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SESSÃO DE 20 DE FEVEREIRO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Seis ofiicios de diversos ministerios; um da academia real das sciencias; um do presidente da assembléa do apuramento do circulo n.° 63 e outro do consulado hespanhol. - Segunda leitura e admissão de dois projectos de lei e de duas renovações de iniciativa.- Representações mandadas para a mesa pelos srs. Avellar Machado, Barbosa Centeno e Guimarães Camões. - Requerimentos de interesse publico dos srs. Avila, J. Antonio Pinto, Vicente Pinheiro e Francisco de Medeiros. - Requerimentos particulares apresentados pelos srs. Figueiredo Mascarenhas e Scarnichia. - Justificação de faltas dos srs. conde de Thomar, Pedro Guedes, visconde de Balsemão, Emygdio Navarro e Augusto Barjona, - Declaração do sr. primeiro secretario, Mouta e Vasconcellos. - Approva-se, a requerimento do sr. Navarro, que seja de dezenove membros a commissão de inquerito parlamentar sobre o imposto do sal. - O sr. Elvino de Brito nota duas inexactidões no Diario das sessões e pede que se rectifiquem. - O sr. Affonso Geraldes apresenta o diploma do sr. deputado eleito Guilhermino de Barros. - Apresenta um projecto, de que pede a urgencia, o sr. Castro Mattoso; é approvada a urgencia e admittido o projecto. - O sr. ministro da fazenda, referindo-se ao assumpto d'elle, responde ás observações feitas pelo apresentante. - E mandado para a mesa um parecer da commissão do ultramar, e dois da commissão de verificação de poderes, sendo estes ultimos desde logo postos em discussão a requerimento do sr. Pereira Leite e seguidamente approvados.- São proclamados deputados os srs. Guilhermino de Barros e Torres Carneiro. - Levanta a questão do Zaire o sr. Emygdio Navarro, pedindo explicações ao governo. - Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - Tomam parte no debate o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que responde a novas observações do sr. Emygdio Navarro: e successivamente fallam sobre o assumpto os srs. Vicente Pinheiro, ministro da marinha. Ferreira de Almeida e novamente o sr. ministro da marinha. - Apresenta o orçamento rectificado o sr. ministro da fazenda. - Continuando-se na questão relativa ao Zaire, usam da palavra os srs. Barros Gomes, censurando o procedimento do governo; ministro dos negocios estrangeiros que lhe responde, e Antonio Ennes em sentido tambem desfavoravel ao procedimento do governo. - O sr. Franco Castello Branco apresenta o parecer da commissão especial sobre o bill de indemnidade. - Usa da palavra pura explicações o sr. Barros Gomes.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 62 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Antonio Centeno, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, Jalles, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Neves Carneiro, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Emygdio Navarro, Fernando Geraldes, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, José Frederico, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Manuel d'Assumpção, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. P. Guedes, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Pereira Bastos, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, A. J. da Fonseca, Antonio
Ennes, Cunha Bellem, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Pereira Leite, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Elvino de Brito, E. Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Melicio, Scarnichia, João Arroyo, Ferrão de Castello Branco, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, José Luciano, J. M. I dos Santos, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Reis Torgal, I Luiz Osório, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Antonio Candido, Pereira Corte Real, Garcia Lobo, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Seguier, Avelino Calixto, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Augusto Teixeira, J. A. Valente, Ferreira Braga, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, José Borges, Ferreira Freire, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, Correia de Oliveira, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Dantas Baracho, Visconde de Alentem e Wenceslau de Lima.

Acta. - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo, em additamento ao officio de 30 de janeiro ultimo, o mappa indicativo dos contratos que foram realisados pelo ministerio da marinha; sendo a despeza satisfeita pelo ministerio do reino.

Á commissão de fazenda, ouvida a de marinha.

2.° Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Almeida Pinheiro, copias dos documentos que constituem o processo de exoneração do escrivão de fazenda do concelho de Macieira de Cambra, Francisco de Lacerda Cerqueira de Bacellar, e do requerimento em que elle pediu a sua reintegração.

Á secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo 190 exemplares das contas das despezas d'este ministerio, comprehendendo a gerencia do anno economico de 1883-1884 e a conta do exercido lindo de 1882-1883.

Mandaram-se distribuir.

4.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, participando que os documentos pedidos pelo sr. deputado Elvino de Brito se acham a imprimir na imprensa nacional, e que já se deu ordem para se activar a sua composição, a fim de serem presentes às cortes com toda a brevidade.

Á secretaria.

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5.° Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Consiglieri Pedroso, nota das gratificações concedidas nos ultimos dez annos ás pessoas mandadas em missão a paizes estrangeiros.

á secretaria.

6.° Do mesmo ministerio, remettendo os documentos pedidos pelo sr. deputado Ferreira de Almeida em sessão de 29 de dezembro proximo findo.

Á secretaria.

7.° Da academia real das sciencias de Lisboa, remettendo 25 exemplares do 3.° volume dos Estudos sobre as provindas ultramarinas, do sócio effectivo João de Andrade Corvo.

Á distribuir.

8.° Do presidente da assembléa de apuramento do circulo n.° 63, remettendo copia da acta da assembléa de apuramento, pela qual mostra que foi eleito deputado por aquelle circulo o sr. Guilhermino Augusto de Barros.

Enviada á commissão de verificação de poderes.

O sr. Presidente: - A subscripção aberta n'esta camara para soccorrer os desgraçados povos da Andaluzia, que soffreram com os recentes terremotos, produziu a quantia de 330$200 réis, a qual foi entregue no consulado hespanhol pelo sr. deputado Estevão de Oliveira.

Vae ler-se um officio do mesmo consulado, accusando a recepção d'essa quantia, e agradecendo á camara o donativo.

Leu-se na mesa. É o seguinte:

Officio

Consulado general de Espana.- Excmo. Senhor.- Muy Senr mio, con la comunicacion de v. ex. y por mano del excmo. senor D. Estevão Antonio de Oliveira Junior se ha recibido en este consulado la cantidad de 330$200 réis, producto del donativo con que los senores deputados de la nacion portuguesa se inscribieron en favor de los infelices pueblos de Andalucia.

Ruego a v. e. sea interprete cerca de sus dignos colegas del profundo agradecimento de la nacion espanola á tan importante donativo.

Dios guarde a v. e. muchos anos. Lisboa, 18 de febrero de 1885.- Juan de Castro.- Excmo. snr. Don Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos, digmo. secretario de la camara de los senores diputados de la nacion portuguesa.

Inteirada.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Os hospitaes devem ser edificios destinados a soccorrer as pessoas sem meios para alliviarem os seus soffrimentos, e para proporcionarem a esses infelizes os remedios que melhorem seus males.

São estas casas de saude objecto de estudo dos primeiros hygienistas do mundo. Attende-se com o maior escrupulo á sua posição, á sua forma, á sua construcção, á ventilação, ao espaço e á luz, e a exegese da hygiene julga-se ainda insufficiente para debellar as causas pathologicas que a microscopia e a chimica estão revelando dia a dia.

A negação de todos os principios ainda as mais rudimentares da sciencia moderna, n'este ramo dos conhecimentos humanos, é o actual hospital da santa casa da misericordia na cidade da Guarda.

Apesar da boa vontade constantemente manifestada pela briosa mesa administrativa, que tem envidado todos os esforços possiveis para modificar as péssimas condições d'aquella casa, o estado d'este estabelecimento é tal que as enfermarias são verdadeiros antros, como muito bem classifica a representação que acompanha este projecto de lei.

Para cohibir estes males, onde ainda ha pouco uma terrivel epidemia assolava os povos d'aquelle districto, não ha outro recurso senão contrahir um emprestimo para a edificação de um novo hospital.

Existe n'aquella cidade um convento, denominado de Santa Clara, onde actualmente não ha freira alguma. Este edificio está em ruinas, mas tem uma optima exposição, cerca, agua potavel em abundancia, igreja e mais pertences, tudo muito apto e de molde para ali ser installado um hospital em boas condições.

Em vista d'estas rasões, temos a honra de vos submetter o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder á irmandade da santa casa da misericordia da cidade da Guarda o convento de Barita Clara, com todos os foros e rendimentos que lhe são inherentes, a fim de ali se estabelecer um hospital que satisfaça às necessidades d'aquelles povos.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario. = Arthur de Seguier = Silva Cardoso = Augusto Poppe.

Foi enviado á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

Proposta para a renovação de iniciativa

1.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei, que tive a honra de apresentar a esta camara na sessão de 2 de abril de 1884, e que tem por fim permittir aos alumnos dos seminarios do continente do reino, que houverem sido approvados plenamente nos tres annos do curso theologico, ser admittidos á primeira matricula na faculdade de theologia da universidade de Coimbra, logo que apresentem certidão de approvação nas disciplinas exigidas para a primeira matricula, embora os exames dessas disciplinas hajam sido feitos nos seminarios. = O deputado, Santos Viegas.

Lida na mesa, foi admittida e mandada enviar á commissão de instrucção superior.

O projecto a que se refere, esta proposta é o seguinte:

Senhores.- A faculdade de theologia da universidade de Coimbra, no projecto de reforma dos seus estudos ordenada em officio do ministerio do reino com data de 3 de maio de 1882, propoz que á primeira matricula dos alumnos, que desejarem seguir a mesma faculdade, fossem admittidos todos os candidatos approvados nemine discrepante no curso triennal professado em qualquer dos seminarios do reino, sempre que exhibissem certidão de approvação em todos os preparatorios actualmente exigidos para a primeira matricula dos alumnos ordinarios da referida faculdade, embora esses exames fossem feitos nos respectivos seminarios.

Rasões de sobejo teve o illustre conselho d'aquella faculdade para propor o que fica exposto, avultando todavia entre ellas, que por esta fórma maior affluencia de alumnos havia de fomentar o progresso dos estudos theologicos, já estimulando o zêlo dos professores, já diffundindo com solido conhecimento das sciencias ecclesiasticas pelo maior numero possivel de clerigos, como o exigem os verdadeiros interesses da religião e da patria, porque a esta serve aquella de elemento poderoso de ordem, de segurança, de civilisação e de paz. E sendo certo que quanto mais illustrado for o clero, tanto mais garantias offerece para ser o apostolo, o evangelisador dos santos principios, que determinam a todos o exacto cumprimento dos seus deveres moraes e civis, sendo certo que nenhuma semente de costumes poderá fructificar se não for regada com a agua pura, que vem da religião catholica, que é a religião do estado, é certo tambem que de vantagem indiscutivel se torna converter em lei o projecto, que submetto ao vosso esclarecido exame, e que espero será por vós approvado.

Os padres são os melhores educadores dos povos, quando por sua illustração e pelo bem cumprir os seus deveres, e aquelles com quem vivem, sabem respeitar-lhes os seus

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direitos. Moralisar é o seu altissimo fim, mas moralisar é preparar os costumes dos povos para receber as leia emanadas dos legitimes poderes, e por mais sabias que ellas sejam, por mais dignas de admiração de um povo civilisado, que ellas se apresentem, nada valerão, nenhuma realidade pratica se obtem d'ellas, se os costumes dos povos não forem regulados segundos os principios d'essa religião divina, que foi a causa das grandes conquistas por nós operadas em epochas remotas, e de cuja gloria existem por todo o paiz verdadeiras epopeias escriptas em marmore e granito. Quid leges sine moribus vanoc proficiumt? Diz Horacio.

Todos reconhecem a verdade d'esta sentença; hoje que se relaxam os laços politicos, conveniente é que se apertem os laços moraes, dando á patria e á igreja padres dignos de respeito por seu saber e virtudes, e consegue-se isto garantindo aos alumnos dos seminarios, que hajam dado provas de sua intelligencia e applicação durante o curso dos tres annos, frequentar sem repetição de exames preparatorios a universidade, onde desenvolverão sua intelligencia e explanarão doutrinas que perfunctoriamente foram professadas nos seminarios.

Por todas estas rasões tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei

Artigo 1.º É permittido aos alumnos dos seminarios do continente do reino que houverem sido plenamente approvados nos tres annos do respectivo curso theologico, ser admittidos á primeira matricula na faculdade theologica na universidade de Coimbra, logo que apresentem certidão de approvação nas disciplinas exigidas para a referida matricula, embora os exames d'essas disciplinas hajam sido feitos nos seminarios.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 1 de abril de 1884. = O deputado, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 94-F de 1879, considerando os capellães militares parochos de 1.ª classe quando tenham tres annos de bom e effectivo serviço.

Sala das sessões, 11 de fevereiro de 1880. = Santos Viegas = José Borges de Faria.

Lida na mesa, foi admittida e mandada enviar á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

O projecto de lei a que se refere a proposta é o seguinte:

Senhores. - Attendendo a que os capellães militares têem as habilitações necessarias para o ministerio parochial, e tambem que d'elles serem providos em beneficios ecclesiasticos, resulta economia para o thesouro, temos a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os capellães militares do exercito são considerados parochos de 1.ª classe, quando tenham tres annos de bom e effectivo serviço.

Art. 2.° Quando sejam providos em beneficios ecclesiasticos, reputam-se em inactividade temporaria e não têem vencimento.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 22 de março de 1879. = Luiz Garrido = Gonçalves Crespo = Scarnichia.

Projecto de lei que n'esta sessão foi julgado urgente

Senhores. - N'uma das sessões precedentes d'esta camara foi apresentada e approvada uma proposta para a nomeação de uma commissão parlamentar de inquérito, que estudasse se convem abolir ou modificar o imposto, que actualmente pesa sobre o sal, e que tantos clamores tem levantado n'esta camara e fóra d'ella. Desde que entra em duvida, que aquelle imposto seja compativel com os legitimos interesses dos contribuintes, é de justiça rigorosa suspender immediatamente a sua cobrança. É este o unico meio de se evitar o pagamento de um imposto, que póde ser considerado iniquo e vexatorio e como tal abolido ou modificado. Pelas rasões, que deixâmos succintamente expostas, temos a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a suspender a cobrança do imposto de sal, até que se resolva definitivamente sobre a abolição ou modificação d'este imposto, em presença do inquerito parlamentar a que se vae proceder.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, em 20 de fevereiro de 1885. = Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real = Antonio Ennes = José Frederico Laranjo.

Pedida e obtida a urgencia, teve segunda leitura, foi admittido á discussão e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Abrantes, pedindo a creação de uma escola agricola na capital do seu districto.

Apresentada pelo sr. deputado Avellar Machado e enviada á commissão de agricultura, ouvida a de fazenda.

2.ª Da camara municipal do concelho de Tavira, pedindo a completa abolição do imposto do sal.

Apresentada pelo sr. deputado Barbosa Centeno e enviada á commissão de fazenda. Vae publicada n'este Diario a pag. 463.

3.ª De varios proprietarios e rendeiros de marinhas, negociantes de pescaria, donos, mestres de barcos e artes de pesca, residentes em Tavira, pedindo a abolição do imposto do sal.

Apresentada pelo sr. deputado Barbosa Centeno e enviada á commissão de fazenda. Vae publicada n'este Diario a pag. 464.

4.ª Dos professores municipaes do concelho de Penafiel, pedindo melhoramento de situação.

Apresentada pelo sr. deputado Guimarães Camões e enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUDLICO

1.° Requeiro, por parte da commissão de guerra, que sejam enviados ao governo, pelo ministerio da guerra, para que se sirva informar a camara sobre estas pretensões, os requerimentos:

De Luiz da Cunha Lima, capitão almoxarife;
De Fernando Augusto Cardoso, capitão ajudante da praça de Valença;
De José Maria Cruz, capitão ajudante da praça de Elvas;
De José Avelino Antunes, capitão almoxarife de engenheria;
De Joaquim Maria Curado, tenente almoxarife de artilheria;
De Antonio Manuel Antunes Baptista, tenente almoxarife de artilheria;
De Antonio Marques Bronze, sargento ajudante da segunda companhia de administração militar.

Sala da commissão de guerra, 20 de fevereiro de 1885.= Antonio José d'Avila, secretario.

2.° Requeiro que seja remettido a esta camara, para ser examinado por mim, o requerimento de João Damaso da Silva, verificador da alfandega de Lisboa, contestando a

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aposentação dada por decreto de 19 de junho de 1884, com todos os documentos que o acompanham.

E mais:

Copia das informações a que se refere o citado decreto ou sejam da direcção da alfandega, ou da direcção geral;

Copia da proposta apresentada ao governo em fevereiro de 1870 pelo conselheiro Nazareth, para tres primeiros verificadores formarem a nova classe de verificadores, creada por decreto de 2o de dezembro de 1869. = O deputado, João Antonio Pinto.

3.° Requeiro que, com urgencia, seja enviado a esta camara:

I. O processo original do concurso para um logar de segundo official da secretaria do ultramar, realisado no dia 20 de novembro proximo passado, contendo os requerimentos dos concorrentes ao dito logar e documentos comprovativos das suas habilitações litterarias e serviços; os originaes das provas praticas e a classificação dos concorrentes com os respectivos pareceres dos membros do jury.

II. Informações da secretaria a respeito do merecimento dos concorrentes, havendo-as. = O deputado, Vicente Pinheiro.

4.° Requeiro seja enviada a esta camara copia da correspondencia existente tanto no ministerio do reino, como no da justiça, com referencia aos graves conflictos que se têem dado entre o administrador do concelho de Santa Cruz, na ilha das Flores, e o juiz de direito da comarca da mesma ilha. = O deputado pelo circulo n.º 100, Manuel Francisco de Medeiros.

Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Rodolpho Augusto de Passos e Sonsa, tenente do infanteria, pedindo que seja votada no orçamento do ministerio da guerra a gratificação mensal de 10$000 réis ao ajudante do campo do sr. general governador da praça de Elvas.

Apresentado pelo sr. deputado Figueiredo Mascarenhas e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

2.º Do Antonio Carlos Cardoso de Sá, pedindo ser indemnisado das preterições soffridas na occasião da sua reforma.

Apresentado pelo sr. deputado Scarnichia e enviado á commissão do ultramar.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que faltei ás sessões de 6, 7, 9, 10, 11 e 13 por motivo justificado. = O deputado, Conde de Thomar.

2.ª Declaro a v. exa. e á camara que o exmo. sr. visconde de Alentem não tem comparecido ás ultimas sessões e ainda faltará a mais algumas por motivo justificado. = Manuel Pedro Guedes.

3.ª Declaro que por kotivo justificado faltei ás ultimas sessões. = Visconde de Balsemão.

4.ª Xdeclaro que por motivo justificado faltei a algumas sessões. = Emygdio Navarro.

5.ª Declaro que faltei a algumas sessões por otivo justificado. = O deputado por Montemór o Velho, Augusto Barjona.

Para acta.

O sr. Monta e Vasconcellos (1.° secretario): - Tenho a participar á camara que cumpri o doloroso dever, em obediencia ao nosso regimento, de ir desanojar o nosso collega, o sr. conde de Thomar, pelo triste acontecimento, que o feriu, da morte de sua mãe.

O sr. Antonio José d'Avila: - Mando para a mesa diversos requerimentos, que foram presentes á commissão de guerra, a fim de serem enviados ao governo, para que este informe, pelo ministerio da guerra, ácerca da pretensão de cada um dos signatarios.

São elles os srs. Luiz da Cunha Lima, Fernando Augusto Cardoso, José Maria Cruz, José Avelino Antunes, Joaquim Maria Corado, Antonio Manuel Antunes Baptista e Antonio Marques Bronze.

Mandou-se expedir.

O sr. Lencastre: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que seja consultada a camara se quer que a commissão especial, encarregada de inquerir ácerca do imposto do sal, seja composta de dezenove membros. = Luiz de Lencastre.

Approvado.

O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Tavira, pedindo a abolição do imposto do sal, e no mesmo sentido uma outra assignada por cento e dezoito individuos d'aquella localidade.

Peço a v. exa. queira dar o destino conveniente a estas representações, e como ellas estão redigidas em termos respeitosos e convenientes peço tambem a v. exa. consulte a camara se perante que sejam publicadas no Diario das nossas sessões.

Consultada a camara, assim se resolveu.

O sr. Avelar Machado: - Mando para a mesa uma representação da muito digna e illustre camara municipal de Abrantes, pedindo ao parlamento se digne approvar o projecto de lei apresentado pelo meu amigo o sr. conselheiro Aguiar, ex-ministro das obras publicas para a creação das escolas agricolas no paiz.

Pede ao mesmo tempo a digna camara municipal de Abrantes que uma dessas escolas seja estabelecida na capital do districto, Santarem.

Quando tive a honra de apresentar uma representação analoga da camara municipal de Constancia acompanhei essa representação das considerações que julguei indispensaveis, e que não careço agora de repetir.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para perguntar a v. exa. se peio ministerio das obras publicas já foram remettidos a esta camara os esclarecimentos que pedi com respeito ao modo por que a companhia dos caminhos do ferro do norte e leste tom cumprido com as obrigações que lhe impõem os contratos, e os regulamentos da exploração em vigor.

O sr. Mouta e Vasconcellos (1.° secretario):- Os esclarecimentos a que s. exa. se referiu foram registados em 28 de janeiro, mas ainda não vieram.

O Orador: - Já o anno passado eu pedi estes esclarecimentos em algumas das sessões do mez de março. As camaras n'esse anno fecharam-se no meiado de maio, e taes esclarecimentos me foram enviados. Este anno a camara está já funccionando ha mais de dois mezes, e como eu tenho absoluta necessidade dos documentos que solicitei porque quero saber se a companhia do caminho de ferro do norte e leste tem ou não cumprido os contratos que tem com o governo, peço novamente a s. exa. que inste para que elles me sejam remettidos, pelo ministerio das obras publicas, ou que pelo menos se me conceda a faculdade de os examinar n'um gabinete d'aquelle ministerio, a fim de me habilitar a avaliar qual o modo por que a companhia

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cumpre com os seus deveres para com o estado e para com o publico.

Se me convencer que a companhia tem ultimamente procurado não faltar ao cumprimento das obrigações que contrahiu, declaral-o-hei francamente á camara.

De contrario exigirei do governo que seja severo e enérgico para com ella, não lhe consentindo abusos de qualquer ordem.

A representação teve o destino indicado a pag. 427 d'este diario.

O sr. Conde de Thomar: - Mando para a mesa uma declaração justificativa das minhas faltas.

Ao mesmo tempo cumpre-me agradecer á camara a prova de deferencia que me dispensou por occasião do golpe que ha pouco me feriu.

A justificação vae publicada no logar competente.

O sr. Pedro Guedes: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma justificação das faltas que o sr. visconde de Alentem tem dado a algumas sessões, e das que ainda tem de dar, por motivo de doença.

Vae publicada no logar competente.

O sr. Elvino de Brito: - Pedi a palavra para rogar a v. exa. a fineza de mandar rectificar uma referencia, menos exacta que appareceu no Diario da camara, de 10 do corrente.

Diz-se ahi que eu mandara para a mesa a representação dirigida pelos bancos de Lisboa ao parlamento relativa á construcção do caminho de ferro de Ambaca, quando nem sequer me lembro de que alguém me fallasse em similhante representação.

Já ha dias pedi que se fizesse uma outra rectificação no Diario das sessões, e até hoje me não consta que ella apparecesse publicada.

V. exa. estará lembrado de eu ter perguntado qual a rasão por que os actos promulgados no interregno parlamentar pelo sr. ministro da marinha haviam sido enviados para a secretaria, quando na minha opinião deviam ser remettidos para a commissão do ultramar; pergunta que eu baseava na declaração publicada no Diario das sessões de 10 de janeiro, onde li que elles haviam sido enviados para a secretaria, e pergunta que deu logar, mau grado meu, a que v. exa. se mostrasse magoado, persuadindo-se de que eu quizera censurar a mesa.

Não, sr. presidente. Não quiz censurar, nem poderia ter n'isso empenho. Pretendi apenas elucidar-me.

Quando v. exa. poder, espero mandará fazer a competente rectificação.

Ainda uma observação, e será a ultima. Accedendo v. exa. a um outro pedido meu, prometteu que, nos termos do regimento, mandaria que no extracto das sessões se fizesse a declaração, que por esquecimento se não fizera a tempo, de que pretendia chamar a attenção do sr. ministro da marinha ácerca dos acontecimentos da Zambezia. Devo declarar que ainda não vi tambem publicada essa declaração.

É a terceira vez que, com relação a mim, succedem estes casos, por certo sem culpa de v. exa.

Portanto, peço a v. exa. que recouimende a quem competir, que se limite a declarar no Diario das sessões aquiilo que realmente se passar aqui.

Não vejo presente o sr. ministro da marinha e ultramar, mas como brevemente tenho de realisar a minha interpellação, aguardo para então o occupar me dos assumptos relativos ao ultimo incidente, em que me não foi permittido usar pela segunda vez da palavra.

O sr. Presidente: - Peco ao sr. deputado que mande uma nota das rectificações que deseja se façam no Diario das sessões.

O sr. Affonso Geraldes: - Mando para a mesa o diploma do sr. deputado eleito pelo circulo da Covilhã, Guilhermino Augusto de Barros.

A commissão de verificação de poderes.

O sr. João Antonio Pinto: - Mando para- a mesa um requerimento, pedindo varios documentos pelo ministerio da fazenda.

Vae publicada no logar competente.

O sr. Visconde de Balsemão: - Mando para a mesa uma justificação de falta.

Vae a pag. 428.

O sr. Guimarães Camões: - Mando para a mesa uma representação dos professores de instrucção primaria, do concelho de Penafiel, pedindo augmento de vencimentos.

Peço a v. exa. que consulte a camara só permitto que esta representação seja publicada no Diario do governo, dando-se-lhe depois o destino competente.

Foi approvada a publicação, tendo depois o destino indicado a pag. 427 d'este Diario.

O sr. Antonio Centeno: - Não posso usar da palavra na ausencia do sr. ministro da marinha e portanto peço a v. exa. que m'a reserve para quando s. exa. estiver presente.

O sr. Castro Mattoso: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorisando o governo a suspender a cobrança do imposto do sal, até que se resolva definitivamente sobre a abolição ou modificação do mesmo imposto.

Desde que esta camara vae nomear uma commissão parlamentar para tratar de averiguar as queixas que se têem feito a respeito do imposto do sal, creio eu que é de rigorosissima justiça, que se suspenda immediatamente a cobrança d'este imposto, porque não vejo meio de se remediar depois os graves inconvenientes que possam resultar d'essa cobrança, se a camara resolver que o imposto é realmente iniquo. E como está presente o sr. ministro da fazenda, permitta-me s. exa. que lhe faça uma pergunta com o respeito que tenho pelos seus elevados dotes.

