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SESSÃO DE 19 DE FEVEREIRO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos, representações e projectos de lei. — O sr. J. J. Alves chamou a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre a conclusão do aterro marginal do Tejo junto ao caminho de ferro, a que respondeu o sr. ministro das obras publicas. — O sr. Marçal Pacheco tratou do diversos assumptos em relação á provincia do Algarve; o sr. ministro das obras publicas fez algumas considerações sobre os mesmos assumptos. — Na ordem do dia, que era a continuação da discussão das emendas no projecto da reforma administrativa, fatiaram os srs. ministro do reino, Julio de Vilhena, Simas e Alves, sendo a final approvadas as conclusões do parecer.

Presentes á chamada 38 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, A. J. Boavida, Cunha Belem, Carrilho, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Custodio José Vieira, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Van-Zeller, Paula Medeiros, Illidio do Valle, J. Pordigão, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodrigues, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Manuel d'Assumpção, Mello e Simas, Marçal Pacheco, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. do Seixas, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Forjaz de Sampaio, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, Jeronymo Pimentel, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, José Luciano, Ferreira Freire, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Faria e Mello, Rocha Peixoto (Manuel), Pinheiro Chagas, Miguel Coutinho (D.), Visconde de Guedes Teixeira.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Teixeira de Vasconcellos, A. J. Teixeira, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Conde da Foz, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Francisco Costa, Pinto Bessa, Palma, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Guilherme Pacheco, Moraes Rego, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Nogueira, Pinto Basto, Luiz de Campos, Freitas Branco, Pires de Lima, Alves Passos, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Carregoso, Visconde de Sieuve de Menezes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — ás duas horas e um quarto da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Representação

Da camara municipal do concelho de Villa Real de Santo Antonio, pedindo ao governo os meios necessarios para acudir á desgraça e fome que ameaça os habitantes d'aquelle concelho.

Apresentada pelo sr. deputado Bivar.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa dos requerimentos de varios officiaes quarteis-mestres dos corpos do exercito, apresentados pelo sr. deputado Cunha Belem em sessão de 11 de janeiro de 1877, pedindo augmento de vencimentos; o requeiro que sejam presentes á commissão do guerra, para dar o seu parecer com a brevidade possivel. = A. Guerreiro.

Requerimento

Requeiro que as representações das camaras municipaes do Algarve, ácerca da afflicliva situação em que se acha a provincia, sejam enviadas, para os devidos o convenientes effeitos, ao governo. — Bivar.

Declaração

Do sr. deputado Placido de Abreu de não ter comparecido ás sessões por motivo justificado.

SEGUNDA LEITURA

Projecto de lei

Senhores. — Muitas camaras municipaes entendendo, o com justissimo fundamento, que estavam ao abrigo da lei de 11 de abril de 1874, procederam de modo que foram relevadas de restituir ao cofre de viação as sommas que d'elle haviam distraindo para outros melhoramentos realisados em proveito dos concelhos, e competentemente auctorisados.

A de Faro, porém, que estava em analogas e identicas circumstancias, interpretando por diversas formas a lei, não reclamou opportunamente, e agora, que já lhe não podem ser applicaveis as suas beneficas disposições, vê-se obrigada a pagar ao fundo de viação a quantia de 10:831$011 réis, que d'elle desviou desde 1864.

Para satisfazer esta divida, ainda que em prestações, o municipio de Faro, que poucos ou nenhuns rendimentos proprios possue, tem de recorrer a novos impostos, ou de ficar privado de recursos que o habilitem a emprehender melhoramentos indispensaveis, e até a conservar aquelles que, a custo de gravissimos sacrificios, tem conseguido realisar.

O primeiro alvitre torna-se impossivel, em presença da medonha e assustadora calamidade que está imminente sobre aquelles povos, e quando todos sabem que nenhum outro municipio já está tão sobrecarregado de impostos, o segundo importaria em grande erro de administração, senão o maior dos absurdos.

A lei de 6 de junho de 1864, estabelecendo a dotação das estradas municipaes com o intuito de organisar uma bem combinada rede de estradas, por meio da ligação d'aquellas com as districtaes e geraes, foi de manifesta e incontestavel utilidade, e a ella se deve o progresso da nossa viação municipal; mas esta no concelho de Faro acha-se quasi completa, e, ao passo que todas as freguezias ruraes se communicam hoje com a cidade por novas e boas estradas, as povoações carecem de melhoramentos importantes e até urgentes.

- Por estas considerações tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A camara municipal de Faro será relevada de pagar ao cofre de viação a somma de 10:831$011 réis que d'elle desviou desde 1864, logo que prove que a applicou em outras obras legal e competentemente auctorisadas.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 18 de fevereiro de 1878. = O deputado por Faro, Luiz de Bivar.

Enviado á commissão de administração publica.

O sr. Carrilho: — Mando para a mesa dois projectos de lei; um, fixando o subsidio dos srs. deputados para a

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futura legislatura; e outro, tornando ostensivas aos empregados do instituto industrial e commercial de Lisboa as disposições que vigoram para os empregados do instituto geral de agricultura, relativamente a aposentações e reformas.

O sr. Carlos Testa: — Por parte da commissão do marinha mando para a mesa um requerimento do contra-almirante reformado João Eusebio de Oliveira, pedindo melhoria de reforma, a fim do ser enviado ao governo, para este informar o que se offereço ácerca da pretensão do requerente.

Aproveito a occasião, para mandar para a mesa uma representação de um empregado do ministerio da fazenda pedindo novamente á camara que tome uma resolução ácerca da sua pretensão apresentada na sessão passada.

Espero que v. ex.ª lhe mandará dar o competente destino.

O sr. Visconde da Arriaga: — Mando para a mesa um requerimento dos praticantes das repartições central e de contabilidade da direcção geral dos correios de Lisboa, pedindo, a exemplo do que têem feito varios empregados de outras repartições, que lhes seja concedido o augmento por diuturnidade de serviço.

Allegam que, concedendo-se por lei ás repartições dependentes do ministerio das obras publicas aquelles beneficios, elles devem ser contemplados da mesma maneira.

Espero que a camara resolverá este negocio como for de justiça.

O sr. Cunha Belem: — Mando para a mesa duas representaçães de camaras municipaes da provincia do Algarve.

Escusado é ponderar ou fazer largas considerações a respeito do estado lastimoso d'aquella provincia, em que são contestes todos os jornaes, todas as camaras municipaes e todos os srs. deputados que a ella pertencem ou que a conhecem mais particularmente. Todos sabem como o Alearve se encontra outra vez a braços com grandes difficuldades, o especialmente os pequenos proprietarios e as classes trabalhadoras, em consequencia da prolongadissima estiagem.

Chegaram a sorrir uma esperança com as pequenas chuvas que caíram recentemente, mas esta esperança desvaneceu-se em poucos dias, porque voltou o tempo secco o com elle a ameaça de destruir a agricultura, que é a principal fonte de receita d'aquella provincia.

Esta desgraça é tanto mais lamentavel quanto que a destruição da cultura das cearas representa apenas a pobreza de um anno, mas a destruição dos arvoredos representa a indigencia futura.

As camaras municipaes, conhecendo as circumstancias desgraçadissimas que pesam sobre aquella provincia, pedem aos poderes publicos que allendam a isto, desenvolvendo a viação publica e todas as obras mais urgentes para aquella provincia, preenchendo d'este modo dois fins: dar que fazer ás classes mais indigentes, e ao mesmo tempo concluir as obras mais uteis para as differentes municipalidades.

É assim que a camara municipal de Villa do Bispo pede a conclusão da estrada transversal n.º 78, chamada do Cabo de S. Vicente, que é o prolongamento da estrada do litoral até á praça de Sagres. Esta estrada tem uma vantagem especialissima, aproveita uma parte já construida e põe em contacto a Villa do Bispo com a cidade de Lagos, facilitando as communicações que a estrada actual mal póde proporcionar pela sua deficiencia, e alem d'isso vae occupar braços que hoje estão desoccupados, lutando com a miseria e a fome.

Tambem a camara municipal de Villa Nova de Portimão pede a continuação das obras de caes, dokas, barra e ria d'aquella villa, para que foi creado um imposto especial e uma verba annual de 8:000$U00 réis oreada pela caria de lei de 4 de fevereiro de 1876.

Esta obra parece de grande utilidade, não só pela importancia que tem em si, mas porque é um dos melhoramentos materiaes, d'onde deriva uma fonte do receita. (Interrupção do sr. Bivar).

Se eu soubesse que s. ex.ª já tinha tratado d'este assumpto, limitar-me-ía a acompanhar o meu illustre collega e amigo, sem nada acrescentar mais, porque s. ex.ª muito melhor do que eu sabe advogar os interesses d'aquella malfadada provincia a que pertence, que dignamente representa n'esta casa e que se honra de o contar como filho.

Peço tambem ao sr. ministro do reino que attenda a um projecto que eu tinha aqui apresentado, que foi votado n'esta camara e que está pendente na camara dos dignos pares, para que a camara municipal de Villa do Bispo possa levantar do cofre de viação a quantia de 700$000 réis para obras de utilidade publica, o que é mais um pequeno recurso no meio das difficuldades em que aquella camara se encontra. S. ex.ª póde dar a sua benevolencia a este respeito na outra casa do parlamento.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para fallar n'outro assumpto.

Na sessão de 9 de fevereiro do anno preterito apresentei aqui um projecto do lei para regular o modo de aposentação dos facultativos de partido das camaras municipaes em conformidade do artigo 145.°, me parece, do projecto da reforma administrativa.

Esse projecto foi á commissão de administração publica, e não me consta que ainda tenha parecer, comquanto julgue que, discutindo-se actualmente as emendas á lei de administração, era agora occasião opportuna para elle se discutir. (Apoiados.)

A lei marca tres classes de aposentação para os facultativos das camaras, referindo-se a quinze, vinte ou trinta annos de serviço d'esses funccionarios, mas não define nem estabeleço onde devem ser preenchidos esses quinze, vinte ou trinta annos de serviço!

No meu projecto propunha uma regulamentação ás disposições genericas da lei, com respeito aos facultativos do partido, e attendendo ás condições especiaes do seu serviço, que não são só em proveito do municipio, mas da humanidade, estabeleci que quando passem d'umas para outras camaras não percam esse tempo para a sua aposentação, não querendo que os facultativos fiquem escravos das camaras municipaes, o se possam afastar d'ellas quando tenham algum conflicto, não estando presos pelas condições da sua aposentação.

Para isso propunha no meu projecto que os facultativos podessem pedir a reforma logo que, completando o tempo da lei, provassem ter prestado pelo menos a ultima terça parte d'esse tempo na camara municipal perante que fazem correr o processo de aposentação; e se parece haver algum desequilibrio por umas camaras remunerarem os serviços prestados em outras camaras municipaes, restabelece-se novamente o equilibrio quando aquellas camaras aposentarem os facultativos que tambem tenham prestado parte dos seus serviços em outras localidades.

