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dadas a respeito dos Empregados, e mais pessoas implicadas na Rebellião, assim o participo a V. Exca. a fim de poder expedir as Ordens, que julgar convenientes, para ter lugar a satisfação do que se exige na parte que lhe diz respeito. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 8 de Fevereiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Luiz Manoel de Moura Cabral - Francisco Barroso Pereira.

Indicação do Sr. Deputado Joaquim Antonio de Magalhães, a que se referem os dous Officios dirigidos ao Ministro do Reino, e Justiça na data de 8 de Fevereiro.

INDICAÇÃO.

Tendo mui breve de fazer algumas reclamações do maior interesse para a salvação do Estado, requeiro que pela Secretaria d'Estado dos Negocios do Reino se peção cópias do todos os Artigos de Rebellião celebrados pelas Camaras do Reino a favôr dos Rebeldes; e de todos aquelles, que as suas Juntas Governativas celebrarão; Proclamações, e mais Documentos correspondentes; e bem assim, pela Societaria d'Estado dos Negocios da Justiça, cópias das Panes legaes dadas a respeito dos Empregados, e mais pessoas implicadas na Rebellião; e a informação do estado do seu Processo. Camara dos Deputados 7 de Fevereiro de 1827. - Dr. Magalhães.

SESSÃO DE 9 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e 50 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se achárão presentes 88 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 14, a saber: os Srs. Barão de Quintella - Barão do Sobral - Leite Pereira - Araujo e Castro - Bettencourt - Izidoro José dos Sanctos - Costa Sampaio - Mello Freire - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Borges Carneiro - Gonçalves Ferreira - Pereira Coutinho - Visconde de S. Gil - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão. E, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Pedio o Sr. Deputado F. J. Maya que se lançasse na Acta o seu Voto em separado, igualmente assignado pelo Sr. Alberto Soares, que du - Declaro que na Sessão de hontem votei que se concedesse o beneficio de 6 por cento nos Direitos para consumo nos generos da America, importados indirectamente em Navios Portuguezes.

E dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa de uma Representação do Barão de Eschwege, Intendente Geral das Minas, e Metaes do Remo, que se mandou remetter á Commissão de Petições.

Ordem do Dia.

Continuou a discussão do Projecto N.º 101.

Artigo 8.º

«Na Cidade de Lisboa todas as Mercadorias, que forem consumidos, exportadas, ou re-exportadas, não pagarão Armazenagem por espaço dos primeiros seis mezes do deposito: no fim deste prazo pagarão uma Armazenagem regulada por semanas, segundo a Tabella relativa. Na Cidade do Porto terá lugar a mesma regra, quando o Estado tiver Armazens. Em ambas as Guiados as Mercadorias, cujo deposito não poder ter lugar nas Alfandegas, ou por falta de cómmodo, ou por causa da sua natureza ser grandemente combustivel, o deposito será feito á custa das partes em Armazens particulares.»

O Sr. F. J. Maya: - Pedia a V. Exca., e á Camara, que antes de continuar a discussão do Projecto neste Artigo 8.°, regulássemos com mais clareza o Commercio da Asia. Estipulou-se no 1.º Artigo deste Projecto, que ficavão abertos os Portos de Lisboa, e Porto a todos os Navios de qualquer Pau que fossem. No 2.º estipulou-se, que serião admittidas a Deposito as Mercadorias de qualquel Paiz, sem mais Direitos do que um por cento, e sem mais despeza do que a dos trabalhos braçaes. No 3.° tractou-se de declarar quaes tirão os Direitos, que pagão para consumo as mesmas Mercadorias, estabelecendo-se na primeira parte, que todas as Mercadorias, menos aquellas marcadas na Tabella, pagassem os Direitos até agora estabelecidos; e na segunda, e terceira parte se tractou dos generos dos differentes Paizes da America, quando estes vierem em Bandeira Portugueza, ou do Paiz, que os produz. No Artigo 4.º se tractou de salvar os Tractados existentes entre varias Nações: e no 6.° dos generos das nossas Possessões d'Africa. No 6.° déo-se ampliação para que o Commercio da Asia fosse igualmente permittido á Praça do Porto, pagando os mesmos Direitos, que se pagassem em Lisboa; e no 7.º estipulou-se quanto devião pagar os Couros seccos, e salgados. Fica por tanto em dúvida, se os generos da Asia são admittidos para consumo nos ditos Portos somente em Vasos Portuguezes, ou se tambem em Vasos Estrangeiros. Eu já emitti a este respeito a minha opinião, e he de que estes generos não fossem admittidos para consumo, senão em Bandeira Portugueza, a fim de proteger a nossa Navegação, para a qual não deixarei se pedir protecção, e alguma preferencia. Peço pois, que se declare n'um Artigo separado, ou se introduza convenientemente neste Projecto, e com a clareza que a materia exige, que as Mercadorias da Asia terão livre entrada para Deposito em qualquer Bandeira, mas que somente terão despacho para consumo quando forem importadas em Navios Portuguezes, pagando os Direitos estabelecidos nas Leis existentes.
O Sr. Presidente: - Esse he um Artigo Addicional, para cuja discussão eu não sei se a Camara estará disposta. Podemos continuar com o presente Artigo, e depois se tractará do que addicionalmente apresenta o Sr. Deputado.

O Sr. Mouxinho da Silveira: - Ha um Alvará, aonde está dito tudo quanto se pode dizer sobre este objecto. Como o Alvará existe, fica muito claro o Projecto, dizendo-se n'elle simplesmente = na forma do Alvará de tantos, etc. =

O Sr. Presidente: - Parece-me que deve continuar a discussão sobre o Artigo 8.º

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Quando seja preciso, manda-se buscar o Decreto.

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O Sr. Campas: - A declaração do Sr. Maya he necessaria, porque o Artigo diz (lêo-o): por tanto eu acho que se deve fazer essa declaração, a fim de v tirar Ioda a obscuridade. O Decreto de 3 de Janeiro de 1825 he a Lei, que regula este Commercio, prohibindo para consumo os generos da Asia importados em Navios não Portuguezes, e mesmo nos Portuguezes de menor lote de oitenta toneladas, para evitar o contrabando. Por isso bastará dizer-se no Artigo: = Na conformidade do citado Decreto. =

O Sr. Presidente: - A minha dúvida não he sobre a materia, senão sobre a ordem: parecia-me melhor continuar a discussão sobre o Artigo, ficando o Additamento, ou Emenda sobre a Mesa, para no fim do Projecto, e depois de inteirados os Srs. Deputados da sua materia, entrar em discussão.

O Sr. Campos: - Ou que a Commissão o tomasse em consideração na redacção.

O Sr. Presidente: - Ou a Commissão. O Sr. Manoel sintonia de Carvalho: - Quando hontem se propoz á votação o Artigo 8.°, relativo ao Commercio da Asia, pedi eu a V. Exca. que ficasse salva a redacção, a fim de resalvar os escrupulos de alguns dos Srs. Deputados, que parecia exigir maior clareza nesta materia. Não sei por tanto a que vem agora o novo Artigo offerecido pelo Sr. Maya, quando he certo, que toda a pertendida obscuridade se pode resalvar na redacção; bastando que se accrescente ao Artigo; = Na conformidade do Decreto de 3 de Janeiro de 1825, = em que mui explicitamente se acha providenciado tudo quanto se deseja.

O Sr. Presidente: - Consequentemente fica isso para a redacção; e a nossa discussão versa sobre o Artigo 8.º deste Projecto.

O Sr. Marciano d'Azevedo: - Eu approvo a doutrina do Artigo em geral, mas exceptuaria da armazenagem as Mercadorias para consumo; porque estas já pagão quatro por cento, que os Negociantes offerecêrão para reedificação dos armazéns, onde commodamente recolhessem suas fazendas; e nada mais injusto do que não ter até agora cessado esta contribuição, e accrescentar-se-lhe mais outra a titulo de armazenagem.

O Commercio tem revezes, nem sempre o Mercado offerece interesses ao Negociante; he preciso porisso demorar as suas Mercadorias, e então sobre lucros cessantes ha de soffrer mais o damno emergente de pagar armazenagem sobre outra , que já paga? Nem eu posso comprehender como sem muita injustiça sequer nivelar o Negociante, que nos vem abastecer com as suas Mercadorias, pagando 30 porcento, com aquelle que somente as vem depositar para as re-exportar onde melhor lhe convier, sem pagar mais do que um por cento, obrigando um e outro a pagar igual armazenagem. Quando porem se não vença esta justissima excepção, sempre será necessario que se faça differença entre as Mercadorias, que vem para consumo, e que pagão 30 por cento , das que somente vem para deposito, declaramdo-se no Artigo que as primeiras não paguem armazenagem nos primeiros dous annos. Tambem não approvo o Artigo, em quanto diz que a armazenagem será regulada por semana segundo a Tabella relativa, porque nesta parte involve mysterio semelhante ao que se verifica nas Pautas da Alfandega, das quaes se prohibe até passar Certidão, quando as Leis devem ser claras, e muito mais as do, Commercio, para que os Estrangeiros a saibão entender, e regular o seu Commercio pelas despezas, que tem no Porto aonde o destinão; por isso em lugar do que está no Artigo, diria que a armazenagem será de um por cento ao anno sobre o valôr da Paula; e na falta desta sobre o preço da Fazenda da Alfandega livre de direitos, como se estabelecêo no Artigo 2.º para o um por cento de Deposito. Ainda teria a excluir mais da doutrina do Artigo as Mercadorias do Brasil, por que estas pelo Tractado, no caso de re-exportação, não podem pagar mais do que dous por cento; porem já se disse que no fim do Projecto havia de ir um Artigo, que resalve todos os Tractados.

O Sr. Van-Zeller: - Sr. Presidente, está em discussão o Artigo 8.°, diz elle: «Na Cidade de Lisboa todas as Mercadorias, que forem consumidas, exportadas, ou re-exportadas não pagarão armazenagem por espaço dos primeiros seis mezes do Deposito: no fim deste prazo pagarão uma armazenagem regulada por semanas, segundo a Tabella relativa. O receber as armazenagens por uma Tabella seria talvez bom, porem não na minha opinião, porque essa Tabella para as armazenagens he uma obra muito complicada, a qual não encontro aqui, e necessita da approvação da Camara, ao menos segundo me quer parecer. Seria poisa minha opinião que reduzissemos esta armazenagem a maior simplicidade, e que fosse um decimo por cento por mez, servindo de base aquella mesma somma, de que se contar o um por cento direito de Deposito: assim se facilitarião muito maio as operações, e assim cessarão as difficuldades, que a Tabella apresenta.
Diz mais o Artigo que na Cidade do Porto terá lugar a mesma regra, quando o Estado tiver armazens. Nem me parece justo, nem politico que a Cidade do Porto deixe de ter as mesmas vantagens, que tem a de Lisboa; eu de maneira alguma em tal convenho; se a Alfandega não tem armazens que os allugue até que os tenha. Tambem encontro no Artigo = ou por falta de cómmodo, = o que se deve supprimir; a fim de conciliar estas minhas observações , peço licença de offerecer uma nova redacção do Artigo, que mando para a Mesa; a saber:

«Na Cidade de Lisboa e Porto, todas as Mercadorias, que forem consumidas, exportadas, ou re-exportadas não pagarão armazenagem por espaço dos primeiros doze mezes do Deposito; no fim deste prazo pagarão armazenagem de um decimo por cento por mez, contado do mesmo valor de que pagarão o um por cento do direito estipulado. Em ambas as Cidades as Mercadorias, cujo Deposito não poder
ter lugar nas Alfandegas por causa da sua natureza ser grandemente combustivel, o Deposito será feito á custa das partes em armazens particulares.»

