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N.º 28

SESSÃO DE 4 DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Lida a acta, o Sr. Presidente (Matheus de Azevedo) explica os motivos por que não pôde dar na vespera o devido expediente a um aviso previo do Sr. Fuschini. - Approva-se a acta, dá-se conta de um officio do Ministerio da Marinha e tem segunda leitura uma proposta para renovação de iniciativa do projecto de lei, auctorizando o Governo a tornar definitivas as nomeações dos actuaes astronomos do Real Observatorio Astronomico de Lisboa que se acham actualmente com o caracter de provisorias ou interinas. - O Sr. Lourenço Cayolla occupa-se do procedimento do administrador do concelho de Estremoz para com a imprensa d'aquella localidade, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro).-Trocam-se tambem explicações entre os Srs. Fuschini e Presidente do Conselho com respeito aos factos occorridos com um jornal de Lisboa e um jornal do Porto, submettidos a repressão.- Os Srs. João Augusto Pereira e Queiroz Ribeiro instam pela remessa de documentos pedidos.- O Sr. Francisco José Machado manda para a mesa um requerimento e uma declaração.

Na ordem do dia, continuação da discussão do projecto de lei n.° 12 (Orçamento Geral do Estado para o anno de 1901-1902), usam da palavra os Srs. Queiroz Ribeiro e Manuel Fratel.

Primeira chamada - Ás 10 1/2 horas da manhã.

Presentes - 5 Senhores Deputados.

Segunda chamada - Ás 11 horas.

Abertura da sessão - Ás. 11 horas e 3 quarto.

Presentes - 55 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Fuschini, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco Roberto de Araújo de Magalhães Barros, Guilherme Augusto Santa Rita, Ignacio José Franco, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Coelho da Motta Prego, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo e Paulo de Barros Pinto Osorio.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Tavares Festas, Augusto Cesar da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Fernando Mattozo Santos, Francisco José de Medeiros, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida o Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim da Cunha Telles o Vasconcellos, Joaquim Faustino de Pôças Leitão, José Caetano Rebello, José Dias Ferreira, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, Julio Ernesto de Lima Duque, Julio Maria de Andrade e Sousa, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Alberto Botelho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto César Claro da Ricca, Augusto José da Cunha, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiros Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Paçô Vieira, Eduardo Burnay, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico dos Santos Martins, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Augusto Pereira, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Pereira Jardim, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano de Sousa e Lacerda, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manuel de Sousa

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Avidos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).

Leu se a acta.

O Sr. Presidente: - Tenho que dar uma explicação á Camara, antes do pôr a acta á discussão. Hontem, já depois de encerrada a sessão, tive conhecimento de um aviso previo que o Sr. Deputado Fuschini dirigiu ao Sr. Presidente do Conselho. Vistos os seus termos, julguei do meu dever dirigir-me a este Sr. Deputado, a fim do que os circunscrevesse, com o que S. Exa. não concordou.

Quando, porem, recebi a resposta de S. Exa. já não foi a tempo de fazer expedir o aviso previo que vae ser lido e terá hoje o seguimento devido.

Leu-se seguinte:

Aviso previo apresentado na sessão anterior

Desejo obter de S. Exa. o Ministro do Reino explicações nobre alguns factos occorridos hontem, domingo 2 do corrente, com o jornal o Mundo.

Este jornal devia publicar um artigo meu, em que era calculado o augmento de exportação de ouro pelo projectado convenio.

A censura previa, feita pelo sr. juiz Veiga, ordenou:

1.° Que fosse eliminada parte do meu artigo;

2.° Que na nova edição do jornal não se declarasse que os cortes haviam sido ordenados pela censura.

A parte eliminada do meu artigo é a seguinte:

"Se o projectado convenio garantir aos titulos externos metade dos respectivos juros, teremos para a situação de 31 de dezembro, acima descripta:

Juros actuaes

3 por cento 1:760 contos

4 por cento 108 "

4,5 por cento 857 "

Jurou futuros

2:640 contos

162 " 1:286 "

2.725 4:088 Participação 429

4:088 "

Para mais 934 contos

Suppondo, é claro, que no projectado arranjo da divida externa desapparece a participação nos rendimentos das alfandegas.

Alem d'isso, esta somma deve suppor-se um minimo, por duas razões:

1.ª Porque o convenio envolverá despesas que serão cobertas pela criação de 3 por cento externo. Admittindo, apenas, para este effeito, a emissão de 6:000 contos nominaes, teriamos mais 90 contos em ouro.

2.ª Porque provavelmente o 3 por cento externo será amortizado, o que, constituindo, sem duvida, um beneficio, não deixa de produzir importante exportação de ouro. Admittamos, e não andaremos muito fora da verdade, que esta amortização no fará pela quantia fixa de 450 contos em ouro, por anno, como só determinava no projectado convenio Espregueira.

Em conclusão, o augmento immediato de encargos em ouro será superior a 1:000 contem; e em epoca mais ou menos proxima, montará a cêrca de 1:500 contos em ouro, attendendo á amortizado de 3 por cento externo.

Para fazer face, nos primeiros tempos, a este augmento de despeza que virá avolumar deficits orçamentaes medios de 4:000 a 5:000 contos, pensa-se em certa operação sobre os rendimentos dos tabacos, que poderá produzir 3 milhões de libras esterlinas, na base do prolongamento do monopolio.

Eis a resposta succinta, mas clara e exacta, ás perguntas feitas e aos esclarecimentos pedidos.

As largas considerações, que tudo isto suggere, as apreciações de caracter muito especial, que tudo isto merece, serão feitas onde é dever meu realizá-las, na Camara".

Pergunto, pois, ao Sr. Ministro do Reino:

1 ° Se toma a responsabilidade do acto do seu subordinado, ou se lh'o mandou praticar?

2.° Em que lei ou disposição regulamentar se fundou elle, Ministro, ou o seu agente, para assim praticar?

3.° Em que pontos, por idéas ou palavras, a parte eliminada do artigo, acima transcripta, está sujeita ás disposições da lei de imprensa? = Augusto Fuschini.

Mandou-se expedir.

Approvada a acta, deu-se conta do seguinte

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio da Marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado João Augusto Pereira, nota das forças desembarcadas do cruzador Adamastor, na Ilha da Madeira, em outubro de 1901 e copia do relatorio do commandante do mesmo cruzador.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Proposta para renovação de iniciativa

Renovamos a iniciativa do projecto de lei n.° 59 da passada legislatura.

Sala das sessões, 3 de março de 1902. = Belchior José Machado = Marianno de Carvalho = Antonio Maria Vellado da Fonseca.

Foi admittida e enviada á commissão de instrucção publica superior e especial.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É o Governo auctorizado a tornar definitivas as nomeações dos actuaes astronomos do Real Observatorio Astronomico de Lisboa que se acham actualmente com o caracter de provisorias ou interinas, passando desde então a cumprir-se rigorosamente a lei organica do Observatorio.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - Devia agora dar a palavra ao Sr. Deputado Antonio Cabral para realizar o seu aviso previo ao Sr. Ministro da Guerra, mas como nem o Sr. Ministro nem S. Exa. estão presentes, fica esse aviso previo transferido para amanhã.

Vou, portanto, dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram para antes da ordem do dia.

O Sr. Lourenço Cayolla: - Na sessão de hontem pedi a palavra para um negocio urgente, pois afigurava-se-me que a questão de que eu queria occupar-me, e de que V. Exa. e a Camara já teem conhecimento pela participação que mandei para a mesa, era de sua natureza não só urgente, mas urgentissima, visto que se tratava de verdadeiros ataques á liberdade de imprensa, aos direitos dos cidadãos, commettidos por uma auctoridade delegada do Sr. Ministro do Reino.

