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N.° 28

SESSÃO NOCTURNA DE 5 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. Sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Approvada a acta, entra-se logo na ordem da noite, sendo discutidos os artigos 32.º e 33.º do projecto de lei n.º 21 (orçamento), que concedera ao governo diversas auctorisações. Abre o debate o sr. João Franco, que declara concordar com a primeira d'essas auctorisações e rejeitar as restantes. Em relação a estas, apresenta e sustenta algumas propostos. - O sr. Dias Costa manda para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre a proposta de lei n.º 13-N (exclusivo dos tabacos). - Ao sr. João Franco responde detidamente o sr. Adriano Anthero, sustentando e justificando os artigos impugnados. - Toma em seguida parte no debate contra as auctorisações o sr. conde de Paçô Vieira. - Explicações dadas pelo sr. presidente do concelho ao sr. João Franco. - Encerra-se a sessão.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 50 srs. deputados. São os seguintes: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Arthur Alberto de Campos Henriques, Bernardo Homem Machado, Conde de Burnay, Condo de Paçô Vieira, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Augusto Correia de Barros, José Bento Ferreira de Almeida, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Joaquim da Silva Amado, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio Teixeira de Sousa, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Francisco Silveira Vianna, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Joaquim Izidro dos Reis, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José da Cruz Caldeira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria, de Alpoim de Cerqueira, Borges Cabral, José Maria Pereira de Lima, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Marianno Cyrillo de Carvalho e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alvaro de Castellões, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Arnaldo de Novaes Guedes Ribeiro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde do Alto Mearim, Conde de Idanha a Nova, Conde da Serra de Tourega, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jacinto Candido da Silva, José Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Ornellas de Matos, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Malheiro Reymão, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria de Oliveira Matos, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Pinto de Almeida, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.

Acta - Approvada.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 21, orçamento

O sr. Presidente: - Vão-se ler os artigos 32.º e 33.º do projecto de lei do orçamento, que têem de entrar em discussão.

Leram-se. São os seguintes:

Artigo 32.° É auctorisado o governo:

1.° A tomar as providencias necessarias para facilitar o movimento de passageiros e de mercadorias nos portos e nas fronteiras nacionaes, simplificando, quanto possivel, as formalidades aduaneiras e policiaes, sem prejuizo, porém, das receitas publicas e dos indispensaveis preceitos prophylacticos e de segurança;

2.° A reduzir, nas alfandegas da metropole, os direitos de importação para consumo de mercadorias originarias das provincias ultramarinas, podendo essa reducção ir até percentagem igual á que for decretada em relação aos direitos de importação cobraveis nas alfandegas coloniaes sobre as mercadorias procedentes da metropole;

3.° A rever as pautas de exportação de mercadorias originarias da metropole e das provincias ultramarinas, e a adoptar as demais providencias que forem julgadas con-

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sentaneas com o maior desenvolvimento possivel do commercio e da navegação nacionaes;

4.° A estabelecer um regimen protector para assegurar o estabelecimento nas provincias ultramarinas de industrias que empreguem como principaes materias primas as que se produzem, ou sejam mais susceptiveis de producção, nos territorios das mesmas provincias;

5.º A modificar, de accordo com a parte interessada e com as formalidades usuaes, o contrato de 15 de março de 1889, celebrado com a real companhia vinicola do norte de Portugal, na parte relativa ao subsidio a que se refere o n.º 1 .º do artigo 5.º do mesmo contrato.

6.º A reorganisar os quadros e os serviços publicos dos diversos ministerios, e das suas dependencias, em ordem a obter a maior reducção das despesas actuaes, assim como a possivel simplicidade, e a regularidade de funccionario dos mesmos serviços, ficando expressamente prohibido em toda a reforma que, no uso d'esta auctorisação, for decretada:

a) Augmentar a despeza actual, não se computando, para o confronto d'esta despeza com a que resultar das novas organisações, quaesquer gratificações descriptas no orçamento, quando não sejam fixadas nos diplomas organicos de serviços; devendo, porém, contar-se para o dito confronto, com a despeza que a mais vier a fazer-se com a creação ou augmento de emolumentos, e com os addidos, por virtude das mesmas organisações;

b) Contratar novos empregados para quaesquer serviço; ordinarios ou extraordinarios;

c) Auctorisar aposentações em condições diversas das designadas na lei geral de aposentações;

d) Collocar, como empregados vitalicios, os actuaes empregados que só tenham nomeação provisoria ou temporaria, emquanto houver empregados addidos ou em disponibilidade, com nomeação vitalicia, e extraordinarios com direito, expresso em lei, a entrar nos respectivos quadros, e salvaguardando-se os direitos dos effectivos.

§ unico. O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações concedidas no presente artigo.

Art. 33.° É igualmente auctorisado o governo a fixar um praso para as camaras municipaes apresentarem ao ministerio das obras publicas as contas documentadas do que o thesouro lhes dever por subsidios para construcção de entradas, - contas que serão examinadas e approvadas pelo conselho superior de obras publicas e minas, e pagas, dentro do praso maximo de seis annos, em letras do thesouro, ou pela fórma que for julgada mais conveniente.

O sr. Presidente: - Estão em discussão.

O sr. Franco Castello Branco: - Vae ter a honra de apresentar perante a camara algumas considerações, em referencia ao pedido de auctorisações, feito pelo governo e consignado no parecer da respectiva commissão. Ao mesmo tempo, e em relação a essas diversas auctorisações, mandará para a mesa algumas propostas de modificação.

Tudo fará sem acrimonia, nem paixão, mas unicamente com o sincero desejo de poder concorrer para que essas auctorisações que, segundo todas as probabilidades, serão concedidas pela sua maioria, sejam acompanhadas de condições e creadas de restricções taes que o prestigio da camara fique o menos abatido que seja possivel.

Dizer que é novo no parlamento o pedido de auctorisação, mesmo com a largueza e importancia d'aquellas que se discutem n'este momento, seria faltar á verdade, seria desconhecer factos bem recentes da nossa historia politica o parlamentar. E, por outro lado, elle, orador, que em 1891 fez parte do governo presidido pelo venerando general, João Chrysostomo de Abreu e Sousa, um dos melhores servidores que o paiz teve, (Apoiados) tem a responsabilidade que cabe a esse ministerio de ter vindo tambem apresentar ao parlamento, n'uma proposta de natureza identica á actual, o que foi incluida na lei de meios, porque ainda então as nossas leis constitucionaes permittiam a apresentação da lei de meios, um pedido de auctorisações que lhe foram concedidas com a maior largueza.

Fallando com esta sinceridade, deverá a camara reconhecer immediatamente que elle, orador, não póde estar apaixonado, nem acrimonioso na discussão que vae encetar, desde que tem as responsabilidades que acaba de expor o que não declina em ponto algum. (Muitos apoiados.)

Já disse, ao referir-se ás propostas de restricção que vão mandar para a mesa e agora repete, que o move simplesmente o desejo de que, com a votação d'essas auctorisações que aliás encerram valiosas armas politicas o que, segundo todas as probabilidades, serão concedidas ao governo, visto que a maioria deposita n'elle a sua confiança politica, fique o menos abatido que seja possivel o prestigio das nossas instituições legislativas.

É este o seu unico intuito ao apresentar as suas propostas; é o unico fim a que visa e que o preoccupa, quer sob o ponto de vista politico, quer sob o ponto de vista pessoal.

No momento actual, visto o caminho que as cousas vão tomando, e com o que tem ouvido na camara nas ultimas discussões, o juizo que fórma ácerca das cousas portuguezas tem entenebrecido tão profundamente as suas preoccupações, que estas se tornam mais intensas e vão cada vez mais longe.

Pouco ou nada importa que ao governo sejam concedidas auctorisações, que vão collocar nas suas mãos armas de valor partidario; e, se não fosse o sincero desejo que tem a opposição parlamentar de que a actual sessão legislativa corra de fórma que, quando outros fructos não traga para o paiz, possa ao menos concorrer valiosamente para levantar a decadencia do nosso regimen parlamentar, e chamar para as instituições legislativas da parte do publico o interesse e a curiosidade que, infelizmente, não existem, ha annos a esta parte, limitar-se-ía a ler as propostas que vae apresentar, e nada acrescentaria em sua defeza ou justificação, porque, repete, ficava assim cumprido o seu dever, sem se preoccupar com a approvação ou rejeição d'essas propostas. N'este momento está o seu espirito bem longe de intuitos politicos.

E para cumprir esse dever rigorosamente, lealmente e com toda a sinceridade, como é seu costume, e d'isso se orgulha, porque poderá, por vezes, ser violento e apaixonado, mas tem a preoccupação de ser sincero (Apoiados.) na analyse dos dois artigos do projecto que estão em discussão.

Cada um d'esses artigos, diz o orador, encerra um pedido de auctorisações por parte do governo e a cada uma d'essas, depois de fazer as observações que ao seu espirito se afigurem uteis e convenientes, irá apresentando as propostas de restricção que entende dever fazer.

Tinha, ha pouco, dito que o interesse e curiosidade do publico estão tão afastados do parlamento que, pela sua parte, não tem duvida em affirmar, sem receio de facil contestação, que n'este momento, apesar de, ácerca de um mez, ter sido apresentada á camara pelo sr. ministro da fazenda a proposta de lei orçamental, apesar de, ha mais de dez ou doze dias, estar distribuido e em discussão o parecer da respectiva commissão, as auctorisações que n'elle se concedem e que interessam a numerosas classes do paiz, são desconhecidas da maior parte dos interessados.

O sr. presidente, verdadeiro representante da maioria da camara, e um dos membros mais distinctos do partido progressista, por mais que o cegue a paixão partidaria não póde deixar de reconhecer que no paiz tem causado

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vehemente irritação a maior parte das propostas de fazenda apresentadas pelo sr. ministro da respectiva pasta.

Pois, a verdade é que o pedido das auctorisações, que provavelmente será votado, pouco interesse despertou nas classes commercial e industrial, não obstante ser elle muito mais importante do que as propostas de fazenda.

Passa, em seguida, o orador a analysar a primeira das auctorisações pedidas, que no seu entender, é, de todas as que vem no rol, a mais innocente e a mais sympatica, e, como desideratum, não pode merecer senão os mais justos applausos de toda a camara.

Mas do desideratum á sua realisação não vae apenas um passo, vae uma distancia consideravel.

Não tem confiança absolutamente alguma de que isso se possa realisar, não por falta da boa vontade dos srs. ministros, mas pelas dificuldades da propria realisação.

Em todo o caso propõe um additamento que deve merecer a approvação de todos os lados da camara e especialmente do governo.

É o seguinte: Artigo 32.°, n.° 1. - Accrescentar "não podendo, comtudo, do uso que se fizer d'esta auctorisação, resultar augmento algum de despeza".

Não se vá a proposito, a pretexto de facilitar o movimento internacional, quer de pessoas, quer de mercadorias, crear serviços que custem dezenas de contos; e é certo que, para denominar quaesquer novos serviços, a nossa imaginação é sempre fertil e extraordinariamente inventiva.

Quanto ao n.° 2.º das auctorisações, o que n'elle se contém póde bem resumir-se no seguinte: Fica o governo por parte da camara auctorisado a alterar a seu bel-talante as receitas das alfandegas.

Não é outra cousa o que se infere dos termos em que está redigido o n.º 2, que diz assim:

"Fica o governo auctorisado a reduzir, nas alfandegas da metropole, os direitos de importação para consumo de mercadorias originarias das provincias ultramarinas, podendo essa redacção ir até percentagem igual á que for decretada em relação aos direitos de importação cobraveis nas alfandegas coloniaes sobre as mercadorias procedentes da metropole."

Como se vê, podem ser graves as consequencias d'estas auctorisações, e se a sua importancia fosse bem conhecida dos interessados, despertariam n'elles muito interesse, e não faltariam reclamações dirigidas á camara e ao governo, para se reconhecerem os seus intuitos ao fazer o pedido de taes auctorisações. (Apoiado".)

Não quer fazer ao governo a injustiça de acreditar que elle não saiba o uso que fará das auctorisações pedidas; por isso se dirige aos senhores ministro da fazenda e da marinha, visto que pelas suas pastas é que correm os respectivos assumptos, que declarem quaes são os seus intuitos.

Todos sabem que o milho, em Cabo Verde, por exemplo, excede, n'alguns annos e largamente, na sua producção o consumo d'aquelle archipelago. Por mais de uma vez em leis especiaes tem sido permittida a entrada d'esse milho, em Portugal, com direito inferior as que está estabelecido na pauta das alfandega, quando se conjuguem estes elementos - abundancia de milho no logar da producção e falta d'elle no continente; isto a não haver receio de que a sua concorrencia possa vir ferir ou fazer, affrouxar poderosamente o preço d'aquelle genero, com prejuizo grave para os lavradores do continente.

Na ultima sessão legislativa d´essa camara, a que chamaram camara dos barrigas e que d'aqui a alguns annos, ha de ser apontada como modelo de isenção e de dignidade parlamentar, e, sobretudo, como modelo de boa vontade patriotica, n'essa camara, os deputados por Cabo Verde e de outras ilhas do ultramar, apresentaram um projecto de lei, para que o milho ali produzido podesse entrar no continente, com uma baixa importante de direitos.

Pois esse projecto não passou, porque a numerosa classe de agricultores do continente, que então estava representada na camara e ainda outros membros das commissões, que tiveram de consultar sobre o assumpto, entenderam que, nas circunstancias que então se davam, elle podia ser vantajoso para Cabo Verde, mas era ruinoso para a agricultura da metropole, não convindo, portanto, que se fizesse tal concessão.

Comprehende-se que a auctorisação de que se trata, é uma d'aquellas que fica nas mãos do governo para fazer d'ella o uso que quiser; e elle assim, poderá reduzir consideravelmente os direitos que o milho das provincias ultramarinas paga, podendo essa reducção, como se diz no projecto, ir até percentagem igual á que for decretada em relação aos direitos de importação, cobraveis nas alfandegas coloniaes por generos da metropole; por onde se vê que aquella limitação é perfeitamente illusoria.