N'essa occasião, nas considerações que apresentei, dizia que este meu projecto era apenas uma idéa para chamar a attenção da illustre commissão de administração publica. accoitando qualquer modificação ou qualquer outro alvitre, que ella entendesse melhor; mas o que me parece cruel, é que os facultativos das camaras municipaes, que são talvez os funccionarios municipaes os mais fluctuantes, por condições especiaes do seu serviço, não possam quasi nunca affirmar os seus quinze, vinte e cinco, e trinta annos de serviço, sem que estejam subordinados, constantemente, a uma camara municipal, a qual póde usar e abusar d'essa circumstancia para os escravisar a seu bello prazer.

Peço, pois, a attenção da commissão para este assumpto, que me parece de importancia; e termino pedindo desculpa á camara dos momentos que lhe roubei.

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, em 25 de fevereiro de 1875 apresentou n'esta camara o sr. Falcão da

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Fonseca um projecto de lei, que tive a honra de assignar com alguns collegas, para se tornarem applicaveis a todos os empregados dos quadros das differentes repartições do hospital de S. José e annexos as disposições do artigo 114.° do regulamento approvado por decreto de 10 de outubro de 1863.

Este projecto, tendo obtido em março do mesmo anno pareceres favoraveis das commissões de saude publica e de fazenda, devia ter sido já discutido; no entanto vae quasi finda a legislatura, e o projecto, por motivos que não tem explicação, jaz no mais profundo esquecimento.

Eu sinto que a iniciativa do deputado seja coarctada, por fórma que aquillo que por elle é proposto como bom e justo não mereça as honras de ser discutido pela camara..

Sinto que se não veja que entre os empregados do hospital de S. José existe uma classe que, trabalhando activamente do dia e de noite, junto da cabeceira dos enfermos, exercendo um serviço que, apesar de mal retribuido, é penoso e arriscado, porque estão sujeitos ao contagio de muitas doenças, se lhes recuse quando impossibilitados os meios de ganharem o pão, e que tenham de recorrer á caridade publica.

Esta classe, sr. presidente, é a dos enfermeiros.

Não é justo, não deve permittir-se tão grande injustiça.

Sr. presidente, se no animo da camara, e no de v. ex.ª existe para os funccionarios d'aquelle estabelecimento alguma compaixão, só temos como remedio a discussão do projecto n.º 164 de 1875.

A sessão legislativa está a terminar, e eu duvido que possa ter logar a realisação d'este meu empenho; no entanto pedindo por uma causa tão justa, mostro os meus bons desejos, e tiro toda e qualquer responsabilidade que me possa caber.

Agora, sr. presidente, passo a outro assumpto. Lendo o Diario da camara da sessão de 15, deparo com duas inexactidões nas poucas palavras, que pronunciei n'essa sessão, de que uma d'ellas tem sem duvida por causa o não ter sido ouvido: refiro-me ao que vejo escripto 17.000:000$000 réis para liquidar, quando eu disse 17:000 contas para liquidar.

Peço, portanto, licença para fazer no logar respectivo as rectificações competentes.

Sr. presidente, acabando de entrar na sala o sr. ministro das obras publicas, permitta s. ex.ª que eu lhe agradeça a promptidão com que se dignou attender o pedido que eu já havia feito em camara ao seu antecessor, mandando pagar umas ferias em atrazo a uns pobres operarios que trabalharam no asylo de D. Maria Pia.

Tambem peço encarecidamente ao sr. ministro a bondade de tomar em consideração um projecto de lei, por mim apresentado em uma sessão de janeiro ultimo, que deve achar-se na commissão do obras publicas, que tem por fim não só proceder á conclusão do aterro marginal junto á estação do caminho de ferro de leste e norte, mas tambem á construcção de uma ou mais dokas de abrigo.

Emquanto ás dokas todos sabem a sua necessidade, e a quantos desastres tem dado logar a sua falta.

Não é menos para lastimar o estado vergonhoso, que apresenta o local entre o caminho de ferro e a denominada praia da Galé, pela falta do aterro, que ha tanto tempo se acha paralisado.

Eu peço a s. ex.ª que, tendo em consideração o meu projecto, mande por empregados competentes verificar o que deixo dito, que é a verdade, e que para credito da repartição competente é justo resolver.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): — Direi simplesmente duas palavras.

Em primeiro logar peço licença ao illustre deputado para lhe dizer, que não tem nada que me agradecer pelo facto de eu mandar satisfazer os jornaes dos operarios que ainda não tinham recebido a importancia das suas ferias por trabalho no asylo Maria Pia.

Era um dever meu, e estou persuadido de que qualquer outro ministro, logo que tivesse conhecimento de tal facto, immediatamente daria as providencias necessarias para que os operarios fossem integralmente pagos.

Emquanto á segunda parte das observações do illustre deputado, que é a mais importante, direi a s. ex.ª que hei de examinar o projecto que apresentou, e ver se elle está inteiramente na conformidade do modo de pensar do governo; e prometto a s. ex.ª que lhe hei de dar toda a attenção que elle merece pela sua importancia, não só debaixo do ponto de vista de se realisar uma obra que é de toda a vantagem, por isso que é completar o aterro desde a Fundição até á Alfandega, mas tambem debaixo do ponto de vista da construcção de uma doka do abrigo, que dê meios de defeza ás pequenas embarcações do Tejo, para os casos, que se repetem frequentemente, de temporaes n'este rio.

Hei de examinar, repito, o projecto do illustre deputado, e tudo aquillo que eu possa fazer desde já o prometto a s. ex.ª de muito boa vontade.

O sr. Marçal Pacheco: — Na sessão de 9 de janeiro pedi alguns documentos relativos á gerencia do sr. engenheiro Cazimiro d'Ascenção Menezes, que tem a seu cargo uma das secções do caminho de ferro do Algarve; e n'essa occasião referi-me a alguns boatos que corriam a esse respeito.

As palavras que proferi então foram estas:

«A imprensa da provincia tem tratado de varios favoritismos praticados pelo engenheiro, unica e simplesmente inspirados pelo interesse, partidario, e não falta quem affirme que n'essas obras se têem feito diversos fornecimentos do materiaes contratados entre o engenheiro como fornecedor e o engenheiro como director, entro o engenheiro como vendedor e o engenheiro como comprador, isto é, entre o engenheiro n.º 1 e o engenheiro n.º 2.

«Também se diz que o mesmo engenheiro, contrariado por não querer o pagador acceitar a cumplicidade de taes irregularidades, conseguira que o sr. ministro das obras publicas, para dar satisfação aos pequenos rancores do engenheiro, demittisse o pagador, supprimindo o logar.

«V. ex.ª comprehendo que são estas accusações de summa gravidade, e que importa ao sr. ministro das obras publicas, ao parlamento e ao accusado fazer luz sobre este assumpto, e investigar bem o que ha de verdade a este respeito.

«Para auxiliar o sr. ministro das obras publicas no empenho, que de certo deve ter, de mostrar que não são verdadeiras, é que desejo que com a maxima brevidade possivel venham os documentos que solicito do governo.»

Como v. ex.ª e a camara vêem, eu não fiz accusações nenhumas a este engenheiro; disse apenas que se referiam estes boatos; e como o sr. engenheiro, não só por ser empregado do sr. ministro das obras publicas, mas tambem por ser seu amigo pessoal e politico, tinha de ser necessariamente justificado n'esta casa por aquelle sr. ministro, pedi que viessem os documentos, simplesmente no intuito de auxiliar o sr. Barros e Cunha na defeza do seu amigo.

Não fiz accusações, referi apenas boatos.

Parece, porém, que este simples facto levantou as susceptibilidades do engenheiro, porque, como costuma dizer-se, veiu sangrar-se em saude, dizendo nos jornaes que eu tinha feito accusações calumniosas e destituidas de fundamento.

Eu podia responder pela imprensa; mas, como tinha levantado a questão aqui, não quiz prejudicar a questão no parlamento, tratando-a na imprensa.

Á vista do exposto, v. ex.ª comprehende bem a situação melindrosa em que estou, e que preciso, hoje mais do que nunca, de que os documentos venham á camara.

Era de esperar que o sr. ministro das obras publicas de

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então tivesse mandado os documentos desde que eu apresentava a questão com um caracter mais ou menos pessoal para s. ex.ª Não os mandou.

Este procedimento, sr. presidente, em nada me surprehendeu, porque eu sou um d'aquelles a quem nenhum acto do referido ministro cansou surpreza...

Agora, porém, que está occupando a pasta das obras publicas o sr. Lourenço de Carvalho, com cuja amisade me honro, e s. ex.ª está presente, não posso deixar de insistir na remessa d'estes documentos, que eu preciso que venham ao parlamento para se conhecer se tive mais ou menos rasão em ter vindo aqui repetir os boatos que lá fóra corriam e na imprensa se propalavam, e que não trouxe isto com o proposito do fazer nascer suspeitas sobre um homem, ácerca de cujo caracter eu disse que não tinha duvida alguma.

Eu não quero, nem devo querer por fórma alguma, que se supponha lá fóra, ou aqui, que eu vim á camara referir factos e fazer insinuações sem fundamento.

Depois d'esta explicação da minha parte tenho a certeza de que o sr. Lourenço de Carvalho se apressará a fazer remetter á camara os documentos, não só porque elles importam trazer o cabal conhecimento dos factos, mas importam, sobretudo, esclarecer a minha posição.

Aproveito o ensejo para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre um ponto, para, o qual já tem sido chamada a sua attenção pelos meus dignos collegas representantes da provincia do Algarve: refiro-me ao caminho de ferro.

Eu entendo que a construcção do caminho de ferro do Algarve é não só uma questão de justiça, mas tambem uma questão de economia, e sobre isto chamo muito especialmente a attenção do governo.

O caminho de ferro da Beira Alta, da Beira Baixa, da fronteira, e, emfim, todos os caminhos de ferro que se possam fazer, representam, sem duvida, melhoramentos economicos do paiz.

Esses caminhos são muito importantes, e não serei eu que venha discutir agora a sua importancia; mas nenhum d'elles representa uma economia viva para o estado, como resulta da construcção do caminho de ferro do Algarve. (Apoiados.)

Do adiamento da construcção d'aquelles caminhos não deriva prejuizo para o thesouro ou para o paiz, mas resulta clara e evidentemente prejuizo para o paiz e para o thesouro publico do adiamento da construcção do caminho de ferro do Algarve. (Apoiados.)

Estão gastos mais de 1:000 contos de réis, os quaes, na fórma em que se encontram actualmente, não representam utilidade nenhuma nem para os povos nem para o estado. (Apoiados.)

Isto creio que é de uma evidencia a toda a prova, que se não póde contestar (Apoiados.); e lamento que das cadeiras ministeriaes se não tenha visto este assumpto com a mesma evidencia com que eu o vejo. Talvez por demasiado amor á minha terra, eu esteja um pouco apaixonado a tratar esta questão. Mas realmente quer-me parecer que adiar o acabamento de um caminho de ferro em que se tem já despendido mais de 1:000 contos de réis, sem se tirar d'ahi proveito algum para o thesouro, é mais prejudicial e anti-economico do que adiar a construcção de qualquer outro.