A maioria, na sua alta sabedoria, entendeu que essa questão não era urgente.

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Cumpria-me acatar a resolução; mas, acatando-a, não posso, hoje, deixar de estranhar que questões d'esta ordem, tão graves, que contendem com os mais altos direitos dos cidadãos, com uma liberdade tão respeitavel, como é a liberdade de imprensa, sejam assim tolhidas de dia para dia, sem dar aos Deputados da Nação o direito de as tratar com a opportunidade e urgencia que requerem. (Apoiados).

O meu illustre amigo Sr. Conselheiro Espregueira falando hontem na discussão do Orçamento, teve ensejo de se referir ao assumpto para que eu desejava chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino.

A Camara conhece já o facto, mas elle afigura-se-me tão grave que não será de mais repeti-lo com mais minuciosidade.

Em Estremoz existe uma auctoridade, o administrador do concelho, chamada Domingos Joaquim da Silva, que, em officio de 20 de fevereiro d'este anno, participou aos donos das typographias d'aquelle concelho que tinham de lhe mandar nota relacionada de todos os trabalhos que tivessem feito no mês anterior!

V. Exa. comprehende o que ha de abusivo em tal exigencia.

Obrigar o dono de uma casa commercial a participar á auctoridade administrativa tudo quanto faz na sua casa, é desvendar os segredos do seu commercio. É um ataque até mesmo ao direito de propriedade. (Apoiados).

Um dos donos de typographia respondeu a este officio, verdadeiramente illegal, com outro officio, onde não ha uma palavra de desrespeito por aquella auctoridade, onde não ha uma offensa á ordem recebida e apenas uma contestação á legalidade d'essa ordem.

(Leu).

Como V. Exa. vê, não ha linguagem mais correcto, mais digna mesmo, do que a que empregou este cavalheiro que assim respondia ao officio do administrador.

Mas como imagina V. Exa. que aquella auctoridade respondeu a este officio?

Ferido na sua prosapia, maguado no seu auctoritarismo, respondeu com uma contra-fé intimando este dono de typographia, que é ao mesmo tempo editor de um jornal, a apresentar na vespera da publicação do respectivo jornal os originaes na administração do concelho!

Veja a Camara se pode haver imprensa com um regime d'esta ordem!

Eu, em nome da liberdade de imprensa, protesto contra este facto, para o qual não encontro parallelo em nenhum outro succedido no nosso país. (Apoiados).

O proprietario, editor de um jornal, já não tem direito a publicar na sua folha cousa alguma, sem ter previamente a chancella da auctoridade administrativa.

O Sr. Presidente do Conselho que é chefe d'um partido que se diz conservador liberal, pode consentir semelhante attentado?

O Sr. Presidente do Conselho pode continuar a delegar a sua confiança num individuo que assim calca os principios mais respeitaveis da Constituição e da liberdade ?!

Estou convencido de que não, e surprehender-me-ha muito se o Sr. Presidente do Conselho se levantar da sua cadeira e não me disser que esse homem está já demittido por incompetente, por ter sacrificado a dignidade do poder, e por ter, sobretudo, enxovalhado a auctoridade que nelle dolegou. (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho não pode querer que os seus delegados procedam por esta forma.

O primeiro ferido com um ataque d'esta ordem é S. Exa..

E, depois de S. Exa. o seu partido, a auctoridade que S. Exa. representa. (Apoiados).

Ponho a questão neste campo, convencido de que o illustre chefe do Governo não pode sanccionar este facto, V. Exa. comprehende que tenho de limitar por aqui as minhas considerações e aguardar a resposta do Sr. Presidente do Conselho, resposta que determinará, ou o meu agradecimento ou a replica ao que S. Exa. disser.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Antes de responder ao illustre Deputado, o Sr. Cayolla, permitta-me S. Exa. que eu tenha para com o illustre Deputado, o Sr. Espregueira, a deferencia de lhe explicar a razão por que hontem não me apressei a pedir a palavra para lhe responder.

No decorrer do seu discurso, o illustre Deputado, o Sr. Espregueira, falando acêrca do Orçamento, tratou incidentalmente do mesmo assumpto a que o Sr. Cayolla se referiu hoje. E no calor das suas apreciações, que constituiram, sem duvida, uma das partes mais brilhantes do seu discurso sobre o Orçamento, pediu-me para que eu o interrompesse, respondendo-lhe como entendesse.

Eu não o fiz. E se não o fiz, não foi por menos consideração para com S. Exa., que bem sabe que lh'a tributei sempre, e muito mais lh'a tributo hoje no logar em que me encontro, sendo S. Exa. representante da nação. Não o fiz porque a minha experiencia parlamentar me tem mostrado que é sempre inconveniente intercallar um discurso noutro. Só se tratasse tão somente de uma resposta affirmativa ou negativa, de simplesmente algumas palavras; não teria duvida em corresponder ao convite de S. Exa.; mas tratava-se de um assumpto, ao qual S. Exa. se referiu com largueza e ao qual, portanto, com largueza eu teria tambem de responder, se não julgasse menos conveniente cortar o discurso que S. Exa. estava fazendo acêrca do Orçamento.

Dadas estas explicações, que eu quero que o illustre Deputado tome como sentimento de deferencia, passo a responder hoje ao illustre Deputado, o Sr. Cayolla, como responderia hontem ao illustre Deputado, o Sr. Espregueira, se porventura não se dessem as circumstancias a que acabo de alludir.

O illustre Deputado referiu-se ao que succedeu, ou, pelo menos, se diz succedido com um jornal, a Voz de Estremoz e que vem referido no Diario de Noticias de domingo. E eu digo que vem referido no Diario de Noticias de domingo, porque o illustre director d'aquelle jornal, ao mesmo tempo presidente da Associação dos Jornalistas, me deu a honra do se me dirigir, pedindo-me que tomasse providencias sobre o assumpto.

Sobre o que succedeu, consoante a versão publicada naquelle jornal e a que o illustre Deputado, o Sr. Cayolla, se referiu, permitta o illustre Deputado que lhe dê uma explicação clara, positiva e firme, para depois poder responder ao que S. Exa. me disse.

A Camara recorda-se de que pelo Deputado, o Sr. Fuschini, foi em uma das sessões passadas mandado para a mesa um requerimento, para que se publicasse no Diario do Governo o relatorio do Sr. Madeira Pinto, acêrca das negociações do convenio emprehendidas pelo Sr. Espregueira.

Não discuto, nem quero discutir neste momento a maneira por que o Sr. Deputado Fuschini houve á mão esse documento. O que é certo é que o mandou para a mesa com um requerimento, para que elle fosse publicado.

A Camara, tratando-se de um assumpto que se prende com o regime da nossa divida externa, e que por consequencia tem caracter internacional, entendeu dever consultar o Governo e fê-lo publicamente, em sessão. O Governo, no cumprimento do seu dever e em conformidade com as suas declarações anteriores, pela boca do Sr. Ministro da Fazenda e dos Negocios Estrangeiros, respondeu que julgava agora inopportuna e inconveniente a publicação d'esse documento. É, em vista d'esta declaração, a Camara - então não se achava presente o Sr. Deputado Fuschini - por unanimidade resolveu que tal publicação não devia fazer-se.

