis, como o governo diz no seu reçatorio, e não de 801:000$000 réis, como diz o illustre deputado (o sr. José Maria Grande).

«Eis-aqui como aprecio o deficit: não há saldo positivo, é verdade; mas há um deficit que não me assusta, que não deve assustar ninguem, e que fazia envergonhar qualquer ministro da fazenda que não soubesse governar com elle!

«Ainda quando o orçamento fosse augmentado com réis 200:000$ mais de despezas, isto era attenuado com despezas que se acham no orçamento, que podem deixar de se effectuar, sem affectar o serviço publico.

«Portanto, attendendo a tudo isto, posso dizer desaffrontadamente que o deficit me não assusta.»

Confessava s. exa., é verdade, que havia um deficit; mas se se reparar bem nas suas palavras, vê-se já o mesmo fallar que posteriormente se lhe tornou usual, que com o augmento das receitas que era natural que proviesse, esperava que esse deficit não tivesse importancia, e se podesse contar com um saldo.

Em 1872 vejo as mesmas esperanças enganadoras n'esse relatorio que me fez estremecer de alegria, porque me fez suppor que a situação financeira do paiz ia entrar n'uma nova phase. Não careço de ler á camara os pontos mais frisantes d'esse relatorio; são palavras sempre repetidas por todos os oradores que fallam n'este assumpto, e s. exa. tem-as ouvido bastantes vezes em ambas as casas do parlamento; por exemplo, quando s. exa. dizia que o orçamento com um deficit seria apenas um rol de receita e despeza, e nada mais.

Lembrarei tambem á camara, que o sr. presidente do conselho veiu em 1872 assegurar á camara e ao paiz que no fim d'esse anno elle esperava Ter um saldo de réis 27:000$000.

Mas não se limitava a dizer isto. Dizia tambem:

«É necessario que o deficit desappareça, e que saldemos annulamente os nossos encargos com as receitas do thesouro.»

«O deficit ou acaba por uma vez, ou ameaça, não acabar nunca. Se há annos tivessemos posto o devido empenho em conseguir este fim, é indubitavel que as economias realisadas, e os impostos successivamente votados, seriam mais do que sufficientes para regularisar as nossas finanças, equilibrando a receita com a despeza.»

«Se luctâmos ainda com dificuldades graves, por se ter adiado successivamente a resolução da questão de fazenda, sem vantagem, e antes com prejuizo notavel do contribuinte, empenhemos agora todas as nossas faculdades para entrar no estado normal.»

«Um dos maiores erros que commetti em 1867, foi o não levar as medidas de fazenda até onde fosse necessario para equilibrar a receita com a despeza. Qualquer que fosse a sorte das medidas, eu ficaria com a consciencia de ter cumprido o meu dever, única consideração que dá força para supportar as justiças dos homens.»

Ah! sr. presidente, quem se não illudiria como eu me illudi, ao ler a tantos centenares de leguas d'esta terra, estas palavras tão nobres!
O desengano, porém, foi cruel.

O mesmo sr. Fontes, que em 25 de fevereiro de 1853 dizia:

«Os ministros têem obrigação de Ter um pensamento definitivo: devem correr atraz d'elle, sustental-o e não modifical-o, e se caírem, caírem com elle...Portanto, em publico não modifico as minhas opiniões. Deixo estas cadeiras; sigo o caminho constitucional.»

Abandonava essas medidas com que havia de regenerar a fazenda, e para não faltar a tudo, entregava a pasta da fazenda, e para não faltar a tudo, entregava a pasta da fazenda ao sr. Serpa, como se elle, continuando presidente do conselho, não tivesse responsabilidade por essa gerencia!
E assim se seguiu esse periodo de sete annos, durante os quaes o sr. Serpa veiu aqui em cada anno, apresentar a perspectiva de que, com o augmento de receita, o deficit ao extinguiria, para a final de contas vermos caída essa situação deixando o deficit superior a 16.000:000$000 réis, apesar de por duas vezes ella ter sido consolidada!

Sr. presidente, eu ouvi o sr. presidente do conselho de ministros citar hontem o exemplo da Inglaterra a s. exa., que está hoje no poder, e que o tem exercido tanta vez, comettendo gravissimos erros; mas que póde, querendo, resgatar ainda esses erros com acções meritorias.

O homem que acceita nas condições em que s. exa. acceitou agora os encargos de ministro da fazenda e de presidente do conselho, tem obrigação de corresponder á confinaça da corôa e do paiz, confiança que as grandes maiorias nas duas casas do parlamento estão mostrando que elle possue.

Ora, sr. presidente, as circunstancias são graves, mas outras muito mais graves têem atravessado outras nações sem succumbirem na lucta, antes saindo d'ella mais cheias de vigor e de fé no futuro.

Na propria Inglaterra houve uma occasião em que esse grande paiz se achava a braços com difficuldades não menores do que aquellas em que nós nos encontrâmos agora.