E isto que elle, orador, diz, com relação ao milho, diz tambem em relação ao arroz da India, que tendo ali uma producção importante, é tambem um dos principaes generos que o continente produz, e que por ser de primeira necessidade teve a protecção pautal que se acha estabelecida.

Ora, é de ver que, votada a auctorisação nos termos em que se apresenta no projecto, e ficando, portanto, ao governo a liberdade de decretar o que melhor entenda, sobre o assumpto, é possivel que proceda por fórma, que não seja a mais harmonisa e justa, em relação aos interesses dos productores d'aquelle genero no continente.

Bem sabe que, em Angola, o alcool já tem um direito prohibitivo mas tambem é certo que ámanhã, a breve trecho, poderá não ser só em Angola que a canna saccharina se produza, tornando-se importantissima a producção do alcool industrial, e ficando assim uma porta aberta para depois se fazer uma concorrencia enorme, por um lado, ao alcool industrial dos Açores, e por outro á aguardente de vinho.

E que multiplicidade de interesses não estão presos a esta questão, n'um paiz que é principalmente uma grande vinha?!

A maioria, observa o orador, tem uma resposta simples e cabal a todas as considerações, que lhe apresente; é esta: "Nós temos confiança no governo, e, portanto, tambem a temos no seu bom criterio, no seu prudente juizo. Nada. receiâmos, portanto, concedendo-lhe esta auctorisação".

Perfeitamente de accordo; mas as maiorias, como os governos, têem a vida contingente: e ámanhã, em logar de estarem sentados nas cadeiras do poder os ministros que estão hoje, podem estar outros, que queiram ou não usar d'esta auctorisação, por modo diverso, não só quanto ás pessoas, mas até quanto á sua politica.

Não é, portanto, indiferente ao prestigio parlamentar o votar-se uma auctorisação d'estas, sem que o governo explique o fim, o pensamento a que subordina a sua idéa, para que a camara possa saber o que vota e conceder ou negar a auctorisação com inteiro conhecimento do assumpto.

Cabe, especialmente, á maioria que é quem vota, o pedir ao governo as explicações e os esclarecimentos de que precise para illustrar a sua consciencia; mas se não precisa, porque já está sufficientemente esclarecida, passa adiante e vota.

Pela sua parte, elle, orador, limita-se a mandar para a mesa o seguinte additamento:

"Artigo 32.° (n.°2.°) Acrescentar "ouvidos previamente os conselhos superiores do serviço technico aduaneiro, da agricultura, e do commercio e industria, e com audiencia do conselho d'estado convocado e reunido conforme o disposto nas leis de contabilidade publica para a abertura dos creditos extraordinarios."

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Não está no seu poder politico o impedir que se vote a auctorisação que se discute; mas procura rodear o uso d´ella de todos os elementos de informação para que não fiquem ao governo pretextos para desculpas, se errar. (Apoiados.)

N'esta conformidade, entende que deve ser ouvido o conselho superior do serviço technico, que é o antigo conselho superior das alfandegas, sempre que se trata de uma discussão pautal; e do mesmo modo o conselho superior do commercio e industria.

E quanto ao conselho d'estado, parece-lhe inutil justificar, que deve ser tambem ouvido, porque, com excepção d'elle, orador, ha ali homens de capacidade superior e larga pratica dos negocios publicos. Alem de que, o voto será simplesmente consultivo e não deliberativo, e não lhe parece, que se deva deixar de ouvir homens, cujas indicações podem ter incontestavel utilidade, collaborando assim com o governo, na administração dos negocios publicos.

Passa á auctorisação do n.° 3.° do artigo 32.° do projecto, que está concedida nos seguintes termos:

"3.° A rever as pautas de exportação de mercadorias originarias da metropole e das provincias ultramarinas, e a adoptar as demais providencias que forem julgadas consentaneas com o maior desenvolvimento possivel do commercio e da navegação nacionaes."

Como se vê, esta auctorisação é a mais larga, mais indeterminada, mais indefinida que se tem apresentado no parlamento portuguez.

Nem lhe parece que qualquer dos srs. ministros seja capaz de explicar por completo o que ella significa.

Pelo que respeita á primeira parte, ainda, se comprehende o que o governo pretende. Quer rever as pautas de exportação de mercadorias originarias da metropole e das s ultramarinas; mas, sem apresentar á camara base alguma, sem fazer declarações de qualquer especie sobre qual seja o seu pensamento, elle fica auctorisado a rever, como quizer e como entender, as pautas de exportação quer das colonias, quer da metropole e ainda a adoptar as demais providencias que forem julgadas consentaneas com o maior desenvolvimento possivel do commercio e da navegação nacionaes.

Não se encontra nos precedentes - e muitos são elles - nenhuma auctorisação, com referencia ás pautas das alfandegas, que fosse redigida nos termos em que esta apparece. (Apoiados.)

Na sua parte final até se podem comprehender os tratados do commercio.

N'ella cabe tudo, absolutamente tudo, embora os tratados não se possam fazer sem virem á camara.

O governo não explica nem dá noticias do seu plano, e desde que não explica, nem subordina, o seu criterio a consideração de especie alguma, póde fazer tudo quanto lhe pareça consentaneo com o desenvolvimento do commercio e da navegação nacional. Assim, se entender que é consentaneo com o maior desenvolvimento do commercio e da navegação nacional reduzir os direitos com relação ao chá, ao ferro, ao algodão, no uso d'aquella larguissima auctorisação e conforme o seu criterio, nenhuma duvida terá em fazer essa reducção na pauta aduaneira.

E elle, orador, acha sobretudo curioso que o governo possa fazer tudo o que quizer em relação á exportação, e nada possa alterar no que respeita á importação, que é o mais importante.

Parece-lhe sufficiente o que acaba do accentuar, para que a camara fique sabendo o que vae votar, quando auctorisa o governo a fazer tudo o que julgar consentaneo com o desenvolvimento do commercio e da navegação.

Não se alarga, por isso, em mais considerações, que seriam absolutamente desnecessarias e até prejudiciaes ao bom andamento dos trabalhos, e vão ler a proposta que apresenta, em referencia ao n.° 3.° das auctorisações. É a seguinte:

"Artigo 32.°, n.° 3.º Eliminar-se a segunda parte d'este numero e acrescentar á primeira: ouvidos previamente a junta consultiva do ultramar, os conselhos superiores do serviço technico aduaneiro, da agricultura, e do commercio e industria, e com audiencia do conselho de estado, convocado e reunido, conforme o disposto nas leis de contabilidade publica para a abertura dos creditos extraordinarios."

Passa ao n.° 4.°, que diz assim:

"4.° A estabelecer um regimen protector para assegurar o estabelecimento nas provincias ultramarinas de industrias que empreguem como principaes materias primas as que se produzem, ou sejam mais susceptiveis da producção, nos territorios das mesmas provincias."

Ainda mais curioso acha este numero pelo que ha n'elle de vago e indefinido. Como auctorisação é das mais perigosas.

Quer, porventura, a maioria, só para resalvar a dignidade politica, entregar ao governo faculdades tão amplas para a resolução do problema economico mais importante de uma nação, sem conhecer qual o seu fim, o seu intuito, o seu pensamento, e sem lhe pôr limitações nem restricções de qualquer especie?

Não comprehende que se possa votar similhante auctorisação, onde cabe tudo, desde a ruina da nossa industria algodoeira, a primeira do paiz, até ao monopolio do alcool em Angola e nas outras provincias ultramarinas. (Apoiados.)

Vae provar que tudo isto se comprehende na auctorisação.

É ou não susceptivel da larga producção o algodão, como lhe parece que já tem em algumas das nossas colonias?

Por decreto de 1892, publicaram-se umas pautas que tinham em vista, não só proteger a producção algodoeira no continente, mas tambem o desenvolvimento das fabricas de tecidos e fiação de algodão em Angola.

A nossa industria estaria morta, se não se tivessem aberto, ha quatro annos, os mercados ultramarinos; porque, propriamente nos mercados internos, a nossa producção tinha subido tanto, tinha assumido uma tal grandeza que, por assim dizer, quasi duplicava o consumo. Ora, se ámanhã se estabelecer qualquer direito differencial ou protector, em relação aos pannos de algodão fabricados nas nossas colonias, evidentemente essas fabricas hão de desenvolver-se, e até os industriaes estrangeiros irão ali estabelecer-se, como fizeram os inglezes que mudaram as suas fabricas de Manchester para a India ingleza, por causa da industria do algodão.

Mais ainda. Um dos generos de producção de Angola e das nossas colonias é a canna saccharina; para proteger essa producção, o governo, no uso da auctorisação que se lhe vae conceder, póde estabelecer ámanhã o regimen do monopolio, ao qual ninguem póde referir-se com mais lealdade do que elle, orador, pelo facto recente que se deu e que todos conhecem.

E se a maioria diz que não é esse o seu intuito, é necessario que isso fique bem assente e por fórma que, se os srs. ministros (o que Deus não permitta) desapparecerem das cadeiras do poder, não venham os que lhes succederem, usar d'esta auctorisação, que, tal como está redigida, tudo admitte.

Mas se a quer, em todo o caso, votar, que ao menos o governo explique a sua intenção e que no projecto se façam as restricções e acclarações que affastem quaesquer suspeitas de que se pretende aproveitar esta auctorisação para se praticarem actos ruinosos para o pais, mas lucrativos para determinadas pessoas.

É bom acautelar todas as hypotheses e dar á opinião publica todas as garantias de que ninguem pensa em rea-

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lisar actos de similhante natureza; por isso apresenta á consideração da camara a seguinte proposta:

"Artigo 32.°, n.° 4.° - Acrescentar: sem prejuizo das industrias da metropole, não podendo estabelecer ou conceder-se quaesquer monopolios ou exclusivos, e sendo previamente ouvidos a junta consultiva do ultramar, o conselho superior do commercio e industria, e com audiencia do conselho do estado, convocado e reunido, conforme o disposto nas leis de contabilidade publica, para a abertura dos creditos extraordinarios."

Comprehendo, acrescenta o orador, as colonias como sendo mercados de consumo da metropole, mas não admitte a inversão dos papeis.

Não recusa aos indigenas a justiça que lhes é devida; mas quer que a metropole seja sempre Portugal.

Dê-se ás colonias todo o desenvolvimento de que ellas careçam, mas sempre sem prejuizo das industrias do continente.

Se a metropole tem obrigação de dar todo o incremento possivel ás colonias, é tambem indispensavel que estas correspondam aos sacrificios que aquella lhes faz. {Apoiados.}

De outro modo ellas representariam para nós simplesmente uma inutil gloriola.

Julga, portanto, indispensavel que o governo declare á camara se tenciona estabelecer alguns monopolios e quaes.

O n.° 5.° diz o seguinte:

"É auctorisado o governo a modificar, de accordo com a parte interessada e com as formalidades usuaes, o contrato de 15 de março de 1889, celebrado com a real companhia vinicola do norte de Portugal na parte relativa ao subsidio a que se refere o n.° 1.° do artigo 5.° do mesmo contrato."

Tem idéa, mas não poude verificar, do que uma auctorisação similhante vem consignada em leis anteriores e algumas mesmo da responsabilidade do ministerio de que teve a honra de fazer parte. Ora esse accordo ainda se não fez, o que mostra não ser facil nem de execução relativamente simples.

Pela experiencia que tem dos negocios publicos, entende que, em contratos d'esta natureza, uma das melhores, se não a melhor arma defensiva que o governo póde ter nas negociações, é exactamente a sancção parlamentar; porque se a outra parte contratante não tem diante de si senão o governo, torna-se, em geral, mais exigente e julga sempre mais facil alcançar o seu desideratum.

Propõe, por isso, que ao n.º 5.° se acrescente a seguinte:

"...ficando o accordo, na parte em que importe qualquer encargo ou despeza para o thesouro, dependente da confirmação pelo poder legislativo."

É certo que da alteração do contrato a que se refere o n.° 5.° resulta um encargo financeiro, e é bom que o parlamento saiba até quanto póde voltar para esse fim.

A sua proposta de modificação, é uma defesa para o ministro nas proprias negociações, e certamente fará com que quaesquer exigencias e pretensões exageradas que porventura possam ser apresentadas pela outra parte diminuam. Em todo o caso ella em nada prejudica.

O parlamento abre em janeiro, e quem espera ha quatro annos, póde bem esperar mais meio anno.

Resta-lhe tratar do ultimo numero das auctorisações que é politico, exclusivamente politico e que deve ser muito da affeição do sr. presidente do conselho. Está até convencido, de que em relação a elle, s. exa. será, porventura, ainda mais exigente, querendo conservar-lhe todas as suas palavras e até os seus pontos e virgulas! Mas, oxalá não se engane!...

Tenha, porém, a certeza de que, como já por mais de uma vez elle, orador, tem tido a honra de o declarar á camara, nada ha que lhe seja mais absolutamente indifferente, do que a auctorisação politica contida no numero a que se está referindo.

Diz elle assim:

"6.° A reorganisar os quadros e os serviços publicos dos diversos ministerios, e das suas dependencias, em ordem a obter a maior reducção das despezas actuaes, assim como a possivel simplicidade, e a regularidade de funccionamento dos mesmos serviços, ficando expressamente prohibido em toda a reforma que, no uso d'esta auctorisação, for decretada:

"a) Augmentar a despeza actual, não se computando, para o confronto d'esta despeza com a que resultar das novas organisações, quaesquer gratificações descriptas no orçamento, quando não sejam fixadas nos diplomas organicos de serviços; devendo, porém, contar-se para o dito confronto com a despeza que a mais vier a fazer-se com a creação ou augmento de emolumentos, e com os empregados addidos, por virtude das mesmas organisações;

"b) Contratar novos empregados para quaesquer serviços, ordinarios ou extraordinarios;

"c) Auctorisar aposentações em condições diversas das designadas na lei geral de aposentações;

"d) Collocar, como empregados vitalicios, os actuaes empregados que só tenham nomeação provisoria ou temporaria, emquanto houver empregados addidos ou em disponibilidade, com nomeação vitalicia, e extraordinarios com direito, expresso em lei, a entrar nos respectivos quadros, e salvaguardando-se os direitos dos effectivos.