S. exa. sabe. que durante o interregno parlamentar se apresentaram graves queixas contra este imposto; e correu em publico, não sei se com rasão ou sem ella, que s. exa. se tinha compromettido a apresentar ao parlamento alguma medida tendente a attenuar os clamores que só tinham levantado a esse respeito.

É esta a primeira vez que me encontro com s. exa. antes da ordem do dia, e por isso pergunto a s. exa. se tem tenção de durante esta sessão, apresentar alguma medida para abolir o imposto do sal ou polo menos attenuar os seus gravissimos effeitos, de que com rasão o paiz se está queixando.

Peço a v. exa. que me reserve a palavra para fazer quaesquer considerações que se ma offereçam em resposta a s. exa.

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, respondendo á pergunta do illustre deputado, direi que no interregno parlamentar tratei de dar execução á lei que estabeleceu o imposto do sal, sendo publicado o respectivo regulamento.

Levantaram-se, é certo, algumas reclamações, sobretudo em Lisboa, e fizeram-se representações sobre os aggravos de algumas classes que se julgavam lesadas na execução d'aquella lei, mas eu não tomei a abolição do imposto nem mesmo a sua modificação.

O que eu declarei foi que a responsabilidade que me cabia, obrigava-me a pensar e a reflectir antes de propor quaesquer medidas que modificassem as bases em que tinha sido lançado esse imposto. Mais tarde procuraria uma compensação para as classes pescatorias, attenuando o lançamento d'esse imposto que ía directamente affectal-as.

Foi isto o que se passou e o que eu disse.

A camara resolveu depois d'isso nomear uma commissão de inquerito. Essa commissão funccionará, de certo, com o zêlo que demanda um assumpto de tanta importancia, e n'estas circumstancias parece-me de toda a conveniencia aguardarmos os resultados dos seus trabalhos. (Apoiados.)

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E o que se me offerece responder ao illustre deputado.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Castro Mattoso: - Mando para a mesa o projecto de lei, a que já me referi, e de que peco a urgencia.

Consultada a camara, foi declarada a urgencia.

Teve logo segunda leitura o projecto, que vae publicado a pag. 427 d'este Diario.

O sr. Presidente: - Convido os srs. vice-secretarios a introduzirem na sala o sr. Manuel José Vieira, que se acha no corredor da camara e está proclamado deputado pela Madeira.

Introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Scarnichia: - Mando para a mesa o parecer da commissão do ultramar, sobre a proposta de lei do governo que permitte a livre navegação de cabotagem na costa portugueza a leste do cabo da Boa Esperança, e entre a mesma costa e os portos portuguezes no continente e ilhas adjacentes.

Mando tambem para a mesa um requerimento de Antonio Carlos Cardoso de Sá, official do exercito do ultramar, pedindo melhoria de situação.

O parecer foi a imprimir.

O requerimento teve o destino indicado a pag. 428 d'este Diario.

O sr. Pereira Leite: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de verificação de poderes, sobre as eleições dos circulos n.ºs 63 (Covilhã) e 46 (Arganil).

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que estes pareceres possam desde já entrar em discussão.

Consultada a camara, assim se resolveu.

Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral do circulo n.° 45 (Arganil), e tendo-o examinado, viu que o numero total e real dos votantes foi de 1:352, que todos recaíram no cidadão Antonio Alberto Torres Carneiro.

Nas differentes assembléas o acto eleitoral correu com regularidade.

E portanto de parecer a vossa commissão que seja approvada esta eleição e proclamado deputado o cidadão Antonio Alberto Torres Carneiro, que apresentou o seu diploma em fórma legal.

Sala das sessões, 20 de fevereiro de 1885. = Frederico Arouca = Firmino J. Lopes = Moraes Carvalho = Pereira Leite, relator.

Approvado sem discussão.

Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral do circulo n.° 63 (Covilhã) e tendo o examinado viu que o numero total e real dos votantes foi de 3:765, que todos recaíram no cidadão Guilhermino Augusto de Barros. Nas differentes assembléas o acto eleitoral correu com regularidade: é por isso a vossa commissão de parecer que seja approvada esta eleição e proclamado deputado o cidadão Guilhermino Augusto de Barros que apresentou o seu diploma em fórma legal.

Sala da commissão, 20 de fevereiro de 1885. = Frederico Arouca = Moraes Carvalho = Firmino J. Lopes = Pereira Leite, relator.

Approvado sem discussão.

Seguidamente, foram proclamados deputados, o sr. Guilhermino Augusto de Barros pela Covilhã, e o sr. Antonio Alberto Torres Carneiro por Arganil.

O sr. Vicente Pinheiro: - Mando para a mesa um requerimento pedindo diversos esclarecimentos pelo ministerio da marinha e ultramar, em referencia a um processo de concurso.

Vae publicado na secção competente.

O sr. Francisco de Medeiros: - Mando para a mesa um requerimento pedindo pelos ministerios do reino e justiça a correspondencia relativa aos conflictos occorridos em Santa Cruz entre a auctoridade administrativa e o respectivo juiz de direito.

Mando tambem um projecto de lei regulando os direitos que hão de pagar, durante o praso de dez annos, os tabacos manipulados, importados pela alfandega da Horta.

O requerimento vae publicado no lagar competente.

O projecto de lei ficou para segunda leitura.

O sr. Figueiredo Mascarenhas: - Mando para a mesa um requerimento do ajudante do governador da praça de Elvas, pedindo que no orçamento do estado se consigne uma verba de 10$000 réis para gratificação mensal d'aquelle logar.

Peço a v. exa. queira dar o competente destino a este requerimento.

Teve o destino indicado a pag. 428.

O sr. Presidente: - Como alguns srs. deputados se inscreveram para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha, apegar da hora estar muito adiantada, vou dar a palavra a s. exas., pedindo-lhes, porém, que não se alonguem nas suas considerações para se poder entrar na ordem do dia.

O primeiro que se inscreveu foi o sr. Emygdio Navarro. Tem portanto s. exa. a palavra.

O sr. Emygdio Navarro: - Tenciono tratar da questão do Zaire. Esta questão dará logar provavelmente a um largo debate, e como a hora está adiantada, parecia-me mais conveniente que v. exa. me reservasse a palavra para ámanhã, solicitando do sr. ministro da marinha o favor de comparecer mais cedo na camara para haver tempo de se tratar d'este assumpto com a largueza conveniente.

O .sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - É simplesmente para declarar a v. exa. que hoje ou amanha estou do mesmo modo á disposição do illustre deputado.

O sr. Emygdio Navarro: - Eu estou igualmente prompto a entrar no debate ; mas attenta a importancia d'elle, parecia me conveniente tratal-o quando houvesse tempo bastante para que os representantes da nação podessem expender larga e desafogadamente as suas opiniões. (Apoiados.) No emtanto não tenho duvida em usar já da palavra.

O sr. Presidente:- Tem s. exa. a palavra.

O sr. Emygdio Navarro: - Levantando a questão do Zaire, tem em vista pedir explicações ao governo a respeito da occupação das duas margens e da assignatura do tratado em que, segundo lhe consta, entregámos á associação internacional o melhor das nossas reivindicações coloniaes e precisamente aquelles pontos que se dizem occupados.

N'este intuito, perguntava:

1.° Se era certo que, quando o governo annunciava á camara, no meio do jubilo de todos, que as duas margens do Zaire tinham sido occupadas por forças portuguezas, se estava assignando em Berlim um tratado com a associação internacional, tratado pelo qual se lhe entregavam pontos que se diziam occupados por nós;

2.° Se era certo que n'essa occupação as forças portuguezas tiveram que recuar diante das forças navaes de outras nações;

3.ª Se é certo que pelo tratado feito com a associação internacional nós lhe entregámos o melhor dos nossos dominios no Zaire e nos contentámos com a margem esquerda d'aquelle rio, margem arenosa e apaulada, sem nada recebermos da margem direita.

Referindo-se em seguida, ás declarações constantes de documentos officiaes, quanto a não haver transacção possi-

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vel entre o governo portuguez e a associação internacional, nota a contradicção entre essas declarações e o facto da assignatura do tratado.

Faz ainda outras considerações e aguarda as explicações do governo.

(O discurso será publicado na integra ou em extracto desenvolvido quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - (O discurso de s. exa. não foi restituido a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Emygdio Navarro: - Responde ao sr. ministro da marinha e entre outras muitas considerações, expõe o seguinte:

Que os terrenos marginaes do Zaire que nos foram agora deixados, constituem apenas um terço do que pedia o marquez de Sá, por isso que este estadista fixava o ponto extremo na confluencia do Quango, emquanto que pelo tratado o nosso limite fica sendo em Noky.

Que o marquez de Sá não podia prever o futuro, isto é, não podia conhecer as descobertas de Stanley e a transformação que d'ellas proviria para a corrente commercial na Africa; e por isso se elle ainda hoje vivesse, era provavel que se não contentasse com a margem esquerda do Zaire como então só queria.

Que a occupação está em começo, como declarou o sr. ministro da marinha, mas que já está assignado o tratado com a associação internacional, entregando-se-lhe os pontos que se diz foram occupados.

E se assignámos esse tratado violentados por outras potencias, diga-o o governo, para se lhe pedir a responsabilidade das circumstancias que nos levaram a este acto, circumstancias que foram creadas por elle proprio; diga-o, para se lhe pedir a responsabilidade de ter promovido a conferencia de Berlim, como consta de documentos officiaes, sem saber as disposições das potencias a nosso respeito.

Deseja que o sr. ministro dos negocios estrangeiros de explicações claras sobre se acceitâmos o curso do Quango como nosso limite a leste.

E este ponto é importante, porque, se assimé, ficâmos impossibilitados de caminhar para o interior.

Por ultimo deseja saber que vantagens economicas e politicas resultam de nos contentarmos com a estreita facha marginal com que ficâmos pelo tratado.

(O discurso será publicado na integra ou em extracto desenvolvido, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - O governo falla a verdade, mas tem a obrigação de não dizer algumas vezes toda a verdade, procurando, a bem do paiz, a occasião mais opportuna de o informar ácerca de factos que devam interessar-lhe.

Hoje posso responder ás perguntas que me dirigiu o illustre deputado, e parece-me que lhe responderei de modo que o satisfaça.

O governo affirmou, e affirma ainda, que foi á conferencia impellido pela consciencia do seu dever. O governo entendeu, e entende ainda hoje, que devia ir á conferencia de Berlim.

É tambem certo que em dadas circumstancias o governo indicou a conferencia como meio de saír das difficuldades que então se apresentavam, diversas d'aquellas que a conferencia procurou depois resolver.

A indicação de que por uma conferencia se poderiam pôr de accordo as potencias, e destruir as objecções e as difficuldades que se oppunham á realisação do tratado de 26 de fevereiro, essa indicação partiu do ministro dos negocios estrangeiros de Portugal muito antes da conferencia de Berlim, e em circumstancias muito diversas d'aquellas que a determinaram.

O governo foi á conferencia de Berlim, acceitando o convite nos termos em que lhe era feito. Apresentou-se n'essa conferencia, e o que fizeram desde logo os nossos plenipotenciarios?

Declararam que o governo portuguez acceitava para os territorios que deviam ser considerados como sujeitos ao seu dominio os principios que a conferencia era chamada a proclamar.

Fez-se logo essa declaração dos nossos direitos, declaração que não foi contestada.

Os plenipotenciarios portuguezes tiveram primeiro que tudo o cuidado de salvaguardar a dignidade do paiz. Depois, á medida que se foram discutindo diversos assumptos na conferencia, os plenipotenciarios portuguezes intervieram n'essa discussão com os seus collegas, sustentando os bons principios e mantendo sempre as declarações que haviam feito.

Portugal foi sempre considerado como potencia marginal no Zaire.

Na primeira sessão declarára o chanceller da Allemanha que a questão da soberania e de limites não seria considerada pela conferencia.

Caber-me-ha recordar aqui ao illustre deputado e á camara que, antes da conferencia, tinha sido publicada na collecção de documentos diplomaticos no livro azul do governo inglez, uma nota do chanceller allemão na qual se mostrava adverso ao reconhecimento dos nossos direitos e menos disposto a consentir em nome da Allemanha no alargamento territorial do nosso dominio.

É bom que se registre este facto.

Proximo a encerrar-se a conferencia podia acontecer que os nossos direitos não fossem reconhecidos.

Mas não deviamos partir da conferencia de Berlim sem termos liquidada essa grave questão, e liquidámol-a, não por um accordo feito unicamente entre Portugal e a associação internacional, que Portugal não havia reconhecido; mas sim com a intervenção das potencias mais interessadas que respondiam por si e em nome de todas as potencias, pelo reconhecimento dos nossos direitos em dadas circumstancias.

A convenção com a associação internacional não foi, pois, uma convenção feita voluntaria e espontaneamente entre nós e a associação internacional; mas uma convenção em que interveiu a vontade expressa de três potencias, a Allemanha, a Inglaterra e a França.

Não houve uma imposição formal, mas houve a manifestação collectiva de um desejo, ao qual se subordinava o reconhecimento dos nossos direitos; ou Portugal consentiria numa partilha do territorio em litigio, ou os direitos de Portugal não poderiam ser reconhecidos e as potencias attribuiram-se o direito de resolverem por si, qual seria então a sorte futura d'aquelles territorios, que poderiam ser internacionalisados ou repartidos por qualquer modo, sem que os nossos direitos fossem attendidos.

Esta é a verdade, consta dos documentos que foram apresentados, e este e outros factos provam que ha menos opportunidade em trazer para aqui esta discussão; mas eu de proposito não quiz omittir este facto para que se não dissesse, que o governo fugia á responsabilidade dos actos que praticou!

A convenção com a associação internacional não se verificou com completa liberdade de acção da nossa parte, por modo que podessemos resolver os nossos direitos, qualquer que fosse a resolução que adoptassemos; a convenção com a associação internacional foi imposta pela vontade expressa de outras potencias.

Assumptos d'esta ordem, assumptos internacionaes não se podem discutir sob o influxo de paixões partidarias, nem se subordinam á consideração das vantagens que um partido, ajudando-se da errada apreciação dos factos, possa alcançar sobre os seus adversarios.

É preciso que se attenda cuidadosamente, não á situação em que se vae collocar o governo, mas á situação em que ficará o paiz. (Apoiados.)

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Quando se convocou a conferencia de Berlim, qual foi a opinião propalada por todos os meios pelos orgãos da opposição ?

Foi que a nossa causa estava completamente perdida, que não se podia esperar absolutamente nada d'aquella conferencia. (Muitos apoiados.)

E esta opinião pessimista não era exclusiva da opposição (Apoiados.); algumas pessoas, que não pertencem á opposição, e aliás illustradas, tambem a partilhavam.

Mas o governo não se deixou dominar por essa desesperança e entendeu, que para defeza da dignidade e dos interesses do paiz, deviam os seus representantes ir á conferencia e manifestar desde logo as idéas em que íam, affirmando que reconheciam os principios que a conferencia proclamava e estavam dispostos a fazer a applicação d'esses principios aos territórios que Portugal considerava seus.

N'aquella occasião as disposições das potencias eram-nos geralmente desfavoraveis. Não ha negal-o. Não devemos estabelecer discussões baseadas em hypotheses, mas partir dos factos como elles são. Entretanto, nós apresentando-nos na conferencia não haviamos de dizer que tinhamos os nossos direitos por menos validos e menos seguros, e que estavamos dispostos a ceder d'elles. (Apoiados.)

A memoria a que o illustre deputado se referiu é uma memoria juridica, habilmente feita, como são todas as que sáem da penna do abalizado jurisconsulto que a redigiu. (Apoiados.) Mas essa memoria onde se apresentam os factos sob o ponto de vista juridico. De resto o governo manteve sempre as conclusões d'aquella memoria, sustentou sempre com firmeza os direitos da corôa de Portugal.

O que o illustre deputado não provou, nem podia provar, era a posição em que ficaria o governo se nos collocassemos n'uma situação intransigente.

Considere-se qual seria a situação do nosso paiz isolado.

Poderão dizer-me que um grande estado já se collocou em situação analoga e d'ella resurgiu poderoso e forte como dantes. E verdade, mas era um grande estado. Esse estado, considerando-se melindrado por uma grande injustiça que soffrêra, concentrou se, tratou de augmentar as suas forças, de restabelecer o seu poderio, e depois voltou novamente, com melhores disposições, ao convivio das nações. Mas nós, uma pequena potencia, declarando-nos amuados, isolados de todos, ver-nos-íamos n'uma situação deploravel e perigosa; porque umas certas injustiças em vez de captarem a benevolencia em favor das victimas, pelo contrario augmentam a má disposição dos próprios que as praticam. (Apoiados.)

Demais, cumpre não desconhecer que havia argumentos a allegar contra nós, e argumentos fornecidos por nós mesmos.

Pois não andamos ha muito tempo a deprimir e calumniar constantemente na imprensa e no parlamento os nossos funccionarios, a apreciar de um modo desfavoravel os seus actos, a attribuir-lhes injustamente responsabilidades que não têem e a amesquinhar a nossa administração colonial? (Apoiados.)

Quando se negociava o tratado de 26 de fevereiro e se levantava no parlamento inglez uma grande e energica opposição contra elle, accusando-nos de negreiros, o que fazia a imprensa da opposição? Transformando factos occorridos na Guiné e dando-lhes uma certa cor de escravatura, accusava o governo por as auctoridades consentirem e promoverem esses factos. (Apoiados.)

Annunciou-se mesmo no parlamento uma interpellação sobre isso. Eram outros tantos argumentos que se forneciam aos traficantes de Manchester e Liverpool, e que collocavam o governo inglez na situação do poder ratificar o tratado. (Apoiados.)

Ultimamente o que tem acontecido? Desde que começaram as negociações difficeis e trabalhosas em que temos andado empenhados para arrancar á má vontade das potencias uma parte que nós considerâmos nossa por direitos tradicionaes não temos encontrado sempre por adversarios os que sómente deviam ser nossos adversarios no que não affectasse a honra e os interesses de Portugal?

Que auxilio nos tem prestado em favor da causa que defendiamos uma parte da imprensa do paiz? Tem andado a fornecer armas aos adversarios do paiz. Hoje diz que não temos forças para occupar tão extensos territórios; ámanhã cita auctoridades competentes a favor do cerceamento dos nossos direitos. (Apoiados.) Espalhavam se a todo o momento, vozes de terror e até se publicavam memórias, mnnographias com toda a feição scientitica, para mostrar a necessidade de limitar a nossa occupação á margem esquerda.

(Aparte do sr. Emygdio Navarro.)

Pretendo o illustre deputado que o marquez de Sá, a cuja veneranda memoria ninguem consigna um maior tributo de admiração e respeito, quando propunha a margem esquerda do Zaire como fronteira da nossa occupação tinha em vista a posse de extensos territorios que o governo agora abandonou, territorios comprehendidos entre o parallelo de Noki e a confluencia do Quango com o Zaire. Ha n'isto manifesto engano da parte de s. exa. O marquez de Sá da Bandeira não conhecia nem podia conhecer o curso exacto do Zaire, então desconhecido; ninguem sabia n'aquelles tempos que o Zaire se dirigia para o norte indo transpor ainda o Equador. Não tinha, pois, nem podia ter em vista a posse de tão dilatados territorios, citava apenas a margem esquerda do Zaire no percurso então conhecido d'este rio, como uma fronteira natural que muito conviria se adoptasse. Na adopção d'esta idéa teria insistido o governo se tivesse tido alguma possibilidade de o conseguir.

Tambem o marquez de Sá se não podia referir á confluencia da Europa com o Zaire pois que n'aquella epocha o verdadeiro curso do Cuango estava inteiramente por descobrir; hoje mesmo não ha d'elle um conhecimento rigorosamente exacto e completo.

Sobre outro ponto pediu o illustre deputado explicações. Parece que s. exa. tem graves apprehensões de que o curso do Cuango venha restringir a nossa occupação, mesmo no interior da provincia de Angola. N'esta parte não tem rasão o illustre deputado.

O Cuango marca os limites de Portugal até o parallelo do rio Loge que é a fronteira das nossas antigas possessões de Angola.

Entendo como o illustre deputado que devemos empregar os maiores esforços para não acceitar limitação no sertão da provincia; no emtanto, devemos notar que este desejo de possuir tudo que possa marcar-se por um parallelo, sem empregar grandes esforços para transportar ao sertão, occupando-o effectivamente, os beneficios da civilisação, não póde sustentar-se hoje.

Quando se quizer attender ao risco que corremos de perder completamente os territorios, por cujo dominio sempre pugnámos; quando se podér bem avaliar a lucta difficil e laboriosa que tivemos de sustentar para que não passassem tambem ás mãos da internacional esses vastos territorios que nos ficam pertencendo, ha de fazer-se justiça ao governo e reconhecer-se que os nossos representantes na conferencia de Berlim bem merecem da patria.

A posse de Cabinda e Malembo, de que hoje se quer desdenhar, representa, alem de uma justa reivindicação do direitos consignados no nosso codigo fundamental, o dominio effectivo num territorio que comprchende uma das melhores enseadas da costa occidental e é habitado pela raça mais adiantada em civilisação, mais aproveitavel e de melhores intuitos.

Não sei se me esqueceu tratar de algum outro ponto a que se referiu o illustre deputado, e reservo-me para responder mais detidamente quando podér apresentar ao lado das minhas allegações os documentos que as comprovam e fundamentam.

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O sr. Vicente Pinheiro: - Começo por agradecer ao sr. ministro da marinha a honra que me fez de me citar pela terceira vez n'esta casa.

Agora vou entrar rapidamente na questão do Zaire, segundo os apontamentos que tomei durante o tempo que fallaram os srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros.

Eu desejava saber se o sr. ministro da marinha tinha auctorisado ou não a posse das duas margens do Zaire. O sr. ministro antecipou a sua resposta á minha pergunta. S. exa. disse que de facto tinha auctorisado essa posse, quando na conferencia de Berlim se declarou que aquelle congresso diplomatico não trataria as questões da soberania das margens do Zaire.

Mas, sr. presidente, uma cousa é auctorisar a posse das duas margens d'esse rio e outra cousa é irem ali as nossas forças navaes fazer fundações.

Eu tive conhecimento pelos jornaes do teor d'essas fundações, e o sr. ministro da marinha confirmou agora que de facto ellas tiveram realidade.

Estas fundações, como actos de posse, são, a meu ver, actos de uma posse ridicula, (apoiados) porque se nós temos luctado durante tanto tempo para fazer valer o nosso direito á foz do Zaire, com estas fundações damos um documento do que só agora em virtude d'estes actos, ternos direito áquellas terras pela primeira vez, e isto, porque os indigenas nos pediram o nosso protectorado. Não foi, conseguintemente, uma posse baseada no nosso antigo direito. As fundações são factos de vassallagem; e ha seculos que os potentados d'aquellas paragens nos reconheceram a suzerania.

Tenho pena de não ter aqui os textos d'essas fundações, que foram hoje publicados no Jornal do commercio, porque se os tivesse, a simples leitura d'esses documentos daria a conhecer á camara que aquelles que em nome do governo portuguez fizeram essas fundações demonstravam que os indigenas não reconheciam até aqui o nosso direito áquellas terras: fizeram cedencia d'ellas agora porque, attendendo ás vexações que soffriam dos differentes povos europeus que ali vão cornmerciar, preferiam o protectorado dos portuguezes que conheciam ha mais tempo.

Com relação á minha opinião, e que o sr. ministra da marinha citou, declaro que é facto seguir no meu livro a opinião do marquez de Sá da Bandeira de que o nosso dominio na costa occidental de Africa devia ir apenas até á margem esquerda do Zaire; mas devo dizer que a minha opinião sobre este assumpto soffreu posteriormente uma modificação. É esta a primeira vez que tenho occasião de a declarar e de a explicar, se por acaso necessita explicação o que sobre esto assumpto escrevi.

O sr. ministro da marinha, que me honrou com a leitura conscienciosa do meu livro, sabe quaes são as minhas idéas a respeito da economia politica colonial. S. exa. sabe que eu na costa occidenial de Africa sou proteccionista e combato as amplas liberdades de commercio; porque as colónias morrem para nós que somos uma nação pequena, desde o momento em que desnacionalisemos o commercio que com ellas podemos entreter. E, para provar isto, que e um facto importante, basta saber-se o commercio que temos com as nossas colonias da costa oriental, para as quaes decretámos uma pauta mais ou menos liberal, e os interesses commerciaes que a praça de Lisboa tem nas colonias da costa occidental, em cujo regimen aduaneiro existe uma justa protecção.

Não quero dizer com isto que julgo as nossas pautas da Africa occidental completamente boas, e que não careçam de ser melhoradas, a que eu não quero é o livre cambismo apregoado como salvação das nossas colonias, se meu livro indiquei as reformas a fazer nas nossas pautas, acabando com os exageros que ellas contêem, mas sem me afastar do principio de protecção, porque quero e hei de pugnar sempre pôr uma rasoavel e sensata protecção, não tendo a menor duvida de declarar aqui, francamente, que sou proteccionista.

Para mim, pois, a questão do Zaire perdeu todo o interesse desde que foi, na conferencia de Berlim, amplamente decretada uma bacia commercial n'aquella região africana.

Eu quereria que, quando principiaram as negociações para tomarmos posse do que a carta constitucional diz que nos pertence, se fizesse um arranjo diplomatico em virtude do qual, seguindo a opinião do venerando marquez de Sá da Bandeira, a margem esquerda do Zaire fosse considerada nossa e annexada a Angola, como limite norte d'esta provincia. Queria que nos contentássemos com essas terras, mas que nos ficassem pertencendo com pleno dominio, com o direito de n'ellas estabelecermos o systema aduaneiro que melhor nos conviesse.

Mas, desde que só decretou na conferencia de Berlim essa ampla bacia commercial, o Zaire póde ser para nós um grande encargo, sem nunca poder representar especie alguma de interesse.