Mas o que não se podia publicar no Parlamento, o que

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não se podia publicar no Diario da Camara, ou no Summario das Sessões, poderia publicar-se lá fora num artigo de jornal, ou num folheto impresso em qualquer typographia? Pergunto-o á Camara? Porque esta é uma questão em que eu não quero ambiguidades, é uma questão em que a rainha situação é clara e definida, e em que desejo que o seja perante a Camara e perante o país. Pergunto: o que é que eu devia fazer? Entendi que o que não era licito publicar-se no Parlamento, não era licito publicar-se fora (Apoiados); que o que não se consentia a um Deputado no exercicio do seu mandato, não se podia permittir a um jornalista. (Apoiados).

Entendi até que assumiria uma responsabilidade muito grave perante o país e perante o Parlamento se, por todos os meios ao meu alcance, não impedisse que lá fora se fizesse uma publicação que se tinha negado nesta casa. (Apoiados).

Entendi que não podia ser mais Ministro do Reino, se não pudesse dizer perante a Camara e perante o país que tinha empregado todos os meios ao meu alcance, para que esse documento não fosse publicado. (Apoiados).

Nesta conformidade, expedi instrucções positivas a todos os meus delegados de confiança: aos governadores civis dos districtos, para que elles não consentissem que em jornal algum ou em algum folheto impresso em qualquer typographia, se publicasse o documento em questão.

Fiz bem?

Fiz mal?

Os Srs. Deputados o dirão; eu tomo a responsabilidade dos meus actos, embora já me tenham accusado por isso.

Oxalá que não me accusem de outra cousa.

O que não sei é dar ordens positivas e fugir á responsabilidade d'ellas; o que não sei, o que não faço, é furtar-me ás pugnas parlamentares, á discussão e á exposição franca e aberta das minhas acções.

Estas foram as ordens que dei, e que entendi não poder deixar de dar.

Entendi que trahiria o meu dever e faltaria ás obrigações do meu cargo, se não fizesse respeitar a deliberação da Camara e se consentisse que outro qualquer se arrogasse mais direitos do que um Deputado da Nação; que em outra parte se fizesse o que aqui não se consentiu. (Muitos apoiados).

D'ahi resultou que os governadores civis dos differentes districtos, e em Lisboa, não só o governador civil, mas tambem o juiz de Instrucção Criminal, tiveram de adoptar providencias para que nos jornaes senão fizesse a publicação do documento referido, assim como nas typographias.

É claro que os meus delegados de confiança haviam de tomar providencias para tornar effectiva a minha resolução, porque elles respondem para commigo pelo cumprimento das minhas ordens, como eu respondo perante o Parlamento pela responsabilidade das ordens que dou.

Ainda mais: eu respeito a liberdade de imprensa, emquanto é liberdade; mas não posso, como representante do poder executivo, como chefe do Governo e Ministro do Reino, deixar, contra as faculdades de que legalmente estou investido, que num assumpto grave, vital e de suprema importancia para o país, como é o da conversão, se procure deturpar os factos, incitar os animos e preparar uma falsa opinião, que pode prejudicar a serena apreciação dos acontecimentos. (Muitos apoiados).

Pode a Camara entender que procedi mal. Quando a Camara m'o significar, sei muito bem o caminho que tenho a seguir; mas emquanto for Ministro do Reino, declaro positivamente que o não consentirei.

Aqui tem o illustre Deputado claramente exposta a minha doutrina, a minha linha de procedimento e aquillo que fiz, que estou fazendo o que continuarei a fazer em quanto me sentar neste logar.

Houve da parte do administrador de Estremoz excessos no cumprimento das ordens?

Pode ter havido.

O Sr. Cayolla: - Houve.

O Orador: - Como é que o illustre Deputado me diz que houve?

Houve, consoante a versão de S. Exa. sobre o assumpto.

Hontem, em mais de um telegramma, pedi informações ao Sr. Governador Civil de Evora. Darei conta d'ellas á Camara quando m'as pedir.

Se em vista das informações que colher reconhecer que effectivamente houve excessos no cumprimento das minhas instrucções, não tenho duvida em proceder contra a auctoridade administrativa, porque a minha obrigação é cohibir os abuso onde quer que elles se dêem.

O Sr. Cayolla: - Se o telegramma a que me referi for a expressão da verdade, V. Exa. reprova o procedimento do seu delegado?

O Orador: - Posso entender que a intimação a que o illustre Deputado se referiu, é excessiva, e desauctorizá-la; mas o que não posso, em vista das instrucções que dei, é desauctorizar o procedimento das auctoridades, emquanto ellas empregarem os meios, estrictamente necessarios, para que as ordens do Governo sejam cumpridas.

Posto isto, creio que tenho dado á Camara as explicações devidas.

A Camara será o juiz. Eu, pela minha parte, nem sei fazer, nem faço outra cousa, alem do que tenho feito. (Apoiados).

Hei de por todos os meios ao meu alcance - e entendo que estou a coberto das faculdades que me assistem - evitar que num assumpto d'esta natureza se attente contra a ordem publica e se provoque a desordem; hei de respeitar por todas as formas a deliberação da Camara, fazendo com que ella seja cumprida lá fora, como no Parlamento. Entendo que este é o meu dever e que satisfaço em minha consciencia as obrigações do meu cargo.

Quando a Camara entender o contrario, signifique-m'o, e sei o que tenho a fazer.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Fuschini; mas antes de S. Exa. usar da palavra, tenho a preveni-lo de que faltam apenas cinco minutos para se passar á ordem do dia.

Se S. Exa. quiser falar por mais algum tempo, tenho que consultar a Camara.

O sr. Fuschini: - Vae ser tão sereno que não acompanhará o illustre Ministro nas suas apreciações acêrca do relatorio Madeira Pinto. A este respeito já disse o que devia dizer, e ha de acontecer o que tiver de succeder.

Conhece de ha muito o sr. Hintze Ribeiro, foi seu collega em 1893; é certo que depois d'isto, circumstancias diversas, que não vem agora ao caso referir, os afastaram politicamente e lançaram algumas sombras sobre as suas relações pessoaes; mas nesse tempo reconheceu lhe espirito transigente e respeito pela legalidade; é para estas antigas qualidades que appella neste momento.

É necessario respeitar as leis existentes e não consentir que sejam substituidas pelo arbitrio dos agentes do Governo, ou do proprio Governo.

Se o Governo julga que as leis em vigor são insufficientes para as condições actuaes, tem o caminho indicado na propria Constituição do país; venha pedir ao parlamento leis excepcionaes. É este o processo regular. O que não se pode admittir é a violencia e a incapacidade dos agentes policiaes transformadas em systema de administração e em reguladoras da ordem publica.

Assim, a lei da imprensa, a especial e portanto a que regula os direitos d'esta natureza, assignada pelo Sr. Bei-

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rão, prohibe absolutamente a ventura previa; pois bem, este processo é empregado todos os dias, com aggravantes da peor qualidade. A lei da imprensa preceitua taxativa mente, como é pratica fazer-se na restricção de direitos, os casos de suspensão de jornaes; pois a policia suspende-os quando bem lhe parece, sem attender ás disposições legaes.

Maia ainda: o Codigo Civil (artigos 571.º e 572.°) auctoriza os cidadãos portugueses a publicarem todos os documentos officiaes, comtanto que os não alterem; pois bem, a policia faz buscas domiciliarias e apprehende o discurso de 21 de maio de 1901, que elle, orador, pronunciou no Parlamento, foi impresso no Diario das Camaras, e largamente distribuido por uma commissão de cidadãos no legitimo uso de um direito civil; discurso que, aproveita a occasião de o declarar, foi publicado exactamente como foi pronunciado na Camara.