"§ unico. O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações concedidas no presente artigo."

Como a camara vê, n'esta auctorisação comprehende-se tudo quanto é susceptivel de reforma. Nada mais indefinido, nada mais latitudinario.

Em 1892, na lei chamada de salvação publica, votou-se uma auctorisação similhante a esta no ministerio presidido pelo sr. Dias Ferreira, que não vê presente, mas a quem não tem de fazer nenhuma referencia que seja offensiva da sua honra ou do seu caracter; mas essa auctorisação era, ainda assim, restricta; fallava-se n'ella da reforma das repartições e serviços das corporações locaes, comprehendendo pessoal e material.

Pois foi, fundando-se n'essa auctorisação, que o sr. Dias Ferreira reformou a instrucção secundaria, que não me parece que seja corporação local, nem mesmo pessoal ou material das repartições. Mais ainda; reformou o codigo do processo civil e a novissima reforma judiciaria!

Pretende agora o governo proceder de igual modo?

Parece assim deprehender-se da maneira vaga como está redigida a auctorisação do n.° 6.°

Vae dirigir uma pergunta ao sr. presidente do conselho, porque só s. exa., como chefe do governo, póde responder-lhe, visto que a auctorisação se refere aos serviços dependentes de todas as pastas.

A pergunta é simples: Qual foi o pensamento, quaes os intuitos do governo ao formular o pedido da auctorisação consignado no n.° 6.°?

Quer ser simplesmente auctorisado a reformar os quadros das secretarias d'estado e, por consequencia, os respectivos serviços das repartições, immediatamente dependentes do governo, como são as repartições de fazenda, alfandegas, etc., ou, pelo contrario, quer ficar com ampla e completa liberdade, como a julgou ter o sr. Dias Ferreira pela auctorisação dada em 1892, para fazer, por exemplo, a reforma da instrucção primaria e da policia administrativa; ir, emfim, alterar, reformando ou reorganisando, todos os serviços publicos dependentes dos differentes ministerios, visto não haver nenhum que não seja dependente de algum d'elles?

É sobre este ponto que deseja uma explicação por parte do sr. presidente do conselho, porque, conforme a amplitude o alcance d'esta auctorisação, assim a dificuldade

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consequente que deve haver, por parte da camara, em votal-a, varia por inteiro e completo.

Lembra que em 1861 o governo de então, tendo obtido uma auctorisação como esta, sempre entendeu que ella se referia só á reforma dos quadros das secretarias d'estado o serviços immediatamente dependentes d'ellas. Nenhum membro d'esse governo pretendeu usar da auctorisação para qualquer outro fim; ao passo que em 1892 o sr. Dias Ferreira fez de outra auctorisação similhante o uso que elle, orador, ha pouco indicou.

Isto justifica a pergunta que faz ao sr. presidente do conselho, no pleno uso do seu direito de deputado. (Apoiados.)

Ha annos atrás, estas reformas captivavam muito a attenção do publico, e a muita gente sincera inspiravam confiança bastante, acreditando que as economias resultantes deveriam influir poderosamente na resolução da questão de fazenda.

Pela sua parte, sendo ministro das obras publicas em 1891, publicou uns poucos de decretos, no uso da auctorisação que tinha pedido, reformando diversas repartições d'aquelle ministerio e suas dependencias, o instituto commercial e industrial, a escola agricola, etc. Procurou assim conseguir reducções importantes nas despezas publicas, e, sem fazer injustiça a nenhum dos ministros que se lhe seguiram, incluindo os actuaes, não crê que nenhum tenha sido capaz de o exceder na sincera e boa vontade de operar reducções nas despesas publicas. Pois hoje reconhece que são puras migalhas todos os resultados obtidos. Ou effeitos d'essas reformas foram absolutamente inuteis para o fim que tinha em vista.

Principalmente depois da lei de salvação publica de 1892, que retirou dos ordenados dos funccionarios o melhor de 800 contos de réis, a não ser para um fim politico-partidario, entende não valer a pena que o governo gaste o seu tempo, e applique os seus cuidados, a operar reformas que, por isso mesmo que recaem sobre outras muito recentes, não vão fazer mais do que desorganisar os serviços, anarchizal-os quasi por completo, desmoralisar os funccionarios, enredar cada vez mais os fios da nossa administração e tornar quasi impossivel o seu regular funccionamento.

Não são reformas como as que se têem feito que podem trazer diminuição importante de despezas. A terem de se fazer nos serviços publicos, propriamente ditos, têem de ser muito mais fundas, muito mais crueis.

Haverá em Portugal um grupo de homens capazes de as realisar? Duvida.

Pede desculpa á camara d'esta pequena digressão a que põe já termo, porque não pretende fazer um discurso politico, e continua no assumpto de que se estava occupando.

Não quer propor a eliminação do n.° 6.º porque tem a certeza de que o governo não a acceitava, propõe porém, uma substituição que o governo poderá acceitar, se o seu pensamento não é levar as reformas a tudo, desde a instrucção secundaria até á policia, cuja ultima reorganisação, representando um trabalho de menos valor technico, tem, todavia, n'este momento uma importancia tão grande que parece conveniente não lhe mexer.

A sua substituição é a seguinte:

Artigo 32.° (n.° 6.°) Substituir a redacção d'este numero pela seguinte:

"A reformar os quadros e os serviços das diversas secretarias d'estado, bem como os de quaesquer repartições d'ellas immediatamente dependentes em ordem a obter a maior reducção das despezas actuaes, assim como a possivel simplicidade e a regularidade do funccionamento dos mesmos serviços, ficando expressamente prohibido em toda a reforma que no uso d'esta auctorisação, for decretada."

O resto como no projecto,

Alem d'estas, porém outras restricções se devem acrescentar, e por isso propõe as seguintes alineas:

"a) Crear quaesquer logares novos, a não ser em substituição de outros já existentes, que sejam supprimidos."

Deus nos livre, como costuma dizer o sr. Dias Ferreira, que haja um jubileu n'este momento, no aperto de circunstancias que atravessâmos, fazendo-se reformas de serviços no intuito de crear logares novos!

Não crê que seja este o pensamento do governo nem de nenhum membro d'esta camara. Por isso, n'esta parte, espera que o governo não tenha duvida em acceitar a alinea a) que elle orador, propõe com a mesma ou com outra redacção similhante.

Podem supprimir-se logares e em vez d'elles crearem-se outros. Se effectivamente se derem esses factos legitimos e que o governo assim proceda, muito bem; mas crear logares novos, a mais, isso não é admissivel.

Mais ainda. A alinea b) do projecto prohibe o governo de contratar novos empregados. E porque não ha de ser elle privado de nomeal-os?!

Ha porventura alguma differença entre contratar empregados novos, ou nomeal-os por decreto, portaria ou despacho do ministro?

Se o intuito é sincero, e se o governo o que tem em vista é affirmar ao paiz que no uso d'esta auctorisação não chamará para o serviço publico ninguem, que não pertença já a algum dos respectivos quadros, então á alinea b) deve addicionar-se o que elle orador propõe na seguinte alinea f): "Nomear quaesquer individuos estranhos aos serviços publicos ou que exerçam apenas commissões ou logares não remunerados?.

Se o governo rejeitar esta proposta com a redacção que tem, ou outra similhante, ficará então bem evidenciado, que muito outro é o seu proposito, o que elle, orador, não quer acreditar, especialmente depois dos apoiados de alguns membros do governo.

Outra alinea.

Na proposta de lei votada em 1891 não se prohibem só as novas nomeações, prohibem-se tambem as promoções, a mudança dos nomes dos antigos logares, e emfim, o augmento dos vencimentos.

Tambem convem que este ponto fique acautelado. É necessario que uma desgraça geral não possa ser a fortuna individual de ninguem, (Apoiados) e n'este intuito propõe que se acrescente o seguinte:

"g) Promover qualquer empregado ou funccionario dos actualmente existentes ou estabelecendo-lhe qualquer melhoria de vencimento." .

Tambem não crê que esta idéa possa ser rejeitada pelo governo, ja porque ella existe igualmente consignada n´outro pedido de auctorisação similhante, a que já se referiu e que foi votado pela camara de 1891, e já porque, assim, melhor ficam acautelados os interesses do thesouro e os principios de economia, que os srs. ministros manifestam com os seus apoiados ou signaes de approvação.

Alem das auctorisações a que acaba de referir-se, ha ainda uma outra, que não vinha na proposta do governo, e que foi introduzida pela commissão; é a do artigo 33.° do projecto e que, está redigida pela seguinte fórma:

"Art. 33.° É igualmente auctorisado o governo a fixar um praso para os camaras municipaes apresentarem ao ministerio das obras publicas as contas documentadas do que o thesouro lhes dever por subsidios para construcção de estradas, - contas que serão examinadas e approvadas pelo conselho superior de obras publicas e minas, e pagas, dentro do praso maximo de seis annos, em letras do thesouro, ou pela fórma que for julgada mais conveniente. "

Se n'este momento quizesse ser politico, ou menos bem intencionado, poderia ver n'este praso de seis annos o intuito de aguardar, ou que as camaras municipaes, compostas na sua maioria, de regeneradores, sejam substituidas pela expiração do praso legal da sua existencia, ou

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que em virtude de qualquer reforma administrativa que o sr. presidente do conselho decrete, só então lhes sejam pagos os subsidios em divida.

Não será assim, e quer apenas admittir que seja simplesmente o desejo que se apoderou do governo de pagar todas as dividas do estado, por não querer que se considere o nosso paiz a terra, do calote, como já lhe chamaram quando o distincto parlamentar, o sr. Mello e Sousa, leu varios diplomas emanados d´aquella pura raça de caloteiros e pobertões chamada a Inglaterra, nos quaes se frisava a idéa de que não era bom dar muitas largas ás administrações locaes, porque a sua tendencia para a prodigalidade era manifesta, sendo certo que ainda não se tenha consignado para ellas uma só verba que não fosse logo gasta, continuando depois e apesar de tudo à gastar largamente.

Estas idéas não agradaram á maioria, que faz d´esta affirmação, provada, do sr. Mello e Sousa, uma delenda Carthago.

Os oradores da maioria quizeram assim accentuar que todos os pagamentos se devem fazer em dia; mas é pena que a mesma regra não seja applicada aos credores do estado. A esses é que ninguem procura por qualquer fórma alliviar nas reduções que lhes foram impostas!

Oxalá, que á força de se pagar tudo quanto agora se deve, não se chegue, em breve, a não se poder pagar senão a muito poucos.

Um paiz que teve de passar pelo transe doloroso de não pagar os seus juros, não póde fallar em theorias de calote. Perante a desgraça não se póde ser fanfarrão. Não se inventam duas theorias, uma para não se pagar a mais sagrada de todas as dividas, a divida publica, que é a da honra nacional, e outra para se pagar ás camaras municipaes, que, como instituições do paiz, devem ser as primeiras a soffrer e as ultimas a serem pagas. A boa theoria é esta. (Apoiados.)

Discute-se, ha quinze dias, o orçamento, e bem sabe que não vale a pena cansar-se em luctar, porque não está na sua mão vencer o impossivel. Ha, porém, uma cousa que póde e deve ser acceita por toda a camara; é um alvitre que vae apenas lembrar.

A lei que concedeu o subsidio de 1/3 ás camaras municipaes para desenvolvimento da sua viação, é uma lei antiga, feita ao tempo em que, por um lado, os apertos do estado não eram o que são hoje, porque então os juros da divida publica eram pagos integralmente, e por outro lado o desenvolvimento da viação do paiz era apenas incipiente. Hoje todos estes factores mudaram por completo; são o reverso da medalha. Parece-lhe pois, de prudente aviso estabelecer o principio de que se pague o que se deve ás camaras municipaes, mas que de futuro cessem completamente esses subsidios para viação. Se ellas poderem fazer estradas, que as façam; se não que esperem, como ha cinco annos estão esperando os credores do estado.

Agora umas ligeiras explicações. Disse elle, orador, ao encetar a sua exposição, que, por parte da opposição regeneradora, o seu maior desejo era que a votação sobre as auctorisações se fizesse de modo a abater o menos possivel o prestigio do parlamento.

O actual governo apresentou, como sendo um dos seus principaes intuitos, um dos seus mais elevados pensamentos, o proposito de, por um lado, demonstrar ao paiz que se póde governar dentro do funccionamento regular das instituições constitucionaes, e por outro lado, levantar o abatido prestigio do parlamento, sendo severo respeitador da lei.

Se effectivamente é este o pensamento do governo, o seu pedido de auctorisações ao parlamento demonstra absolutamente o contrario.

Peor do que investir-se em dictadura, invadindo as attribuições do poder legislativo, é vir pedir ao parlamento que abdique absolutamente todas as suas regalias todas as suas faculdades.

Ser vencido pela força não é desdouro para ninguem, como não é o supportar uma invasão do mais poderoso; mas abdicar a sua propria independencia é reconhecer a sua incapacidade e incompetencia, é dar perante o paiz testemunho publico de que se julga incapaz de legislar e de desempenhar as suas funcções, entregando-se por isso nas mãos do poder executivo.

Mas, se o poder executivo tem a hombridade e a coragem de arrogar a si as faculdades do poder legislativo, é bom tambem que tome as correspondentes responsabilidades.

E antes esteja fechado o parlamento do que aberto, para praticar actos de abdicação, porque assim é um vilipendios (Muitos apoiados.)