Não é, portanto, esta margem esquerda do Zaire, que agora nos dão, aquella que eu ambicionava para o meu paiz, e a que queria o nobre marquez de Sá. Geographicamente tambem não ficava essa margem em Noki. D'este ponto tratou o sr. Emygdio Navarro, e quanto ao saber-se se o illustre marquez conhecia ou não o Zaire, a mim só me resta dizer que o sr. Leon Cahun, bibliothecario da bibliotheca Mazarini, reeditou em Bruxellas, em 1883, o Roteiro do viajante portuguez Duarte Lopes, precedendo-o de um prefacio no qual diz - que só o sr. Stanley o tivesse lido antes de partir para a Africa lhe teria sido mais facil descobrir pela segunda vez o Zaire.

E, agora, respondendo ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, direi que acho notavel que s. exa. nos diga - que promoveu e não promoveu a conferencia de Berlim. De modo que da confusa explicação de s. exa., sou levado a concluir que quando o governo quiz uma conferencia o não ouviram, e quando a não queria o governo era impellido a acceital-a. para usar da palavra empregada pelo sr. ministro.

Diz ainda s. exa.: «O chanceller allemão era-nos contrario, recusava reconhecer os nossos direitos». Pois não disse aqui o sr. Barros Gomes, quando na discussão da resposta ao discurso da corôa tratou magistralmente da questão do Zaire, que o dr. Nachtigal tinha vindo a Lisboa com poderes do governo da Allemanha para conferenciar comnosco?

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - É completamente inexacto.

O Orador: - Então porque foi que quando s. exa. respondeu ao sr. Barros Gomes não provou que essa asserção era inexata? Como porém, só segue a fallar o sr. Barros Gomes, este illustre deputado dirá o que se lhe offerecer a este respeito.

Diz o sr. ministro dos negocios estrangeiros que as potencias europêas não reconheciam o nosso direito, mas não é isso o que consta das notas do sr. Serpa, publicadas no Livro branco.

Assegura o sr. Serpa n'esse documento, que todas as potencias reconheciam os nossos direitos ao Zaire com excepção da Inglaterra. O Livro branco que trata d'esta questão tem notas do sr. Bocage e foi trazido por s. exa. á camara.

Como é então, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros nos vem dizer, que as potencias nos eram totalmente hostis?

O governo como disse, refere no Livro branco, que todas as potencias nos reconheciam os nossos direito ao Zaire, excepto a Inglaterra. Eu sei que o governo por parte da França, se escudava nas notas do nosso encarregado de negocios em Paris, mas sei tambem que o sr. Duclere n'um documento publicado no Livro amarello, desmentiu esse

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agente diplomatico, que depois desse facto o governo, por proposta do ministerio dos negocios estrangeiros, impensadamente n'esta occasião, fez visconde.

Eramos nós opposição, no dizer do sr. ministro, que estavamos a fornecer constantemente elementos ás potencias estrangeiras para combaterem os nossos direitos?!

Eramos nós que amesquinhavamos a nossa administração colonial e que levantavamos aqui todos os dias, a questão da escravatura, produzindo assim atrictos ao governo?

Não é verdade isso; era mais alguém que lá fóra fallava da escravatura nas nossas colonias: era o sr. Morier que, quando ministro de Inglaterra em Portugal, communicava ao seu governo, pela fórma de que vou dar conhecimento á camara, lendo uma nota publicada no Livro azul referido ao anno de 1881, um dos primeiros actos do primeiro gabinete de gravidade das circumstancias, de que ainda ha ministros n'aquellas cadeiras.

«O primeiro acto do gabinete, com relação a assumptos coloniaes, foi o de substituir o sr. Sarmento, governador geral de Moçambique, que caíra em desagrado. O crime do sr. Sarmento foi ter asseverado não só que existia o trafico na costa de Moçambique, mas tambem de ter bem procedido em o reprimir.

«Foi victima das intrigas do sr. Machado e da sociedade de geographia de Lisboa, que se propozeram fazer acreditar que o trafico da costa de Moçambique, é uma verdadeira allucinação dos cônsules de Sua Magestade.»

Eu vinha preparado para tratar largamente a questão da escravatura, porque tencionava fazer hoje a devida justiça ao sr. Sarmento que foi um governador que atacou constantemente o trafico da escravatura e que fez prender o Mucusse Omar, um traficante de escravos muito conhecido, e tão conhecido que mereceu ao sr. Augusto de Castilho as honras de uma biographia no Occidente.

Essa justiça queria eu fazel-a agora na occasião em que vou mandar para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos sobre o concurso realisado na secretaria da marinha no dia 20 de novembro passado.

A verdade, sr. presidente, tem sempre um logar importante em todas as questões, mas com especialidade na questão colonial; n'esta é preciso dizer sempre toda a verdade, desviando d'ella toda a politica.

Nem opposição, nem ninguem, deve ser censurado, sempre que fallando do ultramar, ponha em evidencia as chagas que lá existem.

O governo que demittiu o sr. Augusto Sarmento commetteu uma monstruosa injustiça, e forneceu aos estrangeiros um documento de ataque para nos tão importante e verdadeiro como o que li á camara.

Com os documentos que recentemente me foram enviados pela secretaria da marinha, satisfazendo a um requerimento que fiz, se póde até provar que em Ambaca ha igualmente escravatura.

Ora como é que se ha de pôr cobro a este cahos que vae no ultramar, como é que havemos de terminar com a má organisação administrativa das nossas colonias, senão dizendo-se aqui tudo quanto se saiba a esse respeito?

A Memoria que o governo fez distribuir na conferencia, e cujo caracter politico o sr. ministro não póde agora negar, não transigia e ameaçava-se n'ella o abandonarmos a conferencia, quando não fossem reconhecidos os nossos direitos. E, finalmente, diz-nos o sr. ministro dos negocios estrangeiros que fomos forçados a acceitar um accordo com a associação internacional, porque não podiamos ficar collocados nas circumstancias de uma potencia amuada.

Eu não queria que o meu paiz ficasse collocado n'essas circumstancias; mas como uma potencia vencida, porque ha vencidos victoriosos. Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - (O discurso de s. exa. não foi restituido a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ferreira de Almeida: - Antes de entrar n'uma questão d'estas, em que se tem debatido até a geographia, sciencia de que o governo nos deu já uma prova, quando, procurando dar algumas explicações que eu lhe pedira, o sr. ministro da marinha disse que se honrava muito de ter condecorado um preto pelos seus serviços, e que, voltando da Guiné para a Africa, trouxesse sobre a sua humilde farda a medalha da Torre Espada, como só a Guiné não fosse na Africa.

O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Para Angola é que eu disse de certo.

O Orador: - É o que teria vontade de dizer,

O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O illustre deputado não imagina, de certo, que eu não saiba que a Guiné é na Africa. (Riso.)

O Orador: - Reporto-me ao que consta do Diario das nossas sessões.

Tratando da questão do Zaire com as difficuldades que têem as apreciações geographicas, pergunto, as ilhas que se encontram no decurso do Rio ficam pertencendo ao possuidor da margem esquerda ou ao da margem direita? E aquella famosa occupação do Massibi, que deu um visconde, um ajudante de ordens de El-Rei, uma commenda a um official de marinha, que a recusou, porque não quiz prestar-se a palhaçadas!...

O sr. Presidente: - Eu pedia ao illustre deputado que retirasse a palavra palhaçadas. (Apoiados.)

O Orador: - Será então comedia. Esse glorioso Massibi que esteve quasi a dar um conde, nem ao menos ficou encorporado n'essa grandiosa provincia de trinta e tantas milhas de longo por outras tantas de largo com que nos embalou ha pouco o sabio sr. Bocage, e que, começando no parallelo 5,12, segundo referem os jornaes, vem até ao parallelo do cabo Lombo, tambem chamado Ponta do Diabo.

Pergunto eu, a margem direita do Cacongo fica pertencendo á Franca, ou o limite norte de Cabiuda e Molumbo será o parallelo de 5,12?

Quanto á margem esquerda do Zaire, confesso que sendo apologista da alienação de uma determinada zona do dominio colonial, cousa que fez a França, vendendo a Luisiania e a Florida aos estados nascentes da União Norte Americana, como fez a Inglaterra que trocou o seu dominio de Sumatra com o de S. Jorge da Mina, pertencente á Hollanda, como fez a Suécia e a França com respeito á ilha de S. Bartholomeu nas Antilhas, como fez a Russia com a America do Norte com Alaska, e como nós fizemos pela carta de lei de 18 de agosto de 1860, confirmando o tratado de 20 de abril de 1859 com a Hollanda, em que foi plenipotenciario o sr. Fontes Pereira de Mello, sendo ministro dos negocios estrangeiros o sr. Antonio José d'Avila, e ao qual, pelos artigos 5.°, 6.º e 7.°, se trocaram territorios dependentes de Timor, pelo artigo 8.° se cederam e pelo artigo 9.° se receberam 200:000 florins como indemnisação.

Estou certo de que estes factos de um dos membros do gabinete não vão ser impugnados pelo exmo. ministro da marinha.

E servem-me para basear a opinião que eu professo.

Eu sou apologista da reducção do nosso dominio colonial, por entender que esse dominio deve estar na proporção dos elementos de que dispõe a mãe patria, e são densidade de população, riqueza publica, desenvolvimento industrial, commercial, etc. (Apoiados.)

A meu ver um paiz que de entre seis potencias coloniaes, a Inglaterra, a Hollanda, a França, a Hespanha e a Dinamarca, é o penultimo na densidade de população, o ante-penultimo na grandeza de superficie na Europa, o ultimo no valor de movimento commercial, tanto de importação como de exportação, e o penultimo na receita publica, não póde ser o segundo em dominio colonial. (Apoiados.)

Servem estas referencias para justificar a minha opinião

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e para a tornar mais auctorisada em relação á questão do Zaire, alem do exemplo dado por outras nações que têem concentrado o seu dominio colonial, como a Hollanda, alienando, trocando, ou vendendo, ou como melhor queiram chamar-lhe, e formando o famoso imperio dos indios-ncerlandezes.

E eu que partilho a opinião da, alienação como concentração do dominio, o que por fórma alguma desejava era que perdessemos a minima, parcella de terreno em Angola, ou n'algum dos territorios limitrophes em que pretendemos ter soberania, e ainda nos que se lhe seguem, e em tempo tivemos dominio directo. (Apoiados.)

Diz-nos a estatistica que o nosso commercio com as provincias de Africa é de 4.330:000$000 réis, e com as da Asia do 37:000$000 réis.

Como a estatistica se refere a 1881, podia em bom direito suppor que n'esta ultima designação se comprehendeu o commercio do Moçambique, porque a navegação principal que havia para esta colonia era a mesma da India; mas, quando assim não seja, deduzindo dos 4.330:000$000 réis uns 300:000$000 réis para o movimento commercial da Guiné, Cabo Verde e Moçambique, ainda o commercio geral e especial do Angola e ilhas do golpho fica representado pela notavel cifra de 4.000:000$000 réis.

Por aqui se vê que se ha algum dominio que seja necessario manter integro e a tudo o custo é o dominio da costa Occidental de Africa, que representa já hoje para nós um segundo Brazil (Apoiados.) pela grande colonização que já tem, em relação aos outros pontos que possuimos, e porque das nossas colonias é a que está mais proxima da mãe patria, e a distancia, que se traduz em encargos de frete, é um termo importante na questão commercial.

D'este dominio é que de forma, alguma eu desejava que se perdesse um trato de terreno por mais insignificante que fosse. (Apoiados.)

Eis a rasão por que eu manifesto o meu sentimento por ver que a força das circumstancias, se não a imprudencia, principalmente da parte nos sabios do gabinete, d'esse os tristes resultados do mallogrado tratado do Zaire, e agora da conferencia de Berlim, com as suas deplorareis consequencias.

Disse aqui o meu illustre collega, o sr. Barros Gomes, que o governo ignorava sempre as disposições das chancellarias estrangeiras a respeito das nossas questões do politica colonial e internacional, e eu direi agora que o governo ignorava os emprehendimentos gcographicos a que se abalançavam as differentes nações da Europa, e principalmente a França, quando se propoz tornar effectivo o nosso dominio ao norte de Angola, pelo tratado do Zaire feito com a Inglaterra, ou os não tomou na devida consideração, como tenho o direito de suppor, desde que n'este mallogrado tratado se feriam interesses de terceiro.

O facto que mais prejudicou a questão do Zaire foi a opposição da França contra o tratado feito com Inglaterra, por uma causa que parece insignificante mas que eu vou provar que era da mais alta importancia.

O tratado do Zaire, datado do Londres de 26 de fevereiro de 1884, e apresentado na primeira sessão legislativa d'esse anno, com o parecer n.° 72, diz no seu artigo 14.°, que se Portugal em qualquer tempo tiver intenção de abandonar o forte de S. João Baptista de Ajuda, na costa da Mina, o participará á Gran-Bretanha, a quem será oferecida a cessão do forte e de todos os direitos inherentes á sua posse de nenhum accordo se fará para a cessão do forte a qualquer outra potencia, sem previo consentimento Gran-Bretanha».
ministro da marinha.

S. João Baptista do Ajuda é um insignificante dominio perdido na Costa da Mina, e de tão pouca importancia para a administração colonial, que está ha um anno sem communicações com os nossos dominios da Africa occidental, e portanto sem se pagarem os vencimentos ao governador, numerarios ao destacamento e bem assim a importancia das obras que se tinham realisado, porque o ultimo navio que ali appareceu foi a Douro, em janeiro de 1884, que levou 500$000 réis, quantia que não chegou para o pagamento dos atrazados, e desde que ali estivera a canhoneira Ave, quatro mezes antes, ainda ali não foi outro navio!

A Douro levou instrucções do governador de S. Thomé, para fazer uma convenção com o rei de Dahomé sobro a extensão e importancia do nosso dominio n'aquella região.

Parece impossivel que os sabios não tenham capacidade bastante para tratar cumulativamente todos os negocios do ultramar, e só se lembrem das colonias, como as creanças se lembram das bonecas quando lhes querem tirar alguma.

Quer v. exa. saber a importancia da fortaleza de S. João Baptista de Ajuda? Ahi vae um pouco de geographia e historia contemporanea sem pretensões.

No tempo do general Faidherbe, governador do Senegal, começaram as grandes operações para o interior da Senegambia, não só para o lado de Argelia em que succumbiu o coronel Flatters, mas principalmente para a região do Niger, tendo-se desenvolvido esses trabalhos, em 1880, com as explorações de Gallivi e Olivier, dilatando-se já para leste, já para o sueste, os pontos do occupação no interior da Guiné septentrional, ficando o sertão quasi todo, não só correspondente aos nossos dominios mas até os da Serra Leôa, debaixo da influencia franceza, influencia que foi tão longe que se estendeu até ás cabeceiras do Niger.

Estas expedições scientincas tinham por fim determinar o limite de occupação para a exploração commercial do valle do Senegal e do Niger, e para isso construia-se um caminho de ferro de Babel a Bafonlabé no valle do Senegal onde o rio começava a não ser navegavel.

O terminus natural d'estas explorações e emprehendimentos não pode nem podia ser senão o Oceano, e como as bôcas do Niger estão em poder da Inglaterra, assim como outros pontos proximos da costa que poderiam servir do interposto, só Ajuda, por não ser inglez, e pela sua posição e commercio francez que já tem, podia satisfizer a similhante desideratum.

A disposição do artigo 14.°, porém, ferindo de morte todos os trabalhos e despezas que a França fazia na Guiné septentrional, levantou a animosidade do governo francez contra o tratado.

Aqui tem, pois, a camara justificada a accusação que fiz de imprevidencia, se não de negligencia, da parte do governo, em um assumpto tão grave e de tão nefastos resultados.

Tem esta questão sido brilhantemente tratada por individuos mais auctorisados do que eu, e por isso não mo alongarei mais.

Mas antes do concluir preciso fazer duas observações, uma ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, outra ao sr. ministro da marinha.

O sr. ministro dos estrangeiros disse que se não devia levantar aqui a questão da escravatura sem desauctorisar os nossos funccionarios ultramarinos, porque isso se explorava lá em monographias e pamphletos contra nós. A opposição sente profundamente o ter que levantar similhantes questões de que se occupa e para que se não diga nunca que passaram sem pretexto erros graves, salvando-se assim a dignidade do paiz, muito embora se comprometia a do governo.

A opposição hão é que dá os elementos para as accusações dos estranhos, quem os fornece é o governo e principalmente o sr. ministro da marinha. (Apoiados.)

E permitia me s. exa. dizer-lhe agora que, por muito que possa desagradar-lhe a minha maneire de tratar estas questões na camara, é ella filha do estudo que tinha podido fazer de s. exa. nos seus escriptos e discursos: s. exs. é o meu espelho n'estas cousas.

É pois ainda com a auctoridade dos escriptos de s. exa. que vou justificar a affirmação que acabo de fazer, e para

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isso permitia me a camara a leitura do um trecho curioso d'um jornal.

«Emquanto entre nós o governo das colonias foi apenas o pretexto para fazer ganhar um posto do accesso a um militar, que vê, que pouco podo fazer na metropole; emquanto as colonias forem o vasadouro de todos os que se vêem sem futuro em Portugal, de todos os fructos seccos da militança e da politica; emquanto forem o paradeiro de todas as Ambições mallogradas, e de todas as carreiras perdidas; nada se póde fazer verdadeiramente util e importante. Aconteceu entre nós muitas vezes ver desapparecer de subito um homem, que depois de um principio de carreira brilhante escorregou, e pouco a pouco chegou aos ultimos degraus da miseria e de abjecção. O que succedeu a esse homem? Morreu, ecclipsou-se? Não: valeram-lhe os amigos dando-lhe um governosinho no ultramar, um logar importante nas colonias!...»

Mas ha mais e melhor.

«Na lista dos governadores dos concelhos africanos, e até das possessões mais importantes, encontra-se a lista dos capitães matraqueados nas guardas da principal, dos primeiros sargentos sem estudo que querem conquistar os galões, e dos primeiros tenentes que não poderam arranjar uma commissão na metropole!»

Quer a camara saber quem é o auctor d'estas bellas informações? É o sr. ministro da marinha, o sr. Pinheiro Chagas, como aqui está inserto no jornal As colonias portuguezas de 1 de janeiro de 1883. S. exa. não virá dizer-me agora tambem que não reviu as provas! (Riso.)

O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chadas): - Confirmo o que disse.

O Orador: - Mas ha mais. V. exa. e a camara hão de permittir-me, desde que fui chamado á auctoria do classificar mal as auctoridades do ultramar, que eu continue provando que outros cavalheiros mais auctorisados do que eu o fizeram com mais vchemencia, como a camara vae ver.

«Se a historia dos governos geraes e districtaes do litoral africano é quasi sempre pouco edifiicante e honrosa, a dos governos sertanejos é francamente medonha. Os maiores inimigos da nossa dominação o do nosso prestigio ultramarino têem sido, ao lado dos aventureiros mestiços e barbaros do sertão, pelos typos dos Coimbrãs e dos Alvares, os homens ignorantes o perdidos que, escorraçados das fileiras do exercito, ou mascarados ad hoc n'um uniforme de officiaes, enviâmos com alguns soldados reles a 20$000 ou 30$000 réis de soldo a governar territorios maiores do que as nossas provincias europêas, o povos ingénuos e selvagens de que elles não têem a menor noção rasoavel.»

Sabe v. exa. quem assignou o artigo a que pertence este trecho? É o meu illustre amigo o sr. Luciano Cordeiro, delegado do governo na conferencia de Berlim!

Já a camara vê quão pallidos são os refluxos das minhas accusações, a par das que acabo do ler, firmadas por nomes tão illustres e auctorisados! ...

Mas como não quer o governo que se tragam estas questões á camara, como a que eu trouxe do embarque de quatrocentos serviçaes para Moçambique, do que tenho agora os documentos officiaes; questão que hei de fazer reviver para mostrar que não disse ainda tudo quanto podia dizer! Como não quer o governo, repito, que se tragam estas questões para aqui, quando pelos proprios documentos officiaes se vê a maneira pouco seria como estas questões são tratadas?!

Quer v. exa. e a camara saber quem foi o encarregado escolhido para organisar o deposito dos quatrocentos serviçaes, mandados para Moçambique? Foi um dos taes homens perdido e escorraçado das fileiras do exercito, como diz o sr. Luciano Cordeiro, e que illustrou a sua carreira militar, segundo consta do livro de registo do regimento de infanteria n.º 13, existente no archivo do ministerio da guerra, com furtos nas mochilas dos soldados do destacamento de Bragança, de que fazia parte, pelo que baixou da classe de sargento a soldado, sendo mandado servir nos corpos de Africa Occidental por ordem do commandante em chefe do exercito em 26 do dezembro do 1885!

Pois o governo só tinha homens d'esta especie, e que em Mossamedes se alliciou tambem a uma revolta contra o governador Fernando da Costa Leal, um dos homens mais energicos, mais activos o honestos que têem governado aquelle districto.

Pois não haverá na Africa officiaes dignos a quem tão melindrosa commissão fosse confiada?

Ha. Mas esses são processados e desviados das colonias, porque protestam contra tudos esses attentados que, a cada momento, se apontam praticados ali contra a moral, a justiça e a humanidade. (Muitos apoiados.)

Esses soffrem na sua carreira, nas suas commodidades o até no conceito official; aquelles, os ratoneiros das mochilas dos seus subordinados, são condecorados!...

O governo, pela junta dos seus membros mais illustres, emfim dos sabios, escreve cousas tão vehementes, como as que li á camara; o governo consente que os funccionarios abusem das faculdades do poder e encolham o que ha de mais crapuloso para os encarregarem de commissões importantes. E são deputados da opposição que desacreditam o paiz!!!

A opposição protesta exactamente para levantar o estygma de cima do paiz, e levanta a sua voz energica da reclamação por fórma que só ao governo fique a responsabilidade.

Sr. presidente, vou concluir com uma observação necessaria, só a camara m'a permitte.

O regimento não consente que nas explicações antes da ordem do dia o deputado replique ás observações que o governo faz, resulta d'aqui que em dadas questões o illustre ministro, refiro-me ao sr. Pinheiro Chagas, responda com certa segurança, força e vehemencia, querendo fazer persuadir á camara que a rasão está do seu lado! E como pelo regimento eu não posso tornar a usar da palavra n'esta questão, para prevenir a camara a respeito da seriedade e conceito em que
deve ter a do sr. ministro da marinha, nas suas replicas ás minhas observações, vou analysar uma das respostas de s. exa. na ultima vez que trocámos explicações.

Disse eu que a lei não se cumpria, e estava só no papel, porque, tendo-se nomeado um funccionario para uma commissão, esse funccionario morrêra pouco depois da nomeação, e ainda não fôra substituido, d'onde se concluia, que se tinha attendido mais a um acto de favoritismo do que ao cumprimento da lei.

S. exa. respondeu que o empregado nomeado tinha fallecido poucos dias antes da abertura da camara (falleceu em setembro), e que tendo entrado para o arsenal novo superintendente, não era para estranhar que ainda lho não tivesse apresentado a proposta para nova nomeação!

Note a camara que s. exa. disse com enorme segurança que, ytendo entrado para o arsenal um novo superintendente, não tivera ainda tempo de fazer uma proposta. Ora a lei de 24 de julho de 1884, assignada pelos srs. Hintze Ribeiro e Pinheiro Chagas, diz no seu artigo 4.º que o commandante geral da armada, e não o superintendente do arsenal, proporá ao ministro o official de fazenda que tem de fazer parte da commissão encarregada de verificar a qualidade e quantidade dos objectos que derem nos depositos do arsenal da marinha.

D'este conflicto entro as affirmativas triumphantes do exa. ministro, e a lei por elle referendada, tire a camara o ensinamento preciso sobre o conceito e confiança em que deve ter as respostas de s. exa., a que o regimento me não concede replica.

Agora outro ponto. A marinha portugueza foi obrigada

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a ir figurar n'essas demonstrações equivocas de força com que o sr. Pinheiro Chagas pretendo passar á posteridade!...

Lastimo profundamente que uma corporação digna e zelosa seja obrigada pelo dever da disciplina a figurar em actos ridiculos ou desairosos.

Lastimo que umas vaidades insoffridas sacrifiquem o bom nome tradicional da marinha portugueza em demonstrações de força, equivocas e inconvenientes. (Apoiados.)

Lastimo que a questão do Massabi fosse reproduzir-se inutilmenyte no Zaire.

Pois se nós entendemos que o Zaire é nosso para que precisâmos de fundações o tratados equivocos que os outros tambem podem fazer, oppondo depois documento a documento do igual auctoridade?!

Aqui está o digno par o sr. Ponta e Horta um dos mais distinctos e prestimosos governadores de Angola, que pude dar-me rasão da inanidade de taes tratados e da inutilidade de similhantes fundações.

O que significa uma fundação? Apenas um pretexto que se dá a outrem para contestar o nosso direito.

Pois nós julgamos nos com um direito tão pouco seguro que o queiramos affirmar por meio de um acto passageiro, quando aliás esse direito se affirma pelas nossas tradições e descobertas e por um dominio exercido mais ou menos directamente? Pois se é um facto que se não temos auctoridades permanentes no Zaire nem por isso o poder judicial e as auctoridadcs administrativas do Loanda tem deixado de exercer muitas vezes a sua acção em questões originadas no valle do Zaire, de que servem as fundações? são ridiculas - e posso já a demonstrar qual é a sua importancia.

Disse eu que um official muito digno, serio e respeitado na sua classe, que foi governador do ultramar, dos bons governadores de Diu, não quiz acompanhar aquelle fogo de vistas de condecorações, viscondados, etc., recusando uma commenda, porque entendeu que tinha cumprido o seu dever, obedecendo a uma ordem, que nau achou por ventura razoavel, mas que a disciplina o obrigava a executar.

O facto foi tão insignificante que o governo agora mesmo não lhe dou importancia, o deixou passar despercebido no tal accordo com a associação internacional aquelle glorioso Massabi! Nunca mais se pensou n'elle!...

Não quero fatigar mais a attenção da camara, o por isso vou terminar as minhas observações, esperando em replica a grande trovoada, de patriotismo que vão levantar o sr. ministro da marinha. (Riso.)

Entretanto peço ainda licença á camara para fazer mais uma observação que me occorreu ao ver o sr. dr. Manuel d'Assumpção n'aquella tribuna, d'onde nos disse que parar é morrer, porque vem ella ainda em reforço ás minhas opiniões de reducção e concentração de dominio colonial.

Todas as nações que se dilataram muito, som que os seus dominios estivessem na proporção dos meios de acção do que dispunham, caíram, e tanto mais profundamente quanto mais avançaram.