Este seu discurso sobre o convenio, bem recebido no anno passado, tornou-se agora perigoso para a causa publica? Peça o Governo á Camara leis de excepção e prosiga legalmente; mas não exorbite das suas funcções executivas e não deixe aos seus mais infimos agentes policiaes substituir as leis pelo arbitrio e o direito pela violencia.

O que se tem passado com o jornal O Norte, no Porto, e com O Mundo, em Lisboa, é incrivel. Aos factos occorridos com este ultimo tem assistido quasi presencialmente.

Num dia, o Sr. juiz Veiga obriga a fazer tres sucessivas edições do Mundo; os cortes indicados para a primeira edição, são ampliados na segunda, depois na terceira; posto o jornal em circulação, em terceira edição correcta, é pouco depois apprehendido, sem o deixarem circular!

O primeiro exemplar saido da machina é levado a casa de S. Exa. que dorme profundamente e custa a acordar; os cortes são indicados com a declaração de que é prohibido dizer que a censura cortou cousa alguma. Este acto repete-se e tem a forma inquisitorial, não primando aliás por muito energico.

A natureza dos cortes chega a ser extraordinaria.

O Sr. Presidente acaba de declarar que amanhã será publicado o seu aviso previo, hontem apresentado. A Camara verá então a parte de um artigo seu, que caiu sob as garras da censura. É uma simples resposta a perguntas feitas, em que os algarismos e os factos são apresentados sem a menor apreciação; havendo até a declaração explicita d'elle, orador, de que essas apreciações as reserva para a Camara!

Junte-se a isto, as buscas domiciliarias no Porto, as violencias por quasi todo o país, e teremos uma idéa exacta do que é o arbitrio policial, em vez das formalidades legaes. Seja a lei dura ou branda, é sempre lei, e feita por quem tem o direito de as fazer.

Pelo adeantado da hora, limita por aqui as suas considerações. Espera que pelo seu passado lhe façam justiça.

Entre os homens sinceros, que amam o seu país, se conta elle orador, exactamente como aquelles que mais o amam e desejam livre e feliz.

(O discurso será publicado na integra guando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Appellou para mim o illustre Deputado o Sr. Fuschini; appellou para os largos annos de conhecimento que tenho de S. Exa.; appellou para a camaradagem que tivemos nos Conselhos da Coroa; appellou para a inteireza da minha consciencia; appellou para a rectidão do meu caracter; appellou para o mau espirito liberal. E tudo isso: a nossa camaradagem nos conselhos da Coroa, o conhecimento que temos um do outro de tantos annos, o meu espirito liberal, a rectidão do meu caracter, a inteireza da minha consciencia, tudo isso para que o illustre Deputado appellou, isso tudo esqueceu quando veiu aqui propor a minha accusação criminal!

Sr. Fuschini: - V. Exa. dá-me licença? Eu apreciei actos politicos.

O Orador: - Peço perdão ao illustre Deputado e respondo desde já. Actos politicos, trazem responsabilidades politicas. Crimes, trazem responsabilidades de outra orem (Apoiados). Não foi de erros politicos que o illustre Deputado me veiu aqui accusar: foi de crimes.

Pois a minha consciencia recta, pois o meu espirito liberal, pois a minha camaradagem de trabalho com S. Exa. nos Conselhos da Coroa, pois o meu conhecimento de tantos annos, davam-me direito a esperar que o illustre Deputado que appellou para mim, não appellasse para mim hoje quando hontem me accusava. Mas não se imagine que isso perturba a serenidade que quero ter na resposta ao Sr. Fuschini, porque ninguem appella debalde para o que eu na minha consciencia entenda ser proprio do meu dever.

Posso errar; delinquir nunca. E ha uma cousa que eu sei menos ainda do que delinquir, se é possivel: é faltar á verdade, porque seria faltar ao decoro politico. É por isso que nas respostas que dou aos illustres Deputados, não escondo, não tergiverso; digo o que faço, aberta e claramente. Posso errar, e cá está o Parlamento para apreciar e lá está o país para julgar; mas digo o que faço, por isso que sempre nos meus actos me inspiro unica e exclusivamente no sentimento do meu dever e na aspiração sincera de servir o meu país tão bem quanto possa. (Apoiados).

É isso que me dá força perante o Parlamento; não é a audacia dos meus nervos. A força tiro-a da minha propria consciencia. (Apoiados).

O illustre Deputado diz-me, que, se eu entendo que as circumstancias são extraordinarias, e que por isso demandam providencias extraordinarias tambem, o meio está no Parlamento, que venha ao Parlamento e que lhe peça uma lei especial. Eu respondo: não venho, porque não preciso. E quando entender que preciso, então virei. Se o Parlamento entender, porem, que as circumstancias são taes que não cabem nas faculdades ordinarias do Governo e que demandam providencias mais largas, o Parlamento tem tanta iniciativa num assumpto d'esta ordem como teem os representantes do poder executivo. (Apoiados).

Eu não uso nunca de represalias; o meu campo é a defesa, não é o ataque. Desde que o illustre Deputado appellou para mim, para a rectidão do meu espirito, para a inteireza do meu caracter, e até para a tolerancia liberal do meu animo - e isso pelo conhecimento que de mim tem ao tempo em que fomos collegas nos Conselhos da Coroa - não me leve o illustre Deputado a mal, se, com a mesma sinceridade, appellando exactamente para o tempo que servi com S. Exa., eu lhe diga: seja o illustre Deputado homem de Governo como foi então, comprehenda os melindres da situação, como então os comprehendeu, e não seja S. Exa. quem contribua para que as paixões se excitem e os animos se irritem, provocando desvarios que prejudicam os sagrados interesses do país.

É o illustre Deputado verá o que o talento, que lhe não falta, o espirito, que é bastante illustrado e a experiencia já avantajada lhe Aconselham a empregar a bem do país, em vez de concitar animosidades. (Apoiados).

As questões graves e supremas, serena e friamente se estudam, para que reflectida e proficuamente se resolvam. (Muitos apoiados).

Faça o illustre Deputado isso, ponha a mão na sua consciencia, interrogue-se o illustre Deputado a si proprio, e no seu intimo ha de reconhecer que as minhas palavras são bem serenas, mas bem ajustadas ao momento em que estamos. (Muitos apoiados).

Agora respondo ao illustre Deputado.

E como vê por muito que eu me julgasse ferido com o seu procedimento nesta casa do Parlamento - e isso é

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commigo - nas minhas palavras não houve uma unica apreciação que pudesse desligar da linha de correcção e deferencia que costumo usar para com todos os illustres Deputados. (Apoiados).

Vamos á doutrina legal.

Disse S. Exa.:

" Se entende que é preciso tomar providencias extraordinarias, peça-as ao Parlamento".

Eu respondo :

"Não preciso por ora recorrer ao Parlamento, porque tenho dentro das leis faculdades que me dão os meios de me antecipar á desordem, venha ella de onde vier (Muitos apoiados), seja quem for que a pretenda provocar". (Muitos apoiados).

Creia o illustre Deputado: sou tolerante, preciso de o ser; mas não sou fraco, nem sou timido. (Muitos apoiados).

Sei cumprir o meu dever para com o país (Apoiados), e qualquer agitação que surja, parta ella de onde partir, não me impedirá de seguir o meu caminho. (Muitos apoiados). Ou a domino, ou deixo de ser Ministro do Reino.