Entregar nas mãos do governo a faculdade de modificar, em todo o sentido, a economia, o commercio e a industria do paiz, confiando-lhe a remodelação de todos os serviços publicos, desde as leis da instrucção até ás da policia e de administração local, e isto logo na primeira sua sessão legislativa, é um facto, que mostra por fórma notavel qual o ponto de partida do governo para a restauração do prestigio do parlamento. Isto não é ser coherente, nem nem sincero, nem leal, nem digno. (Apoiados.)

A opposição, pela sua parte, acrescenta o orador, tem mantido em todas as sessões a maior correcção e coherencia e, sobretudo, tem sabido respeitar todas as prescripções regimentaes e satisfazer todas as indicações da presidencia concorrendo, por este modo, para levantar o prestigio abatido do parlamento. (Apoiados.)

Segundo todas as probabilidades, as auctorisações em discussão serão approvadas pela maioria. Não lhe faz nenhuma censura por este facto. Bem sabe que, em geral, é pela maioria que todos entram na vida parlamentar e politica. Tambem já fez parte de uma maioria; mas exactamente porque assim é, attendendo ás nossas tradições e aos nossos habitos e temperamento, as maiorias ligam-se logo desde o primeiro dia por tal fórma e tão estreitamente ao governo, que não têem, nem podem ter vida propria; vivem da vida do governo e morrem com elle.

É por isto que, ao terminar o seu discurso, elle, orador, se dirige não á maioria, mas ao governo, pedindo-lhe que esclareça o parlamento sobre os fins e sentido das auctorisações em discussão. Acceite-as a maioria, mas com a possivel restricção e em ordem a que o parlamento abdique o menos possivel das suas faculdades e dos seus direitos.

São estes os desejos da opposição parlamentar.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não revê as notas tachygraphicas)

Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Art. 32.° (n.° 1.º) Acrescentar "não podendo, comtudo, do uso que se fizer d'esta auctorisação, resultar augmento algum de despeza".= João Franco.

Art. 32.° (n.° 2.°) Acrescentar " ouvidos previamente os conselhos superiores do serviço technico aduaneiro, da agricultura, e do commercio e industria, e com audiencia do conselho d'estado convocado e reunido conforme o disposto nas leis de contabilidade publica para a abertura dos creditos extraordinarios. = João Franco.

Artigo 32.º n.° 3.° Eliminar-se a segunda parte d´este numero e acrescentar á primeira: ouvidos previamente a junta consultiva do ultramar, os conselhos superiores do serviço technico aduaneiro, da agricultura, e do commercio e industria, e com audiencia do conselho de estado, convocado e reunido, conforme, o disposto nas leis de con-

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tabilidade publica para a abertura dos creditos extraordinarios. = João Franco.

Artigo 32.°, n.º 4.° Acrescentar: sem prejuizo das industrias da metropole, não podendo estabelecer ou conceder-se quaesquer monopolios ou exclusivos, e sendo previamente ouvidos a junta consultiva do ultramar, o conselho superior do commercio e industria, e com audiencia do conselho de estado, convocado e reunido, conforme o disposto nas leis de contabilidade publica, para a abertura dos creditos extraordinarios. = João Franco.

Artigo 32.° (n.° 5.°) Acrescentar: "Ficando o accordo, na parte em que importe qualquer encargo ou despeza para o thesouro, dependente de confirmação pelo poder legislativo." = João Franco.

Artigo 32.° (n.° 6.°) Substituir a redacção d'este numero pelo seguinte:

"A reformar os quadros e os serviços das diversas secretarias d'estado, bem como os de quaesquer repartições d'ellas immediatamente dependentes em ordem a obter a maior reducção das despezas actuaes, assim como a possivel simplicidade e a regularidade de funccionamento dos mesmos serviços, ficando expressamente prohibido em toda a reforma que no uso d´esta auctorisação, for decretada.

O resto como no projecto, acrescentando mais as seguintes alineas: e) Crear quaesquer logares novos a não ser em substituição de outros já existentes, que sejam supprimidos; f) Nomear quaesquer individuos estranhos aos serviços publicos, ou que exerçam apenas commissões ou logares não remunerados; g) Promover qualquer empregado ou funccionario dos actualmente existentes ou estabelecer-lhe qualquer melhoria de vencimento." = João Franco.

Foram admittidas.

O sr. Dias Costa: - Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer relativo á proposta de lei n.° 13-N, auctorisando o governo a modificar, de accordo com a companhia dos tabacos de Portugal, o contrato approvado pela carta de lei de 23 de março de 1891, e a effectuar as operações financeiras que podem derivar se de tal modificação.

Foi a imprimir.

O sr. Adriano Anthero: - Sr. presidente, começo por elogiar o illustre deputado que acaba de fallar, pelo modo sensato e digno como apreciou a questão que se discute.

Foi para mim uma verdadeira surpreza ver a fórma por que s. exa. tratou do assumpto, pois que estou habituado a ver aqui não discutir as questões, mas unicamente fazer uma guerra acintosa ao partido progressista, e especialmente ao sr. ministro da fazenda.

Até hoje tenho visto apenas uma empreza collectiva para aniquilar o homem que, pelo seu talento o trabalho, e pela seriedade e confiança com que pretende resolver a questão de fazenda, constitue legitimo orgulho do seu partido e verdadeira gloria da nação.

V. exa., sr. conselheiro Ressano Garcia, está expiando o grande peccado de ter subido honradamente, pelo seu trabalho, ao resplendor do seu suor, a esta posição eminente de ser chamado aos conselhos da corôa, n'uma das situações mais dolorosas e criticas em que se tem encontrado a nação portugueza.

Calculo que, na sua intimidade, n'essas horas de desalento moral em que se arrasa de lagrimas o coração, v. exa. ha de ter tido as amarguras cruciantes que provém do travor da injustiça. Mas póde levantar bem alto o seu olhar, porque, passadas as horas da lucta e dissipado o fumo dos combates, a historia imparcial ha de redimir de sobejo todas essas penas, na apotheose gloriosa dos espiritos privilegiados.

Mas ainda assim o illustre parlamentar, o sr. João Franco, apesar de toda a serenidade do principio do seu discurso, não fugiu no fim d'elle á torrente das invectivas contra o partido progressista. Eu podia tambem entrar n'esse caminho contra o partido regenerador, tirando a represalia das suas palavras. Mas para que?

Já se disse por mais de uma vez n'esta casa que o paiz se encontra na situação desgraçada em que precisa do auxilio de todos e do esforço de cada um. E Deus me castigue se, n'este momento solemne, sair dos meus labios uma palavra só que irrite as paixões ou provoque os azedumes.

Vou, portanto, apreciar as auctorisações que se discutem com a mesma serenidade que s. exa. usou na primeira parte do seu discurso, explicando como poder o pensamento do governo.

E fal-o-hei com toda a tranquilidade da minha consciencia, embora as minhas palavras tenham o calor da minha convicção.

As auctorisações que o governo pede referem-se a varios assumptos. A primeira versa sobre as providencias a tomar para facilitar a entrada de passageiros e mercadorias nos portos e fronteiras do paiz. A segunda tem relação com as colonias, e versa sobre a reducção dos direitos de importação na metropole dos productos originarios das provincias ultramarinas; sobre os direitos de exportação dos mesmos productos; e sobre a protecção das industrias fabricadas com as materias primas das mesmas provincias. A terceira refere-se á reforma das pautas de exportação na metropole e ás providencias consentaneas com o maior desenvolvimento do commercio e da marinha. A quarta, refere-se á companhia vinicola do norte. A quinta, finalmente, consiste na reorganisação dos quadros e serviços publicos dos diversos ministerios.

Comprehendo bem a camara, que eu terei demonstrado a justiça do pedido d'estas auctorisações desde que mostre que o pensamento do governo é patriotico e levantado; que taes auctorisações são urgentes; e que devem ser concedidas nos proprios termos d'aquelle pedido. É, portanto, d'estes pontos que me vou occupar.

Como disse, a primeira auctorisação refere-se ás providencias necessarias para facilitar a entrada de mercadorias e passageiros nos portos e fronteiras nacionaes.

Deve estar bem gravado no animo de todos que me escutam que Portugal, pela amenidade do seu clima e pelo encanto e variedade das suas paizagens, é um dos paizes mais attrahentes da Europa. A esta bondade natural do clima junta-se a bondade natural do nosso coração, sempre aberto aos grandes sentimentos da humanidade, esta bonhomia tranquilla do nosso caracter e da nossa raça, e esta expansão de meridionaes, tão propria para agradar aos viajantes. E, ao mesmo tempo, estamos contiguos á Hespanha, que tem physicamente todos os accidentes da natureza, desde o aspecto africano no sul até o aspecto septentrional nos Pyreneus; que, moralmente, possue todos os cambiantes do caracter, desde o andaluz, onde aflora o sangue arabe até o basco, onde ha rastros profundos de sangue celta; e que tem na historia, principalmente desde o seculo XV até o seculo XVIII, o estrado mais surprehendente da humanidade.

Porque na Hespanha, sr. presidente, desde o magnanimo Carlos I até o miseravel Carlos II, desde o inepto ministro Olivares até o genial ministro Alberoni, desde o padre Las Casas, o redemptor dos indios, até o padre Torquemada, o carrasco das consciencias, desde o Cid, o campeão dos reis, até Padilha, o campeão do povo, tem passado, n'um cosmorama deslumbrante e n'um torvellinho de luz e de trevas, de grandezas e de miserias, todos os accidentes da civilisação.

Por tudo isso e porque é poderosa e vasta, a Hespanha ha de ser sempre muito visitada, e o movimento dos seus viajantes refluirá tambem para aqui, se não houver da nossa parte embaraços que os desviem.

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Ora, sabe v. exa. que um dos maiores embaraços oppostos á entrada dos estrangeiros é o mau serviço dos nossos postos e fronteiras e as medidas fiscaes e policiaes vexatorias ali exercidas.

Por um lado, não ha sequer na pauta fiscal um limite rasoavel dentro do qual se isentem de direitos os objetos indispensaveis a um viajante, e, por outro lado, o nosso pessoal tão bronco é, e comprehende tão pouco a sua missão, que mede tudo pela mesma rasa, sem ver a differença que a entre um contrabandista e um particular.

E embora muitas vezes seja impossivel distinguir previamente uns dos outros, é certo que, no bom criterio do pessoal e na boa modificação das medidas policiaes e fiscaes, póde estar o remedio para prevenir aquelles embaraços.

N' este pensamento se inspira o primeiro pedido do governo, e, como fica demonstrado, não póde ser mais justo nem mais proveitoso.

A Suissa tem feito a sua regeneração economica pela entrada dos numerosos viajantes, e esses visitantes não vão attrahidos só pelas paizagens do monte de S. Bernardo, do Simplon, dos Alpes Bernezes, mas tambem pela liberdade e franqueza das barreiras.

O segundo pedido de auctorisações versa, como já expuz, sobre o progresso das nossas colonias, e consta de tres partes. A primeira refere-se á importação dos productos coloniaes na metropole; a segunda refere-se á exportação de mercadorias originarias das colonias e a terceira refere-se á protecção das industrias que se estabelecerem nas colonias, fabricadas com materias primas de lá.

Por mais de uma vez se tem aqui alludido ás nossas colonias. Não quero voltar, ao assumpto, e direi apenas, como resumo do meu pensamento, que as colonias constituem um elemento essencial para o nosso commercio, porque é com ellas que temos, e devemos ter sempre, uma grande somma do nosso movimento commercial.

São uma condição de grandeza para a nossa industria, porque é n'ellas, nas suas materias primas e no seu consumo que podemos encontrar o fermento da nossa reconstituição industrial.

São tambem uma condição essencial para que a nossa marinha mercante surja do abatimento em que se encontra, porque é n'ellas que a marinha tem o logar mais proprio para a sua actividade, e de lá póde tirar o seu principal proveito.

Contribuem para a respeitabilidade do nosso nome perante as nações civilisadas, desde que estas vão considerando o systema e desenvolvimento colonial como a principal alavanca da grandeza de um estado.

E são, finalmente, um refolego do nosso patriotismo, que é o oxygenio do coração dos paizes attribulados, visto que ellas são um testemunho ainda vivo de que no seculo XVI atirámos com um pedaço de panno para o tôpo de uma caravella, e fomos arrancar ao mar tenebroso o mais portentoso dos segredos, o segredo de um novo mundo. E n'esses vastos espaços estão ainda gravados os traços dos heroes que fizeram a grande Odisséa d'aquelle seculo. (Vozes: - Muito bem.)

Mas ou ter essas colonias e conserval-as, como verdadeira mãe, no carinho do nosso amor e do nosso affecto, ou repudial-as como madrasta descaroavel. Conserval-as nas trevas e no desamparo, apontando-lhes apenas os trophéus da nossa vaidade, como um pobre engravatado que rompa as veneras da fidalguia, rosnando soberbo de orgulho contra os que trabalham, é um crime que a civilisação não permitte, nem o moderno direito das gentes comporta. (Apoiados.)

Foi este o pensamento que inspirou a obra do ministerio.

Assim, o sr. ministro da marinha apresentou ao parlamento differentes propostas de largo interesse economico para as colonias taes são a da concessão de terrenos, a dos exclusivos, a da continuação do caminho de ferro de Ambaca a Malange, a do porto de Lourenço Marques, etc. E prendem-se tambem n'essa serie de melhoramentos as auctorisações pedidas no documento que se discute.

Vê-se que n'estas auctorisações jogam, parallelamente unidos, os interesses da metropole e os das colonias, pois que, segundo uma clausula aqui estabelecida, os direitos de importação das mercadorias coloniaes na metropole têem de andar subordinados, sempre na mesma escala, aos direitos de importação das mercadorias da metropole nas colonias. A rasão é simples.