Caíu o imperio da Macedonia que só estendeu até ás Indias, ficando até nossos dias em dominio dos seus antigos avassallados. Caíu o imperio romano para só levantar nos nossoss dias na Italia moderna. Decaíu muito da sua grandeza a França depois de Carlos Magno, e caímos nós nos braços da Hespanha, exactamente quando mais tinha-mos avançado na nossa carreira de glorias e emprehendimentos; e só não ficámos presa d'aquella potencia, é porque ella, por seu turno, caía tambem pelas mesmas causas. Aqui está como caminhar tambem é morrer, quando o esforço não está na proporção dos meios nem dos fins; antes parar a tempo do que caír extenuados de fadiga - quem vae devagar tambem chega.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bom.

O sr. Ministro da Marinha Dinheiro Chagas: - (O discurso de s. exa. não foi restituido a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Mando para a mesa a proposta de lei, rectificando as receitas e despezas do estado, ordinarias e extraordinarias, na metropole, no exercicio do 1884 a 1885.

Leu-se na mesa e vae publicada no fim d'esta sessão a pag. 455.

O sr. Barros Gomes: - Começarei por fazer referencia ás ultimas palavras do discurso do sr. ministro da marinha.

Affirmou s. exa. que um ministro do partido progressista, em cujas fileiras tenho a honra do militar, tivera o proposito do abandonar a fortaleza de Ajudá.

Não se deu similhante facto emquanto geriu os negocios publicos o ministerio de que fiz parte.

Vozes: - Deu-se, deu-se.

O Orador: - Mantenho a minha afirmativa, de que não só dou tal abandono no tempo do ministerio presidido pelo sr. Anselmo Braamcamp.

Podia qualquer dos meus illustres collegas que geriram a pasta da marinha pensai, como muitas outras pessoas pensam, que a conservação do um dominio nas condições do que Portugal exerço em S. João Baptista de Ajuda importava para a nação portugueza antes um desaire, do que um titulo do gloria; mas d'ahi a realisar o abandono, ou a fazer da cessão d'aquella fortaleza a origem de questões internacionaes e de aggravos para uma nação amiga, vae uma grande distancia.

E n'este ponto o meu illustre amigo e collega o sr. Ferreira de Almeida feriu perfeitamente a questão; foi a cessão condicional á Inglaterra de S. João Baptista de Ajudá, ou antes a clausula do que sem o seu consentimento nos seria defeso o dispôr d'aquella fortaleza, uma das que mais indispozeram a França contra o contrato do 26 do fevereiro do anno passado.

Esta é que é a verdade, e de responsabilidades d'essa ordem não partilhamos nós felizmente. (Apoiados.)

Não tinha tenção de pedir hoje a palavra sobre o assumpto que se debate; hão de vir á camara, a seu tempo, todos os documentos que illustrarão essa negociação verificada a par dos trabalhos da conferencia de Berlim, e para então me reservo tratar mais largamente questão de tal maneira importante, impondo ao governo todas as responsabilidades que porventura lhe possam caber, ou franca e patrioticamento levantando e enteando-lhe os louvores merecidos pelos serviços que em conjunctura tão melindrosa prestara ao seu paiz.

Mas era bom que das bancadas dos ministros não partissem provocações, affirmando-se repetidas vezes que da opposição o das suas impertinencias nasciam exclusivamente as difficuldades com que os governos têem que luctar o que lhes é mais commodo attribuir á discussão, quer no parlamento quer na imprensa, de determinados assumptos; quando é certo que muitas vozes essas dificuldades nascem antes da falta do habilidade o de tino, com que as negociações são superiormente dirigidas. (Apoiados.)

As opposições cumprem um dever, affirmei-o em outra occasião o repito-o hoje, levantando estas questões no parlamento, ellas dão por essa fórma voz ao sentimento nacional, o podem até chegar ao ponto de fazer ouvir e respeitar esse sentimento pelas potencias estrangeiras, mostrando que ha vitalidade politica, que o patriotismo não esmorece, e que a todos os respeitos e em todas as circumstancias o paiz diligenccia manter alta a memoria das suas tradições o defender quanto em outras eras havia conquistado. (Apoiados.)

E não são alguns desmandos de um ou outro membro do parlamento, nem as exagerações do um ou outro jornalista, que no momento da lucta o animados pelo calor da paixão partidaria podem ir mais longe do que ás vezes iriam, só acaso reflectissem e meditassem serenamente no

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seio do sen gabinete sobre a resolução dos problemas que discutem; imo são esses desmandos, repito, nem essas exagerações, que nos podem fazer mal, porque em toda a parte onde ha systema parlamentar se sabe o valor que podem ter opiniões isoladas e exageros de imprensa, filhos de circumstancias de momento e de uma excitação de animo partidarias.

Repillo, pois, com energia as accusações formuladas contra este lado da camara, e foi para protestar contra ellas que eu pedi a palavra no momento em que estava fallando o meu amigo o sr. Barbosa du Bocage.

Sr. presidente, tudo quanto vamos sabendo n'esta questão, tudo vem confirmar de um modo o mais completo e terminante as asserções que tive a honra de avançar aqui ao discutir, pela primeira vez, as negociações que precederam o tratado de 26 de fevereiro de 1884.

Uma a uma se vão vendo as consequencias da responsabilidade gravissima que peza, não digo já sobre os hombros do illustre ministro dos negocios estrangeiros, mas muito particularmente sobre todo o gabinete a que preside o sr. Fontes Pereira de Mello.

Desejo ser justo e não occulto, por minha parte, as difficuldades que podem, em um dado momento, assoberbar um governo que preside aos destinos de uma nação pequena.

Não podia, de certo, exigir que esse governo fosse ás chancellarias europêas impor a sua vontade aos ministros de nações mais poderosas, como o faria qualquer dos ministros d'essas nações que tivesse atraz de si o prestigio e a força que infelizmente nos faltam.

Nós podemos, é certo, invocar as tradições, podemos ter por nosso lado os factos historicos, mas o que não temos, infelizmente, é a força material para fazer valer e respeitar os nossos direitos.

A posição de um governo em taes circumstancias é quasi sempre difficil.

Faço justiça aos cavalheiros que se sentam n'este momento nos bancos do poder; e não hesito em crer que muitas das difficuldades com que luctaram provieram d'essa situação. Mas permittam-me s. exas. que lhes diga, no desempenho do meu dever, que muitas outras d'essas difficuldades, e das mais graves, nasceram unica e exclusivamente da maneira infeliz por que foram dirigidas as negociações que precederam o tratado com a Inglaterra.

Disse o sr. Barbosa du Bocage: «Fomos a Berlim, e não podiamos deixar de lá ir». De accordo; não era possivel que uma nação pequena, como nós, fosse collocar-se na situação em que se collocou a Russia em 1856, e em que se podia talvez ter collocado a França depois de 1870, para se concentrar, readquirir forças e mais tarde recuperar no theatro politico a posição que lhe competia.

Se nos isolássemos, a consequencia fatal seria a perdi completa dos nossos territórios, e a violencia manifesta contra o nosso direito.

Fomos a Berlim e não podiamos deixar de lá ir. Nem é por isso que eu censuro o governo. O que eu censuro n'elle levado unicamente pelos sentimentos da minha consciencia é porque preparou mal a ida áquella conferencia, é porque não pensou a tempo no que talvez fosse possivel fazei para evitar muitos dos duros transes que devem ter affligido o animo de todos os srs. ministros, e muito principalmente o do sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Disse s. exa. que provocara a reunião de uma conferencia em maio, mas que não lhe cabia a responsabilidade do reunião da conferencia em outubro, e muito menos pela fórma por que ella se realisou.

Mas qual é a differença das circumstancias que se deram entre uma e outra epocha? De que elementos se valia, a que influencias esperava soccorrer-se, com que apoio contava o governo em maio, que possa dizer com verdade haverem-o posteriormente abandonado até outubro? Porventura não havia sido a insistencia tenaz do governo em tratar unica e exclusivamente com a Inglaterra, que nos creou todos es embaraços?

Pois não seria posteriormente á nota de março de 1883 de lord Granville, mudando completamente a posição da sua politica para com Portugal, e declarando que já não reconhecia o nosso direito, mas que apenas nos faria uma concessão, em troca da qual podia e devia impor-nos condições onerosissimas, não era n'esse momento que devia-nos ter recorrido ás chancellarias europêas, e ao expediente da arbitragem ou do uma conferencia?

É isto o que eu sustento por minha parte do modo o mais terminante.

E não serei eu que o demonstre hoje perante a camara, soccorro-me de preferencia á auctoridade do sr. Antonio de Serpa, o proprio que dirigiu essas negociações.

O meu amigo o sr. Emygdio Navarro alludiu ha pouco ao memorandum que precede uma serie de documentos que foram apresentados peio governo á conferencia de Berlim.

Esse memorandum é attribuido áquelle illustre ex-ministro.

Logo na segunda pagina d'este trabalho encontra-se o que vou ler á camara.

E como que a desculpa, apresentada a medo, perante as potencias, do erro praticado por nós do termos engeitado a sua collaboração nas negociações do tratado de 26 de fevereiro, não querendo ver os interesses de ordem elevadissima que todos tinham na resolução d'esta questão.

É como que a satisfação humilde que offerecemos por haver tratado unicamente com a Inglaterra, até de encontro á propria opinião d'esta potencia.

Lê-se pois n'este documento o seguinte:

«Só se perguntar a Portugal porque negociou um tratado sómente com a Inglaterra para reconhecimento dos seus direitos sobre o Congo, dirá em verdade que o fez por ser a Inglaterra a unica potencia que contestára os seus direitos, e que declarára que havia de impedir pela força o seu exercicio effrctivo, isto é, a occupação do territorio.»

E mais adiante tenta-se ainda desculpar-nos da constituição d'aquella commissão mixta anglo-portugucza, que por tantas vezes lord Granville nos mostrou poder ser a origem de gravissimas difficuldades para fazer acceitar o tratado pela Europa.

N'este documento, reconhecendo-se, ainda que tardiamente, o erro praticado, diz-se agora o seguinte:

«Objectava-se ao tratado anglo portuguez o elle estipular a creação de uma commissão mixta anglo-portugueza para vigiar a livre navegação do Congo, e que essa commissão deveria ser composta de delegados não só das duas potencias contratantes, mas ainda de todas as que têem interesses no Congo, ou que quizessem fazer-se ali representar. O gabinete de Lisboa declarou immediatamente, ainda mesmo antes do tratado ser abandonado pela Inglaterra, que estava do accordo em admittir essa modificação.»

Ora, se esta declaração houvesse sido feita, não no momento em que tudo estava perdido, mas opportunamente, as difficuldades que depois surgiram, o abandono de territorios importantissimos de Portugal, e mais que tudo a vergonha de tratarmos com a associação internacional, vergonha que eu imaginava aliás impossivel de supportar, em face das palavras proferidas aqui ha poucos dias, em resposta ás observações que tive a honra de fazer, pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, tudo isso nos teria sido poupado. (Apoiados.)

Com essa associação, de quem o illustre procurador geral da coroa, o sr. Mártens Ferrão, disse em um documento ha pouco citado e que foi presente aos membros da conferencia, que não constituia uma entidade que coubesse dentro dos principios do direito internacional, com essa associação que o governo fez descrever em outros escriptos tambem apresentados em Berlim como não tendo sequer as

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condições de uma companhia organisada em virtude de um decreto real, de uma Royal Chaster, como a da antiga companhia das Indias, que lhe d'esse estabilidade, e lhe definisse a personalidade juridica, e que apenas se compunha de um certo numero de aventureiros ligados pelo intuito unico da mercancia: com essa associação é que eu não esperava que se fizessem tratados destinados unicamente a enriquecel-a com os nossos despojos. (Apoiados.)

Poderiamos ter cedido em tempo perante a pressão da Europa, poderiamos como paiz pequeno, e sem humilhação por esse mesmo facto, ter-nos resignado a acceitar a limitação dos nossos direitos imposta pela Franca, pela Allemanha, pela Inglaterra, mas ser levada, ao cabo de uma negociação tão laboriosa, e pela má direcção dada á mesma, a não ter outra solução que não fosse o consentir em celebrar um tratado com a associação internacional, depois de quantas calumnias ella tem levantado contra nós, e ver intervir, para nos imporem provação tão dolorosa, todas as chancellarias europeas, essa é que é a grande, a enorme responsabilidade que pesa sobre o governo. (Apoiados.)

E não se lava d'ella perante a nação. (Apoiados.) Por muito grandes que sejam os seus talentos e o seu merecimento, e por muito importantes que possam ser os documentos que aqui apresentem, e que nos demonstrem a sua acção perante a conferencia, estou firmemente convencido de que da responsabilidade de só haver comprehendido demasiado tarde a situação politica da Europa, quando já era incontestavel a nossa posição, d'essa responsabilidade não poderá o governo em caso algum libertar-se. (Apoiados.)

Disse ainda ha pouco o meu amigo o sr. Vicente Pinheiro, de certo por um equivoco, que eu avançara haver o consul allemão, o dr. Nachtigal, vindo a Lisboa munido de plenos poderes para tratar a questão do Zaire.

Não asseverei tanto; mantendo-me, porem, nos limites a que me circumscrevi, adopto em tudo os argumentos que o illustre deputado inferiu d'aquelle facto.

Sem dizer que o consul allemão viesse munido de plenos poderes, tenho comtudo fundados motivos para crer que esse funccionario que podia ir directamente de Hamburgo para Angola, vindo primeiro a Lisboa, o fez muito intencionalmente, para conferenciar com o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - V. exa. dá-me licença que o interrompa?

O Orado?: - Pois não.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Não conferenciou commigo, não tratou commigo negocio nenhum africano; unicamente me pediu recommendação para as aucoridades de lá.

O Orador: - Assevera s. exa. que o consul da Allemanha, encarregado de ir realisar a occupação do territorio de Camarões e de promover os interesses da Allemanha na costa de Africa, não viera a Lisboa senão unica e exclusivamente para pedir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros umas cartas de recommendação, cartas que elle podia obter por intermedio da sua legação, e que mais naturalmente deveriam ser solicitadas do ministerio da marinha. Não ponho em duvida as palavras de s. exa. ...

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Nem pode pôr.

O Orador: - Mas o que posso então dizer ao nobre ministro é que, se s. exa. tivesse provocado a discussão, talvez ella se tivesse levantado, pois a ninguem póde parecer crivei que um funccionario de confiança do seu governo, encarregado de missão tão importante e delicada, só viesse a Lisboa para ter a satisfação de conhecer o sr. ministro dos negocios estrangeiros e alcançar d'elle o que o empregado de menor categoria da legação allemã em Lisboa teria facilmente obtido, solicitando-o em nome do seu governo.

Se não se tratou foi, portanto, unica e exclusivamente porque não se quiz tratar.

E contra a asserção do illustre ministro opponho a asserção de outro ministro.

O principe de Bismark asseverou, no seio da commissão cio orçamento do parlamento da Allemanha, que ácerca do Zaire a unica preoccupacão do governo allemão era o solicitar e garantir a plena liberdade de commercio n'aquella rica e vasta região, e acrescentou que a tal respeito pendiam negociações.

Como se ligam estas duas asserções?

S. exa. diz que não tratou, e o chanceller perante a commissão do orçamento assevera que o governo estava em negociações, são estas as proprias palavras d'aquelle ministro.

Ainda mais: Para que a camara veja be e por todas as formas quanto o proprio governo justifica hoje os que o censuram de haver elle preparado por suas mãos a fatalidade da solução, a que por fim foram arrastados, citarei ainda outro d'entre os documentos apresentados por Portugal á conferencia de Berlim. Refiro-me a um artigo transcripto do Memorial diplomatique, e todos nós sabemos a origem official de taes artigos. Prova elle como se appellava por fim para a Franca e para a Allemanha, mas só depois de se haver offendido aquellas duas nações, e quando já nada havia a esperar d'ellas em defeza dos nossos direitos, quando tudo estava sacrificado á idéa de manter unicamente a alliança com a Inglaterra, embora se tivesse em podes-se ter presentido desde muito que á primeira difficuldade a Inglaterra nos abandonaria. N'esse documento a que me refiro, e que faz parte da collecção dos que vem precedidos por um memorandum do sr. Serpa Pimentel, dizia-se o seguinte:

«É muito para desejar que a Europa não demore a sua intervenção directa n'esta questão do Congo, que pertuaba as relações entre paizes amigos, e lança desordem sobre o commercio da Africa ... Esperâmos, no entretanto, que a Franca e Brazil. que têem interesses analogos n'estas regiões africanas, breve se ponham de accordo n'esta questão.

« ....................

«Para facilitar a navegação, será mister organisar uma commissão internacional ctc.»

Assim se fallára por nosso lado em outubro de 1884, nas vesperas da reunião da conferencia, e o que eu desejaria por minha parte é que assim se tivesse tratado muito antes, por meio de um ministro auctorisado em Paris, e não mantendo ali um simples encarregado de negocios, e accordando sómente á ultima hora, quando tudo estava perdido de modo irremediavel.

Notavel circumstancia! A esta publicação do governo, de que só tenho conhecimento ha bem poucos dias, posso hoje ir buscar argumentos para justificar quanto por minha parte asseverei n'esta camara por occasião de se discutir a resposta ao discurso da corôa.

Fallei em arbitragem.

Disse-se então n'esta casa, e escreveu-se lá fóra, que a arbitragem era um sonho d'aquelles que sustentavam a sua conveniencia, e que em epocha alguma teria sido possivel propol-a e fazel-a acceitar.

Pois bem. O expediente da arbitragem tambem tem uma referencia em um documento escripto em inglez, no qual se lê o seguinte:

«Suppomos que os factos pendentes provam completamente não só que são bem fundadas as reclamações de Portugal á soberania do Baixo Congo, mas ainda que Portugal, inspirado como hoje se mostra nas idéas progressivas do seu tempo, só mostrára capaz de exercer ahi a sua auctoridade, e de cumprir a sua missão em beneficio do commercio e da civilisação. Não póde haver duvida de que, uma arbitragem internacional decidiria esta questão em favor de Portugal, exactamente como identicas arbitragens decidiram

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antes em seu favor os pleitos relativos á bahia Delagam e ilha de Bolama».

A arbitragem era impossivel. Mas entre os documentos apresentados á conferencia ha um em que se mostra a conveniencia d'essa arbitragem, e se affirma a certeza de um exito favoravel para Portugal, caso ella viesse a realisar-se.

Não prosigo. O meu unico fim, pedindo a palavra, foi como disse dar voz ao sentimento nacional que carece ser desopprimido, protestar contra o facto de havermos sido levados ao extremo, de não podermos deixar do tratar com a associação internacional; levantar a insinuação lançada dos bancos dos ministros contra representantes do paiz que zelam como lhes cumpre os interesses d'elle, e discutem inspirando-se na sua consciencia e conforme as suas idéas partidarias, uns defendendo o procedimento do governo, outros atacando-o, como nós fazemos, mas todos inspirados no patriotismo e com a consciencia de que servem bem o seu paiz. (Apoiados.)

Não quero cansar a camara, reservando-me para quando todos os documentos estiverem publicados o apreciar de um modo mais completo a acção diplomatica do governo em Berlim.

Acrescentarei apenas, para não deixar sem resposta o sr. ministro da marinha, que mal comprehendo como por nosso lado intentassemos, e ainda hoje desejemos, completar e levar por diante esses planos de occupação do Zaire realisados a pedido dos indigenas que vem solicitar a protecção da nossa bandeira, para se verem livres dos vexames e oppressão de que são victimas, com o fim unico de nos vermos duramente obrigados a dizer-lhes ámanhã, com evidente fatalismo e quebra do nosso prestigio:

«Confiastes no governo portuguez e na protecção da sua bandeira, pois bem, seremos nós os próprios que vos entregaremos definitiva e irremediavelmente a esses de quem vos queixaes, e a cujas prepotencia» esperaveis oppor-vos á sombra do nosso poderio.»

N'este facto ainda tão pouco esclarecido da occupação do Zaire só vejo por em quanto, a par do que succedeu com a acção diplomatica, o abandono e o desconhecimento do momento util, da occasião opportuna, em que alguma cousa se podia e devia haver feito. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - A camara deve estar cansada e eu não desejo concorrer para cansal-a mais (Vozes:-- Não está); mas estou eu, e disso me prevaleço, porque teremos occasião de tratarmos desenvolvidamente esta questão com documentos á vista, que melhor deixarão apreciar os actos do governo.

O que posso affirmar a s. exa., com cuja amisade me honro, é que o publico quando convenientemente esclarecido, quando tiver á sua disposição as provas da maneira por que procedemos, ha de ficar convencido de que n'estes logares ha homens que podem ter errado, mas que foram sempre dominados pelo desejo de acertar e que não descuraram os interesses publicos, nem desconheceram a gravidade d'elles. (Apoiados.)

Reproduziu hoje o illustre deputado observações que fizera já n'outra occasião e a que eu supponho haver respondido por modo que devesse satisfazei-o.

Referiu-se, porem, o illustre deputado com notavel insistencia a que o governo devia ter dado uma interpretação ás palavras de lord Granville, com relação á intenção das potencias a nosso respeito, de modo diverso do que lhe deu e que me parece ser a mais genuina.

Com effeito as palavras de lord Granville significavam no meu entender que o governo britannico nos exigia certas concessões, a fim de que todas as potencias podessem acceitar o tratado sem impugnação alguma, e por conseguinte, obtidas essas concessões, o governo britannico nos garantia ipso facto a acceitação do tratado por todas as potencias.

A isto respondeu apenas o sr. Antonio de Serpa que havia boas rasões para esperar que as potencias fossem mais condescendentes do que ao lord se lhe affigurava. E que rasões tinhamos? Em relação á França tinhamos o tratado de 1776; em relação á Allemanha tinhamos uma declaração feita em 1870, a que o illustre deputado fez allusão; e da parto de outras potencias tinhamos a indifferença constante á questão do Zaire, e não deviamos presuppor que d'ellas nos viessem quaesquer obstaculos.

É preciso que nos não esqueçamos de uma causa que tem concorrido constantemente para nos difficultar as negociações e trazel-as a um bom caminho; é a associação internacional. Ha tambem outra consideração que não vejo bem presente ao espirito dos illustres deputados, que censuram o procedimento do governo.

Não vejo que s. exad. attendam á circumstancia de que já n'aquella epocha se começaram a manifestar por toda a parte os primeiros symptomas da febre africana, que se revelava, da insistencia de alguns paizes em abrir na Africa uma larga e extensa região para o seu commercio. De que valia a consideração dos nossos direitos para quem os não tivesse ainda reconhecido?

A nossa occupação do Zaire era representada como a implantação ali dos nossos direitos fiscaes, de modo que a associação internacional, abrindo ao commercio do mundo todo o centro da Africa, tinha uma grande vantagem sobre nós.

As concessões, que obtivemos, obtivemol-as não da associação internacional, porque não tratámos com ella nas condições em que o illustre deputado asseverou; accedemos aos desejos das potencias, e firmámos com a associação internacional um accordo sobre a mediação do representante em Berlim da republica franceza.

Não era possivel chegar a um accordo entre as duas partes por maneira que melhor salvaguardasse a nossa dignidade. E note-se que a associação com quem tratámos é a associação internacional reconhecida como estado independente pela Allemanha, Italia, França, por todas as nações. Tratámos, por conseguinte, com um estado reconhecido por todas as potencias e só tratámos com esse estado por, intermedio do uma nação amiga.

É possivel que não possa referir-me a tudo quanto disse o illustre deputado, mas espero que não será esta a ultima vez em que terei de fallar a este respeito e de justificar n'esta questão o procedimento do governo.

Mas antes de me sentar, preciso reparar uma omissão que commetti a ultima vez que falha n'esta casa. N'essa occasião achava-me tão mal de saude, que mal podia articular palavra, e não pude levantar, como tinha obrigação de o fazer, uma accusação immerecida, que o illustre deputado fez a alguns representantes do nosso paiz no estrangeiro.

Preciso declarar, e hei de pró vai-o mais extensamente em occasião opportuna, que o procedimento do nosso encarregado de negocios em Paris foi perfeitamente correcto como era de esperar de um fuuccionario que tem dado constantes provas de prudencia, dedicação e zêlo no cumprimento dos seus deveres. Tambrm direi, que não se podo julgar pelas phrases do extracto de um officio da capacidade, do merito ou do zêlo de um empregado.

O illustre deputado n'uma das sessões anteriores, referindo-se a um trecho de um officio do nosso ministro em Berlim, no qual repetia, sem commentarios, as palavras que tinha ouvido ao ministro dos negocios estrangeiros da Allemanha, s. exa. quiz tirar d'aquellas palavras argumento em desfavor do funccionario portuguez.

Aquellas palavras tinham sido pronunciadas, e a sua inserção no officio não tinha nem podia ter outra significação. O sr. marquez de Penafiel, nosso ministro em Berlim, tem dado provas do ser um funccionario intelligente e de inexcedivel zêlo; e eu desejo que estas minhas palavras fiquem consignadas nas memorias parlamentares, por-

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que n'estas negociações ao sr. marquez de Penafiel e ao sr. Antonio de Serpa, representantes de Portugal na conferencia, se devem os resultados obtidos, que eu persisto em considerar como muito vantajosos para o nosso paiz.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Antonio Ennes: - N'esta discussão, ou conversação, têem andado envolvidas duas questões distinctas: e tratado ultimamente celebrado em Berlim, entre Portugal, a Franca e a associação internacional africana, e uma serie de factos occorridos no Zaire, a que uns chamam tentativa malograda de occupação, e que outros, e nomeadamente o sr. ministro da marinha, consideram como principio de uma operação de occupação.

Não me occuparei da primeira d'estas questões por diversos motivos, e principalmente para não prejudicar a outra, tão grave, a meu ver, que por causa d'ella estão reclamando desaggravo a dignidade e o brio da nação.

O tratado póde ser descutido em outra e melhor occasião; ácerca d'elle só me permitte, n'este momento, manifestar uma suspeita que me está magoando o espirito. Parece-me, note a camara que eu não assevero, parece-me que essa convenção com a internacional, que tão louvada tem sido aqui, em especial pelo sr. ministro da marinha, salvas algumas ligeiras modificações, já havia sido, não ha muito tempo ainda, rejeitada pelo governo portuguez, como attentoria da dignidade do paiz, e com o fundamento de que as combinações propostas pela internacional davam em resultado ficar o nosso dominio na região do Zaire fraccionado em duas partes separadas uma da outra. Esta minha suspeita procede de informações da imprensa estrangeira.