Esta questão não é só uma questão de justiça, de lei ou de economia, é tambem uma questão de interesse vital e de necessidade para os povos do Algarve.

V. ex.ª e a camara sabem o estado calamitoso em que se encontra o Algarve.

O Algarve tem passado por crises dolorosas. (Apoiados.)

Teve a estiagem, teve o mal das figueiras, teve o philoxera, e, como se tanto não bastasse, passou por uma outra provação, que não quero agora dizer qual foi...

Vozes: — Diga, diga.

O Orador: — Foi o sr. Barros o Cunha. (Riso.)

A administração do sr. Barros e Cunha foi um grande mal para o Algarve. Significou muita desillusão, muitas decepções, muitas esperanças perdidas, o se tudo isto não constituo um mal material, pelo menos é um mal moral. (Apoiados.)

Depois d'estes males, ainda á Providencia aprouve castigar o Algarve com um flagello mais desastroso do que o de 1875: a estiagem actual.

Por consequencia é mister acudir com medidas efficazes ao Algarve, e esta provincia tem quasi a certeza de que o governo regenerador, que sempre lhe tem valido em todas as occasiões de afflicção, lhe valerá tambem agora. E a maneira de conciliar o principio da justiça com o principio da economia, é ordenar a construcção do caminho de ferro.

Desde que isto assim é, espero que da parte do governo haverá todo o cuidado em dar com brevidade andamento á realisação d'esta idéa.

Por esta occasião chamo tambem a attenção do sr. ministro das obras publicas, para o estado lastimoso de ruina em que se acha a igreja de Silvos, que é um monumento de arte.

Tem havido pedidos da parte do reverendo prior e junta de parochia, a fim de que se façam os reparos precisos, mas até hoje ainda se lhes não deu satisfação.

No ministerio das obras publicas já existem duas ou tres representações pedindo a reparação d'aquella igreja, a respeito das quaes se tem dado sempre constantes esperanças, mas ainda não se lhes deu uma solução como era de esperar. '

Tenho, porém, a certeza de que o sr. ministro das obras publicas, não só pelo seu amor á provincia do Algarve, mas pelo amor que tem ás obras de arte, se empenhará em promptamente acceder a que se façam os reparos, que são uma necessidade urgente e pede a justiça que se façam.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n´este logar.).

O sr. Presidente: — São horas de entrar na ordem do dia. Se alguns srs. deputados têem quaesquer papeis que mandar para a mesa, podem mandal-os.

O sr. Marçal Pacheco: — Eu tinha pedido a palavra.

O sr. Presidente: — Mas deu a hora de se entrar na ordem do dia.

O sr. Pinheiro Osorio: — Acha-se installada a commissão de legislação penal, tendo escolhido para seu presidente o sr. Cardoso Avelino, a mim para secretario, e reservando-se nomear relatores especiaes para os negocios que forem submettidos ao seu exame.

O sr. Marçal Pacheco: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se entende que me deve ser concedida a palavra.

Consultada a camara decidiu afirmativamente.

O sr. Marçal Pacheco: — Agradeço, em primeiro logar, ao sr. ministro das obras publicas as explicações que acaba de me dar; e em segundo logar devo dizer que eu não podia deixar de fallar n'esta occasião, para desfazer um equivoco que me parece resultar das palavras que ha pouco pronunciei. E por isso agradeço á camara a benevolencia que acaba de usar commigo.

Eu não lamentei por fórma alguma que o governo gastasse o dinheiro que gastou por occasião da crise; não podia ser meu pensamento censurar um acto que eu mesmo tinha solicitado, e que o governo, que n'essa epocha estava no poder, de boa vontade tinha praticado; o que eu lamentei foi que o governo desse mais apreço ao caminho de ferro da Beira Alta do que ao caminho de ferro do Algarve.

E digo isto, porque creio que nem o sr. ministro das obras publicas, cujo talento privilegiado muito respeito, nem qualquer outro sr. ministro me poderá demonstrar, a ponto de me convencer, que é mais conveniente, mais eco

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nomieo jazer o caminho de ferro da Beira Alta do que acabar o caminho de ferro do Algarve.

Digo isto sem receio de ser contrariado, porque do adiamento do caminho de ferro da Beira Alta não ha prejuizo nenhum para o estado, e do adiamento do caminho de ferro do Algarve resulta um prejuizo claro, evidente e palpitante.

Estão ali gastos mil e tantos contos, e note v. ex.ª que quando digo mil e tantos contos, não me refiro só á verba que o governo despendeu por occasião da crise, refiro-me ao que se gastou com a construcção do caminho de ferro de Cazevel até Faro; gastaram-se mil e tantos contos, e da fórma que se encontra este capital não produz utilidade nenhuma nem para os povos, nem para o thesouro; é, pois, claro que são, pelo menos, os juros de mil e tantos contos que o governo perde todos os annos.

Agora peço que me demonstrem se o thesouro perde alguma cousa com o adiamento do caminho de ferro da Beira Alta.

Parece-me que está, fóra de toda a discussão a preferencia do acabamento do caminho de ferro do Algarve sobre a construcção do caminho de ferro da Beira Alta ou de outro qualquer.

Repito, desejava que me demonstrassem, por qualquer maneira, que do adiamento do caminho de ferro da Beira Alta resultava prejuizo para o thesouro, como resulta do adiamento do caminho de ferro do Algarve. Demonstre-m'o alguem, e eu dou-me por vencido e convencido. Antes d'isso, não.

Não lamentei as verbas que o governo despendeu por occasião da crise, porque não podia lamentar um facto de onde resultou tanta utilidade para a provincia de que tenho a honra de ser filho, nem tão pouco podia lamentar um facto que succedeu, em primeiro logar, pela justiça que assistia aquella provincia, e em segundo logar pelas instancias dos meus collegas e minhas. Era impugnar e lamentar o meu proprio facto.

Eu lamentei, e lamento, que tendo-se despendido mais de 1.000:000$000 réis, elles ahi estejam ao desamparo sob a fórma de rails, pob a fórma de estações, trabalhos de terraplanagens o construcções incompletas, sem aproveitamento nenhum, sem utilidade nenhuma nem para o thesouro nem para os povos.

Isto é que eu lamentei, porque isto é que é desperdicio, isto é que é anti-economico, isto é que é contra os interesses da provincia do Algarve e contra os interesses do thesouro.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.º 5, sobre as emendas offerecidas ao projecto da reforma administrativa

O sr. Presidente: — Vão ler-se umas propostas mandadas para a mesa pelo sr. Luciano de Castro.

Furam lidas, admittidos e ficaram em discussão com o parecer as seguintes propostas:

Representação das minorias

Artigo 1.º No dia designado para a eleição, e antes de se abrir o escrutinio, serão apresentadas ao presidente da mesa eleitoral, por dez eleitores, as listas dos candidatos aos logares do vereadores das camaras municipaes, comprehendendo tantos nomes quantos os vereadores que houver a eleger pelo respectivo concelho ou bairro. Os nomes dos candidatos serão classificados por ordem alphabetica, e as listas receberão um numero do ordem, que não poderá ser reproduzido n´outras.

Art. 2.° No acto da eleição cada eleitor depositará na urna uma lista contendo:

1.° O numero de ordem da lista que escolheu;

2.° Um numero de nomes de candidatos igual ou inferior ao dos vereadores a eleger.

Art. 3.° Terminada a eleição, proceder-se-ha ao apuramento do seguinte modo: Contam-se as listas validas de todo o collegio eleitoral. O numero d'estas, dividido pelo numero dos vereadores a eleger, indicará o numero do votos necessario para ser eleito um vereador (quociente eleitoral). Conta-se depois o numero de votos obtidos por cada lista, isto é, o numero de listas que tem a indicação mesmo do numero de ordem. As listas com o mesmo numero de ordem serão separadas para serem apuradas á parte.

§ 1.° Cada lista obterá o numero de vereadores proporcional ao numero de votos que tiver alcançado. Para se conhecer este numero divide-se o numero dos votos obtidos pelo quociente eleitoral. Se d'esta divisão resultarem fracções, e faltarem ainda vereadores para eleger, os restantes vereadores serão attribuidos ás listas pela ordem seguinte: aquella que tiver a maior fracção obterá o primeiro vereador; a que tiver a fracção maior immediata obterá o segundo vereador; e assim successivamente.

§ 2.° Se duas listas tiverem fracções iguaes, prevalecerá a que tiver o maior numero inteiro. Se duas listas tiverem o mesmo numero inteiro e a mesma fracção, a sorte designará a qual d'ellas pertence o vereador que falta eleger.

Art. 4.º Concluido o escrutinio, proclamar-se-ha:

1.° O numero de listas validas;

2.° O quociente eleitoral;

3.° O numero de votos que obteve cada lista;

4.º O numero de votos obtidos pelas listas, que tem direito de eleger.

§ unico. D'esta proclamação se lavrará acta assignada por toda a mesa.

Art. 5.° Para a designação individual dos vereadores, serão apuradas em separado as listas que tiverem os mesmos numeros de ordem, contando-se o numero de votos obtidos por cada candidato.

§ 1.° Cada uma das listas será depois restabelecida, collocando-se os candidatos não por ordem alphabetica, mas segundo o numero de votos que obtiveram.

§ 2.° No caso de igualdade de votos, serão collocados em primeiro logar os mais velhos.

§ 3.° As listas serão conservadas até, nova eleição.

Art. 6.° No caso de ser eleito o mesmo candidato em differentes listas do mesmo ou de diverso collegio eleitoral; ou no de recusa, fallecimento ou renuncia, o vereador que faltar a uma das listas será substituido pelo candidato, cujo nome se seguir ao seu. = José Luciano de Castro.

Art... É prohibida a intervenção directa ou indirecta das auctoridades administrativas nas eleições a que houver de proceder-se, em virtude d'esta lei.

§ unico. São nullas as eleições em cujo processo se mostrar ter havido interferencia das auctoridades administrativas era favor dos candidatos vencedores.

Para este fim são admissiveis todos os meios de prova permittidos por direito. = José Luciano de Castro.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Sinto não estar presente o illustre deputado a que tenho de responder. Comtudo não tendo que dizer cousa alguma que lhe seja desagradavel, creio que poderei continuar.

Foi uma boa fortuna para nós todos, e ainda melhor para mim, o discurso que ouvimos hontem ao illustre deputado. Tributou elle louvores á reforma, embora notasse alguns reparos em algumas das disposições della.

Isto é um bom symploma; porque o louvor que ali se devia julgar insuspeito não o seria na minha bôca.

Farei cumtudo um reparo: o illustre deputado veiu muito tarde com o seu discurso. Lembra-me que Cicero orou uma vez a favor de Milão, e perdeu a causa; escreveu depois um excellente discurso que mandou para Marselha onde estava Milão, que depois de o ler, disse: — O Cicero, foi pena que não dissesses isso no senado, porque se o dissesses talvez não estivesse aqui em Marselha a comer tão excellente peixe.