A vida dos povos, como a vida particular dos cidadãos, não passa a final de uma lucta, em que as ambições de uns e o egoismo de outros, o interesse d'estes e a desgraça d'aquelles formam os grandes precipicios da civilisação. A humanidade, no seu conjuncto, passa impavida e serena no carro do futuro; mas, para se não tresmalharem n'esta via sacra eterna, é necessario que vão bem juntos, braço com braço, alma com alma, os filhos da mesma patria, os cruzados da mesma bandeira.

V. exa. sabe muito bem, sr. presidente, que o antigo systema colonial assentava em cinco principios fundamentaes:

1.° Restricção de importação, de fórma que as colonias não podiam importar productos senão da metropole;

2.° Restricção da exportação, de fórma que as colonias não podiam exportar productos senão para a metropole;

3.° Restricção de transportes, de fórma que as colonias só podiam fazer os seus transportes em navios da metropole;

4.° Restricção industrial, de fórma que as colonias só podiam exercer as industrias que não fossem exercidas na metropole;

5.° Em compensação, restricção na metropole de importação de generos coloniaes, que só poderiam ser importados das colonias.

A estes cinco principios fundamentaes do systema colonial antigo juntou a Hespanha, ineptamente, a restricção da agricultura de certos generos na America do sul; e juntou a Hollanda, por abusiva especulação, a restricção de certas especiarias nas ilhas de Banda e Amboine.

Com esse systema é que a Hollanda e a Inglaterra, desde o seculo XVI até a XVIII, chegaram a uma enorme riqueza commercial, distribuindo os proveitos coloniaes por todos os cidadãos, em virtude das suas companhias organisadas democraticamente. E, se nós pouco aproveitámos com similhante systema, foi porque desperdiçámos ineptamente as riquezas das colonias em dadivas reaes pelos nobres e grandes do reino; da mesma fórma que a Hespanha constituiu insensatamente um monopolio do commercio colonial nas mãos dos mercadores de Cadiz e Sevilha.

Sobre este systema colonial passou a fouce do tempo e ergueu-se mais viva a luz da civilisação, e hoje seria retrocesso vergonhoso voltar a esse estado de cousas. Mas, se não podemos fechar as portas do progresso ao mundo, encerrando as colonias n'um circulo egoista, e se o moderno direito das gentes, tomando a sua base na consciencia universal, reclama para ellas a liberdade compativel com a civilisação, e tambem certo que, n'esta lucta de interesses internacionaes, cada paiz, para sua defeza, deve encerrar-se com as respectivas colonias nos limites das restricções compativeis com as suas conveniencias, com o desenvolvimento da metropole e com o progresso.

É n'este sentido que ainda na nossa legislação está consignada no acto de navegação a restricção relativa aos transportes maritimos, e é tambem n'este sentido que, na proposta que se discute, foram consignadas as restricções que d'ella constam: por exemplo a necessidade de harmonisar as pautas do ultramar com as pautas da metropole, e a garantia e protecção á industria das colonias, para que possa luctar efficazmente com a industria dos estrangeiros. (Muitos apoiados.}

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A terceira auctorisação, sr. presidente, refere-se em geral aos direitos de exportação e ao desenvolvimento do commercio e marinha.

Para justificar o pedido d'esta auctorisação, basta dizer que a industria é como um orgão onde cada corda influe na harmonia geral. É preciso, portanto, que, pelos favores concedidos ao productor não sejam prejudicados os interesses do consumidor. Demais, para favorecer o producto, é necessario auxiliar na justa proporção a materia prima; e por outro lado, não póde o consumidor ficar acorrentado a inercia ou incapacidade do fabricante. Se effectivamente a protecção da industria não dá o resultado desejado, ou porque as condições do meio são contrarias, ou porque a rebeldia, incapacidade ou especulação do industrial inutilisam persistentemente a acção do governo, essa protecção deve ser levantada ou pelos menos diminuida.

D'aqui resulta a necessidade de que a pauta fiscal seja organisada de modo que haja uma escala movel, segundo as differentes circumstancias; e ahi está a justificação do pedido de auctorisação que se refere a essa pauta, para que o governo possa tambem modifical-a, conforme as conveniencias do paiz.

Emquanto ao desenvolvimento do commercio e da marinha, de que tambem se falla aqui, é intuitiva a justiça da auctorisação que o governo pede.

Sabem todos que o commercio é a grande machina que, por meio das grandes rodas da producção, circulação, distribuição, consumo e vivifica e fomenta o sangue economico de uma nação. E a marinha, ao passo que se torna o complemento indispensavel do commercio, constitue um grande caudal com que póde supprir-se o deficit mercantil de qualquer estado. É assim que, por meio da sua marinha mercante, a grande Inglaterra suppre o seu deficit de exportação.

Ora nós tivemos uma importante marinha no tempo das nossas glorias. Antes que o grande imperador da Russia fosse aprender nos estaleiros da Hollanda o segredo da construcção naval, vieram aqui os inglezes e os hollandezes aprender com o nosso exemplo.

Hoje, porém, a nossa marinha mercante está no estado desgraçado que todos conhecemos.

A terceira auctorisação que se pede, tendo a levantal-a d'este abatimento, e tudo o que for desenvolver essa força viva da nação, é contribuir para o lastro da nossa regeneração economica.

A quarta auctorisação refere-se á companhia vinicola do norte, no sentido de ser modificado o seu contrato.

O governo, pelo contrato feito com essa companhia, tem de lhe dar, durante um certo praso, 15 contos de réis annuaes, e pede auctorisação para poder diminuir ou modificar esse encargo.

Nada mais justo nem mais deferivel.

A outra auctorisação refere-se á reorganisação dos quadros e serviço dos differentes ministerios. E sobre esta parte versa principalmente a argumentação do sr. conselheiro João Franco.

Para justificar este pedido, basta dizer-se que a reforma dos quadros traz comsigo uma economia importante. (Apoiados.) Diz s. exa. que não póde ser muito importante. Por pequena que ella fosse, nas circumstancias actuaes, em que é preciso dar exemplo de moralidade economica e em que temos de aproveitar as proprias migalhas, como s. exa. disse, para fabricarmos o pão da nossa reconstituição economica e social, sempre a auctorisação pedida pelo governo era inspirada n´um pensamento justo e salutar. (Apoiados.) Mas só mais tarde é que se poderá apreciar devidamente a força d'essa reducção de despezas.

Ha ainda outros argumentos que justificam este pedido.

Um dos perigos para o nosso paiz é o grande numero de funccionarios publicos.

Quasi todos os individuos gravam na fronte a aspiração de empregados do estado, e com essa aspiração, armados, quando muito, do titulo de qualquer pelotiquice eleitoral, lá conseguem fazer carreira entre as paredes de uma repartição. E, ao passo que, d'este modo, sobejam lá dentro os funccionarios publicos, escasseiam os industriaes e os trabalhadores pelas fabricas e pelos campos.

Uma lei que reduza esse numero, enxotando um grande bando de estorninhos, que não passam de maus funccionarios e que podem dar bons trabalhadores e bons industriaes, terá feito um grande serviço ao paiz. (Apoiados.)

Em consequencia d'esta aspiração ao funccionalismo, chegâmos a olhar para o trabalho quasi com a mesma vergonha e deshonra com que no tempo de Carlos II de Hespanha se proferia a palavra pachero.

Então o ser trabalhador, o ser industrial correspondia a ferrete marcado na fronte, e tão deshonroso se reputava o mister que certos industriaes eram obrigados a viver em bairros separados.

Reduzir, portanto, o funccionalismo é fazer refluir ao trabalho e á industria braços inuteis n'uma secretaria, e que honrarão a patria dentro de uma officina.

Tenho d'esta maneira terminado a primeira parte do meu discurso.

Como fiz ver, o pensamento das auctorisações é justo, tende a levantar o nivel economico do paiz, a fomentar o commercio e a industria e a augmentar a riqueza colonial; e não póde, por isso, deixar de ser abençoado e acceito pelos homens imparciaes. (Apoiados.}

Vamos á segunda parte. Será opportuno o pedido d´estas auctorisações? Para se avaliar essa opportunidade, devemos attender ás circumstancias extremas do nosso paiz. Temos uma divida fluctuante de 30 e tantos mil contos de réis, um deficit tambem de uns poucos de mil contos de réis, um depauperamento cambial enorme, o agio do ouro aproximadamente de cincoenta por cento, as despezas publicas augmentadas, e temos sobretudo o credito completamente perdido no estrangeiro. É preciso acudir urgentemente a esta desgraça; e n´esse sentido o ministerio atacou a questão por onde ella póde ser atacada. Quer ver só recupera o credito no estrangeiro, pela proposta de conversão da divida externa, e se acaba com o deficit e com a divida fluctuante por essa mesma proposta da conversão e pelas demais que formam o seu conjuncto financeiro. Tenta acabar com a exagerada circulação de notas, regularisando as suas contas com o Banco de Portugal, reduzindo a somma fiduciaria, e conseguindo algum oiro para as mais urgentes necessidades. E conta diminuir o deficit cambial e portanto o agio do oiro, recuperando a confiança dos credores, deixando pela sua parte de fazer concorrencia na acquisição dos cambiaes e aproveitando a benefica influencia que deve resultar de todas as suas propostas financeiras e economicas.

Com essas medidas urgentes poderá o governo fechar esta sangria desatada que nos afoga e asphixia, de fórma que, obtendo o repouso de alguns annos, o paiz possa cuidar livremente da sua reorganisação economico.

Para isso tambem o ministerio apresentou á camara as suas propostas de fomento agricola, a fim de que, n'esse periodo de repouso, o paiz possa levantar-se do abatimento actual.

As propostas coloniaes do sr. ministro da marinha e parte d´estas auctorisações inspiram-se no mesmo pensamento; e todas ellas tendem a completar o plano financeiro do governo. Mas não basta contentar os credores, conseguir a tranquillidade relativa de alguns annos e fomentar a riqueza do paiz; é tambem indispensavel reduzir, quanto possivel, as nossas despesas, para entrarmos no caminho da rigorosa economia e merecermos o respeito das nações estrangeiras.

A tudo isto mira o pensamento das auctorisações que se discutem, e é patente por isso a opportunidade dos pedidos do governo.

Ou se fazem agora as reformas precisas e indispensa-

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veis para que o nosso estado possa levantar-se do abatimento em que jaz, e para que, n'esse periodo de quatro a cinco annos de tranquillidade relativa, como deve provir das medidas financeiras propostas, possamos entrar de vez na cruzada do trabalho e da regeneração economica, ou então Portugal terá o de afundar-se para sempre no abysmo da perdição.

Esta urgencia, portanto, vem tambem justificar as auctorisações que se discutem.

E merecerá o governo que lh'as approvem?

É o terceiro ponto que me propuz desenvolver.

Para se ver que o governo merece esta approvação, basta notar que são urgentes e influem poderosamente no restabelecimento do paiz, pois demonstrado que não póde espaçar-se por mais tempo o supremo esforço pelas reformas economicas e a rigorosa reducção das despesas, demonstrado fica tambem que devem ser concedidas ao governo as auctorisações de que se trata, as quaes contribuirão para esse resultado.

Demais o partido progressista, ao subir ao poder, podia ter entrado no caminho da dictadura, que achava aberto diante de si; e longe de o fazer, com um escrupulo religioso, com uma probidade politica que não é vulgar nos tempos que vamos atravessando, embora cheio de dificuldades, preferiu esperar pelo parlamento, para aqui se apresentar, modesta, digna e honradamente, como quem deseja a cooperação de todos os representantes da nação. Bastava isto para o parlamento premiar esta modestia, esta sinceridade e corresponder a este desejo de legalidade, dando ao governo, que assim se mostra tão convicto do seu dever, os meios indispensaveis, para que elle possa conseguir a regeneração da nossa patria.

Ha mais ainda. Eu admitto que se não dêem auctorisações d'estas a um governo que não trabalhe, ou que não tenha na sua consciencia o proposito firme de atacar as dificuldades e contribuir com todo o seu esforço para desaffrontar o paiz nas circumstancias desgraçadas em que se encontra.

Mas isto não se dá com o ministerio actual, que nós vemos trabalhar dedicadamente. (Apoiados.}

O sr. ministro da marinha está prejudicando a sua saude com os seus esforços pela regeneração economica das provincias ultramarinas. (Apoiados.)

O sr. Ressano Garcia tem passado longas noites, labutando na sua reforma financeira, profundando os segredos da administração, empregando, o melhor do seu talento, actividade e energia n'esta tarefa, talvez improficua para s. exa., porque só ha de colher no seu caminho os espinhos da calumnia, da falsidade e da ingratidão. (Apoiados.)

O sr. conselheiro Luciano de Castro trabalha afincadamente nas suas propostas. (Apoiados)

O sr. ministro da guerra tambem apresentou differentes reformas, de onde se vê que encarou a serio, com toda a actividade e energia, as questões vitaes dependentes da sua pasta. (Apoiados.)

O sr. ministro das obras publicas apresentou esse estendal de medidas gloriosas, das quaes deve resultar a nossa regeneração agricola. É quando, por circumstancias independentes da sua vontade, ellas não produzam o resultado que se espera, s. exa., imitando a phrase de Victor Hugo, que dizia n'um meeting contra a Russia: "Quem não tiver uma arma atire-lhe com uma pedra", póde tambem dizer que, pelo menos, atirou com a pedra do seu talento e trabalho em favor da reconstituição economica da nossa patria.

Se o parlamento reagir, se o paiz, inerte como um cadaver, não vier ao encontro d'esses esforços, s. exa. póde ficar tranquillo, porque obedeceu aos dictames da sua consciencia e cumpriu o seu dever. (Apoiados.)

D'esta maneira tenho demonstrado: primeiro que o pedido das auctorisações obedece a um pensamento justo e digno de respeito. Segundo, que esse pedido é opportuno. Terceira, finalmente, que ellas se devem conceder ao governo, pela fórma por que foram pedidas.