O Sr. Derramado: - Parece-me justa a excepção proposta pelo Sr. Marciano; e mais algumas, no meu entender, se devem fazer neste Artigo em favor do Commercio, e Navegação da nossa Bandeira. A segunda parte do dicto Artigo altera o que se acha até hoje estabelecido, isto he, admitte a consumo no Paiz os generos importados em Navios Estrangeiros directamente do Brasil, ou mesmo em Navios Brasileiros, não vindo em direitura, impondo aos generos assim conduzidos 30 por cento de direitos de consumo. Até-

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gora só o que vem do Brasil em direitura, em Navios Portuguezes ou Brasileiros, he que se admittia a consumo; e o que vem em Navios Estrangeiros só tem Deposito para reexportação. Segundo a novidade, que se quer introduzir, virião muitos effeitos do Brasil para Portugal em Navios Estrangeiros, e muitas vezer aconteceria que os generos conduzidos em taes Navios, que são de mais simples manobra e equipagem, ficassem mais baratos, que os vindos em Navios Portuguezes ou Brasileiros, apezar da differença dos direitos, he um facto, relatado n'uma Memoria, que trago comigo, que no anno passado houverão Navios Francezes que carregavão da Bahia para França a oitenta reis por arroba, e Louve fretes para Hamburgo a cento e vinte reis, em quanto os Navios Portuguezes não podião transportar para Lisboa um igual pezo por menos de trezentos a quatrocentos réis; resultando por conseguinte que, apezar da differença de direitos dobrados, a nossa Bandeira não poderá compelir com a Estrangeira, e que os nossos Capitães e Marinheiros empregados neste Commercio vão procurar melhor fortuna em Paizes Estrangeiros.

O Sr. F. A. de Campos: - Quando a Commissão se occupou deste Artigo, houve um debate se a armazenagem seria regulada por uma Tabella, ou se a mesma deveria pagar-se por um tanto por Cento do valor das Mercadorias. O Sr. Maya he quem primeiro propoz este arbitrio, a que o Sr. Mouzinho respondêo com algumas reflexões, que determinarão a maioridade da Commissão. Eu com tudo- não fiquei convencido, e porisso submetto á Camara as minhas dúvidas. Diz o Sr. Mouzinho, e com razão, que a armazenagem he relativa ao espaço, que os volumes occupão no Armazem; e que, se ella fosse regulada pelo valor das Mercadorias, seguir-se-hia que um pequeno volume, mas de grande valor, pagaria incomparavelmente mais do que um grande volume. Esta observação he exacta; mas se nós queremos dar todas as facilidades ao Commercio, e que o Negociante calcule daqui a duas mil legoas as despezas da sua Fazenda, devemos adoptar o segundo methodo, por ser o unico, que o poderá dirigir com segurança nas suas especulações. He verdade que um pequeno volume de Fazendas de grande custo virá muitas vezes a pagar mais do que Um grande volume de Fazendas grosseiras; mas he evidente que estas são as que menos podem soffrer este pezo, porisso que tem pouco valôr, e que fazem o objecto do consumo do pobre. Que inconveniente ha em que uma Caixa de Sedas pague mais do que uma Caixa de Assucar? Nenhum; antes utilidade, porque este gravame recahe sobre o consumidor opulento; quando, seguindo-se o contrario, uma Caixa de Assutar, sendo dez vezes mais volumosa, e de um valôr dez vezes menor, viria apagar proporcionalmente cem vezes mais, com prejuizo do Commercio, e do consu-sumidor menos rico. Accresce a isto que os Generos de pouco valor occupão as parles inferiores do Edificio, e exigem menos cautela, e porisso hão ha nenhuma incoherencia em que tambem paguem menos, ainda que occupem maior espaço. Nas Alfandegas de França acha-se estabelecida esta mesma Legislação desde o tempo da Republica; e, sendo uma Nação ião commerciante, e não a tendo alterado, he evidente que lhe não tem achado inconvenientes, ao mesmo tempo que a Tabella os tem summamente graves. Com effeito, a Tabella precisa de especificar toda a qualidade de volumes, o que parece impraticavel: he necessario que os Empregados facão a sua medição em pés cubicos, no que não pode deixar de entrar muito arbitrio; e finalmente isto dá azo á introducção de abusos, gravando, ou favorecendo os individuos, conforme a sua affeição. Por isso sou de parecer que a armazenagem seja de um decimo por cento ao mez, deduzida do valôr da baldeação, medida, que réu no todas as vantagens.

Em quanto aos seis mezes de isenção, parece-me prazo sufficiente; pois em Gibraltar, aonde não ha semelhante favor, mas antes pelo contrario, os Armazens são tão raros, que se servem de cascos de Navios velhos, mesmo dentro do mar, para depositarem as Fazendas, a concorrencia a pezar disso he tão excessiva, que he de esperar que obtenhâmos para Lisboa s mesma vantagem, sem que se conceda uma isenção mais prolongada. Mas em que eu não convenho he, em que esta disposição se entenda tambem para os Generos de consumo vindos em Navios Portuguezes, e Brasileiros. He certo que o Estado não tem obrigação de dar Armazens aos Negociantes por tempo illimitado; mas achando-se elles nessa posse, e estando o Commercio tão abatido, seria da Sabedoria da Camara conciliar o interesse publico com o do Commercio, e isentar estas duas Bandeiras por espaço de tres annos, segundo a penúltima resolução. Este he o meu voto.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - A armazenagem não he um Direito, e he somente o aluguer de uma casa: estabelecer um preço para a armazenagem he um facto, que a ninguem ataca; he o mesmo que pôr escriptos n'uma casa, exactamente o mesmo: para elle não ser um Direito basta ver que não ha Direito em alguem, sem estar creada em outra pessoa uma obrigação. O Direito da armazenagem não he termo, que queira dizer = tributo; - e he empregado como quando eu digo que o meu Senhorio tem Direito de me pedir a renda das suas Casas, que eu habito: o Direito aqui nasce da convenção, ou do facto da habitação, e não da acção de pôr os Escriptos nas casas. Os Negociantes não tem obrigação de occupar os Armazens da Alfandega em caso algum; mas quando os occupão devem pagar o que o Dono havia antes estabelecido. Tambem a armazenagem não he um donativo; e para isto ser evidente basta reflectir que todos os Generos, que não entrão na Alfandega, e que se despachão por Estiva, e mesmo aquelles, que ella não deixa entrar, por evitar o perigo do incêndio, pagão donativo: uma Caixa de Assucar paga sempre donativo; e só paga armazenagem se de facto occupa os Armazens; pelo menos assim era antes da resolução da Consulta, em que ouvi fallar, e assim he ainda em tudo quanto he produzido no Terrêno de Portugal; porisso a resolução daquella Consulta, Sr. Presidente.....Ora: nessa resolução não quero eu fallar.

O que he preciso notar he que na Tabella antiga das armazenagens havia dous vícios, que he mister corrigir, e estão de facto corrigidos na nova Tabella: o primeiro he que os preços fôrão tomados á maneira dos dos Armazens particulares em tempos, em que estes erão mais caros; e, porque são hoje mais baratos, he tambem necessario que os da Alfandega venhão para baixo, e isto para conveniencia do Proprietario, e do

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Alugador; porque os Armazens, cujos Donos querem maior preço que os outros, fica o por alugar: o segundo vicio he que a Tabella antiga era aos mezes; e, apenas passava um dia, depois do dia 31, este dia contara-se por um mez: a nova he a semanas; e isto he observação do meu digno Collega, o Sr. Gonçalves Ferreira, que se acha doente: pela nova Tabella o aluguer dos Armazens da Alfandega he reduzido a preço tão justo, e moderado, que bem estou certo que nenhuns outros dos particulares são tão baratos. Diz o 1.º Artigo (lêo). Ora: isto he bem moderado: dizer-se que em Inglaterra, e no Brasil se não paga armazenagem, he dizer um absurdo, e he confundir todas as idéas: em toda a parte do Mundo se paga armazenagem: a questão he somente a respeito do Dono dos Armazens; e porque o Estado em Portugal tem Armazens, e pede aluguer quando alguem se quer servir deites, faz nisto mal a alguem, ou estabelece um Direito no sentido de Tributo? Em Gibraltar não ha Direitos nem Alfandegas, mas paga-se armazenagem porque ninguem ha tão louco no Mundo, que ande fazendo casas para perder os lucros do seu Capital. Ouço fallar muito em protecção do Commercio, e em termos amplissimos: O Commercio deve ser bem protegido, ou, direi melhor, não deve ser vexado; mas he preciso que ninguem imagine que para existir Commercio em Lisboa he preciso haver Armazens de graça: se isto assim fosse não podia haver Commercio no Mundo, porque não pode haver em parte alguma Armazens de graça, bem como não ha Navios, Marinheiros, e Mercadorias de graça. O exercicio do Commercio he sobre o conhecimento do lugar, aonde se venda barato, e aonde se possão tirar as despejas com bem ganho; grava-lo alem do uso geral he extingui-lo; e de outra protecção não he capaz, que não seja a de o deixar andar sem o opprimir com Direitos prohibitivos. Estes Srs. não são mais amigos do Commercio do que eu, nem tom trabalhado mais pelo dilatar; mas he necessario fallar em termos habeis, e respeitar a Justiça; e eu declaro que independente desta Justiça, a qual bem podia renunciar o Estado, se quizesse, o Artigo foi estabelecido a prol do Commercio, e não contra o Commercio, porque se os Armazens fossem de graça, como elles nào são infinitos, depressa estarião empachados, e lá ia a vantagem do Commercio para se fundar uma vantagem a favor dos especuladores, que podessem sustentar longos empates. He por tanto a favor do Commercio em geral a fixação de um termo; e este termo, antes do qual se não pagão armazens, he uma rigorosa doação do Estado a favor do Commercio, que este não tem direito de reclamar, e só deve agradecer.

O Sr. Derramado: - Eu concordo com o Illustre Preopinante em que a Armazenagem não he um Direito, mas simplesmente um aluguer; porem lhe necessario advertir que os Negociantes respondem que nos Direitos, que pagão, está incluida a Armazenagem, isto he, nos 4 por cento do Donativo, e no pequeno Imposto para conservação dos Armazem: a isto he que he necessario responder. Mas he preciso, advertir que o favôr, que eu reclamo, he só para as Mercadorias importadas em Bandeira Portugueza, por conta de Portuguezes. E pelo quo loca ás Brasileiras Ingleza, e Brasileira he forçoso não offender os Tractados, ou antes a intelligencia de certo modo legal, que lhes tem sido dada até ao presente.

O Sr. F. J. Maya: - O meu voto he que se não paguem Armazenagens algumas; porem observando os reflexões, que se tem feito, concordo que se pague a mais diminuta possivel. Querendo chamar aos nossos Portos a concorrencia da Navegação, e Commercio Estrangeiro, estipula o Projecto que o Direito de depozito seja somente de l por cento, para podêr competir com os Portos Francos, e entre-ports, estabelecidos na Europa, e convida-los a dar-nos a preferencia. Desejo que com a Armazenagem se não destrua o effeito deste abatimento; e porisso proponho que todos os generos sejão isentos de Armazenagens por tempo de um anno; e que passado este tempo paguem uma quantia fixa, e certa, como por exemplo, um decimo por cento ao mez, daquelle mesmo valôr, de que se deduz o l por cento do Direito; porque, ainda que por este meio ha alguma desigualdade entre os Volumes de maior ou menor importancia, não vejo que seja praticavel em semelhantes objectos haver a exactidão mathematica, que se pertende.

Requeiro que não haja differença de Armazenagens entre Lisboa, e Porto, porque ambos estes Porto são considerados iguaes, como devem ser, para o fim. proposto; e do contrario seguir-se-hião graves inconvenientes, e talvez prejuizos.
A Camara nenhuma dúvida teria r m decretar que não houvessem Armazenagens, se o Estado tivesse Armazens proprios, e sufficientes; e se se determinar que as haja he para não augmentar as despezas públicas, pagando allugueres aos Proprietarios; mas se em Lisboa ha alguns Armazens, e no Porto não, daqui não se segue que se paguem no Porto armazenagens logo desde a entrada, porque se deve contemplar que ambos os Portos pertencem á mesma Nação; e se se pertende unicamente faciar as despezas dos allugueres de Armazens de particulares, que forçosamente se hão de alugar, o que cresce n'uma parte indemnisa o desfalque da outra.