Digo-o serenamente, mas firmemente. E digo-o para que todos saibam o que faço, o que farei se necessario for, não como ameaça, mas porque tenho obrigação de dizer como comprehendo as questões mais graves, as questões nacionaes. (Apoiados).

Hei de cumprir o meu dever, e não ha absolutamente ninguem que me faça desviar nem o mais pequeno apice do que julgo ser absolutamente contrario a isso (Apoiados), encontre quem encontrar na minha frente. (Muitos apoiados).

Não preciso de providencias extraordinarias. Porque? Porque as tenho nas leis do país.

Já tratámos este assumpto. Tive a honra do o discutir largamente - e muitos dos illustres Deputados que me ouvem eram então d'essa Camara - com um dos talentos mais brilhantes e um dos homens mais notaveis da opposição, o Sr. José de Alpoim, sustentando como doutrina legal que a lei do imprensa não annullou as disposições que estão contidas no Codigo Administrativo. (Apoiados).

Mostrei que o disposto no Codigo Administrativo em vigor, o Codigo de 1896, é claro e explicito. Diz elle no seu artigo 2.°:

"Compete ao governador civil tomar providencias sobre pregões, cartazes e annuncios em logares publicos e sobre exposição ou affixação de cartazes, annuncios, letreiros, disticos, figuras, quadros, estampas, imagens ou sobre quaesquer publicações que possam provocar manifestações contrarias á ordem publica, etc."

Note o illustre deputado: compete ao governador civil.

E portanto ao meu subordinado.

Aqui tem o illustre Deputado.

Esta é a doutrina legal.

O Sr. Lourenço Cayolla: - A lei de imprensa não revogou a legislação anterior? A lei de imprensa, que é de 1898, não revogou o Codigo de 1896?

O Orador: - Não senhor. E eu vou dizer ao illustre Deputado porque não revogou.

A lei de imprensa de 1898 revogou apenas o seguinte, segundo o seu artigo 43° :

"Artigo 43.° Ficam revogados o decreto n.° 1 de 29 de março de 1890, confirmado por carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno e toda a legislação especial sobre liberdade de imprensa publicada até á data da mesma lei de 7 de agosto de 1890".

O que a lei de imprensa revogou foi a lei especial sobre a imprensa; não revogou toda a legislação em contrario, como o Sr. Cayolla suppõe.

(Ápartes).

Mas o illustre Deputado duvida da minha auctoridade juridica no assumpto?

O Sr. Lourenço Cayolla: - Curvo-me reverente perante o capello de V. Exa.

O Orador: - O illustre Deputado não tem que se curvar perante o meu capello; tem que se curvar perante a auctoridade do seu chefe politico, que apresentou um Codigo Administrativo, com a mesma disposição. Eu suspendi-o, é verdade, mas elle foi publicado no Diario do Governo em 1900, quando por consequencia já existia a lei da imprensa. (Apoiados).

Esse Codigo reproduzia o preceito:

"Compete ao governador civil tomar providencias sobre pregões, cartazes e annuncios em logares publicos e sobre exposição ou affixação de cartazes, annuncios, letreiros, disticos, figuras, quadros, estampas, imagens ou sobre quaesquer publicações que possam provocar manifestares contrarias á ordem publica, etc.".

Então a lei da imprensa continha a ultima palavra sobre o assumpto?

Revogára todos os Codigos Administrativos anteriores e o Sr. José Luciano publicou o Codigo Administrativo, reproduzindo fielmente o que estava no Codigo de 1896? Porquê? Porque essa disposição, evidentemente, não é contraria á lei da imprensa; é porque a lei de imprensa tem o seu campo de acção, dentro da normalidade e o Codigo Administrativo para as circumstancias extraordinarias. (Apoiados).

Aqui tem o illustre Deputado qual é a doutrina legal, a doutrina de todos os Governos e de todos os partidos.

Nem pode ser outra, porque quando se trata de publicações contrarias á ordem publica, de publicações que provoquem o desrespeito á lei, de publicações subversivas, de publicações que aggravam os interesses vitaes do país, não ha Governo nenhum que hesite, que possa hesitar em face de qualquer disposição que lhe embargue o passo. O illustre Deputado appellou para mim e discorda da doutrina. Ora bem. Eu não queria, eu não desejava responder senão unicamente no campo da defesa; mas o illustre Deputado, membro do partido progressista, formulou capitulos de accusações, por eu entender que a ordem publica está acima do tudo, que o primeiro dever do Governo é man-tê-la, e por isso mesmo tomar as providencias necessarias para conseguir esse resultado, e fez-me esta accusação, por isso mesmo que na sua opinião, para as publicações os jornaes, só a lei de imprensa vigora.

O Sr. Cayolla: - Eu não disse isso. O que disse foi que se devia manter a lei o até apoiei o Sr. Fuschini quando disse que S. Exa. tinha na lei meios para cumprir o seu dever governativo.

O Orador: - O illustre Deputado não nega que o meu dever seja manter a ordem publica, por isso mesmo que o dever da manutenção da ordem publica é um dever que se impõe a todo e qualquer Governo, e não ha lei de imprensa que prohiba um Governo de tomar as providencias necessarias para que a ordem publica se mantenha.

Esta não é só a doutrina do partido a que pertence o Governo de que faço parte; esta é a doutrina de todos os Governos e de todos os partidos. E não podia ser outra, como já disse.

E tanto é esta a doutrina do seu partido, que eu cito uma auctoridade, para o Sr. Cayolla, insuspeita: o Correio da Noite, que é o principal orgão da imprensa do seu partido.

O Sr. Cayolla: - Já ouvi ler isso o anno passado.

O Orador: - O que vou ler ainda S. Exa. não ouviu.

A minha collecção é grande.

O Correio da Noite dizia em 26 de julho de 1897 o seguinte:

"O Governo tem obrigação de defender-se. Com a lei emquanto as condições o permittirem. Sem ella se forem precisos remedios violentos e energicos, etc.".

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Como desejo tornar bem frisante esta doutrina, não posso deixar de tambem ler o seguinte, publicado em 24 do mesmo mês:

"O que nos ultimos tempos tem feito a imprensa republicana para provocar o alarme e perturbar, com perversos intentos a marcha dos negocios publicos, aggravando até a questão cambial, não pode continuar e não ha de continuar. Assim lh'o protestamos.

Não lhe valerão os queixumes que soltam sempre quando contra elles é adoptada qualquer medida repressiva. O que até aqui se tem feito apprehendendo apenas os infamantes pasquins, que por uma torpe exploração mandam para a rua, com o fito da ganancia e o intento de desnortear a opinião publica, não basta. É preciso mais: urge uma lição mais seria em harmonia com a grandeza, do atrevimento, etc.".

Já tratámos da doutrina legal. Agora vou appellar para a consciencia de toda a Camara, vou dizer porque se adoptaram providencias extraordinarias em relação ao jornal O Norte e com relação ao jornal O Mundo, providencias que motivaram os queixumes do illustre Deputado Sr. Fuschini.

Peço aos Srs. tachygraphos que não tomem nota, porque desejo confiar, apenas, á lealdade da Camara as minhas palavras para que se não diga que dou publicação official áquillo cuja circulação prohibi.

(O orador lê diversos trechos dos jornaes O Norte e O Mundo).

Então, isto que é falso, redondamente falso, podia eu consentir que corresse no país, para que se desvairasse a opinião publica, a fim de criar uma atmosphera absolutamente contraria áquillo que temos de mais vital?! (Apoiados).