No entender do sr. João Franco e conforme a argumentação de s. exa., o pedido não deve ser inteiramente satisfeito com relação a algumas d'estas auctorisações.

Ás objecções feitas por s. exa. poderia eu responder com a sua propria obra.

Assim, por exemplo, em relação á companhia vinicola, o respectivo numero é copiado exactamente do § 1.° do artigo 65.° da lei de 30 de junho de 1893, referendada por s. exa., e que diz:

"É auctorisado o governo a modificar, de accordo com á parte interessada e com as formalidades usuaes, o decreto de 15 de março de 1889, celebrado com a real companhia vinicola do norte de Portugal, na parte relativa ao subsidio a que se refere o n.° 1.° do artigo 5.° do mesmo contrato."

Pergunto agora a s. exa., com todo o respeito que tenho pelo seu enorme talento e levantado caracter, se quando referendou esta lei, não entendeu que o paragrapho estava perfeitamente redigido pela fórma por que está, que é a mesma transcripta no documento actual, e sem necessidade de outras restricções? Certamente que sim; e só isso mostra que é inadmissivel a limitação agora proposta por s. exa.

Se, depois d'isso, mudou de opinião, permitia-me que lhe diga que essa opinião é inspirada e obscurecida pela paixão partidaria, que nos faz esquecer a verdade e nos escondo muitas vezes os dictames da propria consciencia.

Em relação ás outras auctorisações, o sr. João Franco limitou-se, em geral, a fazer umas ligeiras objecções contra a sua latitude e a propor em cada uma d'ellas certas modificações que, no dizer de s. exa. as tornam mais restrictas e claras. N'esse sentido, disse que algumas d'ellas são muito vagas e não devem ser concedidas ao governo, sem as convenientes limitações, para que d'ahi não venha a resultar prejuizo para o paiz.

Eu entendo, exactamente o contrario, pela confiança que me inspira o governo, e se o sr. João Franco n'um longo periodo, pediu e usou de auctorisações parlamentares, tão latas como estas, não tem direito agora a combatel-as. (Apoiados.)

Disse tambem s. exa.: "Qual é o pensamento do governo com respeito a estas auctorisações? Não se sabe nada!"

Ora, desde o momento em que ellas são. urgentes, e desde que não ha tempo sufficiente para o governo elaborar e trazer á camara propostas especiaes e desenvolvidas sobre o seu objecto para as converter em leis, claro está que tambem não póde haver tempo sufficiente para delinear, ponto por ponto, os limites em que deve circumscrever-se cada uma d´estas auctorisações!

E, com effeito, a que desejâmos nós chegar com estas auctorisações?

A dar ao governo faculdades amplas, largas, rasgadas, para que, pelo cumprimento dos seus deveres e pelo seu estimulo e trabalho, possa, no intervallo parlamentar, caír a fundo n'este corpo inerte da nação, que precisa de incentivos e emprehendimentos fecundos, para ver se galvanisa e faz remoçar a vida e actividade mercantil, que são indispensaveis á conservação da nossa nacionalidade. (Apoiados.)

Como havia, pois, o governo de expor aqui, ponto por ponto, lineamento por lineamento, qual o sen plano, qual o modo de occorrer a estas necessidades, se tudo precisa de ser bem pensado e estudado maduramente no seu gabinete, ouvindo a opinião de pessoas competentes, recorrendo ás affirmações das respectivas repartições?

Não é de sobresalto, n'uma discussão agitada, com o pouco espaço que temos para encerrar os trabalhos parlamenta-

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res, que o governo podia apresentar detalhadamente os limites dentro das quaes devem circumscrever-se estas auctorisações. (Apoiados.)

Alem d´isto, no relatorio d'este projecto, o digno relator, o sr. Laranjo, declarou que acceitava todos os esclarecimentos e modificações convenientes, manifestando assim, mais uma vez, aquella probidade de que tem dado tantos exemplos no parlamento. (Apoiados.) E não fallo na sua probidade particular, porque a probidade particular é vulgar em quasi todos os homens politicos. Diga-se isto para honra do paiz; e todas essas calumnias que se levantam, como o lamaçal ensanguentado, para caírem sobre os caracteres illibados, fujam para longe, feridas de maldição, como indignas da seriedade d'esta casa! (Muitos apoiados.}

Mas, se é difficil ao homem publico o conservar essa probidade politica, isenta de paixões, limpa de animosidades, tranquilla e serena como a verdade, inabalavel e firme como a justiça, n'esta parte o sr. Laranjo tem dado perfeito e completo exemplo de que não sacrifica ás pugnas tumultuarias d'este meio a isenção da sua alma e a imparcialidade da sua consciencia. E foi inspirado por esses nobres sentimentos, e de harmonia com a vontade do governo e com os interesses do paiz, que elle escreveu aquella declaração.

Por isso, se as modificações e esclarecimentos lembradas pelo sr. João Franco forem convenientes para o paiz e consentaneos com o pensamento do governo, não serão desprezados. Entendo que devem, para isso, ir á commissão do orçamento, para lá serem discutidas e apreciadas com a madureza e tranquillidade necessaria por todos os seus membros; e, se d'ahi resultar proveito e conveniencia para o estado, a commissão com a mesma probidade politica os ha de acceitar. (Apoiados.}

Agora, sem o exame demorado, sem a labutação tranquilla do gabinete, e no calor de uma discussão, é que não podem apreciar-se com justeza as modificações e limites propostos por s. exa.

Eu entendo até que, na maior parte dos casos e n'um grande numero de auctorisações, é inconveniente consignar previamente similhantes limites. (Apoiados.}

Por exemplo, a auctorisação que mais foi combatida pelo sr. João Franco foi a da reforma dos quadros. Ora, quando se tratar de reformar os quadros e os serviços, essa reforma deve ser estudada e feita pelo ministro com toda a tranquilidade e com toda a paciencia e cuidado, colhendo-se as informações mais cautelosas, mais conscienciosas e mais respeitaveis, e com a maxima reserva; pois, logo que seja conhecido o pensamento do governo e os delineamentos da reforma, será o ministro assaltado por uma chusma de pretendentes, e por informações encontradas que podem obscurecer a rasão e esconder a verdade! (Apoiados.}

Da mesma fórma, em relação á reforma da pauta; se os negociantes sonharem que se vae tratar d'esse assumpto, e podérem conhecer os seus delineamentos, ha de succeder, como succede sempre, em casos iguaes, que os especuladores e os contrabandistas, em summa, os exploradores do todo o genero, hão de surgir de toda a parte, para ver se podem antecipadamente prejudicar os effeitos economicos da reforma, prevenindo-se com as mercadorias cujos direitos devam ser augmentados.

Tenho assim respondido ao sr. João Franco.

Acrescentarei como conclusão que s. exa. apresentou, por escripto, differentes observações e modificações com respeito a cada uma das auctorisações pedidas. A commissão respectiva, examinando-as cuidadosamente, dar-lhes-ha o valor que julgar de justiça; mas, no seu principio geral, todos esses additamentos estão prejudicados, porque o governo, pela boa vontade de bem servir a nação, pelo seu assiduo trabalho, pela energia que tem mostrado e pela sua dedicação pelos negocios publicos, bem merece que lhe seja concedida ampla liberdade para poder restaurar o pais. (Muitos apoiados.)

E estão prejudicados tambem porque as auctorisações pedidas são urgentes, e o governo, ainda que o quizesse, não podia estabelecer desde já rigorosamente os delineamentos das reformas que tem a fazer.

ão me alongo mais. Parece-me que a materia está discutida, e creio que, pela minha parte, acompanhei o sr. João Franco na discussão placida, serena, d'esta questão, sem usar de palavras que podessem offender qualquer dos meus adversarios politicos, sem a minima referencia que podesse irritar as paixões,

Sr. presidente, fui arrastado e quasi trazido á força para aqui pelos eleitores do Porto. Tenho saudades do refugio sagrado do meu escriptorio, de onde não devêra ter saído e para onde desejo voltar. E estou aqui sem paixões, sem ambições e quasi estranho, como o montezinho que se sente deslumbrado perante os fulgores de uma opera. Se n'estas circumstancias excepcionaes. provenientes da minha situação n'esta casa, eu posso fallar francamente a ambos os lados da camara, direi que desejava ver assim tratar todas as questões.

A phantasia popular representa-nos a nós, os legisladores, vestidos de clamyde branca e impolluta, como deve ser a alvará da nossa consciencia. Devemos ter a serenidade da verdade, a imperturbabilidade da justiça. Para que vem, pois, esses gritos, esses gestos, essas palavras improprias e descompostas, que tantas vezes temos presenciado?

Chegámos ao momento solemne e critico, em que é preciso ampararmos e rodearmos todos o altar da patria, como quem defende um thesouro que nos querem roubar.

E que diria o pobre desgraçado que moureja, desde pela manhã até á noite, sobre a relha do arado, tendo apenas por allivio o orvalho do suor e por unica riqueza o sacrario da familia, se nos visse, a nós, que elle suppõe os sacerdotes da lei e a quem pede cada dia o resgate da sua miseria, retalhar o manto da patria, no meio de gritos e arruaças, de palavras e gestos descompostos !

Pois bem ! Que, n'estas circumstancias extremas a que chegou a nação, n'este momento solemne da historia portugueza, o parlamento se compenetre profundamente do seu dever e cuide unicamente da regeneração economica do paiz, da restauração e grandeza da nossa patria! (Muitos e repetidos apoiados.)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado e atracado por muitos dos seus collegas e pelos srs. ministros.}

O sr. Conde de Paçô-Vieira: - Sr. presidente, entrando n'este debate eu não tenho, nem podia ter, a pretensão que seria redicula ou a vaidade que seria injustificada, de vir illucidar e muito menos derimir a questão que se está discutindo. Não. O meu intento é muito mais modesto. Eu fallo unicamente para justificar o meu voto perante a camara, e tranquillisar o illustre relator sr. Laranjo, assegurando-lhe que tanto as palavras de severa critica que escreveu no seu relatorio como as que proferiu nos seus discursos contra o paiz e contra o parlamento, por nem um nem outro se interessarem pelas questões financeiras não tem rasão alguma de ser n'este momento; (Apoiados.} porque a prova mais evidente de que o paiz e o parlamento se interessam por essas questões esta no protesto geral, no clamor unanime que por todo o paiz se levantou contra as propostas de fazenda trazidas á camara pelo sr. Ressano Garcia (Muitos apoiados.} e na declaração feita aqui pelo illustre deputado e meu amigo sr. João Franco, de que nós, os deputados d'este lado da camara, havemos de discutir todas as propostas de fazenda, uma a uma, logo que ellas sejam dadas para ordem do dia. (Apoiados.)

E fallo ainda, sr. presidente, porque sendo o orçamento não um toiro, como lhe chamaram os illustres deputados

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srs. Marianno de Carvalho e Cabral Moncada, que se o fosse eu não poderia entrar na lide por falta absoluta de conhecimentos technicos, mas sim, no gracioso dizer dos versos de Victor Hugo.

"...moustre enorme, admirable paissont
"à qui de toutes parts on jette l´hamesson."

eu que, nas horas: de ocio, como toda a gente, pêche un peu à la ligne, julgo-me tambem com direito de dizer sobre elle algumas palavras. (Riso. - Vozes: - Muito bem.

Nada mais. O meu discurso, pois, sr. presidente, tem dois fins absolutamente distinctos: tranquillisar, como disse, o illustre relator geral do orçamento, e dizer ao governo e á camara a rasão por que voto contra o projecto.

E para começar por um acto de inteira justiça, e porque desejo pôr sempre as minhas palavras em perfeita harmonia com as minhas convicções, cousa aliás rarissima e difficil em politica, onde quasi nunca se diz o que se sente e quasi sempre se sente o contrario do que se diz, felicito sinceramente, não por mera cortezia, mas por dever de consciencia, o illustre deputado sr. Adriano Anthero pelo notavel discurso de estreia que acaba de proferir e que veiu provar-nos que alem de poeta distincto e advogado erudito é tambem um parlamentar eloquentissimo. (Apoiados.}

E dito isto, passo a apresentar muito singelamente, á camara as considerações que desejo fazer como justificação do meu voto contra o projecto.

Sr. presidente, eu voto contra o projecto por dois motivos. Primeiro porque ha n'elle lacunas que é necessario preencher, e disposições que é indispensavel corrigir, e tanto sobre umas como outras mandarei opportunamente para a mesa as minhas emendas: Segundo porque n'elle se pedem auctorisações latissimas, que eu só poderia votar se tivesse no governo a mais cega e a mais absoluta confiança, que não tenho, que infelizmente não posso ter. (Apoiados)

E note v. exa. que quando digo infelizmente não posso ter, digo-o com toda a sinceridade, digo-o cheio de magua, porque o meu maior desejo era, como deputado monarchico e membro de um partido convictamente conservador, poder dar ao governo n'este difficil momento que atravessamos, todo o meu apoio, e que o partido regenerador podesse dar-lhe tambem todo o seu auxilio, toda a sua cooperação. Mas não podemos. (Muitos apoiados.) Nem eu, nem o partido regenerador podemos votar, e não votamos este projecto sem as alterações propostas pelo sr. João Franco. E não porque queiramos levantar ao governo, que não queremos, quaesquer dificuldades, mas sim e unicamente porque o que queremos e temos obrigação moral de querer, é evitar ao paiz os desastres e os perigos que fatalmente haviam de vir, se fossemos levianamente votar as auctorisações que nos pedem. As incoherencias e as contradições do governo e não só do governo, mas de todo o partido progressista que elle representa, durante os ultimos annos de opposição e até já depois que foi chamado aos conselhos da corôa, são para nós penhor mais que seguro de que elle havia de abusar d'essas auctorisações, (Muitos apoiados.}

Bem sabemos que no parecer da commissão se diz que o governo não póde prescindir d'ellas, porque está no seu programma e é seu proposito fazer economias e não fazer dictadura, e por isso carece que nós o auctorisemos a reformar todos os serviços publicos, visto que pelo adiantado da sessão não póde o parlamento collaborar n'essas reformas.