Eu bem sei que a Armazenagem não entra na linha de Direitos; e se o meu Collega, e Amigo, o Sr. Van-Zeller, lhe chamou assim, foi por equivocação, ou inexactidão de expressão, pois com tantos conhecimentos, e pratica commercial não podia confundir o que ninguem confunde. Concluo mandando para a Mesa a minha Emenda.

O Sr. Presidente: - Vão-se ler as Emendas que se fizerão ao Artigo.

O Sr. Secretario Barroso lêo a Emenda do Sr. Van-Zeller, e igualmente do Sr. F. J. Maya a seguinte = Seja a mesma Armazenagem em Lisboa, e Porto, e os Armazens por conta da Fazenda Nacional; pagando, para consumo, e re-exportação, um decimo por cento do mesmo valôr, de que se deduzir o Direito de um por cento, passados seis, ou doze mezes; e até esse tempo não paguem Armazenagem alguma. =

O Sr. Moutinho da Silveira: - Peço licença a V. Exca. para ler nesta Camara a Tabella, que tenho aqui. Sim: antes de principiar a lêr devo observar que todos estes Srs. hão de ter pensado que eu estou advogando a causa da Fazenda, e o Sr. Van-Zeller a causa do Commercio, quando venho com a minha Tabella, e o Sr. Van-Zeller com o seu Direito de uma fracção por cento: ora pois, he bem pelo

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contrario: a Emenda do Sr. Van-Zeller dava muito suais dinheiro ao Estado, e a minha Tabella medios, e na diferença de mais de 50 por cento. Se eu fosse homem de má fé, e quizesse trahir a minha consciencia havia de estar pelo Emenda; mas eu aqui não sou Fiscal da Fazenda, sou Deputado da Nação Portugueza: mas depois de fazer esta declaração, eu approvo a Emenda, se o Sr. Van-Zeller assim o quer. (Lêo a Tabella). Isto não he um decimo, como requer o Sr. Van-Zeller, he menos que um vigesimo na maior parte das Mercadorias, e em termo medio infinitamente mais vantajoso ao Commercio, e debaixo das bases do termo da occupação, que se não podem preterir em tal materia.

O Sr. Van-Zeller: - Muito me admira aquillo de que o Sr. Deputado me arguio; no Artigo do Projecto de Lei diz-se, regulada por semanas, segundo a Tabella; eu sou só obrigado a saber o que está no Artigo; falla-se em semana, e em Tabella de armazenagem, cujo conteudo eu não posso advinhar, porque aqui não está: por isso para mais facilidade, e intelligencia, eu propuz o que me parecêo uma armazenagem rasoavel, depois de estarem os generos doze mezes no Armazem; resumo porem a minha Emenda, e proponho que, em vez de ser um decimo por cento, seja um duodecimo por cento.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - A Emenda do Sr. Van-Zeller que já foi combatida pelo meu Illustre Collega, o Sr. Mouzinho, não pode ser admittida, bem como a do Sr. Deputado Maya, porque ambas ellas alterão a doutrina do Artigo na parte mais essencial, em quanto pertendem que o Estado seja obrigado a dar armazenagem em todo o caso. O Artigo diz na terceira parte: » Em ambas as Cidades as Mercadorias, cujo deposito não poder ter lugar nas Alfandegas, ou por falta de cómmodo, ou por si causa da sua natureza ser grandemente combustivel, o Deposito será feito á custa das Partes em «Armazens particulares.» Vê-se por tanto que, segundo a feira, e espirito do Artigo, o Estado só fica obrigado a dar gratuitamente armazenagem ás Mercadorias, que vierem ao Deposito em certos, e determinados casos; isto he, quando os tiver no Porto, e quando os da Alfandega de Lisboa forem desoccupados. Nem outra podia ser a intenção da Commissão, porque aliás cahiria no absurdo de obrigar a Nação a alugar Armazens, para dar armazenagem gratuita ás Fazendas dos Particulares por seis mezes, quando mesmo não existissem, ou os existentes fossem occupados. E quem não vê, que por esta forma o Estado vira a dispender muito mais do que o rendimento proveniente da armazenagem?

A Commissão, considerando que em nenhum outro Deposito ha Armazens por conta do Estado, aproveitou-se muito do proposito da nossa situação peculiar, para por meio della convidar á concorrencia as Mercadorias de toda a parte, offerecendo por este Artigo aos Negociantes a vantagem de terem as suas Mercadorias gratuitamente, por espaço de seis mezes, nos Armazena do Estado; mas isto só no preciso caso de que elle os tenha para lhos dar. Ora: o contrario ha o que pertendem os Illustres Deputados, cujas Emendas se dirigem a estabelecer em regra, que o Estado dará armazenagem gratuita por seis mezes, ou por um anno, em todo o caso: o que nem he do espirito do Artigo, nem pode ser da mente desta Camara, que seja nelle sanccionado. Senhores, antes não passe o Artigo, do que passe com as Emendas, que lenho impugnado.

Julgada a materia suficientemente discutida, propoz o Sr. .Presidente: 1.º Se se approvava a Emenda do Sr. Van-Zeller, para se não pagar armazenagem nos primeiros doze mezes do Deposito? E se vencêo negativamente. 2.° Se se approvava a primeira parte do Artigo até ás palavras = do Deposito? = E se vencêo que sim. 3.° Se se approvava a Emenda do Sr. Van-Zeller, para se pagar de armazenagem um decimo por cento? E se vencêo que não. 4.° Se se approvava que se pagasse um vigessimo por cento? E se vencêo igualmente que não. 5.º Se se approvava a segunda parle do Artigo corno estava, até ás palavras = Tabella relativa ? = E foi approvada. 6.° Se se approvava a excepção proposta vocalmente pelo Sr. Deputado Campos a favor das Mercadorias conduzidas debaixo da Bandeira Portugueza, ou Brasileira, para não pagarem armazenagem por tres annos? E se vencêo negativamente. 7.º Se se approvava a terceira parte do Artigo até a palavra = Armazens = E foi approvada. 8.º Se se approvava a Emenda do Sr. .F. J. Maya, para que os Armazens fossem por conta da Fazenda Nacional? E não foi approvada. 9.º Se se approvava a quarta, e ultima parte do Artigo como está? E foi approvada.

Entrou em discussão o Artigo 9.°

«O rendimento proveniente dos Armazens da Alfandega de Lisboa seta applicado para construcção de Armazens, que o Governo mandará fazer nas Cidades de Lisboa, e Porto: será em consequencia lançado em Livro separado, posto que seja addiccional no Bilhete, e recebido pelo Thesoureiro Geral da Alfandega.»

O Sr. F. J. Maya: - A primeira parte deste Artigo he consequencia da materia vencida no Artigo antecedente; e por tanto assim o approvo, uma vez que se paga armazenagem, e que o seu rendimento tem aquella applicação: mas requeiro que se supprima a segunda parte por ser regulamentar, e pertencer ao Governo Executivo. A Carta Constitucional assim o manda mui sabiamente, porque não quer que o Corpo Legislativo se occupe nos Decretos necessarios para a execução das Leis: então não teriamos tempo para fazer uma só Lei os com regulamentos respectivos. Eu zêlo muito as attribuições, que a Carta marca a cada um dos Poderes Politicos, e devem ser religiosamente observada.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Sr. Presidente, não posso convir com o honrado Membro, que acaba de fallar, em quanto pertende que a segunda parte do Artigo seja supprimida, como meramente regulamentar, a como tal somente pertencente ao Governo Executivo, na conformidade da Carta. Em quanto a mim a segunda parte de Artigo não he tão puramente regulamentar, como pertende o Illustre Deputado, pois que n'ella se determina a forma, porque ha de ser escripturado e recebido na Alfandega o rendimento proveniente das armazenagens, cuja applicação se consagra na primeira parte. O Artigo deve por tanto pasmar na sua generalidade; porém eu quizera que n'elle se consignasse a idêa de que os
Armazens sejão com preferencia construidos na Cidade

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do Porto, a fim de pôr quanto antes em justo equilibrio os interesses commerciaes das duas Praças: o que offereço como. Emenda ao Artigo, sendo necessario.

Julgada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente - 1.ª Se se approvava a 1.ª parte do Artigo até ás palavras = de Lisboa e Porto =? E foi approvada, salva a redacção - 2.° Sá deverá declarai-se no Artigo a preferencia a favor dá construcção de Armazens na Cidade do Porto, conforme a Indicação Vocal do Sr. Deputado Carvalho? E se vencêo que sim. - 3.° Se deveria supprimir-se a 2.ª parte do Artigo -? E Se vencêo que não. - 4.º Se se approvava como está? E foi approvada.

Passou-se a lêr o Artigo 10.

«A Tabella junta das restricções, e prohibições faz parte integrante desta Lei, e fica revogada toda a Legislação em contrario.»

Foi approvado sem discussão.

O Sr. Presidente: - Entra em discussão a 1.ª columna da seguinte

TABELLA

Das unicas prohibições, e restricções, que tem o Commercio das Praças de Lisboa e do Porto.

[Ver tabela na imagem].

Objectos prohibidos

N. B. Esta Tabella ficará regulando strictamente para os dous Portos de Lisboa e Porto, por quanto para todos os outros Portos dos Reinos de Portugal, e do Algarve, e das Ilhas dos Açores, e Madeira ficão em seu vigor as mais restricções d´anterior data á do Alvará de 4 de Junho de 1825. Camara dos Deputados 10 de Janeiro de 1837.

O Sr. Derramado: - Eu tinha pedido a palavra para foliar sobre os Cereaes, porém parece-me que essa questão deve ficar reservada para a terceira columna.

O Sr. Campos Barreto: - A mim parecia-me que a columna primeira era o lugar, aonde deverião achar-se os Cereaes, e parece-me que he uma falta muito essencial. A razão, por que aqui se mencionarão estes Generos de bebidas espirituosas, parece ser pela superabundancia, que nós temos delles, e não precisarmos de outros, antes precisâmos exportar os nossos: nós Generos Cereaes não existe esta abundancia, mas existe outra razão não menos forte, que he a necessidade de animar a nossa Agricultura. Ella acabaria infalivelmente, se se admittisse a entrada de Cereaes estrangeiros; a experiencia nos tem mostrado que, apezar das medidas repressivas tomadas a este respeito, nunca os Cereaes tem deixado de entrar; e que seria se se admitissem? He muito provavel que, introduzidos francamente, ainda que seja só para deposito, como são muito mais baratos, hão de ir por contrabando affrontar no Mercado os Generos Nacionaes, que não perdem sustentar a concorrencia; e não só na Costa, e suas visinhanças, mas até no interior das Provincias.

A nossa Agricultura ainda se acha em grande atrazo pelos estorvos, que se lhe tem opposto, já da parte das Leis, já dos Funccionarios: não pode competir com os estrangeiros; e tanto que ainda hoje ha no interior das Provincias muitos terrenos incultos: se se admittissem pois os Generos Cereaes, a deposito que fosse, he provavel que acabasse de todo a nossa Agricultura: portanto opino que os Cereaes se ponhão nesta columna, e que sem isso não passe a Tabella.