Quando a Camara entender que eu não procedi bem usando da repressão contra estes actos, que o diga.

Appello para todos, não é só para a maioria, é para todos, porque isto não é uma questão do Governo, uma questão de politica partidaria; é uma questão de todos, do país, do nosso credito, do nosso futuro.

S. Exa. sabe bem que as providencias que adoptei não são providencias que respeitem a actos meus; são providencias que tive de ordenar em relação á publicação de um documento emanado de actos do Sr. Espregueira, Ministro de hontem e não de hoje, e sem fazer questão de partidos que extremassem bem a minha acção, pensando só no interesse do meu país e na conveniencia suprema de não deturpar os factos.

Então, eu podia consentir isto?!

Então, eu que tenho uma questão grave entre mãos, uma questão de importancia extrema para o país, havia de deixar que a opinião se desvairasse com factos absolutamente falsos, com doestos e insultos que não se permittem a ninguem e que não só eram affroutosos para a dignidade do Parlamento, mas ardilosos, porque se fundavam em factos de que ainda ninguem tem conhecimento?!

Em que situação ficava eu perante o meu país, perante a propria Camara, que com uma cordura, com uma isensão, com uma altura de vistas, que absolutamente nobilitam todos, opposição e Governo, votou que não se publicasse um documento, porque julgou essa publicação inopportuna e inconveniente nesta occasião?

Em que situação ficava eu perante o país e, perante o Parlamento, se, depois d'aquella attitude nobre, correcta e digna, que tomou o Sr. Beirão quando se tratou da discussão acêrca da publicidade d'aquelle documento, deixasse circular pasquins d'esta natureza, que affrontavam os poderes publicos, que conspurcavam o carater de homens serios e criavam uma atmosphera evidentemente nociva aos mais altos e mais sagrados interesses do país? (Apoiados).

Como se isto não bastasse, a 28 de fevereiro, o mesmo jornal, O Mundo incitava a revolta, porque então era já pegar em armas que aconselhava; procurando acirrar os espiritos, transviar a opinião e lançar tudo no campo da anarchia.

Não deixei, e emquanto o Parlamento me não disser que fiz mal, o que hontem fiz é o que hei de fazer amanhã.

Se o Parlamento me significar o sen desagrado, curvo-me e saio.

Agora não é o illustre Deputado que entrega a sua causa nas minhas mãos; sou eu que entrego a minha causa nas mãos da Camara.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Lourenço Cayolla: - V. Exa. dá-me a palavra?

O Sr. Presidente: - V. Exa. está inscripto, mas não lhe posso agora dar a palavra. Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. João Augusto Pereira: - Sr. Presidente: V. Exa. tem a bondade de me dizer se já chegaram á mesa os documentos que pedi pelos Ministerios da Marinha e Guerra?

O Sr. Presidente: - Já estão na secretaria.

O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada uma nota do numero de praças da Guarda Fiscal que teem sido reformadas desde 30 de junho de 1900 até esta data, indicando os dias em que a junta de inspecção as considerou incapazes de serviço, assim como a despesa que o país tem a fazer com o ordenado que se ha de de pagar a estes funccionarios aposentados ou reformados.

Requeiro mais que me seja indicada apenas a nota da verba que se gastava em 30 de junho de 1900 com os reformados da Guarda Fiscal, para poder comparar qual a despesa que de então para cá se faz com estas praças. = Francisco José Machado.

Mando igualmente para a mesa a seguinte

Declaração

Fui procurado por uma commissão de operarios tecelões, que me pediram para apresentar nesta Camara uma representação, pedindo providencias para a situação em que se encontra a sua classe, e apresentando alvitres que elles suppõem sufficientes para os melhorar.

Sr. Presidente a situação dos operarios textis é digna de todas as attenções dos poderes publicos, pela sua attitude digna, correcta e ordeira, como teem procedido. Basta este facto para que o Parlamento e o Governo estudem a maneira do melhorar esta classe prestimosa e trabalhadora da nação. Como a representação está redigida em termos convenientes, não tenho duvida em a patrocinar com todas as minhas forças. = F. J. Machado.

Para a acta.

O requerimento mandou se expedir.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Sr. Presidente: V. Exa. tem a bondade de me dizer se já chegaram á mesa os documentos que pedi pelos Ministerios da Fazenda e Obras Publicas.

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Protesto contra esta demora, e peço a V. Exa. a fineza de instar com o Governo para que estes documentos me sejam enviados o mais depressa possivel.

O Sr. Presidente: - Tomo nota do pedido de V. Exa.~

O Sr. Fuschini: - Peço a V. Exa. que tenha a bondade de ler a inscripção.

O Sr. Presidente: - Estavam inscriptos os Srs. Bel-

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

chior Machado, Bellard da Fonseca, Arthur Brandão, Lourenço Cayolla, Francisco Machado e Fuschini.

Estão na mesa as contas da commissão administrativa da Camara, relativas á gerencia, no periodo decorrido de 10 de janeiro de 1901 a 27 de maio do mesmo anno.

Estão tambem as contas da gerencia da junta administrativa da Camara dos Senhores Deputados, no periodo decorrido de 27 de maio de 1901 a 17 de janeiro de 1902.

Os Srs. Deputados que quiserem examiná-las, podem fazê-lo.

A primeira foi enviada á commissão de fazenda e a segunda á commissão administrativa.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 12 (Orçamento Geral do Estado para o anno de 1901-1902)

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Queiroz Ribeiro.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Fala ainda sob a impressão extraordinaria do que acaba de ouvir, porque, comquanto já soubesse que são gravissimas as circumstancias financeiras do país, estava ainda assim bem longe de imaginar que ellas fossem perfeitamente anarchicas, pelo que respeita á ordem publica.

Entretanto, se a questão que acaba de ser debatida é realmente importante, aquella a que vae referir-se - o Orçamento - é tambem de altissima importancia, não podendo, por isso, elle, orador, sacrificar esta aquella.

Quer comtudo frisar ainda a notavel contradicção do Sr. Presidente do Conselho, que tendo declarado ao Sr. Fuschini, que são inadmissiveis, perigosos e revolucionarios certos ecritos de jornaes, em seguida, com uma inconsciencia que o condemna, lê esses escritos á Camara, para que elles sejam, amanha, conhecidos em todo o país.

Terminou hontem as suas considerações dizendo que estava disposto a absolver o Sr. Ministro da Fazenda. Impunha-Ihe, porem, duas condições: a de demonstrar que o Orçamento era um documento sincero, e o de convencer a Camara que S. Exa. tem feito uma boa administração.

Prometteu para hoje a demonstração do que tinha observado; é o que vão fazer restringindo-se, quanto possivel, ao assumpto.

Antes, porem, consinta o Sr. Ministro que lhe pergunte se no Diario do Governo de hoje vem publicada a nota da divida fluctuante, enviada por S. Exa. ao Sr. Espregueira ante-hontem.

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - Não sabe, porque não viu ainda o Diario do Governo. Pode entretanto affirmar que deu ordem para que ella publicada.

O Orador: - Isso mostra que S. Exa. se esqueceu de que o Sr. Espregueira censurou que essa nota não tivesse sido publicada no Diario do Governo de hontem.

Mas não quer insistir neste ponto, e desde que fica provado o desprezo com que o Governo trata o Parlamento, lança de si o Diario do Governo que agora lhe trouxeram, e passa adiante.

É o Orçamento um documento sincero? Será; mas o Sr. Espregueira demonstrou que não tinha razão de ser a inserção da verba relativa á legação de Berne, que já não existe.

