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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS0
qualquer secretaria, o direito de lhe tolher sempre o passo. E para isto que vem aqui esta disposição.
Sei que o illustre deputado quer dar uma satisfação aos seus constituintes para saberem o seu modo de ver as cousas, mas tudo tem o seu tempo proprio, o se elles agora tomam nota do seu voto, tambem não lhe devem ficar muito agradecidos por elle não o manifestar em tempo que podia ser mais util.
Gostava que se examinassem todas as proposições que o illustre deputado apresentou, todas as emendas que propoz, e isso era excellcnte. Mas não podemos andar para trás, mesmo para que haja tempo da reforma passar na camara dos dignos pares, e eu creio que s. ex.ª fallou com tanta sinceridade que não é esse o seu desejo.
Dando por assentado que o assumpto está discutido e votado, devemos agora votar principalmente as emendas para se terminar uma cousa que ainda me parece interminavel! Tenho sido arguido muitas vezes, e com alguma rasão, pela demora que tem havido a este respeito, e eu não quero agora concorrer para que a reforma se demore mais, principalmente quando tem algumas vantagens, ainda que não tenha tantas como eu desejava, mas basta ter algumas, basta melhorarmos, e desde que se melhora, vale mais andar do que parar. (Apoiados.)
O sr. Julio de Vilhena: — Depois do discurso que acaba de pronunciar o nobre ministro do reino, sou o primeiro a reconhecer que seriam desnecessarias quaesquer considerações, da minha parte, em resposta ao que hontem disse n'esta assembléa o illustre deputado e meu amigo o sr. Luciano do Castro.
A longa pratica administrativa do nobre ministro do reino, a sua esclarecida intelligeneia, que todos respeitam e que todos acatam, são elementos que geram em todos nós a convicção profunda de que as considerações apresentadas pelo illustre deputado, o sr. Luciano de Castro, se acham completamente combatidas pelo nobre ministro.
Comtudo tendo-se o illustre deputado dirigido hontem ao relator da commissão em termos tão lisonjeiros para elle, seria da minha parte um crime de lesa-delicadeza o ficar silencioso n'esta occasião.
Começo por agradecer ao illustre deputado, e meu amigo, as expressões lisonjeiras que empregou para commigo, não só hontem, mas em todas as occasiões em que as circumstancias parlamentares nos têem collocado em frente um do outro, e ás vozes em bem acaloradas discussões.
Tenho recebido da parte de s. ex.ª taes attenções, que seria falta de delicadeza da minha parte se não dissesse bem alto aqui — que agradeço — embora esteja convencido de que as não mereço, sendo aliás para mim bastante agradaveis por virem da parte de um tão poderoso adversario.
Tive grande prazer quando ouvi hontem, n'esta assembléa, ao sr. Luciano de Castro, dizer que queria fazer propaganda dos seus principios; e s. ex.ª disse muito bem que não ha no regimen constitucional logar mais apto para a propaganda politica do que a tribuna parlamentar. (Apoiados.)
Applaudo estas idéas, quer ellas venham de amigos politicos, quer de adversarios, e desejaria que todos os partidos se convencessem d'estes principios, desejaria ver largamente adoptado o principio de que não ha n'um regimen constitucional e livre logar mais contemplado, tribuna cujas vistas sejam mais amplas, do que a tribuna parlamentar, e sinto que os correligionarios do sr. José Luciano não realisem este principio.
Era aqui que eu os desejava ver combatendo qualquer poder, embora o mais altamente collocado, porque encontrariam de certo quem tomasse a responsabilidade dos seus actos e quem os defendesse. (Apoiados.)
O illustre deputado e meu amigo, o sr. Luciano de Castro, mostrou-se hontem ao facto de todas as theorias sociaes e politicas, revelou que conhecia os ultimos debates parlamentares das nações mais adiantadas da Europa, manifestando assim que pertence á geração dos Moyanos, dos Castellares, dos Orbans e dos Gladstones, de todos esses combatentes para quem o ser estadista não consiste simplesmente em gosar das vantagens do poder, mas em affirmar a sua individualidade, combatendo ou sustentando um systema politico.
Debaixo d'este ponto de vista felicito o meu amigo o sr. José Luciano; porque eu, quando vejo um homem collocar-se á altura dos graves problemas da actualidade, quando vejo discutida nas assembléas parlamentares uma questão em toda a sua magnitude, qualquer que seja o campo em que esse cavalheiro milita, merece sempre a minha profunda consideração.
Não tenho a pretensão de fazer n'este momento um discurso, mas não quero deixar de aproveitar a occasião para mostrar que o meu amigo, o sr. Luciano do Castro, tem uma escola opposta á minha em assumptos de administração. Eu sou da escola positivista; s. ex.ª é da escola metaphysica.
Entendo que não ha nada mais facil do que folhear os tratadistas do direito administrativo e traduzir as suas doutrinas, mais ou menos theoricas, em artigos de lei; mas ha um trabalho mais difficil para o legislador, que é o exame das circumstancias da sociedade para a qual se fazem as leis, estudo de analyse, de inspecção, todo positivo, de experiencia e não de theoria.
Era isto que eu queria ver fazer ao illustre deputado, e combatendo s. ex.ª a reforma que se discute, desejava que primeiro examinasse as condições historicas e ethnographicas da sociedade portugueza, a indole dos habitantes, a natureza do seu territorio, que empregando este processo positivo assegurasse depois que o projecto em discussão não corresponde ás legitimas necessidades da sociedade portugueza.
Este que é hoje na sciencia social o unico processo seguro, é que eu desejava ver empregar pelo illustre deputado.
Ora eu vou mostrar a s. ex.ª e á camara que a reforma administrativa, traduzindo as necessidades do momento actual, é uma expressão fiel do estado da civilisação portugueza.
Para mim não ha reforma administrativa perfeita, porque não ha sociedade perfeita.
Reconheço uma lei na organisação das sociedades, que é a lei da evolução, que actua nos corpos moraes, como nos corpos physicos a lei da gravidade. É uma lei natural superior á vontade dos legisladores e estadistas.
O progresso da sociedade é obra de si mesmo.
Podem fazer as leis que quizerem, colher vastos programmas de estylo e de theorias, a sociedade nem por isso caminha mais rapidamente no seu movimento de ascensão.
Se fizerem uma lei radicalmente descentralisadora n'um paiz cujas condições positivas a não tolerem, a liberdade não passa do papel em que a lei se escreve. Se pelo contrario fizerem uma lei centralisadora n'um paiz em que a liberdade individual esteja radicada nos costumes e nas tradições, o legislador perde o seu tempo e não consegue afastar a sociedade da linha que fatalmente percorre.
A liberdade é um agente natural como o vapor, quanto mais se comprime mais intensidade adquire. (Vozes: — Muito bem.)
São estes os principios da minha escola, principios que sempre tenho defendido, desde que principiei a estudar as sciencias sociaes, principios que sempre hei de defender.
O progresso da sociedade não depende da vontade do legislador; o papel de legislador limita-se a apreciar rigorosamente a opportunidade do momento e a trasladar na lei a exigencia do meio em que governa.
Se realisou essse ideal, póde ter a certeza e vangloriar-se de que cumpriu a sua missão, de que preencheu completamente o seu fim.
Mas, sr. presidente, disse eu que não havia reforma
Sessão de 19 de fevereiro de 1878