O Sr. Serpa Machado: - Eu tenho-me abstido de fallar sobre este objecto, e tenho-me contentado de ouvir os Illustres Deputados, que tem vastos conhecimentos desta materia para podêr votar com acerto. Agora porem julguei que não deveria omittir a minha oplhião; eu não sigo a do Illustre Deputado, que acaba de fallar, mas sob de opinião que neste Projecto deve haver um Artigo especial sobre Cereaes, quero dizer, um Artigo addiccional, que diga respeito aos Generos Cereaes, conservando-se a Legislação actual sobre este Genero. Quando se tractou deste Projecto em geral foi este um dos motivos, por que o olhei com certa indiferença; porque não era possivel que nós contentassemos a nossa Agricultura sem se fazer esta prohibição: todos sabem que qualquer Agricultor necessita tirar da sua Lavoura as despezas necessarias para a cultura; e se acaso esta não dá para tirar essas despezas, elle desiste da em preza: he verdade que os homens vão muitas vezes continuando por uma especie de rutina até chegarem á sua ultima ruina, e nós o vimos no tempo, em que fórão admittidos os Generos Cereaes; ainda por alguns annos continuárão, mas chegou um tempo, em que elles já não podião; derão-se providencias ha uns annos a este respeito, que, ainda que não sejão completas, tem melhorado a nossa Agricultura; e porque razão havemos nós agora revogar estas providencias? E em quanto sã não derem outras, que a melhorem de todo, he necessario que conservemos este palliativo, de maneira que a Agricultura prospere; he verdade que ha o receio de que a protecção dada ao Lavrador recahé era prejuizo do Consumidor. O Consumidor merece muita attenção, mas os Lavradores tambem a merecem, e sem estes não podem prosperar aquelles; e já se vio o resultado: quando não havião Lavradores os Consumidores vivião na miseria. Portanto a minha opinião a este respeito he, que acho indispensavel que se não permitia a entrada dos Generos Cereaes, e que se forme um Artigo addiccional, conservando a Legislação actual.

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O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, estamos chegados ao grande ponto, em que sempre tive os olhos fitos, desde que começou a discussão deste Projecto. Na Tabella das unicas prohibições, e restricções que tem na forma do Projecto, e Commercio das Praças de Lisboa e Porto, não figurão os Cereaes em nenhuma das suas columnas, de modo que, se ella passasse nesta Camara, e fosse convertida em Lei, como se acha, terião os grãos estrangeiros entrada franca nos Portos de Portugal, pagando os direitos actualmente estabelecidos; e as farinhas da America do Norte, importadas em Navios Portuguezes directamente, pagando 24 por 100, em conformidade do Artigo 3.º!!! Em verdade, Senhores, os Economistas da Cicilia, ou da Polonia, legislando para o seu paiz em semelhante materia, não podião ser mais protectores da liberdade do Commercio, do que forão os sábios Economistas da Commissão, com os quaes apezar do respeito que tenho por suas luzes, e rectas intenções, estou em diametral opposição; bem que todavia me lembro, que a intelligencia que eu dou, e que julgo logicamente deduzida das disposições do Projecto, não seja a que os seus illustres collaboradores tiverão em vista quando as escrevêrão; porque he impossivel, que o seu reconhecido Patriotismo não recuasse ao aspecto de miseria publica, que se lhe devêra logo figurar consecutiva á fatal affluencia de grãos e farinhas, que dos paizes frugiferos de lodo o Mundo, natural, ou accidentalmente mais ferteis do que o nosso (com o qual a Providencia não foi ora tão mesquinha) viria empachar os nossos Mercados; affluencia que reproduziria entre nós o triste e raro fenomeno da penúria no meio da abundancia. São factos, Senhores, que todos os que me ouvem presenciárão em Portugal: antes que regesse a Legislação, que regula actualmente a admissão dos Cereaes Estrangeiros nos nossos Portos, as abundantes colheitas, com que a Providencia nos dadivou nos annos de 17, 18, e 19, em vez de concorrer para a felicidade dos Lavradores, e Proprietarios, e facilitar a subsistencia das classes trabalhadoras, concorrêo somente para a diminuição das rendas e lucros dos primeiros, para o aperto e mingua dos segundos, e para o desgosto de todos: e porque? Por que a entrada franca dos grãos estrangeiros, apezar dos direitos que forão impostos por varias vezes, afrontava no Mercado Nacional, os colhidos no paiz, por um preço muito inferior ao seu valor necessario. Assim: o Lavrador não achava quem lhe comprasse os seus grãos, ou somente os vendia a desbarato; o Proprietario via-se obrigado a diminuir as suas despesas, por não poder realizar as rendas dos seus predios; o Artista não achava sahida aos seus artefactos; e o Jornaleiro morria á Fome por falta de quem o empregasse. As rendas do Thesouro seguião necessariamente a progressão da miseria pública. Ora: eis-aqui o estado a que nos levaria outra vez a disposição do Projecto, admittindo para o consumo, sem resultacção alguma, os Generos Cereaes Estrangeiros. Os mais decantados Economistas como acerrimos defensores da liberdade da Industria de todas as especies; os que a reputão Imitada pelo capital, e os Proprietarios deste como os legitimos e melhores Juizes do seu mais vantajoso emprego, negando toda a ingerencia aos Governos na Agricultura, Commercio, e Artes, uma vez que não seja para deixar fazer e passar; os que fazem a mais amarga censura ás primas dadas aos productores, ou exportadores de productos; estes mesmos Senhores, Smith, Bentham, Say, e muitos outros que he escusado citar, todos a flux reconhecem que estar proposições, verdadeiras em these, devem limitar-se em muitas circumstancias; e o que não reputão util, como meio de enriquecimento para as Nações, são obrigados a admitti-lo, como meios de subsistencia, ou de defeza; e não somente concordão nas restricções á liberdade do Commercio dos grãos; mas ate alguns d'elles justifição as primas dadas á producção da base da subsistencia dos povos Europeos, e á conservação dos meios da sua defeza, taes como as despezas que se fazem com os Seminarios de Marinha, e outros; e era sobre estes principios que n'outra Sessão eu pugnava por maior amplitude dos favores, que neste Projecto se concedem á Bandeira Portugueza; e sobre os mesmos pugnarei agora, com maior instancio, pela necessidade que temos de conservar em vigor a Legislação, que dá aos nossos Cereaes um preço arteficial que, uma vez que deixe de existir, não só deixará de progredir a nossa Agricultura, mas recuará até muito doestado, em que se acha por beneficio desta providencia. Não se trada aqui de favorecer a classe Agricola á custa das que se dedicão a outras Industrias: tracta-se de restabelecer o equilibrio, ou antes proporcionalidade de protecção que se deve estabelecer entre todas as producções necessarias, ou uteis. O Lavrador, propriamente dicto, não he o que ha de tirar maior proveito da conservação do preço corrente dos Cereaes acima do seu preço natural, ou necessario. Os Proprietários desterras hão de aquinhoa-lo na proporção da fertilidade dos seus prédios, porque na mesma sobem os arrendamentos; os Capitallistas na proporção de demanda de Capitães, que augmentará pela augmento das emprezas de Agricultura; o Commerciante no movimento dos productos; o Artista na extracção dos seus artefactos; e o Jornaleiro no emprego do seu braço. As rendas do Estado augmentarão igualmente na mesma proporção de riqueza pública, resultado infallivel do augmento dos producções, que sem custarem a ninguem resultarão somente dos melhoramentos das terras já cultivadas, e da roteação dos maninhos sollicitados por um trabalho, que aliàs não teria estimulo. Por tanto, Senhores, não he em beneficio de uma classe que eu pugno tão fortemente pelos favores da lavoura; he em proveito de toda a Sociedade, porque toda ella ganha quando os capitães, industria, e trabalho se dirigem para emprezas agricolas com preferencia a todas, e quaesquer nutras em Nações que tem a fortuna de possuir um terrão tão fertil, debaixo de um Ceo tão Benigno como aquelle que a Providencia liberalizou aos Portuguezes, que devem procurar todos os meios de tirar partido destes favores Divinos, e não confiar a outras Nações o cuidado da sua subsistencia, pondo-se na situação de uma praça bloqueada, que pode ser reduzida pela fome.

Cuidemos, pois no nosso velho, cançado, e dilacerado Portugal, segundo o thema de um meu honrado Amigo; mas como cuidaremos delle sem tomar por base da nossa Industria a nossa Agricultura? E como cuidaremos de promover a Agricultura sem o fazer de modo que o Agricultor ache sahida, e proveito nos fructos da sua cultura? Este proveito, esta sahida he que elle não encontrará nos de todos os mais

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importantes, quando se admittão sem limite os Cereaes Estrangeiros. Mas dir-se-ha: não se admittão para consumo, senão com as restricções das Leis existentes; mas sejão admittidos em deposito para serem re-exportados, ou despachados, conforme a necessidade o exigir. Respondo que ainda assim serão um invencivel obstaculo ao progresso da producção do Paiz, porque he impossivel evitar o contrabando n´uma Costa tão dilatada, e tão mal guardada como a nossa. Se o entreposto real, e ficticio do Projecto (porque he uma, e outra cousa) fosse estabelecido n'um local apropriado, cercado de fossos, ou de muros, e cheio de Armazens, como os de uma Feira; onde ninguem podesse habitar, e que os Commerciantes podessem frequentar livremente; se este recinto não tivesse mais do que uma communicação pulo Porto, com um Tribunal, ou Administração de Alfandega para verificar a entrada, e a sahida das Mercadorias; se fosse ( por abbreviar) estabelecido como deseja o Conde cie Chaptal, e alem disso as nossas Cosias, Portos, Barras, e Alfandegas, fossem fiscalisadas, e guardadas como o ião as de Franco; então votaria eu que não só os Cereaes, mas tambem as Bebidas espirituosas, e todas quantas Mercadorias estrangeira se possão enumerar viessem depositasse nesta Feira geral do Mundo, que com todo este vasto sortimento não perturbaria o Mercado Nacional: mas do modo, porque se hão de fazer semelhantes depósitos nas nossas Alfandegas, e Armazens de particulares , eu prevejo que serão tão difficeis de fiscalisar por parte da Fazenda Publica, como incómmodos para a vigilancia, e cuidados, que exigirião (alguns delles) dos seus Proprietarios, que aborrecidos das formalidades, e despezas, que taes depósitos farão necessarias, só pelo attractivo do Contrabando no Mercado Nacional entrarão com alguma quota no Mercado Geral, ou Entreposto: e para dizer tudo o que sinto sobre esta materia, ainda quando fosse possivel, que não he, o evitar o Contrabando, que facilita o projectado estabelecimento, eu recearia muito fazer alguma innovação nas Leis, que regulão a entrada dos Cereaes, em quanto ellas gozassem do credito, que actualmente gozão, e em quanto produzissem o effeito, que actualmente produzem, de conservarem o preço arteficial indispensavel para conservarmos a Lavoura, que temos, e alcançarmos a que podêmos, e devemos ter. Não ha que recear apprehenção alguma de fome; porque o Mercado está abastecido: ha muito Trigo nas Provincias, e no estado das relações externas nunca deixaremos de ter Pão Estrangeiro pura comprar, em quanto tivermos dinheiro para o pagar, que este he que nos ha de faltar, se não cuidarmos por todos os modos na nossa minguada Lavoura.

O Sr. Van-Zeller: - Tenho a pedir licença a V. Exca. para observar que na occasião, em que se discutio o Artigo 3.º linha pedido que se tractasse da questão dos Cereaes, como questão preliminar: a Camara porem decidio, segundo a minha lembrança, que ficasse para o fim do Projecto, quando a Tabella das excepções se discutisse; que por consequencia não deviamos tractar ainda desta materia, á qual deve ser tractada em um Artigo separado pela sua grande importancia. (Apoiado).

O Sr. Derramado: - Excitou-se a questão dos Cereaes; tem foliado já alguns Srs. sobre esta materia, parece-me que devia continuar até se decidir; e, V. Exca. assim o julgar conveniente, peço a palavra pura entrar no debate.

O Sr. Presidente - O Sr. Serpa, Mediado, e Van-zeller requererão que se tractasse dos Cereaes, como materia separada, e até que se faça um Artigo separado. Os Srs., que approvão que a materia dos Cereaes se tracte separadamente, e que della se faça um novo Artigo, tenhão a bondade de se levantar.