Se o illustre deputado tem feito o seu discurso a tempo,

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podiam ter sido consideradas muitas das cousas que disse, facilmente, e sem objecção.

Agora creio que é tarde, e que nós não podemos estar a renovar uma discussão finda, porque seriam assim interminaveis as questões e nunca chegaria cousa alguma ao seu termo.

O sr. José Luciano de Castro achou que nós não poderemos acabar esta empreza, e creio que a julgou superior ás nossas forças. Mesmo porque a empreza é boa, não me parece que a descrença d'elle seja motivo para nós esmorecermos, devo ser antes incentivo para levarmos a cabo aquillo que se reconhece bom.

Eu tambem não penso que esta reforma seja a ultima palavra que se possa dizer a respeito dos assumptos de que ella trata, terá talvez algumas imperfeições que com o tempo se hão do corrigir; mas uma vez que ella tem disposições boas, uma vez que tem disposições acceitaveis, uma vez que é bastante descentralisadora approvemol-a, porque sempre com isso aproveita o paiz alguma cousa; e não estejamos a esperar pelo optimo, porque muitas vezes é o inimigo do bom.

Notou o illustre deputado, e comtudo achou bom, que eu desistisse da circumscripção administrativa igual á judicial.

O meu ideal é ainda aquelle. Desejaria que o concelho tivesse a mesma area da marca, que o recebedor, e o magistrado administrativo residisse onde reside o recebedor e o juiz da comarca, que o thesoureiro do districto fosse o thesoureiro pagador, tudo isto harmonicamente; mas fui obrigado a sacrificar á ordem publica uma idéa que me parece excellente.

E devo dizer que esta idéa não é orginariamente minha. Esta idéa estava n'uma proposta apresentada em 1863 pelo sr. Anselmo José Braamcamp á camara electiva.

Se essa reforma não póde ser levada a effeito, não se segue que a idéa não fosse boa.

Notou mais o sr. José Luciano de Castro como uma grande imperfeição a faculdade de dissolver as camaras municipaes.

Minghetti, tratando em Italia da reforma administrativa, e tocando este ponto, disse que lhe parecia altamente inconsequente que se podesse dissolver a camara dos deputados e não se podesse dissolver uma camara municipal.

Eu devo declarar que em cinco annos e meio que estive no poder dissolvi duas camaras municipaes, e nenhuma d'ellas foi dissolvida por motivos politicos; ambas foram dissolvidas por erros de administração, sendo os seus vereadores entregues ao poder judicial.

Os abusos não tem sido frequentes, e eu admiro-me de ouvir esta doutrina a um sr. deputado que pertence a um partido que ainda ha poucos dias dava os seus applausos a uma imprensa que sustentava o direito da dissolução da camara municipal de Lisboa, e até quasi o de serem apedrejados os seus vereadores. (Apoiados.)

Àpplaudir a dissolução n'este caso, e notar agora os inconvenientes que podem vir da possibilidade de qualquer dissolução, não me parece muito coherente. (Apoiados.)

Não defendi essa dissolução, mas tambem não a ataquei, porque julguei que o governo estava no seu direito, ainda que eu não teria talvez usado d'elle.

O direito da dissolução é um bom direito, é um direito conveniente, é um direito que póde ser muitas vezes necessario, e querer pôr tantos obstaculos ao seu exercicio, não sei mesmo se ouvir o conselho d'estado; creio que é exagerar muito os riscos do exercicio d'elle.

O illustre deputado fallou tambem no celebre artigo dos casos omissos, e parece que n'esse artigo viu pendente sempre sobre todos os cidadãos a espada de Damocles.

Devo dizer á camara que não vejo n'este artigo os perigos que s. ex.ª viu. Este artigo existe actualmente nas nossas leis. D'este artigo fez-se em certa epocha um notavel abuso, mas ninguem combateu o artigo; o que se combateu foi o abuso que se fazia d'elle. E, porque se póde abusar de um direito qualquer, não é logico destruir esse mesmo direito.

Houve tempo em que um governador civil, ao qual é tambem applicavel o mesmo artigo dos casos omissos, suffocava a voz da imprensa, supprimia-a e allegava este artigo. Creio que nem a lei de imprensa nem as suas disposições são casos omissos, e elle achou-a caso omisso, porque queria perseguir; mas lá estava o poder competente, o poder judicial, que julgou que o caso não ora omisso. Por consequencia foi um abuso do direito e não foi o uso d'elle. (Apoiados.)

Ora, esse abuso combati o eu, mas a disposição do artigo não a combati nem a podia combater, porque talvez a suppressão d'elle podesse significar que em casos urgentes e omissos o administrador do concelho não podia fazer nada. Dizia-se-lhe; — Porque não preveniu ou evitou este acontecimento? Ou porque não fez minorar as suas consequencias? — E elle respondia: — Não posso fazer nada quando o caso é omisso.

Por isso, parece-me que não ha rasão para combater o artigo, nem para o eliminar; e tanto assim que só n'uma epocha se abusou, e d'ahi por diante têem estado quasi todos os partidos no governo, e não me consta que nenhum até hoje tenha abusado d'este direito. (Apoiados.)

Tambem se notou a faculdade que se dava ao governo de, em certos casos, se substituir ás juntas geraes de districto.

É preciso que se saiba que a demasiada descentralisação não deixa de ter alguns inconvenientes. Eu não tenho receio de demasiada agitação na administração; de que tenho receio é da sua inercia. N'aquelle caso o governo suppre a inacção dos corpos administrativos. E, segundo esta disposição, se tal corporação abusou do seu poder, lá estão os corpos superiores para a fazer entrar nos seus deveres.

O illustre deputado lamentou a sorte das populações que parece ficavam oneradas com grandes encargos que se lhes podem impor depois d'esta reforma. Eu confesso francamente que não tenho esse receio. Como o exercicio das funcções da municipalidade deve ser entregue aos que têem interesses no municipio, não acredito que elles vão carregar os povos com impostos que os mesmos vereadores têem de pagar. Não o receio.

Ha muita gente que tem grande medo dos corpos municipaes, e que entendo que é preciso ter o governo sempre a mão em cima d'elles. Eu acredito que as localidades se podem governar melhor por si, do que o governo nas secretarias a estabelecer as regras que ellas hão de seguir e os generos que hão de tributar. (Apoiados.)

Estou farto de ver cousas que mal se podem conceber. Os corpos administrativos carecem de recursos, que não podem obter por meio da venda a retalho, que se não sabe bem se é a medida antiga do quartilho, da meia canada, da canada, ou o que é, e d'aqui resulta que o pobre que póde apenas comprar um quartilho de vinho, pagava; e o que comprava uma, canada ficava livre do imposto. Ora eu não gosto do impostos que vão saír só da bolsa do pobre.

Não póde haver definição que tenha menos inconvenientes do que a do projecto; mas se se começar a regular os impostos como se regulou muito tempo na, secretaria, então digo que não póde haver administração possivel. So não derem ás camaras municipaes materia collectavel, ellas não podem fazer cousa alguma: dizemos lhes que podem voar, mas não têem azas; que podem andar, mas não têem pés.

E comtudo é o que resulta das leis do retalho, do miudo e do grosso.

Esta reforma, não foi feita para isso; esta reforma, dando attribuições largas ás municipalidades, entendeu que ellas tinham capacidade para se administrar; e nós que continuâmos sempre a fallar do governo do povo pelo povo, parece-me que não fazemos bem em fingir que damos ao povo o seu governo; tendo, porém, a secretaria do reino, ou outra

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qualquer secretaria, o direito de lhe tolher sempre o passo. E para isto que vem aqui esta disposição.

Sei que o illustre deputado quer dar uma satisfação aos seus constituintes para saberem o seu modo de ver as cousas, mas tudo tem o seu tempo proprio, o se elles agora tomam nota do seu voto, tambem não lhe devem ficar muito agradecidos por elle não o manifestar em tempo que podia ser mais util.

Gostava que se examinassem todas as proposições que o illustre deputado apresentou, todas as emendas que propoz, e isso era excellcnte. Mas não podemos andar para trás, mesmo para que haja tempo da reforma passar na camara dos dignos pares, e eu creio que s. ex.ª fallou com tanta sinceridade que não é esse o seu desejo.

Dando por assentado que o assumpto está discutido e votado, devemos agora votar principalmente as emendas para se terminar uma cousa que ainda me parece interminavel! Tenho sido arguido muitas vezes, e com alguma rasão, pela demora que tem havido a este respeito, e eu não quero agora concorrer para que a reforma se demore mais, principalmente quando tem algumas vantagens, ainda que não tenha tantas como eu desejava, mas basta ter algumas, basta melhorarmos, e desde que se melhora, vale mais andar do que parar. (Apoiados.)

O sr. Julio de Vilhena: — Depois do discurso que acaba de pronunciar o nobre ministro do reino, sou o primeiro a reconhecer que seriam desnecessarias quaesquer considerações, da minha parte, em resposta ao que hontem disse n'esta assembléa o illustre deputado e meu amigo o sr. Luciano do Castro.

A longa pratica administrativa do nobre ministro do reino, a sua esclarecida intelligeneia, que todos respeitam e que todos acatam, são elementos que geram em todos nós a convicção profunda de que as considerações apresentadas pelo illustre deputado, o sr. Luciano de Castro, se acham completamente combatidas pelo nobre ministro.

Comtudo tendo-se o illustre deputado dirigido hontem ao relator da commissão em termos tão lisonjeiros para elle, seria da minha parte um crime de lesa-delicadeza o ficar silencioso n'esta occasião.

Começo por agradecer ao illustre deputado, e meu amigo, as expressões lisonjeiras que empregou para commigo, não só hontem, mas em todas as occasiões em que as circumstancias parlamentares nos têem collocado em frente um do outro, e ás vozes em bem acaloradas discussões.

Tenho recebido da parte de s. ex.ª taes attenções, que seria falta de delicadeza da minha parte se não dissesse bem alto aqui — que agradeço — embora esteja convencido de que as não mereço, sendo aliás para mim bastante agradaveis por virem da parte de um tão poderoso adversario.

Tive grande prazer quando ouvi hontem, n'esta assembléa, ao sr. Luciano de Castro, dizer que queria fazer propaganda dos seus principios; e s. ex.ª disse muito bem que não ha no regimen constitucional logar mais apto para a propaganda politica do que a tribuna parlamentar. (Apoiados.)

Applaudo estas idéas, quer ellas venham de amigos politicos, quer de adversarios, e desejaria que todos os partidos se convencessem d'estes principios, desejaria ver largamente adoptado o principio de que não ha n'um regimen constitucional e livre logar mais contemplado, tribuna cujas vistas sejam mais amplas, do que a tribuna parlamentar, e sinto que os correligionarios do sr. José Luciano não realisem este principio.