Como a camara sabe, o governo envolveu as negociações, tanto com a internacional como com as potencias, N'um profundo mysterio, que a nós, considerados profanos, ainda não foi licito penetrar, mas os estranhos não respeitaram esse mysterio, e principalmente quando principiou a soar na Europa a noticia da occupação do Zaire, os agentes e advogados da internacional, empenhados em condemnar esse acto, tornaram publico o que, nas regiões diplomaticas, se havia já passado entre a mencionada associação e os representantes de Portugal.

Não tenho commigo, sr. presidente, nenhum dos jornaes em que se fez essa exposição, porque não tencionava usar da palavra; mas estou muito certo de ter lido que a internacional, querendo chegar a um accordo com o nosso governo, propoz, primeiro, ficar ella com os territorios da margem direita do Zaire, conservando Portugal os da margem esquerda; sendo esta combinação rejeitada, propoz tambem que se augmentasse o dominio portuguez com uma parte da costa ao norte do rio, abrangendo Cabinda e Molembo; mas similhante proposta foi igualmente rejeitada.

Foi rejeitada, de modo que as negociações chegaram a considerar-se rotas, intervindo a França para as reatar; e todavia, ou eu me engano muito, ou as suas clausulas eram as mesmas, ou approximadamente as mesmas, do tratado que a final se assignou em Berlim, e que o governo agora nos inculca como proveitoso e honroso!

Affigura-se-me, pois, sr. presidente, que o que hoje parece bom já foi reputado mau pelos mesmos criticos, e n'esta reconsideração ha a notar uma circumstancia valiosa: é que o governo resolveu-se a acceitar o tratado que tinha repellido, e pelo qual abandonou a margem direita do Zaire, depois de se ter espalhado na Europa a noticia, menos exacta, de ter essa margem sido occupada pelas forcas navaes portuguezas.

Vozes: - Deu a hora.

O sr. Presidente: - A hora ainda não deu. A camara resolveu que as sessões se fechassem ás seis horas; mas, se o sr. deputado não deseja continuar o seu discurso hoje, reservo-lhe a palavra para amanha.

O Orador: - Para mim é indifferente; e como a hora ainda não deu, direi que o facto que deixo apontado póde ser muito importantes para a apreciação das responsabilidades em que incorrem quem ordenou a occupação do Zaire, por isso que, tendo sido a attitude do nosso governo, antes d'esse facto ou da falsa noticia d'elle, a de uma inquebrantavel resistencia a quaesquer combinações com a internacional, depois d'elle a resistencia mudou-se em benigna condescendencia, e similhante mudança só se póde explicar por forte pressão exercida por potencias estrangeiras, determinada naturalmente pela supposta occupação.

Mas não é verdadeiramente este o assumpto de que pretendo occupar-me: pedi a palavra, porque no meu animo está pesando a apprehensão de que os recentes acontecimentos do Zaire comprometteram a seriedade e o decoro da nação portugueza, (Apoiados.) e de que, portanto, corre ao parlamento o dever de inquirir ácerca d'elles e de exigir aos seus auctores ou promotores a responsabilidade em que hajam incorrido. O sr. ministro da marinha, a primeira vez que hoje fallou, disse ...

Vozes: - Deu a hora.

O Orador: - Como v. exa. vê, a camara está fatigada, e eu não posso resumir o que tenho a dizer nos minutos que faltam para dar a hora...

Vozes: - Faltam vinte minutos para dar a hora.

sr. Presidente: - Se v. exa. não póde continuar, fica com a palavra reservada.

O Orador: - Eu posso continuar; mas não me parece que a camara esteja em estado de poder prestar attenção,

O sr. Presidente: - Fica v. exa. com a palavra reservada e vou dar agora a palavra ao sr. Barros Gomes, que a pediu para uma explicação.

O sr. Barres Gomes: - Vou ser muito breve e não tomaria de certo a palavra se não fossem algumas expressões que ouvi ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.

S. exa. declarou, de certo sem intenção de me ser desagradavel, que eu tinha vindo á camara passar diploma de incapacidade a alguns dos nossos agentes diplomaticos no estrangeiro.

Esta asserção, consinta-me s. exa. que lho diga, é absolutamente inexacta.

Limitei-me por minha parte a ler alguns documentos, que apreciei mais tarde, mas sem empregar phrases que podesse ferir ou melindrar fosse quem fosse.

Claro está que nunca me poderia ser tolhido o direito de analysar os documentos apresentados á camara, e de apreciar se os interesses do meu paiz foram bem ou mal defendidos, mas isto nunca importou uma declaração de incapacidade, que eu não faria fosse a quem quer que fosse, e desafio o sr. ministro de encontrar similhante expressão em todo o discurso por mim proferido.

Disse s. exa. ha pouco que o nosso representante em Berlim tinha verificado uma conferencia com o ministro dos negocios estrangeiros (e aqui começa a inexactidão de s. exa., pois que tal conferencia foi apenas celebrada com um sub-secretario de estado, o dr. Bush.) e não tinha feito mais do que repetir para aqui as próprias expressões d'aquelle cavalheiro.

É isto que eu peço licença para tambem dizer que não é exacto, porquanto o documento, a que se allude, diz o seguinte:

«Limitou-se o sub-secretario d'estado a dizer-me que o governo portuguez fazia demasiada honra ao instituto de direito internacional, preoccupando-se com as opiniões que emittia.

« ..................

«Aproveitando o ensejo fui discorrendo sobre colonias, e tive occasião de ratificar a opinião já por mim manifestada e que talvez breve possa largamente expor a v. exa.

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de que a Allemanha, pelo menos por ora, se desinteressa completamente da questão colonial.»

Estava eu, pois, no meu direito de affirmar que esta informação não era exacta, e não fiz senão referir as palavras que aqui estavam; não as inventei. Foram os factos e não eu que se encarregaram de as desmentir.

Com relação ao outro cavalheiro, aliás muito sympathico, e que mui louvavel e patrioticamente aproveita o tempo que lhe deixam vagas as suas occupações officiaes no estudo das letras do seu paiz e fazendo conhecer no estrangeiro os monumentos da nossa litteratura, apenas se póde inferir das palavras que proferi a seu respeito, ter elle interpretado menos exactamente as palavras que ouviu ao presidente do conselho de ministros em França. Essas palavras não foram sómente negadas mais tarde por esse alto funccionario d'aquelle paiz, quando já se achava fóra do poder; havia-o sido indirectamente e desde logo por um despacho do sr. Duclere, quando ainda era presidente do conselho de ministros e ministro dos negocios estrangeiros em França em 4 de janeiro de 1883, despacho dirigido a mr. de Leboulaye em Lisboa, e no qual se dizia o seguinte, commentando as declarações feitas na camara dos deputados franceza:

«Estas declarações, quaesquer que sejam as disposições em que se inspirem, nada podiam ter de commum com um reconhecimento formal das pretensões que nos limitamos a não tomar em linha de conta, e importa que não modifiquemos, n'este ponto delicado, o caracter da nossa attitude.»

Isto escrevia o sr. Duclere em 1883. Portanto estou tambem no meu direito, lendo esto documento, respeitando as intenções de todos, e acreditando nos seus desejos de bem servir o paiz, de dizer que o nosso representante teria andado com prudencia, sujeitando ao exame do ministro dos negocios estrangeiros francez o texto das declarações communicadas para Lisboa. Ter-se-ía evitado assim que o governo procedesse em assumpto tão grave na fé de uma informação mais tarde dada por inexacta.

E digo isto sem intenção de o melindrar.

O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa o parecer da commissão especial sobre a proposta do bill de indemnidade, apresentada pelo governo.

A imprimir.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a mesma que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado Zophimo Consiglieri Pedroso, na sessão de 9 de fevereiro, e que devia ler-se a pag. 386, col. 1.ª

O sr. Consiglieri Pedroso (sobre a ordem): - Sr. presidente, antes de ler á camara, conforme determina o regimento, a moção de ordem que vou ter a honra de apresentar, permitta-me v. exa. que eu explique a minha posição n'este momento e o que significa a minha intervenção n'este debate.

A camara acabou de ouvir declarar, por parte dos oradores do partido progressista que estavam inscriptos, que os factos que se deram entre o ultimo dia de discussão da resposta ao discurso da corôa e o dia de hoje foram de tal ordem que os obrigaram a desistir da palavra.

Ao mesmo tempo v. exa. e a camara ouviram tambem que, antes de se ter suspendido a sessão por alguns minutos, um membro da maioria lastimava profundamente, e lastimava com rasão, que estando a camara aberta ha quasi dois mezes, ainda n'esta sessão se não tivesse discutido projecto algum de interesse publico e se não houvessem realisado senão jogos floraes, exercicios estéreis de rhetorica parlamentar, segundo a expressão textual do illustre deputado da maioria que tomou, antes da ordem do dia, a palavra.

Concordo plenamente, sr. presidente, com esta opinião do illustre deputado governamental.

Com effeito, no momento em que tantos e tão graves problemas devem concitar a attenção não só dos homens que se sentam n'aquellas cadeiras (as cadeiras ministeriaes), mas ainda de todos quantos têem assento nesta casa, é verdadeiramente triste e profundamente para lamentar que o parlamento portuguez leve sessões sobre sessões a discutir unica e simplesmente politica. (Apoiados.)

E que politica, sr. presidente! Se ao menos fosse politica grande, elevada e generosa; se ao menos fosse essa politica que é a condição essencial para a solução dos grandes problemas sociaes e economicos, então applaudiria eu o tempo que em tal politica se despendesse, e bem-diria que essas discussões tivessem aqui primado todas as outras, embora igualmente importantes. Infelizmente, porém, e com mágua o digo, a politica que se trata no parlamento portuguez não é essa politica alta e levantada, (Apoiados.) não é essa politica de patrioticos intuitos e de grandes aspirações!

A minha posição n'este momento e n'esta altura do debate actual é explicada por duas circumstancias: uma, puramente furtuita e occasional, determinada pelos acasos da inscripção; a outra, pelo contrario, devida a um propósito firme, intencionado e reflectido de sómente por parte do partido republicano se entrar na discussão da resposta ao discurso da corôa, quando essa discussão tivesse sido desembaraçada de um incidente que prendera quasi que exclusivamente a attenção da camara nos primeiros dias.

Sr. presidente, o partido republicano n'esta camara, assim como lá fóra, no paiz, tem, em relação aos partidos monarchicos, uma posição especial, mas claramente indicada; e se por vezes aqui dentro a tactica parlamentar nos leva a estar ao lado dos deputados que se sentam n'aquelles bancos (os da opposição) para combater o governo, ha muitas questões, muitissimas, em que forçosamente temos de divergir, como acontece no momento actual.

O partido republicano, sr. presidente, ao tratar da resposta ao discurso da corôa não traz a esta tribuna os aggravos nem as preoccupações especiaes que successivamente pude descortinar na palavra por vezes fremente, violenta e apaixonada dos illustres oradores que, por parte do partido progressista, atacaram o governo ou, melhor, porque esta é a verdade, o sr. presidente do conselho.

Nós não temos a lamentar a falta de cumprimento de nenhum tratado publico ou secreto, relativamente ao «accordo»; nem nos magoa o rompimento de promessas, ao que parece solemnes, feitas pelo illustre presidente do conselho aos chefes progressistas; nem, em summa, actua em nós n'esta occasião nenhum d'esses motivos particulares de queixa que, sob o ponto de vista monarchico, são muito proprios para occupar a attenção da camara, mas que, sob o ponto de vista republicano, não têem importancia alguma, nem o condão de nos interessar.

Não deviamos mesmo, até por um simples preceito de cortezia, intrometter-nos em discussões que não tinham nada que ver comnosco. O «accordo», com todos os seus curiosos e instructivos accessorios, era assumpto que só devia ser tratado entre os partidos monarchicos d'esta casa. Por isso deixámos que essas contas se liquidassem entre os dois grupos para depois mais desafogadamente podermos aqui levantar outras questões que têem mais que ver com os interesses do paiz que nos devemos, como seus representantes, advogar e defender.

É este o motivo, sr. presidente, por que sómente n'esta altura da discussão, quando a camara está já, e com rasão, cansada d'este debate; é este o motivo, digo, por que sómente agora os oradores do partido republicano sobem

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a esta tribuna, cumprindo ao mesmo tempo o dever de explicar á camara e ao paiz as rasões porque tão tarde vem tomar parte na discussão da resposta ao discurso da coroa, nesta discussão politica por excellencia entre todas as que podem ser levantadas no parlamento.

Dadas, pois, estas explicações previas e cumprindo com o preceito do regimento, vou ler a minha moção de ordem.

É desnecessario dizer a v. exa. que esta moção não abrange a totalidade dos assumptos que me proponho tratar, nem tão pouco que ella me obrigará a cingir-me unica e simplesmente aos pontos n'ella indicados, embora eu deva ser, tanto quanto possa, e conforme tenciono, muito breve, visto o debate approximar-se rapidamente do seu fim. Na moção inscrevi apenas o facto que se me afigurou de maior gravidade constitucional, e cujo exame ha de constituir a parte culminante do meu discurso.

Passo, portanto, a ler a minha moção que é do teor seguinte:

«A camara, considerando que o gabinete é constitucionalmente responsavel pela intervenção directa da corôa nos assumptos da politica interna e externa do paiz; e considerando que esta intervenção abusiva e illegal se tem, sob a sua gerencia, accentuado com manifesta violação do espirito e da letra da carta, deplora profundamente tão clara offensa dos mais rudimentares preceitos do nosso direito publico e passa á ordem do dia.

«Sala das sessões da camara, 9 de fevereiro de 1885.= O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.»

Como v. exa. vê, sr. presidente, este documento está redigido com o cuidado a que me obrigam os artigos do regimento d'esta camara que têem relação com o assumpto que venho tratar.

Escuso de dizer a v. exa. que lá fóra, em logar onde as minhas palavras não podessem ser contidas pelas formalidades do regimento, seria outro o ponto de vista em que me collocaria.

Aqui, porém, tenho que sujeitar me aos preceitos da lei que regula as discussões d'esta casa, e de me amoldar ás determinações d'essa mesma lei na redacção do documento que mando para a mesa.

A minha moção está, pois, redigida nos termos em que eu podia apresental-a; isto é, tendo em vista a disposição do artigo 102.° do regimento interno d'esta camara.

Sr. presidente, antes das considerações muito succintas que vou ter a honra de fazer sobre a resposta ao discurso da corôa, permitta-me v. exa. que eu, indagando por um momento quaes são as origens deste ministerio, diga tambem muito brevemente qual a significação que lhe encontro para elle poder presidir, não só a este debate, mas ainda aos que porventura tenham de iniciar-se n'esta casa, sem fallar mesmo da intrincada e melindrosissima questão da reforma das instituições politicas.

Não conheço, sr. presidente, senão duas formas de organisar constitucionalmente um gabinete nos paizes, que se regem por instituições parlamentares. Por isso as crises, por que tem passado o actual ministerio, são para mim incomprehensiveis e inexplicaveis. Refiro-me, entenda-se, ás crises anteriores e não á ultima. Com relação a esta, quasi que um dever de dignidade propria me obriga a guardar sobre ella silencio.

Não tocarei nem de leve, ou pelo menos não tratarei da crise que acaba de ter logar. E porque, sr. presidente? Sómente porque tal crise já aqui foi largamente discutida? Não! Mas por motivos que o paiz, que me escuta, saberá devidamente apreciar.

Ha dez ou doze dias que a crise se abriu. Ha outros tantos dias que em volta deste facto, na apparcncia innocente, da vida do gabinete, tem vindo agrupar-se tão grande numero de episodios, se têem accumulado tão grande numero de incidentes extraordinarios, que francamente não estou resolvido a entrar no exame de uma questão, onde a dignidade do poder apparece tão tristemente rebaixada, e onde a honra do proprio parlamento é ferida com tão certeiros golpes!...

Não estou resolvido, sr. presidente, a entrar n'este exame, porque creio que, infelizmente, para o prestigio das instituições representativas do meu paiz, todas essas revelações que ha dez dias têem vindo a lume com o fim de explicar a crise do gabinete são demasiado vergonhosas para que alguém se baixe a levantal-as! Taes revelações, pelos factos gravissimos a que alludem, ou que desmascaram, marcam irremediavelmente a ultima pagina da decadencia do constitucionalismo portuguez; e eu não desejo, n'esta grande derrocada moral, nem por um lado nem por outro, ir envolver-me no que poderá, sem se saír fóra das praxes parlamentares, chamar-se scenas do baixo imperio, se é que alguma vez em Byzancio se desceu tanto como agora se desce no mundo official d'esta nação!

Segui com toda a attenção as explicações dadas pelos conselheiros da corôa que ficaram no ministerio e por parte dos conselheiros que entenderam dever d'elle sair; ouvi os motivos apresentados com relação á crise no parlamento; escutei as rasões, as allusões, as finas ou mordazes ironias, que por parte dos oradores da opposição foram lançadas n'esta casa; li com todo o cuidado as apreciações da imprensa partidaria das diversas facções monarchicas; e confesso, sr. presidente, que não me animei a intervir no debate por ter a certeza que em tal questão as verdadeiras cousas se não tinham officialmente revelado; e eu felizmente, pela posição em que o meu partido se encontra, só posso combater ás claras, e não quero nem me cumpre andar por detraz dos bastidores a ver o que se passa nos desvãos, onde a politica actual monarchica vae buscar as suas inspirações!

Verdade é que, se as explicações officiaes da crise foram parcas, as extra-officiaes foram abundantes e instructivas...

Assim vi com grande mágua que um cavalheiro que não tem já assento n'esta casa, mas que tem um logar na outra camara, vi, digo, com verdadeira mágua, que o sr. Antonio Augusto de Aguiar n'uma associação particular, com aquelle sal que lhe é proprio quando desce das cadeiras ministeriaes para a cadeira mais modesta de conferente, se referira a um celebre tremor de terra na direcção norte-leste que fóra sentido no dia 13 de setembro do anno findo no seu gabinete, tremor de terra que parece o tinha lançado fora do poder. Não sei, ou antes não quero agora saber, o que foi este tremor de terra; mas lastimo, e lastimo profundamente, que um ministro da corôa não haja tido a coragem sufficiente para vir ao seio do parlamento, onde tinha voz, dizer os motivos verdadeiros que lhe não permittiram ficar sentado ao lado dos seus collegas. Valia mais essa franqueza, que alem d'isso era um dever, do que as meias palavras e as allusões, logo em seguida esquecidas ou repudiadas no logar onde é preciso fallar a verdade a todos!

Lastimo profundamente tal facto pelo prestigio das instituições parlamentares, sr. presidente; lastimo-o pelo prestigio da unica instituição em que vos e nós podemos estar de accordo, porque é, ou pelo menos devia ser, a representação genuina da soberania do paiz!

Por isso desde que ouvi essa declaração de fonte insuspeita na discussão da crise; desde que vi as allusões que por um e outro lado se faziam, protestei não intervir na contenda; não quiz ser salpicado por esse lodo que ahi se tem estado a remexer e que mancha todos os partidos monarchicos; não quiz tomar parte n'esta scena de baixo imperio que todos nós, envergonhados e confundidos de espanto, temos presenciado! A politica que hoje se faz em Portugal não é aquella que determina que no seio da representação nacional se façam ou desfaçam os ministerios.

Recordo-me, sr. presidente, de que um dia, não sei se

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aqui, se na imprensa, se lançou em rosto ao sr. presidente do conselho que os ministerios eram feitos nas suas salas.

Pois bem! srs. deputados.

É tão vertiginosa a carreira em que vamos fatidicamente correndo para uma completa dissolução moral; e tão rapido este acccntuar se de uma decadencia cada vez mais tristemente visivel, que eu já lastimo que os ministros não se façam nas salas do sr. Fontes!

Ao menos faziam-se sobre a presidencia de quem tem n'este momento a direcção da politica legal dos destinos do paiz.

Mas hoje receio bem que já não seja das salas do sr. presidente do conselho d'onde sáiam os ministerios, mas sim dos escriptorios das companhias privilegiadas e dos gabinetes dos grandes syndicatos!

É dolorosa a confissão, não ha duvida. Mas a isto chegámos, que a verdade faz subir o rubor da vergonha ás faces!!

Sr. presidente, antes do incidente a que acabo de referir-me a proposito da ultima crise do governo, dizia eu que sómente conhecia duas maneiras de se constituirem os ministerios nos paizes regidos por instituições parlamentares: ou os gabinetes obedeciam ao principio de solidariedade ministerial, que é o principio determinante da constituição dos ministerios em França, e em geral nos mais paizes que procuram realisar em todas as manifestações de ordem politica o principio de «unidade» a grande herança que lhes transmittiu a civilisação romana moribunda; ou os ministerios obedeciam ao principio, digamos assim, da federação de grupos parlamentares, principio mais consentâneo com a indole das nações anglo-saxonias.

D'esta segunda maneira pude apresentar-se como typo e mais completo modelo a Inglaterra, em que vemos, sob a presidencia de Gladstone, ao lado do marquez de Hartington, que é um fidalgo de velha linhagem, quasi a entrar nas fileiras do partido tory, Charles Dilke e Chamberlain, tão democratas e quasi tão republicanos a ponto de o primeiro, mesmo em face da aristocratica côrte ingleza, não fazer mysterio das suas intimas relações com o grande e fallecido Gambetta.

É esta a fórma de organisar gabinetes n'um paiz constitucional como a Inglaterra, em que diversos grupos parlamentares, não tendo força para formarem isoladamente um governo homogeneo, em todo o caso se reunem para constituirem governo, não renegando, no entretanto, nenhum d'esses grupos os principios que sustentava na opposição, mas tratando pelo contrario de amoldar taes principios às necessidades geraes do paiz e ás necessidades mais particulares do bom andamento da governação publica. Alem d'isso, mesmo no poder, nenhum dos elementos confederados perde a sua autonomia, nenhum enrola a sua bandeira partidaria, nenhum desiste das suas legitimas aspirações, que cedo ou tarde procura realisar.

O governo actual, ou antes os restos do governo passado, porque, na phrase eminentemente conceituosa do sr. Alves Matheus, não estamos em face de um ministerio constituido, mas em presença de um ministerio mutilado, cujos membros - disjecta membra - se encontram ao acaso dispersos n'aquellas cadeiras; o antigo ministerio, pois, cujos restos estão aqui presentes, obedece porventura a algum dos principios constitucionaes que eu acabei de indicar?

Não!

Solidariedade politica é inutil pretender buscal-a em homens que são vima verdadeira antithese, desde o momento em que os ponhamos a par dois a dois!

Com relação á representação de aspirações de grupos parlamentares que conservem a sua existencia distincta e autonomica, é inutil procural-a tambem em um ministerio n'estas condições.

A causa que determinou a reconstrucção do gabinete com dois elementos constituintes não póde ser considerada, por modo algum, como a federação de dois grupos parlamentares associados no governo.

Os ministros que entraram em breve pozeram de parte o seu antigo programma, como bagagem incommoda e importuna; em breve se esqueceram, ingratos! do ninho de onde tinham partido e onde haviam passado, especialmente um d'elles, parte da sua infancia politica.

Não fizeram um pacto, confundiram-se simplesmente com a massa dos que estavam no governo.

Não foi uma federação de dois grupos, foi a absorpção de dois homens anciosos por se sentarem - quand même - nas cadeiras ministeriaes!

E se algum testemunho fosse preciso para justificar esta minha asserção, bastava ver a maneira como actualmente procede o sr. José Dias Ferreira, para se comprehender que o chefe do antigo partido constituinte não está disposto a assumir as responsabilidades que vieram acarretar para o director desse partido os dois ministros que elle talvez, com demasiada boa fé, destacou para a nau que tem por piloto o sr. Fontes.

O actual governo não é portanto um governo de solidariedade de principios, como um governo francez; não é tão pouco uma federação de grupos parlamentares como o governo inglez.

Que é pois?

Nem elle proprio o sabe!

Batidos de todos os ventos, sem leme, sem rumo, sem direcção, lá vão vivendo vida attribulado, e angustiosa, consumida na própria inauidade, esses sete ministros, hoje reduzidos a cinco por meio de um processo de eliminação, ao que parece difficil, porque cinco ou seis dias, tantos quasi como foram os que o Creador gastou a fazer o mundo, levaram elles a cortar dois membros do antigo tronco ministerial.

O que eu vejo diante de mini, sr. presidente, não é um governo! São cinco homens que não chegam a formar um ministerio, e que se encontram reunidos apenas pelo prestigio ou pelas artes do novo Romulo governamental, que n'este caso, sob a figura galharda do sr. presidente do conselho, renova a difficil empreza da antiga historia da velha Roma!

Um ministerio nestas condições de fraqueza e de decomposição não póde resolver nenhum dos altos problemas que têem de ser submettidos ao parlamento; nem mesmo póde inspirar a confiança necessaria para que esses problemas entrem na via de uma solução racional e consentanea com as aspirações do paiz!

Com isto, sr. presidente, não se supponha que eu venho fazer reclames a ministerios de acalmação, de pacificação ou do que quer que seja, porque já que estamos em baixo imperio, direi que para mim é indifferente que n'aquellas cadeiras (as dos ministros) estejam verdes ou azues; simplesmente o que desejo, e o que seria a minha aspiração como representante do paiz, é que ao menos o governo estivesse representado por alguem que tivesse idéas, ainda que taes idéas nós houvessemos de as combater por não concordarmos com ellas!

Mas todos os nossos esforços cáem por terra diante d'esta passividade ministerial, diante d'esta indolencia com que os srs. ministros se apresentam todos os dias á espera provavelmente que dos bancos da opposição parta a iniciativa dos projectos que hão de ser convertidos em leis do paiz!!

Disse ha pouco, sr. presidente, que tanto me importava que verdes ou azues estivessem no banco do poder. E confirmo novamente esta minha asserção.

Estou convencido que o mal está mais nas instituições do que nos homens, sem querer já se vê sustentar, o que seria injusto, que todos os ministros da corôa são iguaes em saber e em moralidade, em sciencia e consciencia!

Mas a ruindade das instituições, inutilisa, inutilisará e diz-nos a historia que tem inutilisado sempre as mais sãs intenções e os mais honrados propositos, que alguns tem

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havido, não o nego, durante o desenrolar do triste sudario da nossa administração constitucional!