O Orçamento é sincero; S. Exa. é que se esqueceu de que Berne se mudou para Pekin e de que a Suissa está, neste momento, fazendo parte da China.

Será sincero o Orçamento? Serão notaveis as economias a que se referiu o Sr. Presidente do Conselho?

É possivel; mas o que nota com profundo desgosto é que as apregoadas reducções de despesa, que deviam ser aproveitadas com todo o melindre para se estabelecer o equilibrio financeiro, serviram para augmentar a verba destinada a reformados o a augmentar os vencimentos dos funccionarios do Ministerio das Obras Publicas.

O deficit calculado é de 948 contos, mas a verba de 600 contos para construcção de estradas continua a figurar no Orçamento apesar de não ter a mesma applicação, porque essa construcção vae fazer-se por meio de um emprestimo de 1:600 contos. Assim o deficit passa a ser de 1:548 contos.

Mas, S. Exa. falou tambem na producção dos cereaes, e até attribuia esse augmento de riqueza publica a leis ainda não promulgadas e que não passaram ainda da mente do Governo.

A verba proveniente da importação de cereaes era superior a 1:500 contos, descontaram-lhe 1:000 contos; o deficit é, portanto, de 2:548 contos.

Ha ainda muito mais que esmiuçar, mas não quer fazê-lo, por que ha outros assumptos incomparavelmente mais graves e que por falta de tempo ainda não foram tratados.

Fecha, portanto, neste ponto a primeira parte das suas considerações.

Já viu que não vem no Diario do Governo a nota da divida fluctuante, e sente que não venha, porque ella, como já foi demonstrado pelo Sr. Espregueira, augmentou consideravelmente nos ultimos seis meses e nos tres ultimos caminha numa notavel progressão.

Isto é grave; mas ha cousas ainda mais graves.

Referiu-se hontem a ellas o Sr. Ministro da Fazenda, mas por uma forma tão vaga e indecisa, mostrando ao mesmo tempo tão grande receio de as apresentar, que elle, orador, hesitou, e muito, antes de tomar a resolução de desfiar o triste rosario dos supprimentos, que lhe foi facultado pelo Sr. Espregueira e que certamente pode ser posto á disposição de toda a Camara, porque, segundo declarou o illustre Ministro, nenhum sigillo impunha.

É um rosario enorme e nelle figuram desde o Banco de Portugal e do Banque de Paria et des Pays-Bas até ao pequenino prestamista que empresta 8$000 réis, exigindo em troca as mais seguras garantias.

Por este caminhar é possivel que o Sr. Ministro da Fazenda ainda precise de pedir oito vintens emprestados e não encontre quem lh'os empreste sem caução!

O Sr. Antonio Cabral, falando ha dias por uma forma brilhante, sem fazer considerações pessoaes, nem ferir personalidades, referiu-se á honradez e lealdade civica com que dois ministros progressistas, o Sr. Ressano Garcia e o Sr. Espregueira, tinham afastado para longe uma ave de mau agouro, que, como um milhafre, se debruçava sobre o Thesouro.

Não sabe que ave é essa; mas vê na nota dos supprimentos, a que se está referindo, que 260:000 libras foram emprestadas ao Governo Português pelo Sr. Conde de Burnay, divididas em varios supprimentos e com uma taxa de juro que prima por não ser das mais modestas.

Apparece, porem, como intermediario nestes supprimentos o Sr. Serrão Franco, que elle, orador, não sabe quem é, mas que lhe lembra que seja um celebro cavalheiro a quem terá de referir-se quando tratar do Mercado Central dos Productos Agricolas, e a quem o Governo, sem lei que o auctorize, abona a miseria de 1 por cento sobre o valor de todos os productos que entrarem naquelle Mercado.

Serrão, serra cortante que desbasta o contribuinte, é elle; mas o Franco é o Governo, que tudo lhe dá!

Podia proseguir neste caminho dos supprimentos, mas quer ser moderado como até aqui, e por isso vão mudar de assumpto.

Ha, porem, ainda um a que não pode deixar de referir-se. É ao supprimento que foi realizado em 25 de novembro de 1901 com o Banque de Paris et des Pays Bas, no valor de 5 milhões de francos.

Num logar muito alto, de tremenda responsabilidade,

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onde se reunem os homens que estão ao lado do primeiro magistrado da nação, para o dirigirem e guiarem, disseram as folhas que S. Exa. tinha sustentado a doutrina de que a consignação de rendimentos era um attentado contra a integridade da patria.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que decorreu a hora regimental, tendo apenas um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Agradece a advertencia, mas pede que, se ao fim d'esse quarto de hora ainda precisar continuar as suas considerações, se faça o que já se fez o anno passado, isto é, se consulte a Camara, a fim de que possa proseguir durante mais alguns minutos.

Accentuou o que os jornaes disseram e que não sabe se é verdade ou não; mas o que vê é que a pratica, a ser verdadeira a versão, não corresponde á theoria, o que é de admirar, porque a coherencia é um dos predicados do Sr. Presidente do Conselho.

Tem deante de si o contrato e pela leitura que faz de alguns dos seus trechos vê que ha consignação de rendimentos.

E ha ainda peor do que isso; ha o controle directo, comquanto a designação dada seja outra. E isto é que é gravissimo.

O Sr. Espregueira foi de uma benevolencia extrema para com o Sr. Ministro da Fazenda; mas permitta-lhe S. Exa. que o diga: fez mal, porque o Sr. Ministro da Fazenda merecia as mais graves censuras por não saber impor-se aos seus collegas.

Demonstrado que o Orçamento é uma falsidade, comprovado que o Sr. Ministro da Fazenda é um mau administrador, extremamente nocivo aos interesses do país, volta-se para o Sr. Abel de Andrade para ler a S. Exa. o que diz o Orçamento, apesar de S. Exa. o dever saber.

Fala-se do deficit e dos meios de occorrer á sua diminuição, e depois de enumerar varios accrescimos de receita com que o Governo conta, diz-se que as alterações introduzidas na contribuição industrial hão de produzir para cima de 300 contos.

É um abuso!

A seu ver, o Governo está abusando da benevolencia e tranquillidade do país; provam-o os impostos, que sobre elle pesam, em mais de 300 contos de réis.

Faltam-lhe apenas cinco minutos para pôr termo ás suas considerações; mas não quer fechá-las sem demonstrar, em curto mas claro penado, que ha erro manifesto nas declarações do Sr. Presidente do Conselho. Diz S. Exa. não haver differença entre o seu procedimento e o do seu antecessor; mas ha differença essencial. Quer comparar S. Exa. os actos do partido progressista com os de um partido á frente do qual se acha o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, que é o dictador permanente d'este país; quer S. Exa comparar os seus actos com os de um partido que é bem dirigido, por um homem que, aliás doente, alquebrado, quasi moribundo, vencido pelas, fatalidades de uma doença, vinha ao Parlamento Português pugnar pela votação de uma reforma, em nome da qual o Sr. Presidente do Conselho, na sua inconsciencia e na sua criminalidade politica, tem querido continuamente apresentar-se e apresentá-la ao país como sendo uma regra que devem ter diante de si os homens encarregados do poder?!

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora; mas se S. Exa. quer, consultará a Camara sobre se lhe permitte continuar no uso da palavra.

O Orador: - Assim o deseja.

Consultada a Camara, resolveu negativamente.

O Orador: - Pede apenas mais alguns minutos para concluir as suas considerações.