Resolvêo-se que entrassem em discussão os objectos comprehendidos na Tabella, sem perjudicar a questão dos Cereaes, que ficaria, reservada para se tractar a final.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Tinha pedido a palavra para dizer o que V. Exca. acaba de referir - que eslava alterada a ordem da discussão -; mas aproveito a palavra, para fazer uma observação sobre os Artigos da Tabella, e he a seguinte. Quando eu concebo algum Projecto sempre consulto não o beijo perfeito, mas o estado das luzes, e opinião pública, e ate os mesmos prejuízos recebidos, e porisso altamente declaro que nenhuma das restricções da Tabella he conforme ao que deve ser, e muito menos áquillo, que eu cuido que deve ser; antes, pelo contrario, mal vezes tenho dicto, e repetirei sempre que toda a, restricção he um mal; e quando nós éramos grandes, e felizes não conheciamos restricções, nem monopolios de Bandeira, nem Leis de Cereaes, nem Administrações de Fabrica por conta do Estado, nem Companhias de Commercio: o Governo civilisava o Paiz, porque o não queria civilisar violentamente; enriquecia-o, porque se contentava cora a partilha das riquezas geraes, e não pertendia uma riqueza exclusiva: fazia Justiça, e deixava o resto aos Particulares. Nesse tempo o Vinho estrangeiro não era prohibido; mas ultimamente ha em Portugal uma tal prevenção contra a admissão de Vinhos estrangeiros, que não he possivel evitar a excepção. Elles se desenganarão, quando aprenderem que he impossivel, vender ao Estrangeiro o artigo, que eu julgo o Estrangeiro me pode vir vender a casa com vantagem: o Sal, e o Vinho são tão favorecidos do Ceo em Portugal, que não sendo perseguidas as Marinhas, nem as Vinhas pelos Direitos, e Ingerencia Governativa, he impossivel que este Paiz não affronte todos os Mercados em antigo Vinhos, e Sal; mas finalmente escrevi a Tabella, estando certo que já foi rejeitado na Camara dos Dignos Pares um Artigo, que admittia os Vinhos engarrafados com fortissimos Direitos; o resto da Tabella contem as restricções feitas por Contractos Reaes, que devem durar tanto, quanto elles durarem; ou outras semelhantes cousas garantidas por velhos prejuizos: nunca mais fatiarei na Tabella, e tomara eu que estes Senhores a deitassem abaixo.

O Sr. Guerreiro: - Eu já hontem expressei nesta Camara qual era a minha opinião sobre esta primeira columna da Tabella, e hoje digo que ella não pode aqui subsistir. Todas as razões, que se derão a favôr da disposição do Artigo 2.°, todas ellas devem concorrer para que não haja restricção alguma. Não ha um só Navio, que carregue de fim só Genero, todos carregão de differentes Mercadorias, e daquellas, de que se persuade terá maior extracção; e não virá cá com uma parte da carga, deixando o mais em ou-

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tro Porto; de certo que elle não virá ao de Lisboa; vai com todas as suas Mercadorias a outra parte, procura um Porto mais franco, do qual não muda por ter já lá os seus fundos, e Correspondentes; por consequencia os Navios, que vem a um deposito, querem ahi carregar; e de que Generos? D'aquelles, que lhe fazem mais conta; e quaes são? Isso não sabemos nós; e sabendo elles que cá não ha o que elles querem não vem. Diz-se que nos temos bom Vinho, e Aguas-ardentes, e que os Estrangeiros não quererão dos nossos; pois se os não querem, como os havemos obrigar? Disse um Sr. Deputado que se não devião admittir as Aguas-ardentes, porque temos bastantes; e que se não devião admitiu Cereaes, porque tínhamos poucos; e eu digo que do que nós não temos devemos admittir, para que algum tempo tenhamos; e em quanto o Fabricante está certo de que ha de vender, ou fabrique bem, ou fabrique mal, nunca se adianta, nem procura fabricar melhor; por consequencia eu digo que nesta primeira columna tracta-se simplesmente de deposito, e não de consumo. O unico argumento, que se tem produzido contra o deposito, he o do Contrabando; mas pergunto eu: ha maior facilidade para fazer Contrabando a respeito de Vinho, e Agua-ardente do que de outro qualquer Genero? Alem disto: os Srs. Deputados, que constituem a Commissão de Fazenda, disserão que, depois de estabelecido o principio, havião estabelecer a Lei por meio de sábios Regulamentos, e por isso não milita aquella razão. Hoje mesmo, apezar da prohibição absoluta dos Cereaes, se está fazendo grande Contrabando deste Genero; e aonde se faz? Faz-se umas vezes aonde está um Navio de franquia; e outras mesmo no mar largo, aonde vão os Barcos, e os conduzem com Certidões, inculcando vir de qualquer parte do Alemtéjo. E como he possivel fazer o Contrabando depois que os Generos estiverem debuxo da fiscalisação da Alfandega? (Pois eu creio que todos os Armazens, aonde se recolherem estes Generos, hão de estar debaixo da Fiscalisação da Alfandega) Aonde está por tanto a maior facilidade de Contrabando? Existe tal qual existio até agora; e corno não augmenta, porem sim as rendas da Administração pública, não he um mal. Depois, Senhores, he necessario que nós olhemos para os principios, que estabelece a Carta Constitucional, que diz muito expressamente (lêo o Artigo 145, §. 2.°) n

Nenhum genero de trabalho, cultura, e industria, ou commercio pode ser prohibido, uma vez que se não opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos. «Se eu fosse Negociante apresentava-me na Alfandega com uma Carga de Vinhos, dizião-me que se não podião despachar; eu argumentaria com a Carta, e requereria a esta Camara a revogação da Lei, que se lhe opposesse, pois que avista della nenhum ramo de Commercio se pode prohibir. Resumindo-me pois, digo que a primeira columna desta Tabella he contra o principio fundamental desta Lei do Deposito, he contra o interesse Nacional, e até contra os progressos da nossa Agricultura, e da nossa Industria, e he contra os principios de Economia Politica.

Sr. Henriques do Couto: - Sr. Presidente; para nós fazermos grande confusão aos Lavradores de Vinhos de Portugal nada mais he necessario do que admittir os mesmos Vinhos a deposito, ainda que se diga que he prohibido o consumo; esta noticia divaga logo; os Mercadores são os primeiros, que publicão que a entrada assim feita he para consumo, e que elle entrado, e desembarcado não he para se re-exportar; e deste modo fazem esmorecer os Lavradores a ponto de ajustarem com elles seus Vinhos arrastando-os a um ínfimo preço; eis-aqui o primeiro mal, que sentem os Proprietarios destes fructos; e, publicacado assim o baixo preço, todos os mais Commissarios considerão o preço feito, e assim continua a decadencia até completarem a desgraça, e oppressão deste ramo de Agricultura: estes são os principios, que me obrigão a que não possa adoptar a indicada entrada, de qualquer modo que se pertenda.

O Sr. Derramado: - Eu apoio as restricções incluidas na primeira columna da Tabella, e confesso que em nenhum ramo da nossa Industria agricola, nós poderemos competir mais livremente com os Estrangeiros; não só pela riqueza que possuimos em semelhante genero, que he immensamente superior ás necessidades do consumo interno, mas até porque possuímos um monopolio natural d'algumas especies de Vinhos, que não se podem obter senão de certos Terrenos, com que a Providencia nos presenteou. Nenhum processo com outra uva, que não seja a colhida n'alguns sitios do Douro, pôde ainda imitar o Vinho conhecido com o nome do Porto, que, quando se procura uma tal bebida com qualidades heroiras, he preferido a todo e qualquer outro dos Paizes Estrangeiros. Mas lembra-me o que respondêo um Parlamentar d'Inglaterra ao celebre Smith, que o instava a sollicitar medidas Legislativas em favôr da Liberdade do Commercio. Vós Mr. Smitti, do alto da vossa cadeira podeis dictar esses preceitos como outras tantas verdades Mathematicas; mas o Legislador tem de luctar com a resistencia dos interesses particulares, e com a opposição, ainda maior, dos prejuízos reinantes. He em referencia aos prejuízos reinantes, que eu adopto as restricções da primeira columna.

O Sr. Sousa Castello Branco: - Eu vinha hoje com tenção de fallar somente sobre o prohibição de generos = Cereaes; = porem pela votação que se fez, decidindo-se que a materia ficasse para ser apresentada em Artigo separado, para se abrir discussão particular sobre a mesma materia, já não tem lugar fallar por ora sobre isto. Levanto-me somente para combater os principios, ou antes para combater a applicação dos principios de Economia Politica, com que dous Illustres Membros desta Camara acabão do concluir, que deve ser supprimida a primeira columna da Tabella, que contem a prohibição da entrada dos Vinhos, e bebidas espirituosas. Os principios são verdadeiros, são reconhecidos por todos os modernos Economistas: assim fosse boa a applicação que delles se faz! Aquelles principios, que são os da illimitada liberdade do Commercio, applicão-se perigosamente quando a industria das Nações não está ao par. Quando a industria de um ramo não está n'um pê florecente era um Paiz, a introducção dos productos dessa mesma industria do Paiz, em que ella está florecente, arruina a outra, e não a deixa chegar ao ponto, em que esta pode compelir ao depois. Ora: que males não deverão seguir-se da introducção do Vinho, e Bebidas espirituosas Estrangeiras em Portugal, onde, apezar da abundancia do genero, esta não pode vender-

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se pelo mesmo preço, por que podem traze-lo aqui algumas Nações? O Illustre Relator da Commissão disse, e disse muito bem, entre outras cousas, que o Pão entrava na base de todos os productos, relativamente á sua importancia: por este principio concluo eu o contrario do que elle concluio. Pois se o Pão entra na base de todos os productos, elle custará tanto mais, quanto no Paiz o Pão fôr mais caro. Ninguem pode duvidar que nós comemos o Pão muito mais caro, do que quasi todas as outras Nações. O preço desta base de subsistencia faz subir os jornaes doa operarios, e de toda a mão d'obra precisa para a laboração dos Vinhos, e bebidas espirituosas; e resulta daqui não se poder dar o nosso Vinho por preço tão baixo, como podem dá-lo as Nações, onde o Pão custa menos. Uma pipa de Vinho da Catalunha pode ser posta aqui, genero, e casco, por menos de a metade do que nós podemos vender o Vinho somente. A' vista disto; como poderemos nós concorrer com esses Vinhos introduzidos livremente? He pois necessario que não se dê liberdade aos Vinhos de fora, e Bebidas espirituosas estrangeiras, a não querermos arruinar de todo este importante ramo da nossa Agricultura. Disse outro Honrado Membro que a Tabella devia supprimir-se na parte em questão, como contraia ao §. 23 do Artigo 145 da Carta Constitucional, que não exclue genero algum de industria, ou Commercio, uma vez que não se opponha aos costumes públicos, á segurança, e á saude dos Cidadãos. Outra he, a meu ver, a intelligencia que deve ter este §. Neste §. não se estabelessem bases, ou doutrinas sobre theorias commerciaes; estabelecem-se direitos individuaes aos Cidadãos; se podesse ser entendida na força da sua letra, não teria a Carta Constitucional respeitado o Contracto do Estado com os Particulares, o que he absurdo. Senão diga-se-me: pode actualmente alguem negociar livremente em Tabaco? Pode negociar livremente sobre Sabão, ou sobre Urzella? Acho que ninguem o dirá; isto he propriedade exclusiva dos Contractadores, por força da arrematação do género feita ao Estado: he logo evidente que a Carta deve ser entendida de outra forma; e na verdade a admissão do Vinho, e Bebidas espirituosas Estrangeiras para consumo, pode bem pelo contrario authorisar-se com esse mesmo §. citado da Carta; elle exclue o Commercio que se oppoem á segurança pública. E quem não vê que a admissão daquelles generos para consumo pode atacar, senão directa, indirectamente a segurança dos Cidadãos? He fora de dúvida pela maior barateza dos generos, sendo admittidos a consumo, que o nosso capital circulante desappareceria em breve, e que não havendo este agente intermedio, sem o qual nenhum ramo de industria pode continuar, e sem o qual o Estado não pode subsistir, o mesmo Estado cahiria em dissolução, e a Nação desappareceria sem governo, e sem meios de subsistência; eis-aqui como pelo mesmo citado §. se sustenta a prohibição dos Vinhos, e Bebidas espirituosas Estrangeiras, prohibição pela qual eu voto.