Era aqui que eu os desejava ver combatendo qualquer poder, embora o mais altamente collocado, porque encontrariam de certo quem tomasse a responsabilidade dos seus actos e quem os defendesse. (Apoiados.)

O illustre deputado e meu amigo, o sr. Luciano de Castro, mostrou-se hontem ao facto de todas as theorias sociaes e politicas, revelou que conhecia os ultimos debates parlamentares das nações mais adiantadas da Europa, manifestando assim que pertence á geração dos Moyanos, dos Castellares, dos Orbans e dos Gladstones, de todos esses combatentes para quem o ser estadista não consiste simplesmente em gosar das vantagens do poder, mas em affirmar a sua individualidade, combatendo ou sustentando um systema politico.

Debaixo d'este ponto de vista felicito o meu amigo o sr. José Luciano; porque eu, quando vejo um homem collocar-se á altura dos graves problemas da actualidade, quando vejo discutida nas assembléas parlamentares uma questão em toda a sua magnitude, qualquer que seja o campo em que esse cavalheiro milita, merece sempre a minha profunda consideração.

Não tenho a pretensão de fazer n'este momento um discurso, mas não quero deixar de aproveitar a occasião para mostrar que o meu amigo, o sr. Luciano do Castro, tem uma escola opposta á minha em assumptos de administração. Eu sou da escola positivista; s. ex.ª é da escola metaphysica.

Entendo que não ha nada mais facil do que folhear os tratadistas do direito administrativo e traduzir as suas doutrinas, mais ou menos theoricas, em artigos de lei; mas ha um trabalho mais difficil para o legislador, que é o exame das circumstancias da sociedade para a qual se fazem as leis, estudo de analyse, de inspecção, todo positivo, de experiencia e não de theoria.

Era isto que eu queria ver fazer ao illustre deputado, e combatendo s. ex.ª a reforma que se discute, desejava que primeiro examinasse as condições historicas e ethnographicas da sociedade portugueza, a indole dos habitantes, a natureza do seu territorio, que empregando este processo positivo assegurasse depois que o projecto em discussão não corresponde ás legitimas necessidades da sociedade portugueza.

Este que é hoje na sciencia social o unico processo seguro, é que eu desejava ver empregar pelo illustre deputado.

Ora eu vou mostrar a s. ex.ª e á camara que a reforma administrativa, traduzindo as necessidades do momento actual, é uma expressão fiel do estado da civilisação portugueza.

Para mim não ha reforma administrativa perfeita, porque não ha sociedade perfeita.

Reconheço uma lei na organisação das sociedades, que é a lei da evolução, que actua nos corpos moraes, como nos corpos physicos a lei da gravidade. É uma lei natural superior á vontade dos legisladores e estadistas.

O progresso da sociedade é obra de si mesmo.

Podem fazer as leis que quizerem, colher vastos programmas de estylo e de theorias, a sociedade nem por isso caminha mais rapidamente no seu movimento de ascensão.

Se fizerem uma lei radicalmente descentralisadora n'um paiz cujas condições positivas a não tolerem, a liberdade não passa do papel em que a lei se escreve. Se pelo contrario fizerem uma lei centralisadora n'um paiz em que a liberdade individual esteja radicada nos costumes e nas tradições, o legislador perde o seu tempo e não consegue afastar a sociedade da linha que fatalmente percorre.

A liberdade é um agente natural como o vapor, quanto mais se comprime mais intensidade adquire. (Vozes: — Muito bem.)

São estes os principios da minha escola, principios que sempre tenho defendido, desde que principiei a estudar as sciencias sociaes, principios que sempre hei de defender.

O progresso da sociedade não depende da vontade do legislador; o papel de legislador limita-se a apreciar rigorosamente a opportunidade do momento e a trasladar na lei a exigencia do meio em que governa.

Se realisou essse ideal, póde ter a certeza e vangloriar-se de que cumpriu a sua missão, de que preencheu completamente o seu fim.

Mas, sr. presidente, disse eu que não havia reforma

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administrativa perfeita. E isto está no ambito dos meus principios.

A administração está n'uma fluctuação permanente; é o braço do poder executivo, isto é, o poder executivo é a cabeça que pensa o a administração é o braço que executa.

A administração realisa o pensamento politico do governo, e o pensamento politico do governo varia com a rotação natural e constitucional dos partidos.

Uma reforma administrativa que é julgada hoje perfeita, póde ser considerada ámanhã imperfeita; uma reforma administrativa que satisfaça todos os partidos é inteiramente impossivel.

Portanto não creia o illustre deputado que eu tenha a louca vangloria de estar aqui defendendo uma reforma que suppunha que é o ideal em administração; eu digo, pelo contrario, sinceramente, que esta reforma não póde ser o ideal em administração.

Se ámanhã esta reforma fosse julgada imperfeita, se ámanhã se provasse que as condições da sociedade portugueza exigiam outra lei de administração, eu seria o primeiro a subscrevel-a; e n'isto não ha incoherencia da minha parte, porque a minha obrigação, como a de todos nós, é acompanhar a evolução lenta mas successiva da sociedade. (Apoiados.)

O illustre deputado, fallando da reforma administrativa, discutiu, como ponto que se devia collocar em primeiro logar, a descentralização.

S. ex.ª applaudiu com calor as disposições da reforma que contêem principios descentralisadores, e ao mesmo tempo insurgiu-se contra as disposições da mesma reforma que contêem principios centralisadores.

Discutamos placidamente esta questão perante a camara e perante o paiz, que de certo ha de ter conhecimento do que nós aqui dissermos.

A descentralisação é uma questão mais difficil do que á primeira vista parece.

Eu tenho a este respeito idéas que se afastam do pensamento commum, pela simples rasão de que não pertenço a nenhuma das escolas conhecidas em administração.

Conversemos sobre este assumpto, que merece realmente a nossa attenção.

Sabe o illustre deputado donde nos veiu esta idéa da descentralisação?

Sabe de certo, porque é muito illustrado. Veiu da America.

O sr. de Tocqueville foi aos Estados Unidos da America, e, vendo lá a liberdade por toda a parte, porque ali o espirito liberal em todos os individuos é tão exuberante como a seiva das arvores d'aquellas florestas virgens, vendo que as instituições locacs gosavam de uma autonomia completa gerindo os seus interesses e desempenhando os seus serviços, achando-se emfim no seio de um paiz rico, livre e feliz, julgou que tudo aquillo era o resultado do systema descentralisador que campeava nos Estados Unidos.

Mas o sr. do Tocqueville enganou-se. Não era a descentralisação que tinha formado a felicidade dos Estados Unidos; a descentralisação não era a causa, era o effeito das condições nafuraes e positivas que se davam na sociedade americana.

N'um paiz, como os Estados Unidos da America, onde não ha tradicções historicas que depauperem o sangue do povo; n'um paiz que não foi durante seculos, como os povos da velha Europa, governado pelo direito canonico e romano; n'um paiz onde as instituições liberaes são espontaneas, as localidades não precisam de ir pedir subvenção ao poder central, porque têem recursos naluraes em si mesmo; e o sentimento da individualidade é ingenito, forte e robusto; não é possivel outro systema que não seja a descentralisação.

Se o poder central quizer reprimir este instincto liberal o Independente, não o poderá fazer, porque terá contra si

todos os elementos sociaes que determinam as grandes revoluções.

O sr. do Tocqueville não comprehendeu isto.

Veiu para a Europa encantado do que viu na America; escreveu um livro que todos conhecem, em que defendeu brilhantemente a descentralisação; e tantos proselytos conquistou, que nos ultimos quarenta annos não se tem fallado em outra cousa.

Falla-se na descentralisação nas cadeiras do magisterio, nos comicios populares, no parlamento, na imprensa, nos programmas; emfim, em toda a parte e a proposito de tudo.

A descentralisação é uma panacêa universal que cura todos os males.

Assim, por exemplo, havia um problema economico para resolver, diziam logo os defensores do novo systema: «Descentralisae, e vereis como tudo corre optimamente o no melhor dos mundos».

Era necessario matar a questão eterna do pauperismo, diziam: «Descentralisae, e vereis como os proletarios ficam ricos o felizes». Não deis ao estado a faculdade de crear asylos e dar trabalho a quem d'elle precisar, deixar á caridade individual e á iniciativa de cada um resolver a questão do pauperismo».

E o que acontecia?

O pauperismo continuava a enroscar-se á sociedade, como um parasyta nocivo; a caridade retrahia-se, e emquanto as officinas progrediam, crescia a miseria em progressão assustadora. Então era mister fundar asylos, legislar sobre o direito ao trabalho, desenvolver as obras publicas para empregar os braços dos desvalidos, centralisar n'uma palavra. Era a centralisação que curava os vicios do systema opposto. (Vozes: — Muito bem).

Vinha á discussão a questão religiosa? Tratava-se das relações entre o estado e a igreja? Diziam os defensores da descentralisação, quereis resolver o problema: «Descentralisae, dae liberdade á igreja e a todos os cultos»; mas depois o estado tendia a desapparecer no seio da esphera religiosa, e quando o poder secular queria revindicar os seus fóros caía novamente sob o imperio da concordata.

A camara não ignora os males que a descentralisação radical tem occasionado na Europa. V. ex.ª e a camara sabem perfeitamente o que tem acontecido ultimamente entre nós.

Em nome da descentralisação fez-se a lei das sociedades anonymas. Em nome da descentralisação disse-se: «Deixae que estas sociedades se organisem á sua vontade; nada de interferencia governamental, nada de restricções á liberdade dos associados». Fundaram-se as sociedades anonymas, alargaram-se rapidamente por todo o paiz, e todos presenciaram que, dentro em pouco tempo, a bancarôta estava declarada (Apoiados.), as sociedades livremente constituidas pediam ao estado que lhes pagasse as suas dividas (Apoiados.), e a centralisação vinha sustar o passo á fallencia da iniciativa individual.

Isto são factos que têem acontecido todos os dias (Apoiados.): acontecem em Portugal, na França, na Italia e em toda a, parte. São males geraes, filhos da descentralisação completa. Téem-se feito por mais de uma vez experiencias de descentralisação em Portugal. Em 1832 José Xavier Mousinho da Silveira entendeu dividir a administração em tres governos, em nome da descentralisação, mas passado pouco tempo reconheceu pela experiencia que era mister renunciar á empreza.

Em 1836 Manuel da Silva Passos ordenou que os administradores de concelho fossem eleitos pelo suffragio local. Pois ha, aos olhos dos descentralisadores pensamento mais liberal, idéa mais grandiosa do que a de Passos Manuel? Os administradores filhos do voto popular!

Pois, decorridos alguns annos, observou-se que os administradores não fiscalisavam os impostos, e favoreciam os seus partidarios, que os tinham elevado, pelo suffragio, ao cargo que desempenhavam.

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Conheceu-se que a experiencia tinha dado maus resultados, e os administradores voltaram a ser, como até ali, de nomeação governamental.