A relaxação dos costumes, a immoralidade, a falta de cumprimento dos seus deveres por parte das auctoridades subalternas, o contrabando em larga escala, um grande deficit, a pessima cobrança do imposto, a maxima desigualdade na sua distribuição, o patronato vergonhoso, tudo isso se dava em Inglaterra, quando era feito primeiro ministro um homem que tinha appenas vinte e quatro annos!

Pois esse homem que tinha apenas vinte e quatro annos soube impor-se á confiança do seu paiz, mostrando no cumprimento dos seus deveres a perseverança e a abnegação

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que eu aconselho ao sr. presidente do conselho que adopte.

Indo a vagar um dos logares mais rendosos da Inglaterra, e offerecendo-se, segundo os costumes d'aquelle paiz, occasião a esse homem para poder ficar com esse logar, como todos sem distincção de côr politica lhe pediam, elle que não tinha fortuna, em vez d'isso e em prejuizo proprio foi pagar uma divida, foi saldar uma responsabilidade em que tinha incorrido um homem do seu partido em prejuizo do thesouro, e deu o logar a outro.

A Inglaterra enthusiasmada com este procedimento de quem era apenas uma creança de vinte e quatro annos, deu-lhe a força precisa, de forma que, quando rebentava a tremendissima lucta entre a França e aquelle paiz no periodo da revolução, a Inglaterra tinha uma boa administração, tinha augmentado as suas receitas, tinha acabado com o deficit e tinha os seus fundos n'uma cotação a que havia muitos annos não tinham subido.

Mas esse homem procedia pela fórma que deixo exposta á camara.

Via e ou sempre em toda a sua vida o bem do paiz e unicamente o bem do paiz.

E por isso, não conseguiu só o applauso do paiz, mas até os dos seus adversarios politicos.

Ora eu peço exactamente ao sr. presidente do conselho, a quem creio hoje cercado de condições para governar com força, peço a v. exa. que siga o exemplo que deixo apontado, e que faço a bem do paiz tudo quanto elle tem direito de exigir o que nós todos estamos reclamando a toda a hora o a todo o momento. Então poderá v. exa. ter direito á estatua a que o outro dia se referia, senão terá direito apenas ao epitaphio que lhe offereci.
Compenetre-se s. exa. da obrigação em que se encontra e da responsabilidade que contrahiu de ser uma vez ministro da fazenda; salte por cima de todas as difficuldades, e se não póde organisar a fazenda tenha a coragem de o dizer francamente ao paiz, e do ceder o logar a quem se sinta com forças para uma tal empresa. É necessario que quem occupa uma posição de tal ordem tenha patriotismo de largar o poder quando vê que não póde lar satisfação ás justas exigências do paiz. Só assim é que se póde bem merecer do paiz; de outra fórma s. exa. há de ter mais uma vez o desgosto de ouvir da opposição as palavras de censura que a sua linha de conducta tem provocado em outras occasiões.

Sr. presidente, não quero cansar por mais tempo a attenção da camara.

Imagino que me verei ainda obrigado a voltar ao debate, e n'estas condições peço á camara desculpa do tempo que lhe tomei, e que me releve qualquer palavra que tenha proferido e que podesse melindrar alguem, porque não era esse o meu intento, mas unicamente deixar consignada a minha opinião sobre as importantes questões que n'esta discussão têem sido debatidos.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Luiz de Lencastre: - Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação civil, sobre a proposta do governo n.° 59-A. Peço que seja enviado á commissão de marinha.

O sr. Azevedo Castello Branco: - Mando para o mesa um parecer do commissão de administração publica sobre uma proposta do governo.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje e mais a eleição da commissão que ha de dar parecer sobre a proposta do bill, e, havendo tempo, a interpelação do sr. Luciano de Castro ao sr. ministro do reino.

Está levantado a sessão.

Eram quasi seis horas da tarde.

E N.º 41

Senhores deputados da nação portuguesa. - Os empregados do governo civil do districto de Castello Branco, abaixo assignados, vem mui respeitosamente pedir aos dignos representantes da nação portuguesa a fixação definitiva dos quadros e vencimentos do pessoal das secretarias dos governos civis, que ainda hoje são regulados pelo decreto de 25 de outubro de 1836, que interinamente fixou o numero e vencimento dos empregados das antigas administrações geraes.

Custa a acreditar, senhores, que n'um paiz culto e civilisado se espere meio seculo pela organização definitiva dos quadros das secretarias das primeiras e mais importantes repartições do paiz.

Publicam-se varios codigos e sempre os fataes palavras: «Uma lei especial regulará a organisação dos quadros das secretarias dos governos civis!»
Confiam, porém, os abaixo assignados que vós, srs. deputados, votareis na presente sessão tão desejada lei, a que ao votal-o attendereis ás difficuldades financeiras com que hoje luctam os empregados dos governos civis e ao augmento de trabalho pela multiplicação dos serviços.

Castello Branco, 7 de fevereiro de 1882. - (Seguem-se as assignaturas.

Sessão de 14 de fevereiro de 1882.

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