O Sr. Miranda: - Faltando sobre a materia, que se acha em discussão, principiarei por declarar que o §. 28 do Artigo 145 da Carta não pode entender-se no sentido, nem com a latitude, que lhe dá o Sr. Guerreiro. Diz o Sr. Guerreiro que neste Artigo se estabelece um principio de Economia Política applicavel ao Commercio em toda a generalidade; porem eu não o entendo assim. O que neste §. se estabelece he um dos Direitos dos Cidadãos Portuguezes, he a declaração da liberdade de Industria, que cada uai tem em lodo o genero de trabalho e Commercio, com tanto que não se opponha aos costumes, e á saude e segurança publica. Declarou-se a abolição de todos os Monopolios e Privilegios de Commercio, trabalho, ou industria; porem de maneira alguma se consagra o principio geral da Liberdade de Commercio no sentido, era que a considerão Smith, J. B. Say, Storch, e outros Auctores, que tem escripto nestes ultimos tempos sobre Economia Politica. Removido pois o argumento, que se tem procurado deduzir da doutrina da Carta, posso livremente declarar a minha opinião acerca dos objectos, que entrão na primeira colunaria da Tabella, que se acha no fim deste Projecto.

O Sr. Mouzinho da Silveira declarou que esta Tabella não fôra aqui posta por sua opinião; porem não declarou os motivos; eu supprirei a reticencia que fez em seu Discurso. Com toda a franqueza declaro que, se a Tabella não apparecesse neste Projecto, eu me absteria de a lembrar, ou de a propôr como Additamento; porem com a mesma franqueza declaro que uma vez que a Tabella se acha no Projecto, e que na primeira columna se declara que os objectos n'ella incluidos não são admittidos, nem para consumo nem para deposito, he necessario fazer-se esta declaração; porque estou convencido de que estes objectos não devem ser admittidos a deposito, nem mesmo a este respeito deve ficar a menor dúvida. Não fallando no Artigo Cartas de Jogar, o que se acha na primeira columna da Tabeliã são os generos, Vinho, Agua-ardente, liquores e Vinagre, o que tudo se reduz ao Artigo Vinho e productos do Vinho. Se acerca da admissão a deposito destes objectos eu considerasse tão sómente os verdadeiros principios da theoria do Commercio, os simples interesses mercantis, e a minha propria convicção, sem a menor perplexidade seria de opinião que fossem admittidos a deposito. Porém quando eu considero a impressão moral, que esta idéa faria em lodo o Reino, o desalento, e pânico terror, que espalharia por todas as Provincias, confesso que me vejo em grande embaraço. Com effeito: quando eu presenceio as opiniões, que nesta Assemblêa se tem emittido, quando acabâmos de ouvir tantos argumentos, que patentêão o receio, que a muitos e mui illustrados Membros desta Camara tem causado a admissão destes generos simplesmente para deposito, com quanto mais razão não devemos recear o effeito que esta franquia produziria em todos os Lavradores do Reino? (Apoiado, Apoiado!) Senhores: As plantações formão a base da riqueza de Portugal, e as vinhas em particular são as suas verdadeiras minas; o sólo he tão apropriado, e o clima tão favoravel á producção do Vinho que este genero he o producto mais geral da nossa Industria agricola. Grandes, e pequenos Proprietarios são interessados no seu consumo; e tanto he geral este interesse quanto seria desfavoravel a influencia, que a franquia destes generos teria sobre o espirito dos Povos. Convenho em que este sentimento geral he um prejuizo; mas também he necessario convir em que a maior parte dos Lavradores não tem os conhecimentos necessarios para fa-

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a devida distincção que ha entre a introducção para consumo, e simples entrada para deposito e reexportação, e se os tem, falta-lhes a fé implicita, que eu lambem não tenho, e por muito tempo não tarei, na exacta fiscalisação e vigilancia indispensaveis para se obstar ao Contrabando. Será, torno a repelir, um prejuizo; porem he um prejuizo, por assim dizer, nacional, e que he preciso ainda acatar por muito tempo. Senhores, ainda estão muito presentes na nossa memoria os extravagancias, com que o façanhoso Antonio da Silveira exultou os Povos em 1823. Pouco ha acabou de fazer-lhes tres mui notaveis promessas. Primeira: isenção de ioda a espécie de Contribuições por espaço de seis annos. Segunda: indemnisação dos damnos da guerra pelos Bens de todos os Constitucionaes. Terceira: perdão de todos os peccados comettidos, e por cometter para aquelles, que tomarem as armas contra o Governo de Lisboa!!! (Demonstrações de alacridade geral). Não vamos dar-lhe azo para uma quarta promessa, admittindo os Vinhos Estrangeiros nos nossos Portos, nem ainda para deposito. Lembremo-nos que os Lavradores do Douro, por um prejuizo da mesma especie, antes querem Soffrer a tyrannia, e vexames da Companhia do que o livre Commercio dos seus Vinhos. Concluirei portanto que a primeira columna da Tabella deve ficar como está, excepto quanto ás Cartas de Jogar, que devem passar para a terceira columna pelas razões, que já tem sido ponderadas.

O Sr. Serpa Machado: - Quando se tracta de uma providencia, he necessario ler muito em vista as vantagens, e os inconvenientes. Por ventura os Estrangeiros virião aqui com tenção de vender os seus Vinhos? Certamente que não, porque os Portuguezes tem muito Vinho para é seu uso. Logo: que interesse tinhão elles em vir aqui? Logo: para que vem aqui depositar os seus Vinhos, senão para se aproveitarem do Contrabando? Portanto; se d'esta medida pode resultar um grande mal, para que havemos de arriscar a arruinar-se o Commercio dos Vinhos do Paiz? N'esta Camara tem-se notado os grandes defeitos, que ha na arrecadação da fiscalisação dos Contrabandos. Um dos Membros da Commissão disse que se reconhecião grandes abusos; a minha opinião por tanto seria que, em lugar de se admittir o Vinho, fosse absolutamente prohibida a sua admissão.

O Sr. Rodrigues de Macedo: - Fiquei admirado de vêr ha pouco um Honrado Membro da Commissão de Fazenda impugnar parte deste Projecto, que até agora tem defendido com a maior energia: foi elle quem primeiro abrío a discussão actual, impugnando a primeira columna da Tabella das restricções, não obstante ser o mesmo, que alinha redigido. Eu conheço que não tenho o necessario cabedal de conhecimentos de Economia Politica para combater as opiniões daquelle Sr. Deputado; mas digo abertamente que esses poucos conhecimentos, que possuo nesta materia, não me determinão a que eu reprove a primeira columna da Tabella; nem posso convencer-me de que seja util permittir a entrada dos Generos nella mencionados, a pezar do que tem dicto alguns Srs., que me precederão a faltar. Pelo contrario: estou bem capacitado de que, se por acaso nós abrissemos presentemente as Barras de Lisboa, e Porto aos dictos Generos, espalhariamos por todo o Reino um terror maior, do que se estabelecêssemos um pesado Tributo de capitação. Igualmente estou persuadido que, permittir agora por uma Lei â livre entrada de Vinho, Vinagre, e Agua-ardente, e mais Bebidas espirituosas, seria de certo dar uma poderosa arma aos Rebeldes, os quaes não deixarião de tomar pretexto dessa permissão tão contraria á Agricultura para illudirem os Povos, e dizerem que nós, em vez de tractarmos do Bem Púbico, e de promover o Bem geral da Nação, tractavamos somente do Bem particular de alguns interessados na alteração das Leis existentes. Basta esta consideração para que eu de forma nenhuma convenha em que se permitia actualmente a entrada dos referidos Géneros, conduzidos de Paiz estranho; e ao mesmo tempo que eu julgo que esta Camará faz um grande serviço á Nação com a Lei, que está discutindo, tenho para mim que a utilidade proveniente da mesma Lei não teria proporção com os inales, que resultarião do se não approvarem as judiciosas restricções consignadas no Projecto. Passarei agora a examinar alguns dos argumentos, que ouvi produzir contra estas restricções. Quiz um dos Srs. Deputados mostrar que a entrada dos Vinhos Estrangeiros, em vez de ser prejudicial, era proveitosa á venda dos nossos, e disse: = o Vinho da Catalunha, por exxemplo, he incapaz de sustentar só por si uma viagem alem da Linha; admittido pois este Vinho a deposito em Lisboa, pode o seu dono querer lota-lo aqui com Vinho Portuguez, e eisahi como a entrada daquelle Vinho Estrangeiro dá occasião á venda de huma boa porção do nosso. = Porem este argumento nada mais he que um sofisma, porque só nos faz attender ao proveito da venda de uma certa quantidade da nossa Mercadoria, desviando-nos de considerar o prejuizo, que resulta, de promovermos com ella a venda da Mercadoria Estrangeira, que aliás não entraria em concorrência com a nossa no Mercado. Digo mais, que o mesmo argumento he contraproducente; porquanto, se as nossas vinhas são capazes de dar um fructo de tão boa qualidade, que delle podêmos extrahir, como de facto extrahimos, um Vinho, que supporta a mais longa Navegação; e se o Vinho da Catalunha pelo contrario tem o grave defeito de não aturar uma viagem longa, para que havemos nós de admittir nesta Cidade esse Vinho Estrangeiro, para vir aqui receber á custa do nosso a perfeição, que lhe falta? Não seria isto darmos nós mesmos occasião a que os Estrangeiros melhorem os Productos da sua Agricultura com mais facilidade, para irem depois disputar-nos a venda do nosso? Disse outro Sr. Deputado: = se acaso não admittir-mos a entrada dos Vinhos Estrangeiros, Vinagre, e Agua-ardente, nós vamos cohibir o Commercio, fecundo manancial da riqueza da Nação; tanto mais que muitos Negociantes deixarão de mandar aqui os seus Navios, uma vez que não contem com uma ampla admissão de todos os Generos; pois que, existindo as restricções, de que se tracta, bastaria que os Navios trouxessem algumas Pipas de Vinho para se lhes negar a entrado. = Não ha dúvida; mas ou sempre ouvi dizer que o optimo he inimigo do bom. Os Srs., que propugnão pela illiminada Liberdade do Commercio, aspirão ao optimo; porem eu contento-me com o bom. Por ventura, por negarmos a entrada nos nossos Portos ao Vinho Estrangeiro, e mais liquidos, que d'elles tirão a sua origem, recearemos entorpecer o Commercio? De certo

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não. He tão vasto o campo mercantil, que por se excluirem aquelles Generos não deixa de haver um numero immenso delles, que possuo ser o objecto de innumeraveis transacções. Por ventura qualquer Negociante dirige ao acaso as suas especulações? Certamente não. Todo o Negociante sabe, ou deve saber as restricções estabelecidas nos Portos, para onde intenta fazer navegar os seus Navios; por conseguinte rarissimas vezes acontecerá que algum delles deixe de mandar os seus Navios a um Porto pela incerteza de nelle ser admittido. Resta-me faltar no argumento derivado do Artigo 145 § 23 da Carta Constitucional; mas já alguns Honrados Membros desta Camara o tem refutado, mostrando o verdadeiro sentido, em que se deve tomar a disposição daquelle §: assim, limitar-me-hei a observar que, se por acaso se lhe devesse dar a intelligencia, que lhe attribue o Sr. Deputado, que nelle se fundou para combater as restricções do Commercio, então não se deveria tolerar a existencia dos Contractos privativos da Corôa, e consequentemente já não devêra existir o Contracto do Tabaco, e Saboarias, que he hoje uma das principaes Rendas do Estado; e considere-se bem que seria a consequencia, de um tal modo de entender a Carta. Concluo por tanto que o Vinho, Vinagre, Agua-ardente, e mais Bebidas espirituosas Estrangeiras devem ser absolutamente prohibidas como até aqui, na forma do Projecto; mas em quanto ao outro Artigo mencionado na columnh primeira da Tabella, que vem a ser = Cartas de jogar, = convirei que passe para a segunda, ou terceira columna, pelas razões, que já fôrão ponderadas.