São estes factos que o legislador deve ter em vista e estudar, e não as theorias, porque essas conhecem-n'as todos aquelles que no seu gabinete se têem dedicado ao estudo do direito administrativo.

O sr. ministro do reino podia fazer uma reforma com essas theorias, mas s. ex.ª não legisla para a Cidade de Deus de S. Agostinho nem para a Utopia de Morus, legisla para a sociedade portugueza. (Vozes: — Muito bem.)

Eu sei o que dizem os partidarios do meu illustre amigo o sr. José Luciano de. Castro: «Mas nós temos a descentralisação em muitos paizes da Europa, temol-a na Suissa e na Inglaterra». É verdade, mas estudem as condições peculiares da Suissa e da Inglaterra, e digam-me se a descentralisação que vegeta ali, como uma planta natural d'aquelle sólo o sob a influencia d'aquelle clima, póde ser transplantada para um solo differente o para clima diverso.

Na Suissa não póde haver outra cousa que não seja a descentralisação; porque a descentralisação está gravada pela natureza nas condições positivas d'aquelle povo. As leis não fizeram mais do que traduzir no diploma o que já estava escripto no territorio, nas linguas e raças dos habitantes.

Não ignora de certo a camara, que é bastante illustrada, que a Suissa é habitada por povoações de differente origem ethographica, umas de origem tentonica, outras de origem latina. Ali falla-se o allemão, o italiano, o francez e o romano, que e uma especie do dialecto latino. Ao lado d'isto ha as condições do territorio.

Ainda que o governo da Suissa quizesse centralisar, não podia, porque a centralisação é a unidade, o não se estabelece a unidade entro elementos heterogeneos. Profundos valles e altas cordilheiras separam as povoações da Suissa; a acção do governo não póde dominar do centro até chegar á extremidade; a natureza é a primeira defensora da descentralisação.

Aqui está, pois, a rasão por que eu digo que acho prejudicial para a sociedade portugueza implantar-se um systema que se vae estudar no estrangeiro, sem se saber as condições que se dão n'esse paiz. Podem chamar-me o que quizerem; theorico é que eu não sou. (Apoiados.)

O sr. José Luciano fallou-nos na administração ingleza.

Confesso que não sou muito affecto á administração ingleza.

Todos sabem que o condado é o principio em, que assenta a descentralisação ingleza. O chefe civil do condado é de nomeação governamental; os juizes de paz são igualmente filhos do poder executivo. E sabe v. ex.ª o que lá acontece? E que os juizes de paz, entidades de nomeação governamental, têem attribuições judiciaes e attribuições administrativas. Quer dizer, a separação do poder judicial da administração, que é, uma conquista da philosophia moderna e da revolução do 1789, não existe na Inglaterra. Podemos nós acceitar o systema inglez? De modo nenhum. Os juizes do paz inglezes, que são de nomeação regia, decidem as questões sobre, impostos. Veja, v. ex.ª até que ponto chega o principio descentralisador da Inglaterra Conserva se isto, porque os povos estão habituados aquella administração, porque aquellas auctoridades estão, deixem-me assim dizer, na posse d'essa faculdade por uma prescripção ou usucapião secular. Ainda que o legislador queira tirar as attribuições que pertencem a essas auctoridades, protestam contra isso os habitos, os costumes e as tradicções d'aquelle povo. (Apoiados.)

Aqui tem v. ex.ª quaes são as minhas idéas ácerca d'esta importante questão de descentralisação. Não acceito a descentralisação completa, porque a sociedade portugueza não está nas condições de a receber.

Quando vem a tempestade invadir os campos, o que acontece entre nós? Vem o lavrador pedir ao governo que lhe dê sementes (Apoiados.) que a cheia lhe levou.

Quando as fallencias surgem nos bancos, vemos os directores pedir ao governo que lhes empreste o dinheiro de que precisam. (Apoiados.)

E quando as camaras municipaes augmentam a despeza, vem submissas pedir ao governo que lhes dê os meios que ellas não têem. (Apoiados.)

Pois n'um paiz aonde ha uma tendencia tão manifesta para a centralisação, onde a educação politica não está, largamente desenvolvida, onde a eleição popular é abandonada, por parto dos eleitores que abandonam a urna, póde decretar-se larga e amplamente a descentralisação?

Não póde ser; porque isso seria uma descentralisação theorica, e essa descentralisação não aproveita a ninguem.

O illustre deputado o meu amigo, passando d'este a outro assumpto, atacou a reforma em algumas das suas disposições fundamentaes.

Quanto ao direito de dissolver as camaras municipaes, já o nobre ministro do reino respondeu. E na verdade nós não podemos tirar ao podei central a faculdade da dissolução nos casos marcados no projecto.

Diz-se que se póde abusar. Mas se o governo exorbita, lá está o suffragio para lhe corrigir as demazias.

Parece á primeira vista mais liberal que só se concedesse ao governo a faculdade de dissolver os corpos administrativos depois de terem sido condemnados pelo conselho de districto pela transgressão das leis o regulamentos, ou pelos tribunaes judiciaes, quando qualquer dos seus membros tenha praticado um crime commum. Mas n'este caso havia pelo menos de conceder-se ao governo a faculdade de suspensão, que o illustre deputado lhe nega.

Desde que se concede ao poder central o direito de fiscalisação, é justo que se lhe dê o direito de dissolução.

Se o governo exorbita, o governo tem a responsabilidade que se lhe torna effectiva no parlamento. Os parlamentos exigem dos governos a explicação do seu procedimento, e se elle não é o mais conforme aos principios da justiça e aos interesses publicos, os parlamentos têem o meio de tornar effectiva a responsabilidade aos governos que por tal fórma procedem.

Disse tambem o illustre deputado que era necessario supprimir a disposição da reforma, que concedo ao governo a faculdade de, confirmar a demissão dos empregados locaes.

Segundo o projecto, a junta geral não póde demittir os seus empregados sem confirmação do governo.

Aqui não ha centralisação: o que nós queremos é que a junta geral, muitas vezes para se vingar de um acto qualquer praticado por um empregado, não vá demittir esse empregado.

Queremos dar uma garantia aos individuos, e tirar uma prerogativa ás juntas geraes.

O illustre deputado disse tambem que ha centralisação na organisação do conselho de districto, porque na sua opinião este tribunal é amovível o póde ser dissolvido á vontade do governo.

Em primeiro logar o conselho de districto não póde ser dissolvido, porque não é, segundo o projecto, um corpo administrativo: é um tribunal. Alem d'isso, é conveniente notar, que é uma corporação local, que faz a lista d'onde têem de, saír os membros do conselho de districto, e n'isto ha um principio descentralisador.

Deseja o illustre deputado que se estabeleça em cada districto um tribunal collectivo, composto de membros do poder judicial que julguem os negocios administrativos? Isso equivale a estabelecer vinte e uma relações, que trarão um grande augmento de despeza.

O illustre deputado quer economias, mas não as podia conseguir com a sua reforma, porque a despeza com o pessoal devia de ser exorbitante. (Apoiados.)

O illustre deputado quer que, acabe o contencioso administrativo. N'esse ponto concordo com o illustre deputado.

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Nos meios é que divergimos. O contencioso administrativo vae desapparecendo gradualmente de entre nós, e ha de desapparecer. Muitas attribuições que pertenciam até aqui aos tribunaes do contencioso administrativo, pela reforma administrativa vão passar para os tribunaes judiciaes. Tambem eu quero a suppressão do contencioso administrativo, mas quero-a gradual, quero que os povos se vão acostumando a reconhecer competencia nos tribunaes judiciaes para resolver estas questões. Mas isto ha de fazer-se com o tempo. Têem sido estas as minhas idéas, e posso attestar que na commissão encarregada de fazer uma lei ácerca do recrutamento, da qual eu tive a honra do fazer parto, entendeu-se que muitas das attribuições que em materia de recrutamento até agora pertenciam aos tribunaes administrativos podiam passar para os tribunaes judiciaes. (Apoiados.)

Creio que na reforma eleitoral que se está fazendo actualmente, se transferem para os tribunaes judiciaes attribuições que pertenciam aos tribunaes administrativos. (Apoiados.)

Por consequencia já o illustre deputado vê que o governo, os membros da maioria da camara, emfim o partido regenerador, não é completamente defensor do contencioso administrativo; quer que se vão transferindo as attribuições que tinham os tribunaes administrativos para os tribunaes judiciaes, mas gradualmente, e é essa, segundo o meu systema, a maneira de realisar a reforma que o illustre deputado deseja.

A reforma administrativa estabelece tambem que quando as juntas geraes não façam o seu orçamento, o governo deve supprir essa falta. Diz o illustre deputado: «Pois o governo é que ha de fazer os orçamentos das juntas geraes? Quem os deve fazer é o parlamento».

Eu digo ao illustre deputado, que os parlamentos não são constituidos para fazer os orçamentos das juntas geraes de districto. (Apoiados.)

Confesso que, se porventura vigorasse a idéa do illustre deputado, eu tinha grande diffieuldade em fazer, por exemplo, o orçamento da junta geral do districto de Villa Real.

Esses orçamentos deve fazel-os o governo, porque o governo póde receber todos os esclarecimentos necessarios por intermedio dos governadores civis; e nós que representantes temos nas localidades que nos mandem esses esclarecimentos?

O fazer esses orçamentos é, pela propria natureza de facto, uma attribuição do poder executivo.

Nem mesmo pela indole das suas funcções póde o poder legislativo approvar os orçamentos das juntas, porque nós só tratamos de interesses geraes da nação.

O illustre deputado lastimou que, pela reforma que se discute, dessemos ás juntas geraes a faculdade de verificar os poderes dos seus membros.

Nós pensavamas que introduzindo este principio não faziamos mais do que acceitar uma doutrina que se encontra na legislação belga, e que tem produzido excellentes resultados.

Não é o poder judicial o competente para verificar os poderes do parlamento ou das assembléas locaes, como se afigurou ao illustre deputado.

Esses poderes verificam-se mais pela equidade que pela applicação restricta do direito.

Se concedermos esta faculdade ao poder judicial, o illustre deputado ha de ver que uma grande parte do eleições, tanto para o corpo legislativo como para os corpos locaes, hão de ser annulladas, porque o poder judicial decide restrictamente em harmonia com a lei.

Se esse assumpto tem de ser regulado por um principio de equidade, ninguem o póde applicar melhor que os corpos de que fazem parte os membros, cujos poderes têem de ser verificados.

Isto reconheceu a Belgica com relação ás localidades: e o sr. Sampaio, acceitando esta indicação, obedeceu completamente aos principios liberaes.

Chegámos a um assumpto importante; á questão da organisaeão da fazenda municipal.

O illustre deputado e meu amigo começou por censurar o systema da fazenda municipal exarado na reforma em discussão. Diga s. ex.ª que não se devia admittir o imposto que estabelecemos ali.

A camara sabe já quaes são as disposições que temos na reforma a este respeito; podem ser collectados todos os generos postos á venda quer a retalho quer em grosso.

