APPENDICE Á SESSÃO DE 18 DE FEVEREIRO DE 1888 514-G
É o systema bem mais benigno da legislação belga (lei de 18 de maio de 1873, artigo 34.°), que attribue a responsabilidade proveniente de nullidades de constituição unicamente aos socios fundadores?
É o systema, um pouco analogo, da legislação suissa(codigo das obrigações, artigos 671.° a 673.°) que reparta responsabilidade pelos fundadores e administradores?
É o systema duro e atroz da legislação franceza (lei de 24 de julho de 1867, artigos 41.°, 42.°, 55.° e 56.°) que, segundo a maioria dos jurisconsultos, obriga os fundadores e administradores ao pagamento de todo o passivo social em caso de nullidade e ainda lhes aggrava a responsabilidade criminal com penas e multas excepcionaes?
Sabe v. exa., sr. presidente, que de um simples lapso de redacção em França, ao passar do regimen da lei de 23 de maio de 1863 para o da lei de 1867, surgiu uma questão tão grave, que ainda hoje divide n'este ponto a jurisprudencia d'aquelle paiz. Uns, quer dizer, a grande maioria, adoptam o systema de uma responsabilidade excepcional e durissima, tal como vinha no projecto da lei do 1863; outros, um pequeno numero em que admiravelmente se distingue o dr. Villard, de Lyon, optam pela responsabilidade do direito commum, muito mais suave e, a meu ver, mais em harmonia com o espirito da lei de 1867.
É comtudo certo, sr. presidente, que a letra d'esta lei fornece argumentos a todas as opiniões o que os melhores commentadores attribuem a questão a um equivoco de redacção.
Urge, portanto, que a commissão seja explicita n'este ponto e córte, quanto possivel, toda a margem a duvidas.
Na proposta que vou mandar para a mesa, resolve-se esta questão pela fórma que mais sensata se me afigurou deverem limitar-se e definir-se as responsabilidades dos fundadores de uma sociedade, quando annullada pelos tribunaes por vicios de constituição.
Impõe-se a responsabilidade primeiro aos fundadores, depois aos primeiros directores, porque a elles compete verificar as condições em que se constitue a sociedade que uns organisaram e outros vão administrar. Dá-se-lhes em todo o caso regresso contra os accionistas que votaram o pacto de constituição, porque na primeira assembléa geral, antes de emitirem o seu voto, presume-se que verificaram a legalidade da sua aggremiação.
Alem d'esta responsabilidade de natureza civil que nos termos do artigo 2361.° do codigo civil se deve sempre em reparação dos prejuizos causados, convem que o codigo commercial defina a responsabilidade criminal dos directores e fundadores que por fraude arrastam a ruina dos accionistas e ludibriam os que na boa fé contratam com a sociedade, julgando-a legal e perfeita.
Não encontro no projecto disposição alguma a este respeito.
Nem penas nem multas.
Sei que no codigo penal alguma cousa ha referente ao assumpto, nomeadamente o artigo 451.° e seguintes, que punem as fraudes e burlas no uso de quaesquer titulos ou fundos; mas a commissão sabe muito bem que o codigo penal, attendendo aos factos vulgares em que a ordem moral vae ferida, não podia attingir todas as hypotheses, e por isso estabeleceu ao principio geral do artigo 15'.°, no seu § unico, uma excepção para os actos declarados puniveis por legislação especial.
Porque não ha de seguir-se n'este codigo o systema do legislador francez, belga, italiano ou mesmo brazileiro, que todos decretam, além da comminação da lei commum, penas ou pelo menos multas especiaes contra a fraude e contra a especulação de titulos, que ainda em 1876 produziu nas praças de Lisboa e Porto o krach medonho que todos presenceámos com amargura?
Eu sei que se brada muito contra as importações do direito estrangeiro, principalmente de França; mas pergunto onde esta o jurisconsulto portuguez que, desde Mello Freire e Coelho da Rocha até os srs. Beirão e Dias Ferreira, não fizesse importações d'essa natureza o algumas bem flagrantes e refractarias aos direitos da alfandega?
A legislação comparada, sr. presidente, é hoje uma sciencia indispensavel ao jurisconsulto: se a sua applicação n'um codigo póde considerar-se uma excursão inutil ao passado quando feita sem criterio, ella é tambem, quando sensata, uma viagem para o futuro, d'onde se volta rejuvenescido e melhorado com germens novos de civilisação e de vitalidade.
Não mandarei para a mesa proposta nenhuma com o fim de definir a responsabilidade criminal, porque não sei ainda quaes os intuitos da commissão a este respeito; mas lembro a lei franceza de 1867, a que por mais de uma vez me tenho referido e onde poderá colher-se alguma lição util n'este ponto.
Ainda mesmo que, por um supersticioso culto da liberdade individual, não queiram ir além do direito commum no tocante a penalidades, imponham, pelo menos, multas elevadas á emissão irregular de acções e obrigações, á negociação de titulos illegamente praticada, á simulação de subscripções de capital, á publicação de annuncios capciosos, de balanços inexactos, dividendos ficticios, emfim a todas as fraudes ou ciladas que a agiotagem dos capitalistas immoraes estende á credulidade do publico. E se as multas forem elevadas, como são em França, e como devem ser entre nós, ahi tem o sr. ministro da fazenda uma boa fonte de receita, contra a qual ninguem se levantará a protestar, porque se resolve a final n'uma garantia de probidade e de boa fé prestada ao publico contra essa monstruosidade de torpezas em papel sellado que se alastra no Terreiro do Paço, e que se chama Bolsa. Podem protestar talvez os parasitas da especulação, que vivem d'ella e por ella; mas esse protesto, que não abalará nos seus gonzos o mundo moral, vale bem para um estadista a gloria de ter promulgado uma providencia moralisadora e util.
Quando penso nas mentiras convencionaes do governo representativo, sr. presidente, pergunto a mim mesmo porque será que as industrias honestas estão sobrecarregadas e impostos, e as industrias immoraes não pagam cousa nenhuma? Quem pediu jámais um imposto á prostituição ou ao jogo illicito? Eu sei qual é a resposta. São immoraes, é isso; mas deixam ellas de existir por esse motivo? E pelo que respeita ao jogo, eu não conheço especie mais torpe, mais perigosa, nem mais profundamente subversiva da ordem social do que a jogatina de bolsa.
Refiro-me, já se vê, a certas operações que lá se usam, reportes e deportes de titulos, mercados a premio, etc., que para mim não passam de contratos simulados, mais ou meãos aleatorios, em que os pactuantes procuram sempre defraudar-se reciprocamente e ao publico. Extranho por isso, sr. presidente, que tão descurada fosse no projecto a parte penal; mas sinto-me feliz ao lembrar que estamos ainda muito a tempo de fazer amende honorable, visto que o codigo vae ter uma segunda revisão. Em vez de darmos carta de alforria á agiotagem, façamos uma lei honesta que possa garantir a probidade nos contratos.
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Sinto que a hora tenha dado, por ter de concluir ámanhã a exposição de idéas que o projecto me suggeriu. Tenho sempre repugnancia em ficar com a palalavra reservada, mas a camara comprehende que eu não sou culpado de que a palavra me coubesse a hora tão adiantada. Ainda peço licença para ler duas propostas relativas ao assumpto de que me occupei hoje, reservando as outras para ámanhã.
Proponho:
1.° Que ao artigo 106.° se additem as palavras «e á prescripção».
2.° Que na secção I do capitulo relativo a sociedades anonymas, se inscreva uma disposição nos termos do seguinte:
«Art. ... - É nulla de direito toda a sociedade anony-