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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

administrativa perfeita. E isto está no ambito dos meus principios.

A administração está n'uma fluctuação permanente; é o braço do poder executivo, isto é, o poder executivo é a cabeça que pensa o a administração é o braço que executa.

A administração realisa o pensamento politico do governo, e o pensamento politico do governo varia com a rotação natural e constitucional dos partidos.

Uma reforma administrativa que é julgada hoje perfeita, póde ser considerada ámanhã imperfeita; uma reforma administrativa que satisfaça todos os partidos é inteiramente impossivel.

Portanto não creia o illustre deputado que eu tenha a louca vangloria de estar aqui defendendo uma reforma que suppunha que é o ideal em administração; eu digo, pelo contrario, sinceramente, que esta reforma não póde ser o ideal em administração.

Se ámanhã esta reforma fosse julgada imperfeita, se ámanhã se provasse que as condições da sociedade portugueza exigiam outra lei de administração, eu seria o primeiro a subscrevel-a; e n'isto não ha incoherencia da minha parte, porque a minha obrigação, como a de todos nós, é acompanhar a evolução lenta mas successiva da sociedade. (Apoiados.)

O illustre deputado, fallando da reforma administrativa, discutiu, como ponto que se devia collocar em primeiro logar, a descentralização.

S. ex.ª applaudiu com calor as disposições da reforma que contêem principios descentralisadores, e ao mesmo tempo insurgiu-se contra as disposições da mesma reforma que contêem principios centralisadores.

Discutamos placidamente esta questão perante a camara e perante o paiz, que de certo ha de ter conhecimento do que nós aqui dissermos.

A descentralisação é uma questão mais difficil do que á primeira vista parece.

Eu tenho a este respeito idéas que se afastam do pensamento commum, pela simples rasão de que não pertenço a nenhuma das escolas conhecidas em administração.

Conversemos sobre este assumpto, que merece realmente a nossa attenção.

Sabe o illustre deputado donde nos veiu esta idéa da descentralisação?

Sabe de certo, porque é muito illustrado. Veiu da America.

O sr. de Tocqueville foi aos Estados Unidos da America, e, vendo lá a liberdade por toda a parte, porque ali o espirito liberal em todos os individuos é tão exuberante como a seiva das arvores d'aquellas florestas virgens, vendo que as instituições locacs gosavam de uma autonomia completa gerindo os seus interesses e desempenhando os seus serviços, achando-se emfim no seio de um paiz rico, livre e feliz, julgou que tudo aquillo era o resultado do systema descentralisador que campeava nos Estados Unidos.

Mas o sr. do Tocqueville enganou-se. Não era a descentralisação que tinha formado a felicidade dos Estados Unidos; a descentralisação não era a causa, era o effeito das condições nafuraes e positivas que se davam na sociedade americana.

N'um paiz, como os Estados Unidos da America, onde não ha tradicções historicas que depauperem o sangue do povo; n'um paiz que não foi durante seculos, como os povos da velha Europa, governado pelo direito canonico e romano; n'um paiz onde as instituições liberaes são espontaneas, as localidades não precisam de ir pedir subvenção ao poder central, porque têem recursos naluraes em si mesmo; e o sentimento da individualidade é ingenito, forte e robusto; não é possivel outro systema que não seja a descentralisação.

Se o poder central quizer reprimir este instincto liberal o Independente, não o poderá fazer, porque terá contra si

todos os elementos sociaes que determinam as grandes revoluções.

O sr. do Tocqueville não comprehendeu isto.

Veiu para a Europa encantado do que viu na America; escreveu um livro que todos conhecem, em que defendeu brilhantemente a descentralisação; e tantos proselytos conquistou, que nos ultimos quarenta annos não se tem fallado em outra cousa.

Falla-se na descentralisação nas cadeiras do magisterio, nos comicios populares, no parlamento, na imprensa, nos programmas; emfim, em toda a parte e a proposito de tudo.

A descentralisação é uma panacêa universal que cura todos os males.

Assim, por exemplo, havia um problema economico para resolver, diziam logo os defensores do novo systema: «Descentralisae, e vereis como tudo corre optimamente o no melhor dos mundos».

Era necessario matar a questão eterna do pauperismo, diziam: «Descentralisae, e vereis como os proletarios ficam ricos o felizes». Não deis ao estado a faculdade de crear asylos e dar trabalho a quem d'elle precisar, deixar á caridade individual e á iniciativa de cada um resolver a questão do pauperismo».

E o que acontecia?

O pauperismo continuava a enroscar-se á sociedade, como um parasyta nocivo; a caridade retrahia-se, e emquanto as officinas progrediam, crescia a miseria em progressão assustadora. Então era mister fundar asylos, legislar sobre o direito ao trabalho, desenvolver as obras publicas para empregar os braços dos desvalidos, centralisar n'uma palavra. Era a centralisação que curava os vicios do systema opposto. (Vozes: — Muito bem).

Vinha á discussão a questão religiosa? Tratava-se das relações entre o estado e a igreja? Diziam os defensores da descentralisação, quereis resolver o problema: «Descentralisae, dae liberdade á igreja e a todos os cultos»; mas depois o estado tendia a desapparecer no seio da esphera religiosa, e quando o poder secular queria revindicar os seus fóros caía novamente sob o imperio da concordata.

A camara não ignora os males que a descentralisação radical tem occasionado na Europa. V. ex.ª e a camara sabem perfeitamente o que tem acontecido ultimamente entre nós.

Em nome da descentralisação fez-se a lei das sociedades anonymas. Em nome da descentralisação disse-se: «Deixae que estas sociedades se organisem á sua vontade; nada de interferencia governamental, nada de restricções á liberdade dos associados». Fundaram-se as sociedades anonymas, alargaram-se rapidamente por todo o paiz, e todos presenciaram que, dentro em pouco tempo, a bancarôta estava declarada (Apoiados.), as sociedades livremente constituidas pediam ao estado que lhes pagasse as suas dividas (Apoiados.), e a centralisação vinha sustar o passo á fallencia da iniciativa individual.

Isto são factos que têem acontecido todos os dias (Apoiados.): acontecem em Portugal, na França, na Italia e em toda a, parte. São males geraes, filhos da descentralisação completa. Téem-se feito por mais de uma vez experiencias de descentralisação em Portugal. Em 1832 José Xavier Mousinho da Silveira entendeu dividir a administração em tres governos, em nome da descentralisação, mas passado pouco tempo reconheceu pela experiencia que era mister renunciar á empreza.

Em 1836 Manuel da Silva Passos ordenou que os administradores de concelho fossem eleitos pelo suffragio local. Pois ha, aos olhos dos descentralisadores pensamento mais liberal, idéa mais grandiosa do que a de Passos Manuel? Os administradores filhos do voto popular!

Pois, decorridos alguns annos, observou-se que os administradores não fiscalisavam os impostos, e favoreciam os seus partidarios, que os tinham elevado, pelo suffragio, ao cargo que desempenhavam.