Diz o illustre deputado que ha uma duplicação de imposto. Não ha, porque o artigo 123.º diz que «o imposto indirecto paga-se por uns tantos réis lançados sobre os genero consumidos no concelho; a caracteristica do imposto é o facto do consumo «.Evidentemente não póde haver duplicação de imposto; as mercadorias compradas para revender não estão sujeitas á disposição do artigo. Só o estão os generos comprados para consumo. Por conseguinte aqui tem o illustre deputado como está resolvida a difficuldade que s. e.x.ª apresentou. Não póde o mesmo genero ser collectado duas vezes pela simples rasão de que não póde duas vezes ser consumido. A maior difficuldade que o illustre deputado achou n'este systema da fazenda municipal desappareceu completamente.

Diz s. ex.ª que «nâo se póde admittir esta liberdade que nós concedemos ás camaras municipaes para tributarem todos os generos, e que ora necessario estabelecer uma certa selecção entre contribuições directas e contribuições indirectas municipaes». Eu posso asseverar a s. ex.ª que nós não alterámos em cousa alguma a actual organisação da fazenda municipal; concedemos ás camaras municipaes a faculdade de collectarem á sua vontade, todos os generos, não estabelecendo relação entre contribuição directa e contribuição indirecta, porque não o deviamos fazer.

Eu estudei esta questão da organisação da fazenda municipal em todos os districtos e em todos os concelhos do paiz, servindo-me para isso dos documentos que havia no ministerio do reino e que foram publicados ha dois annos.

Sabe v. ex.ª o que eu vi? Vi uma variação completa de districto para districto, de concelho para concelho.

Havia concelhos em que a contribuição directa municipal era de 100 por cento sobre as contribuições geraes do estado; outros concelhos onde não havia contribuição municipal directa; n'estes a receita provinha unica o exclusivamente da contribuição directa, n'aquelles da indirecta; outros, finalmente, não tinham contribuição directa nem indirecta, sendo a sua receita extrahida dos bens municipaes, como o concelho de Barrancos no districto de Beja.

Ora, encontrando esta variação de districto para distrito, de concelho para concelho, que se havia de fazer n'esta reforma? Apresentar uma disposição que fosse em harmonia com a variação, harmonisando-se, assim com a tendencia dos povos.

Foi esse o nosso estudo, o nosso trabalho.

Démos completa liberdade ás camaras municipaes para collectar. O principio da variabilidade das contribuições existente nos costumes da sociedade portugueza apparece consignado na lei.

Se estabelecessemos a uniformidade, então é que íamos fazer uma violencia aos concelhos. Se estabelecessemos a uniformidade então é que iríamos quebrar as tradições e os costumes dos povos, e fazer talvez a revolução que o illustre deputado tanto receia. (Apoiados.)

Estudámos os elementos positivos, e resumimos esses elementos em ordem a apresentar o seu pensamento n'uma disposição legal; e parece-me, repito, que não devia ser, n´este caso, outro o trabalho do legislador.

Eu podia ler á camara, mas não leio, para não a fatigar muito, e mesmo para me não fatigar demasiadamente a mim, uma relação das contribuições de alguns dos districtos do paiz. Essa relação confirma o principio que enunciei.

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Ha uma variação completa de districto para districto e de concelho para concelho; essa variação continua estabelecida, o por consequencia não deve haver receios de que haja reclamações dos povos, nem a revolução que tanto preoccupa o illustre deputado.

Vou concluir, mas antes de o fazer permitta-me v. ex.ª que me refira a um ponto que o illustre deputado feriu; quero dizer, ás attribuições conferidas aos administradores do concelho pela reforma administrativa que se discute.

Diz o illustre deputado, que por esta reforma se dão aos administradores de concelho attribuições discricionarias para os casos omissos o urgentes. «Isto, diz s. ex.ª que equivale a proclamar a dictadura dos administradores de concelho, e não deseja a dictadura dos administradores de concelho, porque elles podem abusar.»

Eu vou demonstrar á camara que, se o artigo é mau, a emenda proposta pelo illustre deputado tambem não é muito acceitavel.

Podem effectivamente abusar os administradores de concelho no exercicio d'esta faculdade que lhe é concedida, mas não são só os administradores do concelho que podem abusar no desempenho do seu cargo. Podem abusar os governadores civis, os membros do poder judicial, os membros do poder legislativo, os membros do poder executivo; todos os poderes podem abusar.

E, se as auctoridades em questão podem abusar, existindo esta disposição, o mesmo aconteceria no caso d'ella não existir.

Por consequencia, o argumento que condemna a inserção na lei d'esta disposição, condemna tambem a sua não inserção. (Apoiados.)

Se, como disse o illustre deputado, nós supprimissemos este artigo da lei, se não ficasse na lei uma disposição que auctorisasse os administradores de concelho a proceder nos casos omissos, o que é que elles deviam fazer Cruzar os braços e não proceder, porque as attribuições das auctoridades estão referidas na lei, e quando esta não prescreve, nada devem fazer.

Ora, como em certos casos lhes é de certo impossivel cruzar os braços, é melhor que procedam em virtude de uma auctorisação da lei, do que em virtude do arbitrio. Isto é que é legal, isto é que é logico, isto é que é juridico, isto é que é acceitavel. (Apoiados.)

Se supprimissemos este artigo, os administradores de concelho ficavam com o simples arbitrio; se conservarmos este artigo, os administradores de concelho ficam com uma auctorisação legal. Ora, entre o arbitrio e a legalidade, eu prefiro sempre o systema da legalidade. (Apoiados.)

Outro ponto que tocou o nobre deputado e meu amigo, o sr. José Luciano de Castro, é o que diz respeito á acção dos administradores do concelho em materia de eleições.

E este ponto tratou-o s. ex.ª com largueza o profundo conhecimento da moderna sciencia administrativa.

S. ex.ª citou a circular do sr. Marcère, dizendo que n'essa circular era condemnada toda a intervenção, directa ou indirecta, dos administradores de concelho, tanto nas eleições locaes como nas eleições de deputados; e, fundado n'este principio, sustentou a emenda do sr. Eduardo Tavares, censurando a commissão por não ter acceitado essa emenda.

É necessario que nos entendamos a este respeito.

A circular do sr. Marcére, a que o illustre deputado se referiu, não prova nada.

Se o partido republicano francez tivesse de fazer ámanhã umas eleições, havia de acceitar as candidaturas officiaes, como as acçeitaram os partidos que o combateram. E sabe v. ex.ª a rasão d'isto? E porque as candidaturas officiaes são de direito publico francez.

Ora, desde que existem as candidaturas officiaes, os administradores de concelho, como orgãos do governo, hão de necessariamente insinuar essas candidaturas e defender os candidatos; (Apoiados.) e a insinuação é já de per si a influencia indirecta que o illustre deputado queria ver condemnada pela legislação penal.

Eu vou citar auctoridades que s. ex.ª não póde rejeitar, porque partilham as idéas do partido a que o illustre deputado pertence.

Em primeiro logar citarei o nome do sr. Julio Simon. De certo que esta auctoridade não é suspeita para o illustre deputado. O sr. Julio Simon, que deu logar ao golpe de estado de 16 de maio, diz o seguinte:

«Um certo numero dos meus amigos e collegas têem já pedido que o governo actue nas questões eleitoraes com uma imparcialidade absoluta, como presidente e nunca como partido, que ignore de certo modo a opinião dos candidatos, e que se limite a manter a mais vigilante policia nos logares em que essas eleições se verificam. Como o sabeis, não sou d'este parecer. Entendo que em todas as questões o governo tem o direito de emittir a sua opinião, e acrescento que faz bem em a declarar. Não me insurjo de modo algum contra a declaração feita por elle, de que entre muitos candidatos ha um que lhe agrada, e outro contrario á sua politica. A completa franqueza é o direito de todos: do governo e dos cidadãos.»

Aqui tem o illustre deputado combatido o principio que s. ex.ª defende.

Na opinião do sr. Julio Simon, que segue as idéas do illustre deputado, o governo deve dizer qual é o seu candidato; e nas localidades não o póde dizer senão por intermedio dos administradores, que são os seus agentes.

O governo, portanto, póde influir indirectamente na eleição pelos seus agentes.

Esta é que é a questão, isto é que é defendido pelos homens que seguem as opiniões do illustre deputado.

Ha um outro estadista, o sr. Thiers, cujos ultimos actos não podem ser suspeitos ao illustre deputado, que diz: «A meu ver o governo tem o pleno direito de ter as suas preferencias, e de manifestal-as. E quando eu tal affirmo é porque sempre tive um profundo respeito pela natureza das cousas; e quando a vejo reproduzir-se invariavelmente sob todas as formas, e em todos os tempos, reconheço-a, e submetto-me a ella. E evidente que, em todos os tempos, em todos os paizes livres, o governo teve sempre as suas preferencias e manifestou-as sempre. O governo, n'um paiz livremente constituido, não é outra cousa mais que uma opinião que chegou ao poder. Esta opinião, elevando-se ao poder, não perdeu o direito, inherente a todas as opiniões de se fazer valer e de se defender.»

O sr. Thiers, portanto, entende que quando se trata de uma eleição, o governo póde fazer valer a sua opinião o defendel-a.

Aos seus agontes nas localidades corre a obrigação de defender o governo.

Esta influencia, que o meu nobre amigo quer ver condemnada, é defendida por estes homens, e sem fallar em Cazimiro Périer e Olivier, que são suspeitos, citarei ao illustre deputado as opiniões de muitos estadistas de Italia, incluindo Cavour, e de outras nações que partilham a idéa de que o governo póde influir nas eleições sem empregar violencias, nem exercer pressão nos eleitores, já se vê, mas insinuando e fazendo propaganda a favor dos seus candidatos, o que constituo influencia indirecta.

Esta propaganda foi considerada pelo illustre deputado como um crime em nome das suas doutrinas.

Peço desculpa á camara pelo demasiado tempo que occupei com esta minha conversação com o illustre deputado. Parece-me que toquei os pontos principaes da reforma. Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Mello e Simas: — Este projecto já teve uma larga discussão n'esta casa, e por isso pedi a palavra sómente para agradecer á illustre commissão a consideração que deu a algumas das propostas que apresentei, e para la

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mentar ao mesmo tempo que não attendesse ás outras que tive a honra de mandar para a mesa.

As leis podem ser muito justas, e muito convenientes para o estado para que se legisla, mas se ellas não tiverem bons executores perdem completamente toda a sua bondade absoluta e relativa.

A reforma contém alguns principios bons, e codifica toda a legislação dispersa em muitos volumes de leis. Bastava esta consideração para eu a votar.

Mas lamento que não se attendesse á situação dos funccionarios, que o sr. Julio de Vilhena sustentou que o projecto tinha em vista garantir.

Antes leis más com bons executores, do que leis boas tendo maus instrumentos de execução.

O sr. ministro do reino entendo que não é agora tempo de attender a algumas indicações do sr. José Luciano do Castro.