O Sr. Leomil: - Grande difficuldade he, ser Legislador nestas épocas do crime, e da desmoralisação, em que de continuo se lhe apresentão de permeio tantos obstaculos, que o tornão indeciso, e vacillante, pondo-o até em collisão com o seu dever, e com a sua consciencia!! Na minha consciência entendo, que ,as restricções postas na Tabella são contrarias a todas as regras de Economia Política, e á liberdade do Commercio, hoje reconhecida por todos, e especialmente pela nossa fiel alhada, a Inglaterra; todavia sou forçado pela imperiosa Lei das circumstancias a concordar com as prohibições da Tabella. Por ventura poderá alguém de boa fé contravir os principios judiciosamente expendidos pelo Sr. Guerreiro, e derivados da leira, e espirito do §. 23 do Artigo 145 da Carta?? De certo ninguem de boa fé negará o principio alli canonisado = da liberdade do Commercio, = uma vez que se não opponha aos costumes públicos, á segurança, e saúde dos Cidadãos. Mas contra isto se tem querido objectar: 1.º que a admissão das Bebidas Estrangeiras a Deposito, e Franquia, he contra os costumes públicos, e segurança; 2.º que a liberdade outorgada na Carta he só para os Portuguezes, e não para os Estrangeiros. O primeiro argumento vai forçar a letra, e sentido da Carta, que por = costumes públicos = nunca entendêo, nem podia entender = prejuízos públicos. - Ora: eu não vejo em que a admissão das bebidas espirituosas se opponha aos costumes públicos, supposto se opponha aos prejuizos públicos. E havemos então de manter os prejuizos, sem nunca os debellarmos? Ha deo mundo politico conservar-se no estado de eterna quietação, ou apathia?? Conheço que as Leis devem amoldar-se aos costumes do Povo, e que as melhores são as que fazem com que o Povo reforme, elle mesmo por si, os seus costumes; mas tambem conheço que as Leis prohibitivas, longe de tenderem a estas reformas, tendem a conservar os abusos, e prejuízos. O segundo argumenta he de toda s evidencia, mas nada conclue, porque, para concluir o que pertendem os seus Auctores, era preciso que a prohibição da Tabella fosse restricta somente aos Estrangeiros, e não aos Portuguezes; mas ella he extensiva a uns, e outros, porque menciona o genero de Commercio, sem distincção do Commerciante; e quem poderá em presença do citado §. da Carta prohibir uni Cidadão Portuguez de que vá commerciar em Aguas-ardentes, e Vinhos Estrangeiros, e importa-los para Portugal! Prohibe-o a Tabella. Tenho defendido quanto posso em these o principio da liberdade do Commercio consagrado na Carta; todavia he forçoso confessar que a sua applicação no deplorável estado de Portugal, em relação á sua pessima fiscalisação, e legislação existente, seria de fataes consequencias. Seria preciso grande fiscalisação para que essas bebidas espirituosas não passassem do Deposito por contrabando para o consumo, de mistura com as Nacionaes; seria em fim preciso ir entender com algumas Corporações, ou massas encravadas, que estão carregadas de privilegios, para poderem só commerciar neste genero. Fallo da Companhia do Douro, que tem, entre outros, o privilegio exclusivo de só ella commerciar em Aguas-ardentes. Que triste quadro se apresenta agora a meu espirito!! He melhor correr um vêo sobre elle, corno já tenho feito, sustando (não retirando) o Projecto de reforma, que ha muito offereci, e imperiosos acontecimentos , que tem decorrido, me obrigarão a reservar para melhores tempos.. Embora pois continue tambem a prohibição da Tabella, até que uma mais léda aurora appareça, dissipando a névoa, que encobre o nosso horisonte.

O Sr. Galvão Palma: - Eu sou de boa fé, respeito quanto he possivel a Carta; e porque me persuado que o § 33 senão oppõe ás restricções, por esse motivo voto pela Tabella, em que ellas se achão consignadas. O sobredito § estabelece uma regra geral, que não prohibe a Industria e Commercio; mas na ultima parte delle firma uma excepção, que he quando se oppõe á segurança dos Cidadãos; o que demonstrado, fica sem vigor a doutrina da Tabella. Quem duvída, Sr. Presidente, que a Agricultura, em toda a sua extensão deste vocábulo, Lê a grande e espaçosa columna, entre que estão montados os Estados, que a ella se dedicão? Uma vez pois que se não prohibão aquelles generos, de que aliás a Pátria abunda, cedo ou tarde vem a perigar a mesma, e a abalarem-se os seus alicerces, o que se realizaria, uma vez que déssemos franquia aos Vinhos, Liquôres espirituosos e Cereaes, de que tanto abunda o nosso Solo. O espirito com que o Augusto Auctor da Carta exarou este Artigo, justifica a letra do mesmo; pois sendo ella outorgada para fortuna dos Portuguezes, estando esta de acordo em não se admittirem generos estrangeiros , quando delles haja suficiente copia no Paiz, resulta que a prohibição dos mesmos está em harmonia com a Suprema vontade do Legislador. Sr. Presidente, a politica e justiça demandão esta prohibição; ainda mesmo quando ella não marchasse debaixo de elementos exactos, eu votaria pela conservação da Tabella, pois me recor-

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do que o Auctor do espirito das Leis diz fracamente «que o maior dos abusos he querer arrancar todos.» Sóron confessa que a Lei, que dêo aos Athenienses, não era a melhor, mas a mais analoga as seus costumes e habitos: o que supposto, que clamores não levantaria» contra nós os Lavradores de Vinhos? Que altos alaridos não formarião contra a Camara, se esta lhes admittisse á entrada de tal genero? Não he porem prejuíso, seria bem formado o seu resentimento se dessemos franquia ao acima dicto. He de primeira intuição que a concorrencia dos generos Estrangeiros empata o consumo dos Nacionaes, e até torna á sua venda por preços mais modicos, do que se segue, ficarem sem recompensa as suas fadigas, os seus suores, e o grande desembolso dos capitães; e em consequencia aborrecendo um genero de vida, que aliás os poderia muito Interessar. Eu marco a época da decadencia da nossa Agricultura em 1646, quando em 20 de Janeiro o Sr. D. João 4.° Decretou que entrassem livremente os Cereaes Estrangeiros. Já que não podemos levantar tantos Impostos, que pezão sobre os nossos Agricultores; já que pôr ora nos he vedado o legistar, que recebão dê graça aquillo que de graça o Divino Auctor lhes concedêo, sua visemos pelo menos agora, por esta medida Legislativa os seus incómmodos, e receberemos as bençãos dos nossos Concidadãos.

(Foi apoiado.)

O Sr. Henriques do Conto: - Não sei como sé possa dizer que a nossa Carta adopta este Commercio, visto que nenhum genero de Commercio proibe; advirtamos, Senhores, que a nossa Carta comprehende somente o Commercio dentro dos limites de Portugal, e não para as Nações Estrangeiras; é he para o Commercio destas que tractâmos de fazer esta Lei Regulamentar, na qual deve ser ponderado com a mais seria reflexão quaes são os generos, cuja admissão he prejudicial á nossa producção.

Em quanto aos contrabandos que se acabão de enunciar dentro de algumas das nossas Provincias não podem entrar em parall-lo com os que ha pouco se expendêrão, porque estes são dos generos Estrangeiros, e aqueles são doa generos das nossas mesmas Provincias; repito por tanto que não admitto a pertendida entrada dos Vinhos para consumo, nem deposito.

O Sr. Leomil: - Eu já disse que bem a meu pezar opprovava a Tabella; mas não posso deixar de responder aos argumentos do Sr. Galvão Palma, que me não parecem filhos da sua costumada Logica, quando vejo que peccão não só nas premissas, mas nas consequencias. Diz elle: Tem-se esmerado muitos Srs. em querer mostrar que a prohibição das bebidas espirituosas he contra a Carta, a qual concede ampla
Liberdade de Commercio; mas a Carta traz as limitações, = não se oppondo aos costumes publicos, á segurança, é á saude dos Cidadãos: = aqui que a
admissão das bebidas espirituosas se oppõe aos, costumes públicos, e á segurança, ergo não he contra Carta, antes Conforme a ella.» = O Sr. Galvão Palma suppõe que he contra os costumes públicos tudo aquillo, que o Publico não está costumado a ver; é desta forma qualquer novo invento de Fizica, ou Mecanica será contra os publicos. Nem se quer se dêo ao trabalho de provar a menor do Sylogismo: dêo tudo por provado; e á sua imitação tambem eu me podia dispensar do trabalho de responder ao seu argumento. O mais he que nem ao menos o sou argumento um apoio na novidade, que elle se persuade de ser contra os costumas públicos; porque (por desgraça) a admissão das bebidas espirituosas em Portugal he tão Vulgar, que por essas Lojas de Bebida não se espirituosas em Aguas-ardentes de França, etc. E o mais he que, entrando todas por Contrabando para o consumo, e não para deposito, o que podio causar maior estranheza dos costumes publicos, não consta até agora que houvesse por isso algum escandalo, ou reacção, antes pelo contrario o Commercio dos Portuguezes, submergido debaixo de Leis prohibitivas, he pela maior parte de Contrabando. Mas contra as theorias prevalecem os factos; e os que podião praticar-se dom agrado da Lei se estão praticando a despeito della. Os legitimos Exportadores, por exemplo estão fazendo contra a Lei esses depositos, e baldeações na Figueira, e Villa Nova, para onde conduzem grandes quantidades de Vinhos da Bairrada, Val da Besteiros, etc., e ahi os lotão com os do Douro. Daqui vão ainda fazer novos depósitos, e baldeações a Gibraltar, Madeira, é outros Portos, onde lotão os Vinhos fracos da Hespanha, e França com o precioso Falerno, o Vinho do Douro. Ora: hão seria melhor que estes depositos fossem aqui livremente fenos, porque ao menos recebia-se o proveito dos Direitos, quando tambem se não recebesse o augmento do consumo dos nossos Vinhos? A nossa mesma Illustrissima Companhia do Douro quantas vezes não vai -buscar Vinhos fora do seu Districto, e Arguas ardentes de França? Mas não fallemos nisto. Oh! Porque a admissão de Aguas ardentes, e Vinhos Estrangeiros a franquia, e o deposito vinha estagnar a venda, e consumo dos nossos, e uma gritaria espantosa se levantaria Contra os Auctores de uma tal Lei?... Eis o terror panico, que se apresenta contra a Liberdade do Commercio; porem eu lá teria meu susto dos Papões, se ja mo não tivessem tirado elles mesmos, ou sé a experiencia do passado mo não tivesse desenganado de presente. Em 1823 levantou-se no Douro (em Tras-os-Montes) uma grilaria espantosa, que, segundo-a phrase dos mesmos gritadores originaes, foi em grande parte devida á reforma (extincção dizião alguns) da Illustrissima Junta da Companhia, cuja reforma nem peneirou a primeira escarna. Em 1825 vi quasi repetir a mesma grilaria, sem atinar com a causa; quando novamente a vejo recobrada em 1826, não por aquella antiga causa da Illustrissima Junta, mas por uma nova causa de outra Junta, que chamão Apostolica; d'onde concluo que, sendo a gritaria a mesma, e os mesmos gritadores, estes gritarão sempre, e até blasfemerão, por mais que se lhe preguem as verdades, contra as quaes he que principalmente se dirigem suas gritarias, por isso que não são os Povos, aonde ha costumes públicos, os que as levantão, mas sim os que nenhuns costumes tem, e só vicios, e maldades. Todavia: compre advertir que nenhum medo me ficaria de que os Vinhos Estrangeiros viessem a entrar em concorrência com os nossos, nem no preço, nem na qualidade. Fallo dos Vinhos do Douro, deste bello, porem malfadado Paiz, d'onde sou natural, e até Lavrador; e por experiencia propria tenho observado que, a pezar do diminuto preço regulador de 12$, 15$, e 20$ reis por Pipa, assim mesmo a Agricultura continua; a

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ponto de estarem as Colinas, e Montanhas, boje cobertas de Vinhas em grande extensão. E qual seria á Nação Estrangeira, que podesse aqui apresentar uma Pipa de Vinho por 12$ reis? Quanto á qualidade, essa he inquestionável, e ninguem hoje duvida da excellencia, e superioridade dos Vinhos do Douro em concorrencia com todos os Vinhos do Mundo: e se por ventura o espirito da rivalidade, e da inveja tem algumas vexes pertendido offuscar, e, denegrir esta primazia, he em parte obra da intriga, em outra parte effeito do Contrabando, e adulteração, de proposito manufacturada, para cobrir os Vinhos fracos, e saciar a avareza do Commercio, de maneira que o Vinho puro do Douro, ou indigena, quasi nunca chega aos Mercados Estrangeiros, e está ainda o Douro a este respeito no mesmo estado, ou peior, do que antes da instituição da Companhia, que foi creada por Lei só para evitar o conluio, e conservar a pureza natural dos Vinhos, o que mal tem podido fazer. Não valem por tanto argumentos contra os factos apoiados pela experiencia, que he a melhor mestra dos homens.