Mas é exactamente por isso, sr. presidente, é exactamente por o governo nos dizer que quer as auctorisações para fazer economias e não fazer dictadura, que lh'as não damos; porque, desgraçadamente, sempre que o partido progressista promette economias, e affirma que não fez dictadura, o esbanjamento é certo e a dictadura ou a está fazendo, como agora acontece, ou não vem longe. E não sou eu que o digo. É toda a gente que o affirma. É o proprio governo que se encarrega de o demonstrar. E se não, veja v. exa. se ha nada mais contradictorio, se ha nada mais incoherente do que os actos do governo. (Apoiados)

v. exa. sabe, e sabe-o toda a gente, que o partido progressista passou estes ultimos quatro annos em que esteve fóra do poder a lançar sobre o partido regenerador todos as suspeições que podem enfraquecer e deslustrar um governo, e a fazer contra nós uma campanha feroz e temivel de descredito e de diffamação. Arvorado em censor de tudo e de todos, nenhum acto do partido regenerador lhe mereceu nunca senão palavras severas de critica acrimoniosa, injusta e apaixonada; e quer na imprensa, quer nos meetings, quer no parlamento emquanto o não abandonou, O partido progressista não fazia senão prometter moralidade, economia e ordem para quando voltasse ao poder.

Pois bem. Mal chegou ao poder, o que fez, a unica cousa que soube fazer, foi planear sob o titulo de propostas de fazenda e auctorisações a ruina do paiz, fomentar a desordem e augmentar a miseria publica. (Apoiados repetidos.)

E o nobre presidente de conselho, que allegando como desculpa do seu inqualificavel procedimento, as miserias do paiz, se poz á frente de um movimento quasi revolucionario, tão tristemente celebre na longa historia dos nossos desatinos politicos, esse então, pelo seu lado, desde que occupa aquella cadeira, nada mais tem feito senão provocar-nos directamente, quer nos seus jornaes, onde mettendo a ridiculo os discursos dos oradores d'este lado da camara, lhes chama; meras cacaqueiras anecdoticas e amenas; (Apoiados.) quer nas suas respostas a esses discursos, classificando de leviana, impropria e feita no ar, a critica de deputados como o sr. Baracho, ás propostas de fazenda; (Apoiadas.) quer transferindo sem motivo algum e por mero capricho do governo, como ha dias se viu da resposta do sr. ministro das obras publicas, os amigos particulares e politicos do sr. João Franco; (Apoiados.) quer finalmente, como ainda ha instantes aqui todos presenciámos, deixando sem resposta a pergunta simples, clara e formal que a s. exa. dirigiu o illustre leader da opposição, sobre as intenções do governo relativamente ás auctorisações que nos vem pedir ! (Muitos apoiados.).

Como v. exa. viu, o illustre deputado sr. João Franco no notavel discurso que acaba de proferir e foi, sem lisonja, o discurso frio e sereno de um verdadeiro homem de estado, pediu ao sr. presidente de conselho que interrompesse por instantes a sua conversa e attendesse á pergunta que ia fazer-lhe, e á qual esperava uma resposta, fosse ella qual fosse.

Pois s. exa., que tão prompta tem a palavra sempre que isso lhe convem, fingiu que nada ouviu, e em vez de se levantar e responder, como era seu dever, ficou sentado, e deixou que fallasse o sr. Adriano Anthero, que fez sem duvida um erudito e eloquente discurso, mas que nem respondeu á pergunta do sr. João Franco, nem destruiu um unico dos argumentos por este apresentados contra as auctorisações; (Muitos apoiados.) discurso tão alheio a tudo quanto disse o sr. João Franco, que eu vejo-me obrigado não a responder-lhe, mas simplesmente a fallar depois do illustre deputado. (Apoiados.)

Sr. presidente: Eu ouvi ha dias o nobre presidenta de conselho dizer em resposta a um illustre correligionario meu, que se estava ali n'aquelle logar, era não por gosto nem por prazer, mas unicamente em cumprimento do seu dever.

Que illusão, sr. presidente ! Como o nobre presidente de conselho se engana.

O seu dever era bem outro. Era não ter acceitado aquelle logar. Sim; era, repito, não ter acceitado aquelle logar. (Muitos apoiados.}

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Pois que representa a acceitação do governo pelo partido progressista, senão a mais completa apostasia, a mais absoluta negação de tudo quanto disse, de tudo quanto fez e de tudo quanto escreveu na opposição? (Muitos apoiados.)

A Corôa, no plenissimo uso das suas prerogativas constitucionaes, que não discute, nem discuti, nem penso discutir, porque do que estou fallando é da acceitação do cargo pelo sr. presidente do conselho e não da escolha ou nomeação dos ministros que é liberrima, mas que são cousas differentes, a Corôa, dizia eu, convidou o nobre presidente de conselho a formar gabinete, e s. exa. que era a esse tampo o chefe da colligação liberal acceitou immediatamente, e - curiosa transfiguração, transfiguração verdadeiramente fim de seculo - eil-o de repente transformado de revolucionario o agitador, em presidente de conselho de ministros de uma situação cabralina. (Apoiados.} Tão cabralina que os ministros já nem sequer se dignam responder aos deputados. (Muitos apoiados.}

Onde se viu, pergunto eu á camara, contradicção assim?

Onde se viu maior incoherencia ?

Mas sabe v. exa. qual foi o resultado d'esta transformação? Foi, e isso é o que eu sinto como membro de um partido monarchico e conservador, cujos desejos por isso mesmo são que o gabinete governe bem; o resultado foi que ninguem hoje o receia, ninguem hoje o teme, ninguem hoje n'elle confia, ninguem mesmo o respeita. (Muitos apoiados.)

É triste isto; mas o verdadeiro; absolutamente verdadeiro. (Apoiados.)

Os republicanos riem-se das suas ameaças e respondem-lhe, publicando singelamente todos os dias artigos dos jornaes progressistas do tempo da colligação, d'aquelles artigos que no comicio do Campo Pequeno a policia prohibiu que fossem lidos. (Muitos apoiados.)

E nós, os conservadores, e quando digo os conservadores não me refiro exclusivamente aos deputados d'este lado da camara, refiro-me a todos aquelles que não acompanharam o nobre presidente do conselho na sua aventurosa viagem aos arraiaes republicanos, nós os conservadores assistimos cheios de tristeza, de incerteza e de magua a esta desgraçadissima situação, sem sabermos se com effeito o poder está nas mãos de quem pelo seu amor ás instituições e pelos seus principios de ordem o póde e deve manter, se, pelo contrario, está confiado a homens que no momento de perigo, n'uma revolta, em vez de se unirem e cerrarem todos em volta do throno, não irão antes lançar-se nos braços dos seus antigos companheiros da colligação liberal. (Sensação. - Muitos apoiados.)

O sr. Presidente: - Peço ao illustre deputado que se cinja ao assumpto que está em discussão, e é o artigo 32.°, auctorisações.

O Orador: - Perfeitamente, sr. presidente, mas v. exa. comprehende que tendo eu dito que não tinha confiança no governo, preciso de dizer as rasões por que. (Muitos apoiados.)

Vozes da esquerda: - falle, falle.

O Orador: - Mas dizia eu, sr. presidente, que o nobre presidente de conselho, se comprehendesse nitidamente a melindrosa situação politica do seu partido, e sobretudo a sua situação pessoal em frente da Corôa, o que devia era ter declinado a honra de formar gabinete. E nem isso era novo na historia, nem tão pouco era deshonroso para s. exa. ou para o seu partido.

Bem mais do que o nobre presidente do conselho era o duque de Wellington e todavia, chamado a formar o governo em 1834, quando se demittiu o ministerio Melbourne, que tal qual como a ultima situação do partido regenerador caiu tendo maioria no parlamento, o duque de Wellington respondeu a Guilherme IV que n'aquelle momento não era elle o homem proprio para chefe da si-tuação.

E como o rei insistisse, o duque de Wellington recusou de novo e indicou-lhe para o substituir sir Robert Peel, mas não acceitou.

Isto sim, isto é que é saber comprehender o que é a politica na accepção nobre e elevada da palavra. Mas para o sr. José Luciano de Castro, politica é a arte de fazer eleições e nada mais. (Muitos apoiados.)

Se o nobre presidente do conselho pensasse como Wellington, e bom era que pensasse, teria dito a El-Rei: - Senhor, agradeço a Vossa Magestade a honra que me fez, chamando-me a organisar gabinete, mas não posso acceitar, e Vossa Magestade bem sabe porquê.

E a Corôa, cuja boa memoria é conhecida, talvez não insistisse. Mas se insistisse, o nobre presidente do conselho, então n'um rasgo de bom senso, de lealdade, de cavalheirismo, diria muito respeitosamente a El-Rei:

Senhor, eu não posso organisar desde já gabinete, porque ainda hontem era o chefe da colligação liberal, porque ainda hontem aconselhava o povo a que não pagasse os impostos, porque ainda hontem ridicularisava o parlamento que Vossa Magestade abria, porque ainda hontem dizia publicamente que os decretos que Vossa Magestade assignou não tinham força de lei por virem de uma dictadura ominosa, e não deviam cumprir-se, e sobretudo, senhor, porque ainda hontem eu e o meu partido tinhamos as nossas relações officiaes cortadas com o paço. (Sensação. Muitos apoiados.) Digne-se, pois, Vossa Magestade escolher outro politico, que eu não devo, eu não posso organisar ministerio.

O sr. Presidente: - De novo peço ao illustre deputado que entre no assumpto e não discuta a organisação do ministerio.

O Orador: - Oh ! sr. presidente! Então v. exa. chama-me á ordem por eu discutir a organisação do ministerio?

O sr. Presidente: - Eu não chamei ainda vez nenhuma v. exa. á ordem, mas lá chegarei.

O Orador: - Creio que não darei a v. exa. esse desgosto, porque eu tenho por v. exa., e não só eu, mas todos os deputados d'este lado da camara, a maior consideração (Muitos apoiados) e por isso obedeço immediatamente. Mas sempre quero dizer a v. exa. que discutindo a formação do gabinete, não faço senão seguir os exemplos do saudoso chefe do meu partido, Fontes Pereira de Mello, que n'esta camara, em 1865, tambem a discutiu. (Muitos apoiados.)

E v. exa. sabe que Fontes era a correcção parlamentar em toda a sua pureza. (Apoiados). Não seja, pois, v. exa. mais rigoroso hoje para commigo do que foi o presidente d'essa epocha para com elle, que ninguem chamou á ordem. (Apoiados.) É possivel que eu erre, discutindo da fórma como estou fazendo, mas erro com um grande mestre, erro como Fontes. (Vozes - Muito bem, muito bem.)

Que nobre, que bello procedimento este ! - Talvez o sr. presidente do conselho queira dizer-nos que não procedeu assim por ignorar a historia politica ingleza; mas nem essa desculpa lhe deixo, porque esse meto historico, aliás conhecidissimo, que acabo de narrar, foi já contado n'esta casa, n'uma sessão em que estava presente o sr. José Luciano.

Portanto se acceitou foi porque quiz. (Apoiados.)

Se ainda ao menos este facto representasse uma conversão sincera, vá. Só tinhamos a lamentar, só tinhamos a sentir que a estrada de Damasco do partido progressista fosse o Terreiro do Paço. (Apoiados.)

Mas nem isso, sr. presidente. Nem isso; - porque v. exa. e toda a camara ouviu ha dias tres illustres deputados dos mais considerados do partido progressita declararem aqui que não só não estavam arrependidos de terem andado na

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colligação liberal, mas que, o que é peior, para lá voltariam em identicas circumstancias. (Muitos apoiados.)

Deixemos, porém, isto e vamos a mais incoherencias e contradicções do governo, para que a camara veja que nós, a opposição, temos rasões de sobra para votarmos contra as auctorisações que se pedem.

E como ellas são tantas que, se eu tivesse de enumeral-as todas, não poderia concluir o meu discurso dentro do tempo marcado pelo regimento, irei dizendo ao acaso aquellas que me lembrarem.

Sr. presidente, o partido progressita combateu, como v. exa. sabe, por todas as fórmas e com todo o vigor a reforma constitucional promulgada pelo decreto de 25 de setembro de 1895, pelo partido regenerador.

Mas, logo ao chegar ao poder, o seu primeiro decreto é a melhor, a mais completa justificação de parte d'essa reforma;

E se não, veja a camara. Pelo acto addicional de 1895, determinava-se que quando fossem dissolvidas as camaras, tinham ellas de ser convocadas de novo dentro de tres mezes.

Veiu o partido regenerador e alterou esta disposição pelo decreto de 1895 que fez a reforma constitucional, não marcando praso certo para a convocação.

Pois, senhores, o partido progressita que tanto tinha combatido este decreto, que tinha declarado não reconhecer auctoridade á camara que lhe deu o bill, chega ao poder, dissolve as camaras, e, parece incrivel, mas é verdade, em vez de cumprir as disposições do acto addicional, lança mão do decreto de 1895, e não reune as camaras senão passados mais de tres mezes!! (Muitos apoiados.)

E isto porquê?

Isto unica e exclusivamente para poder montar convenientemente a machina eleitoral. O sr. presidente do conselho não se importou mais com os principios, aquelles immortaes principios que proclamou na opposição. (Apoiados.)

O que quiz foi tratar dos interesses partidarios, no que pensou foi nas suas conveniencias politicos. (Apoiados.)