O Sr. Presidente: - Em vista da deliberação da Camara não pode consentir que S. Exa. continue no uso da palavra.

O Orador: - Pede novamente a palavra, e protesta contra o procedimento da maioria, assegurando-lhe que este seu protesto ha de ir mais longe do que ella pensa.

(O discurso será publicado na integra guando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Manuel Fratel: - O discurso do sr. Queiroz Ribeiro pode synthetisar-se nas seguintes affirmações.

Lamentou S. Exa. que a maioria tivesse cumplicidade naquillo a que chamou influencias nefastas do Governo na administração publica.

Lamentou a pessima situação financeira em que nos encontramos, attribuindo-a, talvez, ao actual Governo

Lamentou ainda que o Governo fizesse despesas e augmentasse o deficit, pelo desenvolvimento dos serviços; e, por ultimo, affirmou, mas sem demonstrar, que o Orçamento era um documento falso, uma irrisão.

São outras tantas affirmações com que elle, orador, não pode concordar, porque, no seu entender, o actual Governo tem praticado actos tão meritorios como os dos seus antecessores, alguns, mesmo, que ainda não foram igualados, nem excedidos.

Má será, sem duvida, a situação financeira do pais, mas não é, com certeza, do actual Governo, a responsabilidade d'ella.

Uma situação financeira é má quando ha desproporção nas riquezas e nas receitas publicas; é má quando d'ahi resulta um deficit permanente, constante. Comparando-se, porem, a acção do actual Governo, em absoluto, com a os anteriores, vê-se que ella está longe de ser nociva, como espera demonstrar, comparando a situação financeira, quando o Governo subiu ao poder, com o estado em que ella se encontra actualmente; percorrendo as paginas do relatorio do Presidente do Conselho em 1890, do Sr. Ressano Garcia no anno immediato, os dois relatorios do Sr. Espregueira, quando Ministro da Fazenda, e por ultimo as do relatorio do Sr. Mattozo Santos e as estatisticas do commercio e navegação.

É accusado o Governo de ter augmentado as despesas publicas; mas espera elle, orador, demonstrar que não é d'esse augmento, que resultou a pessima situação em que nos encontramos.

O augmento de despesas é digno de censura; concorre elle para avolumar o deficit. Não foi, porem, o actual Governo quem o inventou; encontrou-o já e, por signal, bem nutrido.

Lembra ao illustre Deputado que o Orçamento não é um documento de rigores mathematicos. O Orçamento é uma previsão. O regulamento de contabilidade não estabelece processos, preceitua regras. D'ahi resulta que, numa gerencia, as receitas são avaliadas pelo ultimo anno economico, outras vezes são apreciadas pelo termo medio dos ultimos tres annos; e o Sr. Queiroz Ribeiro deve lembrar-se de que não vae muito longe o tempo em que uma situação progressista avaliou as receitas pelos ultimos cinco annos.

A primeira consideração do discurso do Sr. Queiroz Ri beiro foi no sentido de lamentar a connivencia da maioria parlamentar na influencia funesta da obra do Governo.

Elle, orador, porem, tem muita honra em collaborar nessa obra. De onde resulta esta differença de criterios? Será porque S. Exa. esteja na opposição, e elle, orador, na maioria? Não; é porque, ao contrario de S. Exa., vê o valor de muitas das reformas d'esse Governo. É porque vê a reforma sanitaria, que mereceu os elogios de toda a classe commercial e das auctoridades technicas, não só de Lisboa, como de outras cidades cultas; é porque vê a reforma dos serviços de justiça, que sem augmentar as despesas, suppre as lacunas, e remedeia os defeitos.

Para elle, orador, o actual Governo, acoimado de levar vida airada e despreoccupada, é o mesmo que tem, na sua gerencia, actos de valor incontestavel, desde a criação do hospital e ensino coloniaes, até á permuta de encommendas postaes; desde o regime bancario ultramarino, que é,

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sem duvida alguma, superior aos seus antecessores, até á organização das forças militares para o ultramar; desde a delimitação das fronteiras da Guiné, até á organização de uma missão scientifica, para o estudo da doença do somno, missão essa que nobilita não só a sciencia portuguesa, como o Ministro que a nomeou.

O actual Governo é o mesmo que, tendo encontrado um orçamento para as provincias ultramarinas com um deficit de 1:600 contos, tem hoje esse orçamento com um deficit quasi nullo.

Tudo isto se tem feito, substituindo a anarchia pelo cumprimento rigoroso da lei.

É ainda o actual Governo que não tem aggravado os impostos com um addicional de 5 por cento, a titulo de provisorio, mas antes tem empregado todos os seus esforços para melhorar a receita publica.

É, sobretudo, devido á sua gerencia, que os cambios teem melhorado e o credito publico se tem assegurado.

É, tambem, sob a sua gerencia, que se decreta uma lei de contribuição predial, que muito ha de concorrer para a melhoria do país.

Portanto, para elle orador, esse Governo, que já foi accusado de traidor, é o mesmo que em todas as circumstancias tem mostrado o seu zelo e o ardor do seu patriotismo; e que tem no seu activo quatro factos de importancia capital:

1.° Fez um contrato com os credores externos, que até hoje tem vigorado;

2° Tendo rebentado uma das mais serias revoltas na nossa Africa Oriental, elle, sem recorrer ao credito do país, organizou uma expedição, cujos bons resultados são de todos conhecidos;

3.° Tirou do Banco de Portugal as 9:000 obrigações dos Tabacos;

4.° Deixa aos seus successores as 72:000 obrigações, religiosamente guardadas para pagar a indemnização de Berne.

Estes factos marcam um periodo na historia dos povos; e é por elles que se ha de aferir a historia de um Governo, e não por uma ou outra nomeação de empregados, justificada pelas necessidades publicas.

Antes de proseguir nas suas considerações, pergunta o orador ao Sr. Presidente quanto tempo falta para se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - Faltam sete minutos.

O Orador: - Como já disse, a situação financeira é má, pessima; não a louva; mas não se segue d'ahi que a responsabilidade pertença ao actual Governo; tanto mais que este a encontrou, ao subir ao poder, em circumstancias verdadeiramente deploraveis.

Se é verdade que o Governo tem aggravado a situação, o resultado devia ser que as receitas publicas diminuissem, que as despesas augmentassem, de uma maneira assombrosa; que o deficit crescesse, que os encargos da divida publica augmentassem, assim como a divida fluctuante, que os cambios estivessem arrasados e o credito publico tivesse diminuido extraordinariamente.

Ora, se elle, orador, demonstrar, que nada d'isto acontece, e provar que a situação de hoje é muito superior á de 30 de junho de 1900, terá provado que a influencia do Governo, na Administração Publica, longe de ser nociva, é, pelo contrario, vantajosa.

Attendendo, porem, ao adeantado da hora, requer que seja consultada a Camara sobre se lhe permitte reservar para a proxima sessão essa sua demonstração.

O Sr. Presidente: - Annuncia que vae consultar a Camara, sobre se consente que S. Exa. fique com a palavra reservada.

Foi approvado.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão á hora regimental.

A ordem do dia é a mesma que vinha dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 2 horas e 12 minutos da tarde.

Representação enviada para a mesa nesta sessão

Do conselho da União das Artes Textis, pedindo providencias que melhorem a situação e promovam o desenvolvimento da industria textil.

Apresentada pelo Sr. Deputado Francisco José Machado, e enviada ás commissões de agricultura e de commercio.

O redactor interino = Mello Barreto.

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