Eu que tive a infelicidade, sr. presidente, ou felicidade, se quizerem, de na primeira vez que fallei em questão politica n'esta casa fazer perder o seu sangue frio habitual ao sr. presidente do conselho, creio estar no direito de afirmar que aã minhas palavras são insuspeitas n'este ponto.

Estou convencido que, se uma boa parte das accusações que têem sido formuladas aqui contra o sr. Fontes são effectivamente da exclusiva responsabilidade d'esta governo, ha tambem uma parte importante que pertence principalmente ás instituições dentro das quaes este ou outro qualquer governo se move e lhe é licito governar.

Sei bem que as difficuldades inherentcs ao organismo politico são aggravadas no momento presente pela incapacidade governativa da maioria dos homens que compõem o actual ministerio. Mas tenho igualmente a certeza que embora os ministros sejam substituidos, as difficuldades hão de reapparecer mais tarde exacerbadas por seu turno o complicadas com todas as circumstancias desfavoraveis que traz comsigo este estado de atonia em que o paiz está caíndo; este estado desconsolador do descrença e scepticismo que é o percursor do todas as grandes catastrophes que têem ferido as nações condemnadas a desappareccr pela fatalidade implacavel das leis da historia!

Não quer isto dizer, repito, que o governo actual, esteja absolvido das suas grandissimas responsabilidades! Não!

Sr. presidente, elle tem-nas, e graves; e a maior de todas ellas, é no meu entender este desprestigio systematico a que está sendo votado o parlamento; (Apoiados.) é este desprestigio, que faz com que nós sejâmos unica e simplesmente, quando isso apraz ainda assim áquelles que das cadeiras ministeriaes dirigem toda esta scena, uma méra chancella dos seus actos. (Apoiados.)

Comparem v. exas. o que se dá nos grandes parlamentos do mundo, em que o poder executivo é apenas a delegação do poder legislativo, e onde este ultimo poder se impõe ao primeiro que lhe obedece, como reconhecendo n'elle a nação representada na sua incontestavel soberania! Mas que ha de commum entre as curtes portuguezas e essas camaras que lá fora são a gloria do moderno parlamentarismo?!...

Dito isto, sr. presidente, que em parte explica qual é o nosso criterio politico e a nossa particular posição n'estes debates, passarei muito rapidamente a analysar alguns trechos que se encontram no discurso da corôa, e a notar algumas lacunas, que n'este documento tambem se dão.

Previno a camara desde já, para que não augmente mais o seu desgosto pela continuação de uma discussão de tão largas proporções, que procurarei systematícamente evitar o reproduzir argumentos que já tenham sido apresentados pelos meus collegas, ou tratar de pontos já discutidos, alguns dos quaes, o foram, sou o primeiro a declaral-o, com a maxima proficiencia por exemplo, o que se refere ás justissimas e frisantes considerações apresentadas pelo illustre deputado o sr. Barros Gomes, sobre a questão externa.

Com relação a esta questão, alem d'isso, abster-me-hei de n'ella intervir por agora, reservando-me para em occasião opportuna, a tal respeito indicar, quaes as minhas idéas e a forma como posso interpretar os sentimentos do meu partido. Vou tratar portanto, apenas de pontos que têem sido deixados na sombra, ou mais ou menos abandonados n'um plano secundario.

Nada direi, pois, sobre o primeiro periodo da resposta ao discurso da corôa que diz o seguinte:

«Consultada a vontade do paiz em consequencia das disposições da lei de 25 de maio do corrente anno, com prazer me vejo rodeado pelos novos representantes da nação, livremente eleitos por ella, para a presente legislatura».

Se porventura a discussão da resposta ao discurso da corôa não tivesse sido aqui precedida pela discussão larguissima da eleição da Madeira, o sr. ministro do reino havia, tanto quanto eu podesse a isso obrigal-o, de explicar ao parlamento a significação desta palavra livremente, porque desejava eu saber, se tal adverbio mandado escrever por um ministro, podia ter significação diversa, d'aquella que lhe é attribuida na linguagem usual.

Mas repito, como felizmente essa discussão já aqui se realisou com uma grande latitude, não quero por fórma alguma renovar o debate extincto.

Passarei adiante, lembrando unicamente, que a eleição da Madeira é o eloquente commentario a este primeiro paragrapho do discurso da corôa, escripto e inspirado pelo sr. ministro do reino.

Diz-se no mesmo documento logo em seguida, e que continuam sem alteração alguma as nossas boas relações com as potencias estrangeiras!»

É possivel que e continuem, sr. presidente, mas tambem é possivel que não continuem. Receio-o até bastante!

Como estes negocios externos me merecem uma especial e solicita attenção, tanto quanta posso, apesar de não estar no segredo das chancellarias, procurei não perder uma unica das palavras que o sr. ministro dos negocios estrangeiros proferiu, quando d'aquella cadeira respondia, ou melhor, tentava responder ao magnifico e fulminante discurso do sr. conselheiro Barros Gomes. (Apoiados.)

Não sou muito propenso, sr. presidente, a ter dó ou compaixão dos homens que occupam de ordinario, os conselhos da corôa.

Se bem elles nos fallem sempre das agruras do poder, se bem estejâmos constantemente, na sua rhetorica convencional, acostumados a ver quasi gotejar-lhes sangue da corôa do espinhos cravada n'aquelles pobres frontes por mão implacavel; o que é facto é que por mais que me tenha esforçado, jamais pude tomar a serio a lenda do martyrio dos ministros portuguezes. Sei bem que, quando elles desejam descarregar-se do certas e determinadas responsabilidades, ainda que sejam materialmente tão difficeis de se moverem, como o sr. ex-ministro das obras publicas Antonio Augusto do Aguiar, n'um instante saem ou deixam-se empurrar para fóra do ministerio, como já aqui foi dito. Por isso em geral não tenho grande pena dos embaraços em que se encontram os ministros da corôa. Mas se um sentimento de compaixão para com qualquer ministro pode entrar alguma vez no meu coração, confesso sr. presidente, que foi no momento em que ouvi o sr. ministro dos negocios estrangeiros!

Senti verdadeira pena, compungiu-me do profundo o ver a triste e deploravel posição em que esteve collocado este cavalheiro quando ultimamente dirigiu a palavra á camara.

Prepassaram então pelo meu espirito, e fallo-vos a verdade, eu vol-o juro, senhores, todas as situações ainda as mais difficeis em que um ministro de uma nação soberana se podia encontrar; e confesso que em nenhuma d'ellas se me deparou, como na triste realidade a que eu estava assistindo, um membro do poder executivo, vindo balbuciar perante a representação nacional, não já desculpas, mais ou menos justificadas, mas quasi um pedido de misericordia; pronunciando palavras hesitantes, entrecortadas, proferidas a medo, baixinho para que só meia duzia da mais confiados, que costumam acercar-se das bancadas ministeriaes as podessem receber nos seus ouvidos!

Confesso, sr. presidente, que, apesar da minha posição especial n'esta, camara, senti profunda compaixão por esse homem, que na sua sciencia soubera conquistar um nome respeitado, para assim o abandonar tristemente ao justo castigo da sua incapacidade politica.

Mas ao lado da pena e do dó que senti pelo homem, senti tambem um movimento de justificada indignação ao ver como os interesses mais vitaes do meu paiz, aquelles que em tempo tinham sido sustentados pelo pulso de ferro de um marquez do Pombal, de um duque de Palmella ou de um marquez de Sá, vinham caír em mãos tão debeis e tão feminis que estavam quasi a ponto de perdel-os e de

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entregal-os sem defeza aos nossos mais cruéis adversarios. (Apoiados.)

É triste e doloroso, bem o sei, que d'esta tribuna tenham de dirigir-se taes palavras a alguém que n'este momento precisa estar investido de todo o prestigio nacional para poder desenlear essa meada em que estamos envolvidos, e que oxalá se não se poder desatar, se corte com tanta felicidade como aquella com que Alexandre cortou o famoso nó gordio antes de partir para a Asia. É triste, repito-o, sr. presidente, que tenha de se dizer isto; mas mais triste é a verdade! E ha verdades que quando são ditas a tempo, por mais modesta que seja a boca que as pronuncia, podem evitar maiores catastrophes, de ordinario envolvidas no véu enganador de falsas e funestas illusões!...

Ouvi as palavras proferidas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros e d'essas palavras cheguei a concluir que n'este momento não só Portugal não póde dizer que conta com novas allianças; mas talvez mesmo as que tinha, ou aquellas com que melhor podia contar, estejam irremediavelmente perdidas.

Sobre este ponto nada mais direi.

A camara comprehenderá os melindres que ha da minha parte em discutir negocios que mais tarde hão de ter provavelmente uma discussão ampla, completamente desafogada das reservas diplomaticas, que hoje a tornam, se não impossivel, pelo menos inconveniente.

Não deixarei, porém, o capitulo das relações externas sem notar uma lamentavel omissão que se dá no discurso da corôa, e que eu não sei como possa explicar.

Deu se um facto importante com respeito ás relações externas de Portugal no interregno parlamentar; facto, comtudo, que eu não vejo, nem por uma simples allusão, mencionado no respectivo paragrapho do discurso da corôa.

É sabido que um grande paiz da America, a republica do Mexico, entendeu dever reatar as suas relações diplomaticas com Portugal, e que mandou acreditar como seu ministro junto da côrte de Lisboa o illustre diplomata que ao mesmo tempo era seu ministro acreditado junto da côrte de Madrid.

Este facto é importante. Significa que ao menos nas nações do novo mundo, não obstante o grande numero de desconsiderações que Portugal tem recebido nas chancellarias da Europa, ha quem pense que se deve prestar homenagem ao paiz que tanto concorreu para a civilisação d'aquella parte do globo.

O Mexico mandou o bravo e illustradissimo general Corona como ministro acreditado junto da côrte de Lisboa: mas eu não vejo, repito, uma simples menção d'este facto importante no paragrapho do discurso da corôa que se occupa das nossas relações externas.

E o mais notavel, sr. presidente, é que, se no actual discurso da corôa não se enconira menção alguma relativamente a este renovamento de relações diplomaticas, a respeito do mesmo paiz, mas em circumstancias bem diversas, eu encontro no discurso da corôa de 1865 um paragrapho que e um commentario eloquente á lacuna que se dá no documento de que estamos tratando.

Diz se no discurso da corôa de 1865, publicado no Diario de 3 de janeiro d'esse anno o seguinte:

«Sua Magestade o Imperador do Mexico, participando-me a sua exaltação ao throno, houve por bem acreditar junto da minha côrte um enviado extraordinario e ministro plenipotenciario. Aos sentimentos de amisade manifestados por aquelle soberano procuro corresponder, ligando a maior importancia ás relações politicas e commerciaes entre os dois paizes.»

Em 1865 ligava-se grande importancia e apreço ás relações diplomáticas com o imperio do Mexico.

Hoje, pensa-se de modo diverso!

Longe de mim, sr. presidente, a intenção de proferir n'este momento palavras que possam, não digo já ir ferir, mas ser talvez menos respeitosas para com a memoria d'esse infeliz archiduque que julgou ir encontrar no Mexico uma corôa e que foi apenas lá deparar com um cadafalso cheio de opprobrio!

Longe de mim a intenção de preferir d'esta tribuna palavras que possam ir tristemente echoar em ouvidos de quem é para mim duplamente sagrada, d'essa inconsolavel princeza que ainda hoje em dolorosa viuvez chora a morte prematura do mallogrado marido; d'essa pobre louca, que ainda até agora nos paços de Miramar não pode encontrar a sua perdida rasão, ferida pelo mais tremendo golpe que póde alancear um coração de esposa!

Mas, resalvando estas piedosas considerações que devo á desgraça, para mim sempre respeitavel, lembrarei á camara que o imperio do Mexico, por cujas relações tanto folgavam os ministros da corôa portugueza em 1865, era um imperio sustentado por bayonetas, e lançado como um repto e um desafio ás livres nações da America, por esse Cesar da decadencia, por esse Cesar amaldiçoado hoje pela consciencia publica da França, o qual julgou que ía sobredourar o prestigio da sua já abalada realeza com essa tristissima e fatal expedição á pátria de Montezuma!

A um imperio assim, que durou apenas tres annos, a um imperio ephemero, como um sonho, a um imperio que passou como um pezadello funebre sobro o povo mexicano enteudeu-se que se lhe devia dedicar um paragrapho especial no discurso da corôa.

Mas, quando a nação mexicana, um dos mais notaveis e importantes paizes do novo mundo, se levanta sobre as ruinas que n'aquella formosa terra amontoara a occupação estrangeira; quando esse paiz, que é dos de maior vigor, de mais largo futuro, e porventura um d'aquelles que de uma fórma mais directa póde interferir na civilisação d'aquella parte do globo, do alto da sua grandeza e do fastigio da sua prosperidade não se esquece do nosso Portugal, tão acostumado a que poderes mais humildes o escarneçam e ludibriem, os estadistas portuguezes não têem uma palavra para em nome da nação agradecida, pagarem, ao menos por mera cortezia, a deferencia que comnosco teve a grande republica da America latina!!

Faço justiça aos srs. ministros em geral e ao sr. ministro dos negocios estrangeiros em particular, de acreditar que não houve no facto a que me refiro intenção reservada de menos consideração por uma nação amiga e que espontaneamente procurava as nossas relações, pelo simples facto de ser uma republica! Faço justiça aos srs. ministros, suppondo que os seus escrupulos monarchicos e realengos não chegariam a tal ponto. É verdade que a mesma omissão se dá com relação á republica do Uruguay.

Como procuro porém, ser justo, sr. presidente, attribui este esquecimento aos muitos afazeres que têem os srs. ministros, afazeres que não consentem que elles repartam os seus cuidados por todos os assumptos serios que lhos devem solicitar. Em todo o caso é para lamentar que tenha de ser censurado o governo por esquecimentos d'esta ordem!

A respeito do paragrapho inteiro que se refere aos negocios propriamente do Zaire, eu disse que me abstinha n'este momento de o tratar; e abstinha-me n'este momento de o tratar por duas rasões igualmente poderosas.

A questão diplomática com respeito ao tratado anglo-portuguez, a questão anterior á convocação da conferencia de Berlim, tal qual se póde estudar nos documentos que se encontram no Livro branco, e nos documentos apresentados aos parlamentos britanico, francez e allemão, foi tratada de uma maneira definitiva, emquanto a mim, pelo sr. Barros Gomes. Restava tratar de assumptos sobre os quaes s. exa. entendeu e muito bem que não devia por agora pronunciar-se. Eu sou da mesma opinião, sr. presidente. Entendo que, no momento actual, em que a questão do Zaire assumiu novo aspecto, em virtude de um episodio que estavamos longe de prever, essa questão tem de ser tratada

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maduramente e ha de vir acompanhada de todos os documentos que a possam elucidar.

Não desejo eu, sobretudo, collocar-me na situação de poder ser mais tarde accusado de ter perturbado as negociações em que o governo, ao que parece, está empenhado ainda, negociações cuja gloria lha deixarei sem inveja, mas cujas responsabilidades lh'as hei de exigir tambem integralmente, se o que se está a esta hora ajustando no segredo das chancellarias europeas for offensivo dos brios e da dignidade do paiz!

Não direi nada, pois, sobre a questão colonial em litigio, mas occupar-me-hei de um facto que está intimamente relacionado com ella, embora de um modo estranho sob o ponto de vista parlamentar e constitucional.

O assumpto da minha moção refere-se a um factor n'esta questão colonial, que não devia ter legalmente nada que ver com as negociações ministeriaes pendentes, factor que muito cuidadosamente na discussão não foi jamais alludido, mas factor que julgo indispensavel collocar em toda a luz para que a camara saiba mais uma vez, e se ella já está d'isso inteirada, para que o saiba o paiz, quem é que nos governa, como deve chamar-se este regimen dentro do qual nós politicamente vivemos, e se effectivamente Portugal póde ainda ser considerado como um estado regido pelo systema parlamentar.

Lembra-se v. exa. de certo, sr. presidente, quando o ar. Barros Gomes tratou da questão colonial, referindo-se a um periodo do discurso da corôa relativo ao modo como as negociações diplomaticas haviam sido encaminhadas, ter este illustre deputado affirmado, com o testemunho de documentos, que Portugal havia em certas e determinadas circumstancias rejeitado, ou pelo menos dado menos consideração a propostas da Allemanha.

Disse mais o sr. Barros Cromes que havia documentos pelos quaes se provava que a Allemanha, em contrario do que se escrevera n'um documento que ficará eternamente celebre na nossa historia diplomática, contrariamente ao que affirmára o nosso ministro acreditado em Berlim, em vez de se desinteressar absolutamente da questão colonial, tivera muito a peito negociar com Portugal, fazendo com que elle se desligasse do tratado anglo-luso.

D'esse facto, apontado na sua generalidade pelo sr. Barros Gomes, posso eu n'este momento indicar um importante episodio, que vem narrado com todo o caracter semi-official que tem o jornal a Gazeta de Colónia, citado por s. exa.

Diz esse jornal, no n.° 42, de 16 de outubro de 1884 da sua edição semanal (Wochen-Ausgabe), o seguinte, que traduzirei á camara:

«Confirma-se que Portugal renuncia ao tratado do Congo com a Inglaterra e que se approximara do modo de ver allemão. Reputa se aqui este tacto como uma consequencia de propostas reciprocas, que realmente foram feitas entre a Allemanha e Portugal a proposito da questão do Zaire, como nós podemos agora affirmar, e que tiveram mesmo como seguimento uma troca directa de cartas entre o imperador Guilherme e o rei de Portugal, facto a que deve attribuir-se uma grande acção sobre o estado actual da questão».

Este mesmo facto foi confirmado pela imprensa portugueza, especialmente pelo Diario de noticias, que lhe attribuiu em artigo de fundo um alto valor para a continuação das negociações diplomaticas a proposito do Zaire.

Sr. presidente, o artigo 75.° da carta constitucional diz:

«O Rei é o chefe do poder executivo e o exercita pelos seus ministros de estado. São suas principaes attribuições:

...............

«§ 7.° Dirigir as negociações politicas com as nações estrangeiras.»

Diz mais o artigo 102.°

«Os ministros d'estado referendarão ou assignarão todos os actos do poder executivo, sem o que não poderão ter execução.»

E o artigo 103.° diz:

«Os ministros d'estado serão responsaveis:

................

«§ 4.° Pela falta de observancia da lei.»

Da discussão que teve logar n'esta casa, com relação aos assumptos do Zaire, resulta que o nosso ministro em Berlim não mandara ao ministro dos negocios estrangeiros outra communicação, alem d'esse malfadado documento em que se diz que a Allemanha estava completamente desinteressada d'esta questão; mas em compensação diz Gazeta, de Colonia que o facto de Portugal se separar da Inglaterra, com respeito á questão do Congo, e de se approximar do ponto de vista allemão, era o resultado de propostas feitas entre Portugal e a Allemanha, propostas que tinham tido como seguimento a troca de cartas entre o Imperador Guilherme e o Rei de Portugal.

Pergunto a v. exa., sr. presidente: o que é isto? Em que paiz estamos nós? Quem nos governa? Que constituição nos rege?

Eu não posso ter a pretensão de vir aqui censurar nem de leve os actos de Sua Magestade o Imperador da Allemanha. Nada tenho absolutamente com o modo como Sua Magestade Imperial procedeu em relação a este assumpto. Creio mesmo que procedendo como procedeu estava, ou julgava estar, no direito de o fazer, pelo artigo 45.° da constituição prussiana, que determina que o Rei é o unico responsavel pelos actos do puder executivo.

Mas eu pergunto a v. exa., se no artigo correspondente da nossa carta constitucional, que é o n.° 75.°, se diz que o Rei é o unico responsavel pelos actos do poder executivo, ou se se diz bem explicitamente que elle é o chefe do poder executivo, que o exercita pelos seus ministros, e que os seus actos não têem valor algum se não forem referendados por qualquer d'esses altos funccionarios?

Pois o enviado plenipotenciario portuguez e o respectivo ministro d'estado, em negocio de tanta importancia e de tão alta gravidade nada forem; pois a Allemanha figura apenas como uma parcella minima na correspondencia diplomatica publicada no Livro branco; pois os poderes legaes para tratarem d'este assumpto com o grande estado germanico cruzam indolente ou criminosamente os braços, e vamos encontrar uma correspondencia illegal, anti-constitucional, dirigida por quem não tinha para isso direito, e vamos encontrar uma correspondencia trocada entre, o Imperador da Allemanha e o Rei de Portugal?! ...

O que é isto, repito, sr. presidente? Em que paiz estamos? Que lei nos governa? Que constituição nos rege? Ainda existe entre nós o governo parlamentar, ou estamos em plena autocracia, em pleno reinado do poder pessoal?! E preciso, é indispensavel que a estas minhas perguntas se dê uma resposta franca, clara e categorica! Então o Rei póde directamente tratar de assumptos politicos?

Pois os srs. ministros podem, continuando n'aquellas cadeiras, consentir que o Rei escreva cartas ácerca de assumptos diplomaticos de tão alta gravidade?!

O sr. Presidente: - O illustre orador está a discutir a pessoa do Rei...

O Orador : - Eu dirijo-me unicamente, sr. presidente, aos ministros responsaveis. Desde que me propuz tratar d'este assumpto, procurei ter bem presentes todos os artigos que podiam restringir a liberdade da minha palavra n'esta casa, e assim tive presente o artigo 102.° do regimento que prohibe aos deputados trazer para a discussão a pessoa do Rei ou as suas opiniões.

Eu não trago, porém, repito-o, para a discussão a pessoa do Rei, nem tão pouco as suas opiniões, mas unicamente a responsabilidade dos srs. ministros, que deixaram atropelar pelo chefe do estado a constituição; que deixaram fazer ao monarcha aquillo que pela carta constitucional elle não póde fazer!

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Tambem não discuto a opinião do Rei; trato apenas de factos consummados, e nada mais. E para isto estou no meu plenissimo direito.

Já v. exa. vê, sr. presidente, que me mantenho nos limites do regimento, e que foi menos justa a sua advertencia.

Quem responde d'aquellas cadeiras (as do governo), torno a insistir, por esta violação da lei, que não deixara de ser um grave delicto constitucional, mesmo que, infelizmente, tenha passado desapercebida ao paiz, mesmo que tenha passado desapercebida á camara, visto que entrámos já em um tal estado de decadencia do systema representativo, que assistimos com indifferença ao acintoso desprezo dos principies mais vitaes em que se estriba este systema?

Ainda assim, por muito que os principios que nos governam andem invertidos, dirijo-me áquelles que podem ter viva a idéa do que deve ser o regimen constitucional, e ahi espero encontrar um echo para as minhas palavras de solemne protesto contra este estado de cousas!

Quem responde por essa carta que os ministros consentiram que o Rei dirigisse ao Imperador da Allemanha sobre o assumpto das negociações a proposito da nossa soberania no Zaire?

E não estarei eu no direito, como representante da nação, de pedir uma copia d'esse documento para saber se, porventura, elle teve ou não influencia prejudicial na fórma porque as negociações ulteriores foram encaminhadas?

Porque, ou havemos de admittir que a carta de que se trata teve tão pouca importância na chancellaria allemã, que não alterou a sua norma de proceder ácerca do reconhecimento dos nossos incontestaveis direitos e, n'este caso, o Rei expoz o paiz a uma desconsideração escusada; ou, o que é bem mais provavel, e está de resto confirmado pela Gazeta de Colónia, as negociações cem a Allemanha foram modificadas, em virtude da correspondencia entre os dois monarchas.

O facto é, pois, grave, não só sob o ponto de vista legal, mas sob o ponto de vista politico principalmente.

Se houvesse uma lei seria de responsabilidade ministerial, os ministros que consentiram que se escrevesse tal carta, não estavam hoje sentados n'aquellas cadeiras (as dos ministros), mas porventura estariam em logar de onde tem sempre se sae coberto do laureis.

Sim, srs. deputados, estariam sentados no banco dos réus, como cumplices de um attentado de lesa-constituição!

Senão que o diga o sr. Selmer, presidente do conselho da Noruega; que o diga o presidente, do conselho de um dos ultimos gabinetes da Grecia; e que o diga mesmo, ha meio seculo, o principe de Polignac e todo esse ministerio que, depois da revolução de julho triumphante, foi levado perante a camara alta, constituida em tribunal especial, por abuso do poder e por menosprezo da constituição; sendo condemnado a prisão perpetua, a uma forte multa e á solemne exautoração de todas as suas honras e dignidades o chefe d'esse governo, apesar da privilegiada posição que occupava.

É assim, sr. presidente, que se procede nos paizes que respeitam a sua lei fundamental!

Mas, sr. presidente, esta intervenção illegal do Rei nos negocios publicos, seria um facto sem precedentes, unico, simplesmente occasionado pelo desejo de prestar um serviço ao paiz em conjunctura difficil das suas relações externas?

Não foi!

Folgo que s. exa., o sr. ministro do reino, ache que estas minhas considerações são dignas de lhe chamarem aos labios um sorriso. Parece-me isso perfeitamente legitimo da sua parte.

Quem não teve duvida em deixar que mais uma vez a carta constitucional fosse rasgada, deve sorrir-se dos ingenuos que ainda perdem tempo em denunciar taes bagatel-las ao parlamento.

Mas, conforme dizia, e em que pese ao sr. ministro do reino, esta manifestação do poder pessoal não é unica, não é esporádica; este facto é apenas um dos muitos que se têem seguido n'uma serie ininterrompida e que principalmente se têem accentuado na gerencia d'este ministerio. O actual governo, tendo presente as palavras de Strafford: «Mal com o Rei por causa do povo; mal com o povo por amor do Rei!» interpreta-as a seu modo por uma paraphrase egoista, e havendo adquirido a certeza de que está irremediavelmente mal com o povo, tolera todas as illegalidades, sujeita-se a todos os servilismos para estar bem ao menos com o Rei! (Apoiados.)

Por isso digo que a carta ao Imperador da Allemanha não é facto esporadico. Tem, pelo contrario, eloquentes precedentes.