Resultado d'isto - estarmos hoje já a 5 de agosto e ainda não termos feito cousa nenhuma aproveitavel ou util. (Apoiados.}

Ora, compare se este incoherente, este contradictorio procedimento do governo com o que teve o partido regenerador em 1890, quando foi ao poder, em seguida ao ultimatum, reunindo as camaras dentro de tres mezes, como mandava o acto addicional então em vigor, e digam-me depois com franqueza os illustres deputados da maioria quem é que melhor cumpre a lei, quem è mais respeitador dos bons preceitos constituccionaes, se é o partido progressista se é o partido regenerador? (Muitos apoiados)

Mas ha mais. Na opposição o partido progressista declarava que não faria nunca dictadura e tem-n'a feito, e logo direi como e em quê; e jurava recorrer sempre e para tudo á cooperação do parlamento, e aberto este, do que trate é de lhe arrancar auctorisações. (Apoiados) E que auctorisações, sr. presidente? (Apoiados.)

São de tal ordem que eu declaro francamente a v. exa. que se o meu partido viesse pedil-as - que não vinha, estou certo de que não vinha - eu não lh'as votava, apesar da confiança que tenho nos seus dirigentes. E não as votava, porque n'um momento tão critico, tão cheio de incertezas, de desconfianças e de perigos como este, entendo que é mais que um erro, é um verdadeiro crime e é um perigo pedir ou votar auctorisações.

Tudo quanto o governo fizer deve ser feito bem ás claras, bem publicamente e sob as vistas e a fiscalisação directa do parlamento, É isso o que o paiz quer, (Muitos apoiados) é isso o que o paiz exige. (Apoiados.) Vir pedir auctorisações como estas, é fazer a dictadura a prior. (Muitos apoiados.)

Mas continuando, sr. presidente: diz o governo que o partido regenerador deixou os cofres do thesouro exhaustos, pela sua perdularia e ruinosa administração; mas o que a final se vê, o que a final se apura do proprio relatorio de fazenda apresentado á camara pelo sr. Ressano Garcia, é que ao passo que na situação progressista, que vae de 1886 a 1890, o deficit era de 8:000 a 14:000 contos, e mais n'esse tempo as inscripções estavam no mercado acima de 60 e não havia o agio do oiro; no ultimo governo regenerador o deficit foi apenas de 74, de 1:508 e de 1:449 contos, apesar de ser enorme o agio do oiro, estar suspensa a circulação monetaria e terem-se feito avultadissimas despezas com as expedições e guerras das colonias. (Muitos apoiados.)

Deixámos os cofres vasios, diz o governo, mas vem o sr. ministro da fazenda e confessa no seu relatorio que o ministerio transacto lhe deixou um credito de 5.000:000 francos no Crédit Lyonnais; 72:718 obrigações do caminho de ferro do norte e leste; a faculdade de emittir mais 6:000 contos em obrigações dos tabacos, isto alem de nos cofres do thesouro, que, no dizer do nobre presidente do conselho, estavam vasios, existirem em deposito para os encargos da divida publica 1.297:395$101 réis, e em ser 3.147:245$224 réis. (Muitos apoiados.)

Então o que é verdade? É o que diz o relatorio de fazenda ou o que affirma o sr. presidente de conselho?

Sempre contradicções, sempre incoherencias. (Apoiados.)

Sr. presidente, affirma ainda o partido progressista que os regeneradores são os verdadeiros fautores da desgraça publica, porque são elles que têem a responsabilidade das maiores despezas; mas abre-se o relatorio de fazenda e o que se vê é o seguinte quadro:

QUADRO VIII

Comparação de receitas e despezas

Exercicios de de 1877-1878 a 1805-1896

(Em contos de réis)
[ver tabela na imagem]

Ora este quadro, sr. presidente, mostra á evidencia que ao contrario do que anteriormente acontecia, as receitas ordinarias excederam em muito as despezas ordinarias nos tres exercicios de 1893 a 1896; que se houve n´esses tres

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exercicios um deficit de 3:031 contos de réis foi isso devido exclusivamente ás despezas que o governo regenerador teve de fazer com os emigrados brazileiros na importancia de 158 contos de réis, com as expedições a Lourenço Marques, á Lunda e á India, que sommam perto de 3:000 contos de réis; e finalmente que se não fossem estas despezas forçadas, os exercicios de 1893 a 1895 teriam sido encerrados com saldo em vez de deficit, apesar de só o agio do oiro ter custado ao governo 6:000 contos de réis! (Muitos apoiadas.)

Mau já que o governo quer considerar como principal responsavel da miseria publica o partido regenerador, seja-me permittido em legitima defeza d'esse partido, dizer á camara que quem como os progressistas contrahiram só desde 1879 a 1881 e 1886 a 1890 emprestimos na importancia de mais de 151:000 contos de réis, não têem direito de fazer d'estas accusações. (Muitos apoiados.)

Ou porventura o governo esqueceu-se já do seu passado, das suas responsabilidades e dos seus desperdicios? (Muitos apoiados.)

Pois quem ainda se não esqueceu foi o paiz. (Apoiados.). E a prova é que não ha muitos dias varios jornaes publicavam o seguinte quadro, que é só por si na singeleza das cifras a melhor resposta ás criticas e ás censuras dos progressistas. Eil-o :

Emprestimos contrahidos pelos ministerios progressistas de 1879-1884 e 1886-1890

Data

1879 - 8 de julho ................ 6.759:000$000

1880 - 22 de novembro ............ 39.150:000$000

1886 - 28 de agosto ............... 12.920:220$000

1887 - 28 de julho ................ 7.200:000$000

1888 - 25 de agosto ............... 1.800:000$000

1888 - 15 de marco........... 759:960$000

1888 - 14 de abril ................ 3.511:350$000

1888 - 13 de agosto ............... 35.100: 000$000

1888 - 26 de dezembro ............ 2.516:850$000

1889 - 8 de fevereiro ............ 37.800:000$000

1889 - 9 de maio ................ 898:830$000

1889 - 7 de novembro ............. 4.837:500$000

Total.......... 151.253:000$000

Quer isto dizer, sr. presidente, que o partido progressista só em seis annos contrahiu emprestimos na importancia de 151:253 contos de réis !! (Muitos apoiados.) Quer isto dizer que sendo a nossa divida, não incluindo a fluctuante, de 668:000 contos de réis, os progressistas, só em seis annos contrahiram quasi que a quarta parte d'essa divida. (Muitos apoiados.)

Podemos nós, n'estas circumstancias, pergunto eu, votar as auctorisações?

Creio que não. (Muitos apoiados.} Mas não param aqui as contradicções e as incoherencias. Ha muitas mais.

O governo negou em abril que estivesse tratando de qualquer operação financeira com a garantia das linhas do estado.

E a final, dois mezes depois, apparece-nos o contrato Guadalmina, já felizmente posto de parte, e nas propostas de fazenda lá vem a do arrendamento dos caminhos de ferro! Isto é, apparece um desmentido formal dado ao governo pelo proprio governo (Apoiados.)

Unico - (Apoiados.)

E que direi eu, sr. presidente, das promessas feitas pelo partido progressista na opposição ?

Lembra-se de certo v. exa. de que o partido progressista não fazia senão prometter para quando voltasse ao poder, liberdade, tolerancia, ordem e respeito á lei.

Eram estes os seus principios, on antes eram estas suas promessas. (Apoiados.}

Pois bem. Chega ao poder e para cumprir essas promessas, para realisar esses principios que faz elle? Para manter a liberdade, cerca as mesas eleitoraes de policia, e expulsa violentamente da sala os candidatos regenerares, como aconteceu em Paredes ao meu amigo e illustre deputado sr. Campos Henriques; para mostrar a sua tolerancia, expede a todos os magistrados e empregados publicos aquella celebre circular prohibindo-os de interferirem em eleições e demitte os delegados de Mangualde e de Montalegre por imposições dos influentes das localidades, a cujos pedidos estes honrados magistrados resistiram nobremente; para manter a ordem, provoca directamente, loucamente, levianamente os republicanos, ameaçando-os de, se não saírem já para a rua, ir buscal-os a casa para os forçar a fazer a revolução, o que me parece ser loucura igual á de tentar apagar com petroleo uma fogueira; (Muitos apoiados.) e finalmente, para evidenciar o seu respeito á lei, o governo, que promettia não fazer nunca dictadura, manda proceder a visitas domiciliarias no Porto e nas Caldas do Moledo, como ainda esta manhã referem os telegrammas, sem que estejam suspensas as garantias, e entra pelas redacções dos jornaes que o combatem e aprehende tiragens inteiras, sequestrando d'esta fórma a liberdade de pensamento. (Apoiados repetidos.}

Diz o governo que não fez dictadura! ? Então que são senão actos de dictadura os que acabo de apontar, e que é senão dictadura, mas encapotada, dictadura na sombra, a rovogação de leis expressas e fundamentaes, feita em simples regulamentos, como acontece com a caixa geral de depositos, cuja lei organica o illustre ministro da fazenda por um acto dictatorial, por um regulamento, revogou?

Não invento, sr. presidente. Digo a verdade. E vou já proval-o. E se o que digo não é a fiel expressão da verdade, que o illustre ministro me interrompa e me contradicte.

Sr. presidente, como v. exa. sabe, pelo artigo 21.° da lei de 21 de maio de 1896, que reorganisou a caixa geral de depositos determinou-se que os lucros das suas operações fossem para as despezas d'ella, revogando-se assim o artigo 1.° § 1.° da lei de 30 de junho de 1887, que dava a esses lucros outra applicação. Eram para a amortisação da divida publica.

Pois, sr. presidente, este honrado governo, que não faz dictadura, publica em 23 de junho d´este anno o regulamento d'aquella lei, e com uma semceremonia que quasi se confunde com a inconsciencia, determina no artigo 9.°, § unico d'esse regulamento, que fica de novo em vigor a lei de 1887 ! (Apoiados.)

O governo diz que não faz dictadura ! Mas que é senão dictadura esse comico aviso previo do sr. ministro da justiça, que dá aos delegados do procurador regio attribuições do poder judicial, incumbindo-os de censurar e reprehender os jornalistas, aviso que ainda até hoje nem um unico delegado cumpriu, o que só por si dá bem a medida do respeito que elle mereceu á magistratura? (Apoiados.}

Então não sabe o sr. ministro da justiça que a censura ou a reprehensão são penas consignadas no codigo penal, e que para as applicar só é competente o poder judicial e não o ministerio publico ? (Apoiados.)

Então o sr. ministro da justiça não sabe que na lei reguladora da imprensa não ha avisos previos e que introduzir na legislação essa excrescencia, é alterar aquella lei, e portanto fazer um acto de dictadura? (Apoiados.)

Sr. presidente, vou terminar, porque estou cansado e julgo ter demonstrado sufficientemente que o governo nos não póde merecer confiança alguma, e que por isso mesmo lhe não podemos votar as auctorisações que pede n'este artigo.

Antes, porém, consinta-me v. exa. que eu muito respeitosamente me dirija directamente á maioria e faça uma pergunta ao sr. presidente do conselho, pergunta a que

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de certo s. exa. se não digna responder, no que está não direi no seu direito, mas nos seus habitos. (Apoiados.)

A maioria são só duas palavras, mas ainda assim para que v. exa., sr. presidente, me não chame á ordem quando eu as proferir, porque são bastante fortes, desde já declaro a v. exa. que ellas são do sr. presidente do conselho, que ha annos as proferiu n'esta mesma camara, e não minhas.

Sr. presidente, disse ha dias aqui o illustre deputado sr. Marianno de Carvalho, quando se discutiu a lei a que chamou dos meninos incognitos, que no dia em que a maioria a votasse, n'esse dia começava a sua exautoração.

Pois eu digo-lhe agora, e digo-lh'o com palavras do nobre presidente de conselho que ella não póde votar este projecto sem deixar na votação a sua dignidade, o seu pudor e a sua honra. (Apoiados.)

Ao governo, e especialmente ao sr. presidente do conselho que o representa, direi apenas o seguinte:

Houve já n'este paiz um ministerio que, perguntando-se-lhe n'esta mesma camara de onde vinha e para onde ía, respondeu que vinha, do paço trazido na onda da Providencia. Eu não perguntarei ao sr. presidente do conselho de onde vem, porque demais o sei e o sabe o paiz todo. Não vem do paço, porque ao paço não ía. Vem da colligação liberal, vem dos meetings republicanos, vem dos comicios, do Campo Pequeno. (Sensação. Muitos apoiados.)

Mas o que lhe pergunto, o que tenho direito de perguntar-lhe, como deputado e como portuguez é para onde vai, para onde nos leva, para onde nos arrasta com tantos desatinos?!...

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por todos os srs. deputados do lado esquerdo da camara.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Explica ao sr. Franco Castello Branco que não respondeu immediatamente á sua pergunta, como lh'o fez sentir, por deferencia para com o sr. deputado Adriano Anthero, que pedíra a palavra para responder a s. exa., e não por menos respeito ou consideração, porque a tem por todos os srs. deputados e muito especialmente por um cavalheiro tão distincto como s. exa. é.

Não póde satisfazer completamente á pergunta do sr. deputado sobre quaes são os limites em que o governo conta usar das auctorisações pedidas, porque não tem o assumpto devidamente estudado e quando mesmo o tivesse, não seriam auctorisações que viria pedir ao parlamento, mas propostas de lei que seriam sujeitas á sua apreciação.

Para o tranquillisar, porém, o que póde desde já dizer é que não é sua intenção modificar a reforma da instrucção secundaria; se o fosse, outro teria sido o seu proceder; não a teria feito executar lealmente, como até agora o tem feito.

Pelo que respeita ás propostas por s. exa. apresentadas, repete o que já disse na commissão de fazenda; isto é, que o governo não terá duvida em acceitar qualquer proposta no sentido de aclarar as auctorisações, desde que não prejudiquem o pensamento inicial do governo.

O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessões diurna e nocturna, e peço aos srs. deputados a bondade de comparecerem ás duas horas, porque a sessão diurna acaba ás seis horas da tarde.

A ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram doze horas da noite.

O redactor = S. Rego.

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