O Sr. Cupertino: - Quando eu votei contra a collocação do objecto = Cartas de jogar = na 1.ª columna tinha em vista uma opinião emittida pelo Sr. Miranda; de que devião passar para a columna 3.ª, que comem os objectos sujeitos ás Leis, e Condições de Contracto, ou Administração pública, com a qual opinião ou concordo; e por isso requeiro a V. Exca. haja de propor tambem isto á votação.

Julgada a materia sufficientemente discutida, em quanto aos objectos declarados na primeira columna da Tabella, propoz o Sr. Presidente - Se se approvava o sua total prohibição, em quanto aos tres Artigos - d'Agua-ardente - Bebidas espirituosas - Vinhos - Vinagres? E se vencêo que sim. E propondo
igualmente - Se se approvava que o 3.° Artigo - Cartas de jogar - passasse para a 3.° columna? Se vencêo afirmativamente.

Entrou era discussão a materia da segunda columna da Tabella.

«Objectos prohibidos para consumo, e que podem obter franquia, deposito, baldeação, e re-exportação.

«Azeite de Oliveira, e de Nabo = Gomma para polvilhos = Polvora = Porcos vivos, cevados, ou «magros.»

O Sr. Van-Zeller: - Peço, para mais clareza, e para tirar até a sombra de arbitrariedade, que a segunda columna da Tabella seja concebida nestes termos = Objectos prohibidos para consumo, e que tem franquia, deposito, baldeação, e re-exportação em conformidade das Leis.

O dizer-se que podem ter, como está na Tabella, parece dar a entender que depende isso de algum requerimento, ou formalidade; em Commercio deve tudo ser mui claro, e terminante.

O Sr. Magalhães: - Levanto-me para reflectir que a observação feita pelo Sr. Van-Zeller não se dirige a uma simples questão de nome. Dizer-se = que podem ter = inculca que a franquia pode negar-se; e dizer-se = que tem = indica que não pode negar-se; tendo neste caso o Especulador, ou Mestre do Embarcação de fazer somente a declaração da qualidade do Genero, que conduz, cujo effeito he de evitar que se não admittão objectos, a que a franquia he prohibida. Este equivoco pode ser de transcendentes consequencias para o Commercio; porque he differente contar com a franquia certa, ou só com a sua possibilidade. Alem disso: por elle iriamos deixar um arbitrio á Authoridade, de que mui facilmente poderia abusar, pela infeliz prática das Interpretações. E portanto peço que na redacção se adopte a sobredicta Emenda.

Julgada a materia suficientemente discutida, e entregue á votação foi approvada, salva a redacção sobre as palavras = que podem obter =.

Seguio-se a discussão sobre os objectos declarados na terceira columna, que foi interrompida, e adiada por ser chegada a hora de findar a Sessão, tendo offerecido o Sr. Deputado Guerreiro o seguinte Additamento - Proponho que á Epigraphe se accrescente - em quanto estes durarem.

Teve a palavra o Sr. Deputado Gravito, que lêo o seguinte

PARECER.

A Commissão Especial, que teve a honra de ser nomeada para examinar o Convite feito pela Camara dos Dignos Pares do Reino á Camara dos Deputados, a fim de que esta dirija da sua parte a Sua Magestade o Magnanimo Rei, o Senhor D. Pedro IV, as suas respeitosas súpplicas, para que se digne haver por bem que a Rainha Fidelissima a Senhora Dona Maria II. venha entre nós receber quanto antes aquelle tributo d'amor, respeito, e submissão, com que os Portuguezes em nenhum tempo faltarão aos seus Soberanos, he de parecer que depois de Sua Magestade o Senhor D. Pedro IV. ter expressamente declarado na Carta de Lei de dous de Maio dê mil oitocentos e vinte seis, que encerra o Acto da sua Abdicação, e as Condições, que deverião cumprir-se primeiro, e antes que Sua Magestade Fidelissima a Senhora Dona Maria II. sahisse do Imperio do Brasil, serão inopportunas quaesquer súpplicas, que esta Camara faça a semelhante respeito; devendo ser inteira, e plena a sua confiança na alta, e previdente Sabedoria do Magnanimo Rei o Senhor D. Pedro JV. sobre a escolha, e emprego das medidas mais efficazes para o complemento da felicidade da Nação Portuguesa, objecto da mais Paternal solicitude, e desvelado empenho deste Rei Immortal. Camara dos Deputados. Lisboa 7 de Fevereiro de 1827. - Fr. Francisco, Bispo Titular de Coimbra, Presidente - Conde de Sampaio - Francisco Soares Franco - Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato - José António Guerreiro - José Joaquim Cordeiro - Francisco Manoel Gravito.

Entregue á votação foi unanimemente approvado; resolvendo-se que isto se participasse á Camara dos Dignos Pares do Reino.

Dêo o St. Presidente para Ordem do Dia de 12 do corrente a ultimação do Projecto N.º 101, o Projecto N.º 108, o Parecer da Commissão das Petições sobre o Requerimento de Manoel Joaquim Dias, e o Projecto N.º 113.
E para Ordem do Dia das Secções Geraes, em que a Camara tem de dividir-se na

Sessão seguinte; os Projectos Números 111 , e 112.

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E, sendo 2 horas e 30 minutos, disse que estava fechada a Sessão.

SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e 40 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se acharão presentes 85 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 17; a saber: os Srs. Marciano d´Azevedo - Barão do Sobral - Leite Pereira - Araujo e Castro - D. - Francisco de Almeida - Bettencourt - Tavares d'Almeida - Izidoro José dos Sanctos - Cotta Sampaio- Mouzinho da Silveira - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Manoel Sintonia de Carvalho - Gonçalves Ferreira - Pereira Coutinho - Azevedo Loureiro - Mouzinho d'Albuquerque - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa de um Officio do Ministro dos Negócios da Fazenda, remettendo uma Consulta do Conselho da Fazenda relativa á isenção de Direitos das Batatas das Ilhas, que se mandou remetter á Commissão de Fazenda. E dêo igualmente conta das Escusas, que mandarão de não podêr assistir á Sessão os Srs. Deputados - Costa Sampaio - Carvalho - Mouzinho d'Albuquerque - Tavares d'Almeida.

Teve a palavra o Sr. Deputado Cupertino da Fonseca para dar conta do Parecer, da Commissão Central sobre o Projecto N.º 102, que ficou reservado para segunda leitura.

Seguio-se o Sr. Deputado Bispo de Cabo Verde, o qual lêo urna Proposição, tendo por objecto differentes melhoramentos na Administração Ecclesiastica, Civil, e Militar da Provincia de Cabo Verde, que ficou reservada para segunda leitura.

Então o mesmo Sr. Bispo de Cabo Perde disse:

Segundo o que ouço em Portugal, e leio em alguns Papeis Publicos a respeito das Ilhas de Cabo Verde, ou os Escriptores se enganárão no que escrevêrão, ou eu no que vi: Segundo elles, o Europea, que houver d'estabelecer-se naquellas Ilhas, deve levar comsigo a mortalha, o dispôr-se, senão pura soffrer a morte, ao menos, para soffrer uma molestia afflictiva, e prolongada. Não he assim; as Ilhas de Cabo Verde não são em Africa o mesmo, que na Europa se suppõe que ellas são. O Europeo, que n'ellas quizer estabelecer-se, não precisa levar mortalha; precisa sim levar probidade, honra, boa fé, Caridade Christã, e sobretudo Religião, e sã Moral. Munido d'estas qualidades, que constituem o caracter d'um homem de bem, pode ir seguro na certeza de que achará nos habitadores de Cabo Verde hospitalidade, bom acolhimento, e homens com quem possa tractar. Munido das qualidades acima dietas, elle não se entregará a bebidas, e muito menos ao tracto criminoso de prostitutas, e outros deboches, que tem por consequencia os molestias, e por fim a morte, que lá soffre a maior parte dos Europeos.
Seis annos ha que vivo nestas Ilhas; d'estes gastei mais de quatro na visita do Bispado; pizei todos os seus Terrenos; observei os seus productos, tanto os que elles produzem, como os que podem produzir, se o Agricultor quizer. Vi as suas Manufacturas, e a sua Industria; tractei toda a Classe de Pessoas, e as tractei muito de perto. Tive occasião de conhecer o seu obrar, e até de conhecer o seu pensar: Ah! E que vi eu, e que presenciei? Terrenos incultos, que nunca virão ferro do Lavrador, tão virgens como Adão os deixou; mas bem capazes de produzir todos os generos dos Tropicos, do Brasil, e em grande parte as especiarias d´Asia. Vi outros já cultivados, mas que podião dar outros generos, não só em mais abundância, mas d'um lucro mais vantajoso, como são o Café, o Arroz , o Tabaco, a Canafistola, o Sene, o Tamarindo, o Anil, o Algodão, e o Milho, que nestas Ilhas he abundantíssimo, apesar do desleixo, e irregularidade, com que os Lavradores o cultivão, e colhem; não lhe custando mais trabalho do que fizer na terra uma pequena cova, onde lanção tres grãos, um de milho, outro de feijão, e outro d'abobora, os quaes cobrem com aponta do pé; e assim mesmo, apezar do desprezo com que fazem a sua cultura, basta uma quarta parte para produzir sessenta alqueires (em algumas Terras), e do mesmo modo as mais sementes lançadas á Terra, Tal he o Terreno!! E qualidade de feijão ha, que nem se semêa, nem se cultiva, nem com elle se tem trabalho nenhum, mais do que, para colher em tempo competente cada um o que quer; e he tanta a abundancia, que assim mesmo fica muito, que, cahindo no chão, serve de semente para o anno seguinte; com esta mesma negligencia cultivão os mais fructos, de que muito abundão as Ilhas.
Não ha Arte, que dirija as suas Manufacturas. Os instrumentos, de que se servem, como = v. g. Teares = são os mais imperfeitos, toscos, e irregulares, que podem fazer-se. Uns páos pregados na terra, e por cima deitadas algumas canas, de que pendem os fios do Algodão, que estão tecendo, cm cuja extremidade está ligada uma pedra tosca , eis-aqui os seus Teares, em que tecem os pannos, de que vestem, e negocêão na Costa, recebendo em troca escravos, cêra, marfim, ouro etc. etc. etc. Eis-aqui os Teares, em que tecem as cobertas, de que usão, que «ao os tecidos de mais estima. Só sabem fazer tinia azul, e amarella, e de tal modo fixas, que jamais se vão, por muitas vezes que vá á agua. Nem todos sabem tecer; mas todos sabem tingir. Nada sabem fazer por Arte, mas sabem usar bem do que a natureza lhes mostra; tudo reduzindo a prática com uma facilidade incrivel, porque todos tem viveza, e engenho. A priguiça, e a moleza, (carecteres proprios de Paizes quentes,) os faz ser pouco emprendedores, e contentar-se com a sua sorte, ainda que desastrosa; e, quasi sem cuidarem do dia d'amanhã, passão a vida de muitos annos. Digo de muitos annos; porque não he raro achar na mesma Ilha ires, e quatro Pessoas de cem , e mais annos, e he então que se lhe fazem os cabellos brancos, e quasi nunca antes d'esta idade. Eu conheço nas Ilhas algumas Pessoas de mais de 116 annos: duas de mais, e muitas de cem, e todas robustas. Uma mulher chrismei de 118 annos, que me disse = Nada mais me lembra, que comer;

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