Temol-os e auctorisados igualmente pelo ministerio, que ahi está (apontando para as cadeiras dos ministros), que é um verdadeiro Protheu: Protheu maravilhoso, ao que parece eterno, pois vae successivamente mudando de formas sem que só saiba ao certo o dia em que terão fim as suas estranhas e inesperadas metamorphoses! Pois se elle já chegou a realisar com relação ás cadeiras ministeriaes, o mechanismo do renovação actualmente em vigor nos corpos administrativos!

Vae se renovando por turnos, sr. presidente, ficando sempre alguns elementos do governo anterior, provavelmente para servirem de mentores aos collegas que entram! O mais constante d'estes elementos persistentes de ministerio, o verdadeiro fio de Ariadna, em todo este labyrintho de transformações que constituem a historia do governo actualmente presidido pelo sr. Fontes, é o sr. ministro da fazenda.

Não lhe quero chamar o que um digno par chamou a esse ministro; e não quero, porque a minha intenção n'este logar - e acredite-me quem quizer - não é ferir pessoalmente homens, e tratar de systemas e actos do governo.

Não repetirei, portanto, aqui o que ao ministro de que se trata foi dito por um digno par na outra casa do parlamento.

Contentar-me-hei em chamar ao sr. Hintze Ribeiro o fio conductor atravez de todas as transformações d'este ministerio.

Pois bem! Quando o gabinete Sampaio se apresentou ás camaras com a herança da celebre questão de Lourenço Marques, esse gabinete conseguiu que tal questão fosse retirada da télla, e que Sua Magestade a Rainha Victoria accedesse ao pedido de não insistir mais, nem fazer questão internacional do tratado.

Então tambem Sua Magestade o Rei de Portugal escreveu uma carta a essa augusta Senhora... não, a essa graciosa Senhora, na phrase consagrada da linguagem official ingleza.

Vi com espanto por essa occasião que no parlamento se não havia tratado d'este facto, pedindo-se ao governo, como hoje eu o estou fazendo, contas de tal acto.

E, no entretanto, foi em virtude da carta de Sua Magestade a Rainha Victoria que a Inglaterra consentiu que o referido tratado fosse retirado da discussão. Assim o confessaram os jornaes semi-officiaes da epocha.

A troco de que condições, porém, cedeu o gabinete de Saint-James n'uma questão em que estava tão seriamente empenhado? Nunca ninguém o soube; porque não houve um ministro que respondesse pela carta do Rei!

Disse-se, é verdade, logo d'ahi a pouco, que as nossas relações com a Inglaterra tinham esfriado. E não tardou muito que tal boato recebesse uma confissão plena. Seria em virtude dos termos em que ia escripta a carta, a que temos alludido? E que admira? Se por vezes os mais abalizados diplomatas se embaraçam na difficuldade de certas negociações, que muito é que, mesmo da melhor fé, quem

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não tem nem o estudo, nem o tirocinio necessarios para desempenhar, taes funcções, commetta qualquer inconveniencia, até sem o querer? E por isso que taes negocios são da exclusiva responsabilidade da ministros, que em conjunctura alguma podem ser substituidos pelo chefe do estado. E d'ahi provém o celebre e indispensavel aphorismo, n'um paiz constitucional, «que o liei reina e não governa».

Mas ainda mais. Sendo igualmente ministro dos nogocios estrangeiros interino, o sr. Hintze Ribeiro, teve logar, a proposito da inauguração de um caminho de ferro, uma conferencia em Caceres entre os monarchas de Portugal e Hespanha.

Por essa occasião não houve troca de cartas, é verdade; mas trocaram-se palavras entre aquelles dois chefes de estado e especialmente entre o Rei de Portugal e o presidente do conselho de ministros de Hespanha, o sr. Sagasta, palavras que foram reputadas altamente imprudentes por parte da imprensa portugueza.

Não sou eu que o digo, sr. presidente, disseram-n'o cavalheiros cuja posição n'esta camara é absolutamente insuspeita; disse-o com extraordinaria vehemencia o Diario popular cujo monarchismo não póde ser posto em duvida.

Proferiram-se então palavras que segundo a propria hermeneutica monarchica, foram compromettedoras do nosso bom nome e dos nossos brios de nação. Pois o sr. ministro dos negocios estrangeiros assistiu a essa conferencia, e no dia seguinte não depoz a sua pasta, declarando quer, sua posição era incompativel com este acto de poder pessoal!

Já a camara vê que estes factos não são esporadicos; mas obedecem pelo contrario a um proposito deliberado, a uma linha de conducta que se cifra em que o poder moderador é realmente, ou pretende ser em Portugal como o affirmou n'um celebre artigo o sr. presidente do conselho de então, o unico poder que subsiste de pé, a unica, instituição que tem força, o unico principio que ainda conserva vigor no meio do desconjuntar de todas as molas do nosso avariado constitucionalismo!

É contra este facto que eu protesto, em virtude do meu direito e na posição de deputado representando uma parcella da soberania da nação!

Se querem entrar no regimen absoluto, entrem! Se querem entrar no regimen autocratico, entrem Se querem entrar no regimen do poder pessoal sem limite para os seus caprichos, entrem! Mas ao menos sejam francos. Tenham a coragem dos seus actos! Não estejam com estas ficções que não chegam mesmo a sel-o, pois ameaçam descer ao nivel de simples comedia ou farça! Mas passemos a outro assumpto, que o tempo urge.

«No intervallo das sessões foram decretadas algumas medidas de natureza legislativa com referencia ao exercito e á marinha, e outras destinadas a preservar o reino cia invasão do cholera-morbus.

«Vós examinareis a sua importancia e urgencia e o governo apresentava proposta para ser relevado da responsabilidade em que incorreu adoptando-os.»

O assumpto que se prende, sr. presidente com o paragrapho especial d'este documento, ha de ser detidamente tratado quando se discutir n'esta casa o bill de indemnidade.

Por essa occasião se a palavra me chegar a tempo farei as considerações que entender convenientes. Entretanto não posso deixar passar desde já sem o meu protesto taes palavras na apparencia tão suaves, tão anodynas, tão calculadamente indifferentes que se encontram servindo de involucro a um dos actos mais criminosos que por parte do poder executivo se tem praticado ha muitos annos!

Disse o sr. presidente do conselho de ministros em resposta a um orador da opposição monarchica, que se honrava de ter tomado a iniciativa d'esta dictadura. E continuando a ser atacado por esse acto levantou-se, e com aquelle tom que o parlamento lhe conhece e que está de accordo com a sua posição de ministro da guerra, acrescentou as seguintes palavras:

«Porventura é crime uma dictadura?»

Sr. presidente, eu distingo e digo que ha casos em que a dictadura, não obstante sor um processo violento de levar a cabo certas e determinadas reformas, póde ter como desculpa uma grande necessidade publica. A dictadura e sempre um acto illegal e é sempre um delicto constitucional, por ser a usurpação de poderes que não pertencem ao executivo; mas, repito, ha casos em que a dictadura, quando é inspirada nos altos principios da salvação da patria, póde ser um bem, ou pelo menos póde ser desculpada.

Estão n'estas circumstancias as grandes dictaduras do Mousinho da Silveira e de Passos Manuel.

Não ha espirito algum democrata, não ha cidadão amante do seu paiz, que ouse lançar uma condemnação sobre qualquer d'estas dictaduras, a primeira das quaes resgatou a terra portugueza das peias do velho regimen e libertou as suas populações da esmagadora imposição dos dizimos, e a segunda que, teve entre outros meritos, o de fundar o nosso moderno ensino polytechnico.

As dictaduras assim, tendo apenas em mim a realisação das grandes e legitimas aspirações populares, explicam-se, justificam-se, e eu posso curvar-me, sem offender os meus principios, perante a triste necessidade que levou estes dois eminentes estadistas a assumirem poderes extraordinarios!

Mas, sr. presidente, que ha de commum entre as dictaduras dos dois venerandos patriarchas da liberdade portugueza, e esta dictadura do sr. Fontes, absolutamente inutil ou contraproducente quanto aos seus resultados, criminosa, porém, quanto ás intenções que a originaram?!

Eu folgo n'este momento de levantar algumas palavras, embora cuidadosamente veladas, que pronunciou o sr. Barros Gomes, o folgo de levantar as palavras d'este cavalheiro porque a sua posição do ex-ministro da corôa, me põe a coberto e ao abrigo da suspeita de vir a esta tribuna fazer-me o interprete de idéas subversivas ou menos consentaneas com a ordem publica; o que de certo não aconteceria se as palavras, que vou proferir, tivessem unicamente por si a minha propria auctoridade!

Para mim, sr. presidente, o grande crime da dictadura, da ultima dictadura d'este ministerio não está tanto no acto em si, mas nas circumstancias em que elle foi exercido! Sei que me podem responder que a camara dos deputados não deve censurar uma dictadura que se levou a cabo exactamente para manter o voto d'essa camara popular, passando por cima das velloidades ohstruccionistas da camara alta.

O peior é que ámanhã o nobre presidente do conselho, quando necessitar conservar, para os seus fins, a força á camara alta com o intuito de abater a camara dos deputados não duvidará assumir uma dictadura em sentido contrario. O caso não é de principios, para o sr. Fontes, mas unicamente de expedientes!

Ora, como se sabe, estes variam ao sabor dos interesses de cada dia, de cada hora mesmo d'esta enfraquecida e desprestigiada situação politica. D'ahi as inconsequencias do sr. presidente do conselho. Um dia apoia-se na camara alta para esmagar as resistencias dos eleitos da nação; no dia seguinte fortalece-se com o voto da camara dos deputados para fazer passar os proceres sob as forcas caudinas!

Tambem não trato de pôr bem em evidencia o curioso e edificante procedimento de ser o sr. presidente da camara dos pares quem lançou esse repto á camara a que elle proprio preside, inilingindo assim uma desconsideração sangrenta á assembléa, que mais do que ninguem elle devia respeitar. Essa questão, porém, é com a camara hereditaria, e nem eu morro de amores por ella a ponto de

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me constituir o seu paladino, nem tenho procuração especial para aqui a defender das affrontas que ella recebe. Demais ella ajustará estas contas com o sr. presidente do conselho, se quizer ou poder.

Voltando, porém, ao assumpto, sr. presidente, sustento que a dictadura de 19 de maio de 1834 é um verdadeiro crime, não tanto pelo facto em si; mas pelas circumstancias especiaes de que tal acto apparece revestido. Basta considerar que o sr. presidente do conselho decretou esta dictadura com as maiores aggravantes com que ella podia ser decretada, isto é, quarenta e oito horas depois de se fecharem as côrtes; tendo a reforma, para que o governo a si proprio se auctorisava, como consequencia uma larguissima promoção, tão vasta como ainda não a houvera nas fileiras do nosso exercito, e mais que tudo armando-se o ministerio com tal auctorisação nas vesperas de uma eleição de cortes constituintes! Isto é simplesmente monstruoso, sr. presidente! E n'um paiz em que o respeito pelas leis fosse maior, e as garantias dos cidadãos fossem mais apreciadas, eu não sei que recompensa teria a audacia do sr. Fontes!

Eu respeito como ninguem, ou melhor, eu respeito como aquelles que mais respeitam, o exercito, embora tenha sobre esta instituição as idéas philosophicas que têem muitos dos seus membros mais conspicuos, os quaes, mesmo sendo glorias d'esta distinctissima classe, entendem e muito bem, que é bem triste que no ultimo quartel do seculo XIX as nações se armem para se despedaçaram como feras nos campos de batalha, e que em despezas improductivas os homens empreguem os capitães, que deveriam melhor servir para fecundar a terra, fazendo d'ella brotar perennes as fontes do trabalho, e que já hoje teriam, se não fossem desviadas para o funebre sorvedouro das guerras, contribuido bastante para melhorar as condições da sociedade contemporanea.

Mas esta e a theoria, infelizmente bem longe ainda da pratica. Mas este é o sonho generoso de todos os que pensam no futuro da humanidade, sonho tristemente interrompido a cada instante pela bruta realidade das grandes hecatombes, que se chamam Waterloo, Sadowa ou Sedan!

O que é facto, e facto incontestavel, é que no momento historico que atravessâmos os exercitos permanentes são necessarios e indispensaveis.

Nenhum estadista, por mais ousado que fosse, se atreveria a supprimil-os.

Não ha mesmo em paiz algum, dada a fatal necessidade das guerras, funcções mais nobres e mais augustas que as do velar pela integridade das fronteiras e pelos mais sagrados interesses dos que confiaram a seus irmãos a defeza do lar, da propriedade, da vicia e da honra immaculada da bandeira da pátria!

É este o meu modo de sentir a respeito da força publica, sr. presidente.

Portanto as palavras que vou proferir não melindram o nobilissimo exercito portuguez, tanto mais que d'elle são membros alguns dos meus mestres mais respeitaveis, muitos dos meus companheiros mais queridos da infancia e dos bancos das escolas, e que n'esta camara até o unico correligionario que se senta ao meu lado é um distincto e brioso official do exercito portuguez.

Mas por isso que eu sou um admirador sincero do exercito, é que não desejo que os altos poderes do estado o affrontem com as suas determinações calculadas ou levianas.

Não me cansarei, pois, de repetir, conforme já o dizia tambem o sr. Barros Gomes, que a dictadura do sr. presidente do conselho representa um insulto sem rasão alga ma feito ao exercito portuguez. Nas vésperas de umas côrtes constituintes esta dictadura, que tinha como consequencia uma larguissima promoção nas fileiras, significava bem claramente da parte do sr. Fontes o intento perfido de lançar a espada da força publica, onde só devia imperar e imperar sem peias a vontade livre de todos os cidadãos! (Apoiados.)

Este facto, praticado em taes circumstancias, assume as proporções de um verdadeiro crime constitucional, que não póde ser disfarçado pelas palavras anodynas do documento, que acabo de ler á camara!

Diz-se: foi para salvar o exercito, que o sr. presidente do conselho se deliberou a tomar a responsabilidade da dictadura. Oh! sr. presidente, para salvar o exercito?! E veio resuscitar-se alei iniqua, obnoxia e altamente injusta das remissões! (Muitos apoiados.) E vae-se assim transformar a honrosa instituição do exercito n'uma guarda pretoriana!! Quando a Allemanha e a França, as maiores potencias militares da Europa, que devem todo o prestigio e todo o poderio ás suas fortes organisações militares, decretam o serviço das armas obrigatorio, o ministro da guerra portuguez assume a dictadura, com o pretexto de salvar o exercito do estado da decadencia em que se encontra, e começa a sua obra reformadora por restaurar a lei das remissões, que é injusta perante a consciencia, que é iniqua perante a justiça distributiva e que é prejudicial perante os legitimos interesses da defeza do paiz. (Muitos apoiados.)

Isto é inacreditavel, sr. presidente!

É verdade que se o exercito ficou prejudicado, floresceu em compensação mais uma industria!

Já nasceu um banco do remissões; e eu que vejo presente n'esta occasião o sr. ministro da fazenda, sempre desejaria que s. exa. me desse a sua opinião, quando eu lhe dissesse, que se tinha formado um banco para remir o dever social dos individuos, que haviam de pagar impostos. S. exa. de certo entregaria o auctor de tão extraordinaria invenção á severidade das leis ou se estas fossem omissas no caso sujeito aos cuidados de um hospital de alienados.

Mas o que é estranho, é que tem em Portugal realidade. O credo guia absurdum de Santo Agostinho passa por ser o aphorismo de mais apropriada applicação no nosso paiz.

Assim o imposto, que é a quota parte com que cada um contribuo para o custeio das despezas nacionaes, ha de para ser acceitavel, sobrecarregar de um modo igual ou antes proporcionalmente todas as classes. Mesmo os ministros, que menos sacrificam ao ideal democratico, são obrigados a defender o principio da igualdade de todos os cidadãos perante a obrigação do imposto, e a condemnar severamente qualquer isenção d'este patriotico dever.

Pois o que é uma norma vulgar de moralidade politica com os chamados impostos directos e indirectos, transforma-se n'uma excepção odiosa e revoltante com o imposto mais pesado que ha entre nós, com o «imposto de sangue», que é cobrado por todo o paiz entre as lagrimas afflictivas das pobres mães, no meio da scena mais compungente que é dado a alguem, que tenha coração, imaginar!

Não quero, sr. presidente, trazer para este debate a nota de um sentimentalismo inopportuno, que podia ser mal apreciado pela assembléa, que me escuta; mas invoco o testemunho do srs. deputados das provincias, que é onde se podem palpar melhor os sacrificios a que obriga a lei do recrutamento, e elles que digam quantas lagrimas se derramam n'esse dia de luto, que se chama o «dia das sortes» em que os mancebos são violentamente arrancados ao doce conchego da familia, ao trabalho e ás esperanças em que se embala um coração de dezoito annos, para irem servir no exercito. E elles que digam que côro de maldições se levanta n'essa hora, que annualmente se repete como desesperadora fatalidade, contra os que directa ou indirectamente têem parte na cobrança d'este funebre imposto!

Pois é d'elle, que, em virtude da lei das remissões, se vão para o futuro isentar os ricos; transformando-se ao mesmo tempo a missão do exercito em officio de mercenarios, odiado porque de hoje em diante significara um stygma de pobreza! Eis a obra do sr. Fontes, que o exercito e a nação devem reconhecidos agradecer!

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Um ministro da guerra que assignala uma dictadura com medidas d'esta ordem, não póde ter nunca mais o direito de justificar a necessidade d'essa dictadura. A sua obra está julgada. Só cumpre ao seu successor, quem quer que elle seja, destruil-a!

O periodo que se refere a obras publicas diz o seguinte:

«Continuaram as obras publicas em todo o reino com o maximo desenvolvimento compatível com os fundos votados para esse Hm, e celebrou-se a exposição agricola, com proveito incontestável da primeira das nossas industrias. Tanto a exposição dos gados, como a dos productos da terra deram clara idéa do successivo desenvolvimento, que tem tido entre nós este importantíssimo ramo do riqueza nacional.»

Emquanto, ao passado está bem, sr. presidente. O discurso da corôa depois das pbrases sacramentaes e de estylo com relação ao proseguimento das obras publicas, refere-se ao importante emprebendimento da exposição agricola. Mas a respeito do futuro, que promessas ao menos contam esto documento? Nenhuma! E no entretanto é difficil de explicar a mudez do discurso da corôa sobre um assumpto a que indubitavelmente está ligada a prosperidade do nosso paiz. Não fallando já das obras do porto de Lisboa que bem comprehendida protecção A industria agricola e a industria nacional vegeta absolutamente desprotegida, ou o que pior é, estupidamente sacrificada pelo absurdo das nossas pautas, que não raro tributam a materia prima, deixando relativamente livre do direitos o producto correspondente manufacturado!

Pois nem uma unica palavra, repito, se encontra no discurso da corôa a respeito d'estas gravissimas questões!!!
(Apoiados.)

Ha igualmente um facto importante o de alto interesse publico que sinto que o sr. ministro do reino não quizesse tirar-lhe ao menos n'este documento, o seu nome!

Refiro-me á reforma da nossa instrucção, tanto secundaria como superior.

Pois passam sessões sobre sessões; abre-se o encerra-se o parlamento; o paiz durante os interregnos parlamentares reclama calorosamente uma reforma séria da nossa ínstrucção secundaria e superior; confessa-se por toda a parte, que não tomos um ensino, não digo já racionalmente organisado, mas nem mesmo sequer estabelecido de modo a poder fazer face às necessidades mais urgentes do momento; affirma-se que a nossa instrucção superior, não obstante os cuidados que merece isoladamente a um certo numero do individuos, que está encarregado de a ministrar, é uma instituição que nos envergonha perante a Europa culta e nos colloca abaixo de algumas nações africanas ou asiaticas que, como a colonia do Cabo e o Japão, estão bem mais adiantadas; e o sr. ministro do reino deixa passar mais uma sessão, sem que, ao menos como mera promessa, deixe cair duas palavras n'este documento que permittam, quando mais não seja, a illusão de que alguma cousa se pretende n'este sentido realisar?|
Triste, tristissimo! sr. presidente.

Mais ainda, e refiro-me agora ao sr. ministro do ultramar.

Li com todo o cuidado o periodo do discurso da corôa, que diz respeito á questão colonial, e vi que s. exa. tomára a peito a resolução de iniciar dois melhoramentos importantes para as nossas provincias de alem-mar.

Por tal facto tenho a felicitar a iniciativa do nobre ministro.

Desde que estes melhoramentos, especialmente o do caminho do ferro do Ambaca, hajam do realisar-se, dentro dos principios que a economia do paiz aconselha e que as condições technicas naturalmente indicam, não as combaterei eu; sou pelo contrario, o primeiro que não tenho duvida em conceder-lhes o meu voto; mas pergunto, são simplesmente estes dois melhoramentos, de que está carecendo com urgencia o nosso ultramar?

Pois no momento actual em que estamos a braços com a conspiração do mundo inteiro, que entendo chegada a hora de nos expropriar por utilidade da civilisação universal, visto que temos sido apenas até agora, esta é a verdade, um embaraço e um empecilho nas paragens onde exercemos soberania, para que os progressos do mundo contemporaneo possam ali implantar os seus arraiaes triumphantes; pois é n'esta occasião, repito, que o governo julga que as nossas colonias, infelizmente tão atrazadas, de nada mais precisam do que de um caminho de ferro e de um telegrapho!

Então a reforma administrativa especialmente da nossa provincia de Angola; a sua reforma pautal; a reforma das suas anachronicas juntas de fazenda; a sua reforma monetaria; a reforma social; a reforma agricola; em summa a reforma de todos os elementos não eu da sua vida administrativa, burocratica, mas sobretudo da sua vida social e economica, do seu modo de ser, emfim propriamente colonial?! (Apoiados.)

Porventura tudo isto, não devia merecer a attenção do governo? Ao menos viesse dizer-nos que pensava em tudo isso e que carecia da cooperação e do auxilio da representação nacional, para que esses problemas podessem ser,

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se não desde já integralmente resolvidos pelo menos sem demora encaminhados a uma solução racional, rapida e patriotica!

Eu pertenço ao numero d'aquelles, sr. presidente, que julgam ser a questão colonial o mais serio problema da nossa administração publica, o assumpto do mais palpitante interesse para o futuro da nacionalidade portugueza.

Á questão colonial está ligada, assim penso, a continuação da nossa independencia. Para nós, que perdemos na primeira metade d'este seculo o Brazil, têem um valor incalculavel especialmente as colonias da Africa occidental, a nossa rica provincia de Angola, para onde devem convergir todos os esforços do governo. É ali que está o nosso futuro do nação colonisadora; é ali que devemos mostrar ao mundo as forças assimiladoras que ainda possue a nossa raça para exercer no continente negro uma alta missão civilisadora; é ali finalmente, no vasto territorio, que se estende do Zairo ao Cunene, que podemos encontrar ainda a compensação do que perdemos na America entre o Oyapock e o Uruguay! O que se torna urgente, porém, é que se não descurem tão capitães interesses. Os erros e os desleixos amontuados de successivas administrações estão n'este momento porventura auctorisando a conferencia de Berlim a menosprezar os nossos incontestáveis direitos históricos às duas margens do baixo-Zaire. O que acontecerá num futuro muito proximo se não mudarmos resolutamente de caminho, reformando com energia toda a nossa, administração colonial?

Seguir-se-ía agora, sr. presidente, tratar da questão de fazenda e de apreciar os períodos que no discurso da corôa lhe são consagrados. Não o farei, no emtanto por me parecer o momento actual pouco opportuno para tal exame. Reservarei antes as minhas observações sobro cate ponto para quando se discutir o orçamento, e para quando a camara tiver tomado conhecimento do relatório o propostas do sr. ministro da fazenda. Por isso abstenho-me de entrar hoje em tão importante assumpto. Simplesmente e a titulo de mera curiosidade noto que, tendo n'esta camara sido tantas vezes violentamente atacado, a proposito do estado cabouco em que se encontra a fazenda publica, o codigo administrativo de 1878 que a obra do partido regenerador e especialmente do fallecido ministro Antonio Rodrigues Sampaio, se não tivesse ainda levantado nesta casa uma voz da maioria a defender, não digo já esse codigo na sua totalidade, onde ha com effeito muitas disposições a reformar mas o seu principio fundamental, que representa um grande progresso no sentido da autonomia dos municipio, principio sobro o qual estão de accordo todos os individuos que em questões administrativas têem idéas avançadas e liberaes.

É triste que a maioria regeneradora tenha assim votado ao ostracismo similhante principio, proclamado com tanto ardor por um dos seus cheias, que se já 1180 póde vir aqui defendei-o com a sua voz, devia ao menos protegel-o com a sua memória contra a indiferença dos que não ha muito se vangloriavam de o acclamar com enthusiasmo!

Vou terminar, sr. presidente, porque não desejo ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte, e mesmo porque desejo dar tempo a algum dos srs. deputados da maioria, que queira responder às minhas observações.

Vejo que infelizmente ha um certo numero de questões ainda, alem d'aquellas que apontei, que não foram mencionadas no discurso da corôa e às quaes, pelo adiantado da hora, mal poderei dedicar alguns minutos.

Assim, por exemplo, tendo-se referido um orador da maioria, o sr. Arroyo á desgraçada questão dos bispos, que, segundo s. exa. o declarou deste mesmo logar, contribuiu para que as camaras constituintes fossem adiadas, admiro-me que tal questão não viesse mencionada n'este documento, quando mais não fosse ao menos pelas consequencias que teve, conformo a declaração semi official do deputado a que acabo de alludir!

Pois o joven deputado ministerial vem fazer á camara tão gravo declaração, e os srs. ministros não têem a respeito do facto de que se trata, a mais leve allusão no discurso da coroa, tanto mais quanto essa allusão viria, se é certo o que o sr. Arroyo afirmou, em parte justifical-os de não haverem cumprido integralmente aquillo a que só tinham solemnente obrigado, isto é, de convocarem em novembro a camara, para antes do fim do anno poderem estar os trabalhos de revisão constitucional, se não concluídos, pelo menos bastante adiantados?!

Não sei como possa explicar-se esta desastrada omissão! Será porque os srs. ministros, depois de vergonhosamente se terem curvado á vontade da principes da igreja lusitana, não desejavam pôr na boca do Rei palavras, que lhes recordassem a sua triste subserviencia? E possivel; o sobretudo está bem no temperamento do governo!
Mas, ha mais omissões ainda.

No interregno parlamentar dou-se um acontecimento, que, pelas circumsfancias de que fbi revestido pelos precedentes que em grande parte o explicam, e pcloa resultados que tevu, o governo devia ter todo o cuidado em o apontar ao parlamento.