Permitta-me s. ex.ª que divirja da sua opinião, porque a todo o tempo é tempo de acceitar o que é bom e de corrigir os erros que se encontram no projecto. (Apoiados.)

Eu acceito a reforma como uma transição, mas não satisfaz ella as minhas aspirações.

Emquanto se não exigirem habilitações aos funccionarios administrativos, emquanto se lhes não der accesso para os logares superiores, emquanto se lhes não garantir a sua conservação, e emquanto se lhes não estabelecer a aposentação, não pede haver administração n´este paiz. (Apoiados.)

Eu não comprehendo, não posso harmonisar no meu espirito, as duas idéas de confiança politica e de prohibição aos funccionarios que intervenham nas eleições. (Apoiados.)

Disse o sr. Julio de Vilhena que «o governo representava o pensamento politico e o executava depois pelos seus agentes».

Eu fui funccionario administrativo alguns annos, e não sei em que consiste esse pensamento politico do governo.

As auctoridades administrativas executam as leis e regulamentos da administração, o isto que se chama pensamento politico do governo para fundar a confiança politica não significa mais do que o intuito de fazer entrar as auctoridades administrativas no acto eleitoral.

Ou querem, ou não, eleições livros.

He as querem, para honra do systema representativo, é necessario dar garantias aos funccionarios administrativos, para não serem obrigados a intervir nas eleições. (Apoiados.)

Não quero que o funccionario administrativo seja funccionario de confiança do ministro do reino. Repugna á dignidade humana estar um homem dependente totalmente dos caprichos do outro homem.

O funccionario administrativo deve ser funccionario da nação. Quando commetta faltas ou delictos, que dêem logar á suspensão ou demissão, suspendam-o ou demittam-o; mas não esteja dependente do arbitrio do governo. A legislação de 1852 e de 1859 punia a intervenção das auctoridades nas eleições; e o que eu vejo é que nós retrogradâmos.

O sr. Julio de Vilhena sustenta que era muito conformo aos principios que houvesse as candidaturas officiaes, e a intervenção das auctoridades nas eleições.

Eu não quero que ellas intervenham no acto eleitoral, quero que a eleição se deixe aos partidos das localidades, e que a auctoridade esteja impassivel, para garantir a liberdade de todos, e para manter a ordem e a segurança individual. (Apoiados.)

Vejo que, pela reforma que se discute, o pessoal administrativo fica, não em melhores, mas em peiores condições do que estava. Não exige habilitações aos funcionarios administrativos, não lhes dá direito a accesso, não lhes garante a conservação nem a reforma. E diz-se que se faz uma lei muito liberal!

Em administração, o meu ideal cifra-se em quatro palavras: habilitações, accesso, garantias, aposentação.

Emquanto se não exigirem habilitações aos funccionarios administrativos, para que administrem bem, emquanto se lhes não der accesso, para os estimular, garantias á sua situação para não estarem á mercê dos caprichos do ministro do reino, e reforma para lhes garantir o pão de cada dia nos dias cansados da velhice, não póde haver administração, nem eleições livres.

O funccionario administrativo, que anda de porta em porta a pedir o voto dos eleitores, não póde ser imparcial na administração da justiça, ha de forçosamente inclinar-se mais para os que o servem, do que para aquelles que não quizerem annuir aos seus pedidos. (Apoiados.)

Entendo que é absolutamente indispensavel organisar a magistratura administrativa ao lado da judicial, dando se-lhe tambem algumas vantagens e algumas garantias. (Apoiados.)

Ou é indispensavel haver administração ou não; se não é, supprima-se; mas se é, dê-se aos funccionarios administrativos algumas garantias, de modo que não estejam completamente dependentes da vontade do ministro do reino. (Apoiados.)

Até agora ainda os administradores de concelho podiam ter mais ou menos esperança de que se attendesse á sua sorte, e que um dia viriam a ser aposentados. Hoje, porém, a illustre commissão nega-lhes completamente esse direito, faz-lhes perder essas esperanças!

A illustre commissão sustenta que não póde haver aposentação para os administradores de concelho, e a rasão em que se funda, é que sendo estes funccionarios amoviveis, e servindo em diversos concelhos, muitas vezes não se saberia quaes as camaras que lhes haviam de satisfazer os vencimentos depois de aposentados. Mas podia adoptar-se a idéa, que ainda hoje n'esta casa apresentou e desenvolveu o meu Illustre collega, o sr. Cunha Belem, a respeito da reforma, dos facultativos de partido das camaras municipaes, idéa muito aproveitável, e que podia tambem applicar-se aos administradores de concelho.

Entendo que é completamente impossivel haver eleições livres, sem que se dêem algumas garantias aos funccionarios administrativos. (Apoiados.)

O governo póde suspendel-os ou demittil-os, e o que é a suspensão ou a, demissão? É uma verdadeira pena. Ha alguma lei que designe os casos em que se podem applicar essas penas? Nenhuma, absolutamente nenhuma. (Apoiados.)

Aqui temos, portanto, uma especie de delicto que a lei não define, contra todos os principios de direito criminal, é uma pena, que a lei não impõe, e que só é imposta pelos caprichos e arbitrio de um homem. Isto não póde, nem devo continuar assim. (Apoiados.)

A legislação eleitoral de 1852 e 1859 incrimina e pune a intervenção das auctoridades nas eleições. Eu sei que os governos publicamente prohibem aos seus agentes que intervenham no acto eleitoral; mas ao lado d'essa prohibição publica vae a recommendação particular que os obriga a intervir, e a violentar e corromper muitas vezes a consciencia dos eleitores. (Apoiados.)

O nobre ministro do reino teme mais a inercia das localidades do que a effervescencia politica o partidaria.

Sabe s. ex..a o motivo por que vemos essa inercia nas localidades? E porque a auctoridade intervém nas eleições. (Apoiados.)

Se deixassemos as eleições aos partidos, estou persuadido do que não haveria essa inercia, essa indifferença que todos lamentâmos. (Apoiados.)

Como já disse, voto a reforma administrativa unicamente como uma transição para uma reforma melhor.

Não satisfaz ella as minhas aspirações, mas reconheço que contém alguns principios, com os quaes não póde deixar de sympathisar todo o homem liberal, e que alem d´isso

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codifica n'um só diploma o que estava disperso por muitas e differentes leis.

A hora está muito adiantada, e vou concluir. O meu fim, usando da palavra, foi apresentar o meu protesto contra o parecer da commissão, e justificar as emendas que mandei para a mesa.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. J. J. Alves: — Quando aqui se discutiu a reforma administrativa apontei algumas emendas o substituições, no sentido de tornar o projecto mais claro e mais conforme com as idéas liberaes o descentralisadoras.

Agradeço á illustre commissão o haver considerado uma das emendas que apresentei, embora de todas fosse a menos importante.

Não posso, porém, deixar de sentir, que se não tomasse em consideração, nem sequer se digam os motivos por que não foi adoptada a substituição que apresentei ao artigo 98.°, em que prefiro se faça a eleição municipal de Lisboa por bairros.

Sr. presidente, se me não engano, por proposta de um dos homens mais liberaes d'esta terra, o sr. José Estevão, desde 1852 até 1867 a eleição municipal de Lisboa foi feita por bairros.

Em 1869, com a reforma administrativa do sr. Mártens Ferrão, fazia-se a eleição por concelho.

Ficando de nenhum effeito esta lei em virtude dos acontecimentos politicos de janeiro, tornou a vigorar a lei anterior, e a eleição de 1870 a 1871 fez-se ainda pelos tres bairros da cidade.

Por aqui se vê que o systema não é novo, e pelo bom resultado que sempre apresentou, não devia ser posto de parte.

O systema proposto na actual reforma, alem dos inconvenientes que já tive occasião de apontar á camara, traz como consequencia a demora do processo eleitoral; temos d'isso exemplo no que se passou em uma das ultimas eleições municipaes que durou mais de tres dias nas assembléas primarias, consumindo-se dezenove dias no processo do apuramento geral.

Tendo eu, portanto, a convicção de que o systema por mim proposto é mais liberal e dá melhor resultado, e custando-me a conformar com o procedimento da illustre commissão, tenho como unica esperança o tempo e a pratica, que se encarregarão de demonstrar á evidencia os inconvenientes por mim apontados.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): — Communico a v. ex.ª e á camara, que Suas Magestades recebem a deputação, que foi encarregada de comprimentar os mesmos augustos senhores pelo motivo do feliz regresso a esta corte de Sua Magestade a Rainha e de Sua Alteza o Principe D. Carlos, na proxima quinta feira ás duas horas da tarde.

E tambem communico a v. ex.ª que ha exequias solemnes por alma de Sua Santidade Pio IX na capella do paço da Ajuda, sexta feira, á hora que for annunciada, e digo á hora que for annunciada, porque não sei ainda qual será a hora, porém communical-a hei officialmente a v. ex.ª, e alem d'isso será mencionada no Diario do governo.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados ouviram a communicação que acabou de fazer o sr. presidente do conselho de ministros.

A grande deputação, que ha de ir comprimentar Sua Magestade a Rainha e Sua Alteza o Principe Real, pelo seu feliz regresso a esta capital, será recebida por Suas Magestades na proxima quinta feira, ás duas horas da tarde, no palacio da Ajuda.

Na sexta feira hão de realisar-se exequias na capella do mesmo palacio, por alma de Sua Santidade Pio IX, a cujo acto assistirá uma deputação d'esta camara, que opportunamente ha de ser nomeada.

Foi approvado na generalidade o parecer n.º 5 em, discussão.

Passou-se á especialidade, e foram seguidamente approvados sem discussão todas as conclusões do mesmo parecer.

O sr. Presidente: — Está approvado o parecer em todas as suas partes, ficando assim approvada a reforma administrativa.

Leram-se na mesa as propostas apresentadas pelo sr. José Luciano de Castro.

Postas á votação foram rejeitadas.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a discussão na especialidade do parecer n.º 6 (pertence ao n.º 16 de 1877), ácerca do caminho de ferro da Beira Alta.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Representação

Senhores deputados da nação portugueza. — Os abaixo assignados, da villa e freguezia do Louriçal o seus contornos, vem, por este meio, representar a v. ex.ªs para que se dignem approvar o projecto de lei apresentado em côrtes, no dia 15 do corrente janeiro, pelo muito digno deputado por este circulo o ex.mo sr. dr. Antonio José Teixeira, o qual tem por fim a conservação do convento do Desaggravo, que existe n'esta villa, convertido em collegio ursulino.

Os beneficios que podem resullar á sociedade, de uma tal instituição, são obvios a todos, e especialmente ás altas inlelligencias de que se compõe a representação nacional; e por isso julgâmos inutil enumeral-os: e só pedimos a v. ex.ªs, com todas as forças do nosso desejo, se dignem approvar o sobredito projecto em todas as suas partes. — E. R. M.cê — Louriçal, 20 de janeiro de 1878. — (Seguem-se as assignatnras.)

Sessão de 19 de fevereiro de 1878

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