Refiro-me a esse grave caso de indisciplina em um regimento do nosso exercito, que tevo como consequência, (cousa pouco vulgar na nossa historia militar, o ser esse regimento violentamente dissolvido. Este acontecimento sobresaltou justamente a opinião publica; o todos aquelles que entendem que no exercito devo residir a principal garantia, da ordem, da, disciplina e da, força, não puderam presencial e sem profunda tristeza, tanto mais que esse extincto regimento tinha, as geraes sympathias, e a sua oficialidade é das mais briosas do exercito portuguez. Pois um facto d'esta ordem é omittido no discurso da corôa especialmente, quando, pelo momento em que só tinha dado, elle significava uma eloquente resposta á dictadura com que o sr. presidente do conselho só tinha armado a pretexto do melhorar a situação do exercito?!

E a proposito da dissolução do regimento do lanceiros 2, lembra-me fazer notar á camara uma circumstancia que escapou, quando apontei no começo do meu discurso certos actos do poder pessoal, consentidos pelo actual governo em opposição á letra expressa da carta. Quero referir-mo á excepção que só abriu para com um oflicial d'aquelle corpo, emquanto que todos os outros offciaes seus camaradas soffriam um castigo mais ou menos severo.

Não trato do apreciar n'este momento o procedimento do sr. ministro da guerra, em tal conjunctura; porque não desejo intrometter-me no modo como são cumpridos ou interpretados os regulamentos militares. São attribuições do executivo; e eu, que desejo que o poder tenha prestigio, não contribuirei para o enfraquecer com discussões talvez indiscretas. Não é d'isso, porém, que se trata agora. Não discuto a legitimidade do castigo imposto aos officiaes de lanceiros 2. O que é facto é que se usou de não vulgar rigor e se castigou disciplinarmente a oficialidade daquelle corpo, mas que houve um official que não foi castigado; e não só não foi castigado, senão que alguns dias depois recebeu um premio que contrastava singularmente com as provas do desagrado que tinham recebido os outros camaradas!

Sua Alteza, o Principe Real, no dia do seu anniversario recebeu um posto do accesso, quando todos os seus camaradas recebiam como castigo a transferencia para differentes corpos da provincia!

Não sei, nem pretendo saber a quem cabe a responsabilidade directa d'esta revoltante injustiça. Constitucionalmente são responsaveis d'ella os srs. ministros. Mas a verdade é que um official por ser filho do Rei e por ter no exercito uma posição especialissima, que nenhuma lei organica auctorisa, foi recompensado com um posto do accesso na occasião em que aos seus camaradas se infringia um castigo. E no entretanto em face da lei esse official privi-

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legiado é igual aos outros! E no entretanto perante os deveres da disciplina esse official não pude ter uma posição áparte!

Quem semeia, então a desordem no exercito?

Não serão, porventura, aquelles que de um modo tão flagrante vem mostrar, que ha uma justiça para os filhos do povo, o outra para os que, embora estejam ligados aos mesmos compromissos, por haverem jurado as mesmas bandeiras, tiveram a fortuna de dever ao acaso do nascimento uma hierarchia, nobiliarchica mais alevantada?!

O tempo escaceia-me, sr. presidente, e eu vou muito rapidamente resumir os pontos em que tenho ainda de tocar e que não vem mencionados no discurso da corôa.

É omittido n'este documento um facto que se deu em Lisboa no dia 24 de agosto do anno passado; facto importante, não só pelo que significa quanto á deliberarão propriamente governamental a tal respeito, mas ainda pelo que elle representa, quanto às consequências que teve e às que podia ter tido, se não fosse o patriotismo e o bom senso do povo lisbonense.

Alludo, sr. presidente, á celebração do anniversario da revolução do 24 de agosto do 1820, promovida por uma associação do Lisboa e á qual adheriu um grande numero de associações democraticas da capital.

Tem-se alcunhado o partido republicano de desordeiro; tem-se-lhe attribuido o proposito de procurar eliminar todas as tradições gloriosas do nosso passado nacional; e tem-se dito que elle apenas vive pelo descredito e desprestigio dos seus adversarios.

Pois bem, sr. presidente, n'aquella, occasião o partido republicano vinha levantar como lemma do uma consagração liberal e patriotica, não o nome de um homem nascido nos seus clubs, não o nome de um individuo a quem mais ou menos devesse gratidão a actual geração republicana, mas o nome de um dos grandes apóstolos do constitucionalismo portuguez, o nome de um dos grandes vultos da historia patria, que até á sua derradeira hora se não apartou da política monarchica, morrendo á sombra da bandeira da realeza!

N'essa fé fez o seu baptismo politico, por essa fé combateu, e n'essa fé exhalou o derradeiro alento!

Mas, embora monarchico, o partido republicano saudava n'elle o Nestor da liberdade portugueza.

Nós, prestando homenagem sincera á pureza de intenções d'esse homem, á inquebrantavel energia da sua honrada convicção, quizemos celebrar o dia 24 de agosto, indo depor uma singela, corôa de perpetuas no tumulo de Fernandes Thomás que foi o primeiro paladino que n'este paiz soube levantar a bandeira do governo representativo, em virtude de cujo triumpho podemos estar hoje aqui reunidos.

Mas o sr. ministro do reino não consentiu o cortejo civico.

O sr. ministro do reino, o eloquente orador que, embora monarchico, dizia ter idéas democraticas, o antigo estadista que muitas vezes, nas suas meias palavras sybillinas nas suas cautelosas reticencias, e até no seu silencio habilmente calculado, deixava entrever que, se não podia ser o Zorrilla d'este paiz, tinha talvez boas tendencias para ser o seu Cairoli; o sr. ministro do reino, de quem nós esperavamos que continuasse, se não por convicção, ao menos por uma certa inercia politica, permitta-se-me a phrase, a dar provas de uma larga tolerancia; o sr. ministro do reino, o servidor do constitucionalismo portuguez, prohibiu de uma maneira violenta e illegal, na parte principalissima, a manifestação que a associação Fernandes Thomás desejava fazer em homenagem ao cidadão cujo nome se celkebrava no dia que devia ser de festa para todos os liberaes portuguezes!

Contra o que se esperava, repito, o sr. ministro do reino prohibiu o cortejo civico em Lisboa!

Mas mais ainda. Não sei sã por ordem de s. exa., mas com certeza com o seu consentimento, porque não castigou, como mereciam, as delvagerias que n'esse dia em Lisboa se praticaram, a policia da capital abateu o prestigio da auctoridade, envergonhando-nos perante as nações estrangeiras, porque actos d'aquella ordem sómente em Marrocos ou em Tunes se podem tolerar e nunca n'uma nação que, como a nossa, se preza de pertencer á Europa culta!

Oh! sr. presidente, que ridiculos terrores, que criminosas imposições ou que suggestões illegaes imperaram no espirito, de ordinario tão lucido, do sr. ministro do reino a ponto do o levarem a deshonrar assim o seu passado politico?

O povo de Lisboa não é capaz em conjunctura alguma, porque já assim o tem demonstrado em occasiões bem solemnes, de macular o seu nome, com tentativas do desordem ou de perturbação da paz publica.

Quem diz o contrario calumnia-o, ou procura apenas vingar-se de miseraveis despeitos.

Demais a prohibição do sr. ministro do reino e o insulto que ella importa para o grande e generoso povo de Lisboa tem-se repetido mais vezes.

O facto occorrido no dia 24 do agosto não é unico. Esses terrores ridiculos a que ha pouco alludi, essas criminosas imposições, essas pressões illegaes que pesam sobre o sr. do reino, e em geral sobre todo o ministerio, e
Perfeitamente analoga era consentida!
Terá adivinhado do certo a camara que mo estou referindo ao facto de ser prohibido o bando precatorio, organisado pela imprensa, de sair pelas das da capital a implorar a caridade d'este bom povo em favor das victimas dos terremotos em Hespanha; a implorar a caridade d'este bom povo que nunca soube negar o seu obolo aos que lho fallaram a linguagem da philantropia, correndo pressuroso a dar o seu contingente a todas as abnegações o a prestar uma sincera homenagem a tudo quanto é grande, nobre e generoso!

Por que motivo prohibiu o sr. ministro do reino que saísse o bando precatorio pelas das da capital? Por que motivo prohibiu o sr. ministro do reino este tocante acto do solidariedade internacional aos jornalistas, á imprensa de
Lisboa? Por que motivo prohibiu o sr. ministro do reino o bando precatorio da imprensa, estando no mesmo proposito reunidos todos os grupos politicos, o que garantia ao governo que jamais os seus promotores se prestariam a fazer ou deixar praticar bqualquer acto que fosse contrario á nobreza.

Porventura a caridade em Portugal é monopolio de uma princeza? Pois o povo não está sempre prompto a prestar homenagem aos sentimentos caridosos de quem quer que seja ou elles partam do alto do solio, ou da humilde choupana do desvalido? Por que motivo é, pois, que os que estão nas eminências da nossa, sociedade, não hão de respei-

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tar as mesmas virtudes de que se adornam, sómente porque suppõem que ellas vem mais do baixo?!

Ah! sr. presidente, como tudo isto é triste! E como é triste sobretudo que um ministro se sujeite ao lastimavel papel de encobrir responsabilidades, que não podem apparecer á luz do dia!

Ha infelizmente, com effeito, na sociedade portugueza factores, cuja acção deleteria e perturbadora eu já aqui denunciei e que evidentemente transtornam e complicam todo o nosso regimen governativo, e o regular andamento das nossas instituições parlamentares.

Vejo, porém, sr. presidente, que a hora está quasi a dar, e que sou forçado a concluir já, mesmo com risco de deixar incompleto, o meu discurso.

Tomei demasiado tempo á camara, do que lhe peço desculpa. Mas corria-mo o dever de levantar um certo numero de factos que não tinham sido ainda levantados nesta camara, e que por forma alguma deviam passar aqui n'este momento sem protesto.

A discussão da resposta ao discurso da corôa e mesmo a occasião unica em que se póde tomar ao governo contas de muitos dos seus actos, cujo exame seria mais tarde inopportuno.

Quando, sr. presidente, nesta casa tomou a palavra o relator do projecto que actualmente se discute, ao terminar n'esta tribuna o seu discurso, acabou por uma apologia ao partido regenerador.

Não tratarei de contrapor a essa apologia a critica severa mas desapaixonada de muitos dos actos, que ao nobre deputado se afiguram ser glorias do seu partido. Não o farei por diversas rasões e muito principalmente porque para isso me falta o tempo. Levantarei, porém, uma asserção de s. exa., que não é apenas um modo de ver individual, mas que em geral vejo porfilhada por grande numero de homens politicos d'este paiz; asserção, comtudo, contra a qual eu protesto, e protestarei sempre em nome da verdade histórica, tão deturpada entro nós pelo espirito de partido e pelo interesse das facções que ha trinta annos nos têem governado.

Disse s. exa. que uma das grandes glorias do sr. presidente do conselho era, que ao partido regenerador se devia, com o seu advento ao poder em 18õl, a pacificação das tempestades politicas d'este paiz, tendo conseguido fazer prevalecer sobre cilas a grande tolerância que é a atmosphera em que se movem todos os partidos desde essa epocha.

Em primeiro logar cumpre fazer uma rectificação importante, sr. presidente.

A gloria da «politica de pacificação», se tal politica constitue realmente uma gloria para quem quer que seja, pertence a Rodrigo da Fonseca Magalhães, de quem o sr. presidente do conselho fui apenas o pupilo, embora exagerando as tendencias viciosas do mestre.

Mas foi efectivamente a politica, de Rodrigo uma gloria, ou ao menos um grande interesse para esta nação?

Tenho para mim, sr. presidente, como uma verdade profunda e incontestada que, em alguns momentos da historia contemporânea do nosso paiz, é evidente a acção sinistra o deletéria que a politica corruptora o sceptica do Rodrigo da Fonseca exerceu sobre o modo de ser do nosso constitucionalismo moderno.

Emquanto o constitucionalismo portuguez, com effeito, teve homens de convicções sinceras como Mousinho da Silveira, Passos Manuel e até, permitta-se me o que póde parecer um paradoxo, o próprio conde do Thomar, porque este ao menos tinha a comprehensão da vida dos partidos, tinha ídéas e tinha coragem para as fazer triumphar, embora por processos que eu hoje condemno, porque este ao menos sabia levantar uma politica forte que mantinha em face d'ella uma opposição tambem fortemente disciplinada; emquanto, digo, houve homens d'este estofo, vi que o meu paiz, não obstante encontrar-se dividido e retalhado pelas luctas que acompanham sempre o noviciado da liberdade, caminhava mais ou menos dentro da senda que lhe tinham traçado os primeiros fautores do governo constitucional.

Mas depois que se inaugurou entre nós, sr. presidente, a politica cynica e nefasta de Rodrigo da Fonseca Magalhães; essa politica que não se inspirava em grandes idéas, mas que principalmente mirava a mesquinhos interesses; que não levantava diante de um partido outro partido; mas que em face de uma opposição qualquer tratava do desarmar todas as reluctancias, procurava vencer pela corrupção todas as más vontades para mais facilmente conseguir conquistar ou conservar-se no poder; depois que tal critério partidário se inaugurou entre nós, repito, a norma do governo da regeneração foi a apologia da phrase tristemente celebre de Guizot: enriquecei-vos como se uma nação vivesse só do riqueza material, como se a desorganização moral não fosse o peior de todos os males como se o panem et circenses não significasse exactamente o ultimo expediente dos estadistas sem idéas que sómente vivem, ou melhor vegetam pela corrupção que em torno de si espalham com profusão!

Depois de continuados processos desta ordem é que estamos chegados a esta politica parda, como lhe chamou um grande escriptor portuguez, que vamos atravessando.

Pois não é mais grandiosa, mais nobre, sr. presidente, a intransigencia de princípios que responda com ardor á investida, dos principios contrarios?!

Pois não era melhor que cada um tivesse a sua bandeira, propria, que a levantasse bem alto, que vencesse sómente depois de disputar o campo ao adversario, mostrando assim que a victoria não era uma comedia, mas o premio justamente merecido de esforços honrados?

Pois não eram preferiveis estas sadias luctas da liberdade, mesmo que custassem alguns sofrimentos ao systema desmoralisador dos accordos, das combinações, das fusões, dos pactos, que data do 1851, e que representa o começo do irremediavel enervamento da nossa politica interna?

É então melhor, como hoje, que diante das cadeiras dos ministros se curvem todas as vontades, se acalmem todas as opposições, se annullem todas as independências, se quebrem todas as resistências, se gastem todos os atrictos para se levantar apenas a figura magestatica do chefe do governo, quem quer que elle seja, que se julga alto, importante, omnipotente, sómente porque em roda de si voluntariamente se abateram todos os que lhe podiam fazer sombra?!

As nações podem, sr. presidente, resurgir ainda mesmo das maiores catastrophes, se n'ellas continuou a vibrar a fibra dos grandes enthusiasmos, que redimem os povos, que parecem mais baixo terem caido; mas de que uma nação nunca póde resurgir foi desta lagoa pútrida em que estamos afundados; foi d'esta gangrena senil, que embora precocemente, nos vae invadindo todo o organismo. A paz de que gosâmos não resulta do equilibrio normal de forcas contrarias, condição indispensável da verdadeira estabilidade social; mas é o resultado de uma anemia adiantada, que pouco a pouco nos vae debilitando e consumindo a energia.

É a paz de Varsovia que representa a sinistra quietação dos cemiterios; porque já não ha estimulo que dentro das vossas instituições monarchicas, permitia que a consciencia nacional se divida em dois ou mais partidos fortes promptos a defenderem a sua bandeira, ou a traduzirem os principios n'ella inscriptos em leis salutares para o paiz!

Do que servem, porém, n'este momento es minhas palavras?

Vós continuareis ainda por algum tempo a vencer com os vossos processos; eu, apenas a protestar com a minha voz! Mas em circumstancias quasi identicas já o disse o estoico romano: Victrix causa diis placuit, sed victa Ca-

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toni, o que applicado á situação actual póde expressar-se pela seguinte paraphrase: A causa vencedora póde agradar áquelles que querem o poder simplesmente pelo goso do poder; mas a causa vencida possuo as sympathias da que têem em vista sómente o bem do paiz e a sua prosperidade!
Tenho dito.

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro da fazenda

N.º 9-R

Proposta de lei rectificando as receitas e as despezas do estado, ordinarias e extraordinarias, na metropole no exercicio de 1884-1885

Senhores. - A carta de lei de 23 de maio do 1884 auctorisou o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, e a applicar o seu producto às despezas ordinarias do estado, cujo decretamento, em relação ao exercicio de 1864-1885, seria realisado de accordo com o § 6.° do artigo 1.° da mesma lei.

[Ver tabela na imagem].

Estas importancias tiveram, posteriormente, modificações valiosas.

Ás receitas, posto que em regra os calculos dos diversos tributos não fossem alterados, addicionou-se a somma de 210:600$000 réis, resultante principalmente do producto do imposto do sal, que, remodelado pela lei do 6 de junho de 1884, tem sido arrecadado por somma que justifica a sua avaliação em 270:000$000 réis, em vez de 116:000$000 réis, como primitivamente se suppozera.
Nas despezas houve as seguintes alterações:

[Ver tabela na imagem].

O governo reputa, porém, este desequilíbrio assim estabelecido, em conformidade com os preceitos do regulamento geral de contabilidade publica, superior ao que as contas de gerencia hão de mostrar. É verdade que algumas das receitas computadas se não realisam pelas sommas respectivamente descriptas; mas outro tanto e em maior escala acontece às despezas, de forma que o desequilibrio entre aquellas e estas ha de forçosamente ser menor.

E tomando por base os resultados effectivos do exercicio de 1882-1883, harmonisando-os, em relação ao exercicio corrente, com os factos financeiros conhecidos até hoje, veremos que as receitas desse exercício soffreram o desfalque resultante do despacho adiantado das mercadorias estrangeiras do que tratava a lei de 31 de março do 1882, e que, portanto, pude reputar-se que todos os augmentos de arrecadação, depois de 30 de junho de 1883, são normaes e que devem ser addicionados aos resultados do dito exercício para se apreciarem os relativos a 1884-1885; as despezas ordinarias de 1882-1883 foram fixadas em 32.027:000$000 réis e só se realizaram por 30.715:000$000 réis, isto é, por menos 1.312:000$000 réis ou cerca de 4 por cento inferiores ao orçamento. Por outro lado, a conta geral da administração financeira na ultima gerencia mostrava-nos qual era a situação provisoria do exercicio de 1883-1884 no dia 30 de junho ultimo, e com todos estes elementos e as contas do thesouro, em dinheiro, da gerencia corrente, publicadas na folha official, chegar-se-ha às seguintes conclusões:

[Ver tabela na imagem].

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456 DIARIO DA CAMAEA DOS SENHORES DEPUTADOS

proximamente, confirmando-se, tanto quanto possivel, ainda por este lado, as previsões que o governo apresenta sobre os resultados geraes da administração da fazenda pelas receitas e despezas orçamentaes no exercício corrente.

[Ver tabela na imagem].

Resumo geral das receitas e despezas, ordinarias e extraordinarias, do estado, na metropole, rectificadas para o exercício de 1884-1885

RECEITAS

Ordinarias:

[Ver tabela na imagem].

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SESSÃO DE 20 DE FEVEREIRO DE 1885 457

DESPEZAS

[Ver tabela na imagem].

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 15 de fevereiro de 1885. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

N.º 1

Mappa das receitas do estado, ordinarias e extraordinarias, rectificadas, do exercício de 1884-1885, a que se refere a lei desta data

Receitas ordinarias

ARTIGO 1.º

Impostos directos

[Ver mapa na imagem].

ARTIGO 2.º

Sello e registo

[Ver tabela na imagem].

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ARTIGO 3.º

Impostos indirectos

[Ver tabela na imagem].

ARTIGO 4.º

[Ver tabela na imagem].

ARTIGO 5.º

Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos

[Ver tabela na imagem].

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SESSÃO DE 20 DE FEVEREIRO DE 1885 459

Capitaes mutuados pelos extinctos conventos:

[Ver tabela na imagem].

ARTIGO 6.º

Compensações de despeza

[Ver tabela na imagem].

Receitas extraordinarias

[Ver tabela na imagem].

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460 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOEES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem].

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 15 de fevereiro de 1885. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

N.º 2

Mappa da despeza ordinária do estado, rectificada, do exercicio de 1834-1885, a que se refere a proposta de lei desta data

Junta do credito publico

Administração da divida consolidada

Encargos de divida interna:

[Ver tabela na imagem].

Administração da caixa geral de depositos e economica

Ministerio dos negocios da fazenda

Encargos geraes:

[Ver tabela na imagem].

Ministerio dos negocios do reino

[Ver tabela na imagem].

Ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça

[Ver tabela na imagem].

Página 461

SESSÃO DE 20 DE FEVEREIRO DE 1885 461

Ministerio dos negocios da guerra

[Ver tabela na imagem].

Ministerio dos negocios da marinha e ultramar

[Ver tabela na imagem].

Ministerio dos negocios estrangeiros

[Ver tabela na imagem].

Ministerio das obras publicas, commercio e industria

[Ver tabela na imagem].

Ministerio dos negocios da fazenda, em 15 de fevereiro de 1885. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

N.º 3

Mappa da despeza extraordinaria do estado, rectificada, para o exercicio de 1884-1885, a que se refere a proposta de lei datada de hoje

Ministerio dos negocios da fazenda

CAPITULO I

CAPITULO II

Alfandegas

[Ver tabela na imagem].

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462 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ministerio dos negocios do reino

CAPITULO I

Lyceu de Lisboa

[Ver tabela na imagem].

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SESSÃO DE 20 DE FEVEREIRO DE 1885 463

Ministerio das obras publicas, commercio e industria

CAPITULO I

[Ver tabela na imagem].

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 15 de Fevereiro de 1885. - Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

A commissão de fazenda.

Representações apresentadas pelo sr. Sebastião Centeno, e mandadas publicar n'este «Diario»

E. N.° 12

Senhores deputados da nação portugueza: - A camara municipal do concelho de Tavira, fiel interpreto de seus munícipes, vem perante vós representar contra a existência de um imposto, que não sómente aggrava as condições assas precárias dos menos favorecidos da fortuna, mas concorre poderosamente para o definhamento e talvez extincção completa da industria da pesca neste concelho e no paiz, tal é o imposto do sal.

Senhores, innumeras são as supplicas que têem subido ao governo de Sua Magestade e a uma e outra casa do parlamento sobre tão importante assumpto; por isso inutil e ocioso se affigura, a esta camara o reproduzir agora e desenvolver os argumentos, com que se demonstra quanto aquelle tributo é condemnavel e vexatorio.

Nem mesmo argumento são talvez necessarios, quando a eloquencia dos factos, passados em diversos pontos do paiz, ahi está attestando de um modo bem frisante a iniquidade de tal imposto.

O desanimo não lavra sómente na classe numerosissima de pescadores, que vive parcamente dos lucros de uma vida penosa e afadigada, manifesta se, da mesma forma, em toda a população pobre, para quem assume as propor-

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464 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

coes de um interesse vital, a carestia da alimentação, em que aquelle tributo se reflecte.

Retrahem se as emprezas e companhias de pesca, os donos de salinas descuram-nas, e de todos estes factos não poderá resultar senão a miseria de milhares e milhares de individuos.

Por isso esta camara, em nome de seus municipes, vem ao seio da representação nacional pedir a abolição completa de tão injusto e gravoso imposto, e assim o espera da vossa illustração e patriotismo.

Sala das sessões da camara municipal do concelho de Tavira, em de fevereiro de 1885.-(Seguem se as assignaturas.)

A commissão de fazenda.

E. N.° 54

Senhores deputados da nação. - Os abaixo assignados, propietarios e rendeiros de marinhas, negociantes de pescaria, donos, mestres de barcos e artes de pesca, todos residentes no concelho de Tavira, vem respeitosamente ao seio da representação nacional trazer a sua justíssima reclamação contra o mais ominoso e vexatorio imposto que tem sido creado em Portugal.

Foi a lei de 1 de julho do 1882 precedida de numerosas representações, emanadas de vários pontos do paiz, as quaes constituíam imponente manifestação do reprovação geral. Muitos comícios fizeram ouvir a voz indignada do seus tribunos, e a agitação popular desenvolveu-se por maneira notavel.

São decorridos dois annos e meio depois da promulgação da referida lei, e o povo portuguez, que mais ou menos se tem resignado com todos os outros tributos que o opprimem, não póde ainda conformar-se com o imposto sobre o sal.

Por muito repetidas são geralmente conhecidas as rasões que abonam a condemnação deste imposto, mas, quando ellas não bastem, satisfazem plenamente o espirito as lições da experiência. Assim varias nações da Europa o têem creado e extincto em curto tempo, e em Portugal os conflictos repetidos, que a sua execução tem levantado, são o conselho avisado que nos deve guiar no seu abandono.

Os proprietários de marinhas caminham velozmente para a sua ruina; os negociantes de sal compromettidos nos seus créditos e justos interesses; os negociantes de pescaria, e inclusivamente os pobres pescadores, gravemente prejudicados no seu direito de ganhar o pão de cada dia; e outras industrias correlativas á industria salineira muito se resentem.

Prolongar este estado de cousas em um paiz, em que abundam os braços e as actividades, e escasseia o trabalho, é precipitar uma ruína tão annunciada e tão temida.

Portanto os abaixo assignados, conscios da inteira justiça da petição e confiados na vossa illustração e amor patrio, reclamam pela abolição do imposto sobre o sal.

Tavira, 30 de janeiro do 1885. - (Seguem-se as assignaturas.)

A commissão de fazenda.

Rectificações

A requerimento do sr. deputado Elvino de Brito, declara-se o seguinte:

1.° Que a representação de diversos bancos de Lisboa, de que se deu conhecimento á camara em sessão de 10 do corrente, não foi apresentada por s. exa., como por equivoco se disse no extracto da mesma representação a pag. 395, col. 2.º do respectivo Diario; mas sim foi entregue por uma commissão dos mesmos bancos á mesa da camara.

2.º Que o officio do ministerio da marinha mencionado no expediente da sessão de 10 de janeiro não foi enviado á secretaria, como tambem por equivoco ali se diz, mas sim á commissão do ultramar, como consta dos respectivos registos.

Redactor = S. Rego.

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