O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 449

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

O sr. presidente participa que o sr. primeiro secretario desannojára o sr. Ernesto da Costa Sousa Pinto Basto pelo fallecimento de seu pae. Participa igualmente que havia recebido um officio do sr. José Joaquim Rodrigues de Freitas, em que s. exa. diz que, não se sentindo com forças para cumprir os deveres proprios de deputado da nação, renunciava ao seu logar na camara, - Dá-se conta dos seguintes officios: 1.º Da presidencia da camara dos dignos pares, participando que o sr. Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencaste, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou assento n'aquella camara, em sessão de 13 do corrente, como par eleito: 2.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 200 exemplares do ultimo volume publicado dos relatorios dos consules de Portugal; 3.° Da presidencia da junta do credito publico, remettendo 150 exemplares do relatorio e contas da mesma junta sobre a gerencia do anno economico de 1884-1885, e sobre o exercicio de 1883-1884, relativamente á divida publica fundada e ao desenvolvimento das operações sobre desamortisação; 4.° Do ministerio da fazenda, remettendo 190 exemplares das contas das despezas d'aquelle ministerio, comprehendendo a gerencia do anno economico de 1884-1885 e a conta do exercicio findo de 1883- 1884: 5.° Do ministerio das obras publicas, remettendo os mappas indicativos de todos os contratos de valor superior a 500$000 réis realisados por aquelle ministerio noa annos de 1884 e 1885. - Teve segunda leitura um projecto de lei do sr. João Ferrão, determinando que a proporção actual entre os direitos de importação de trigos e familias de proveniencia estrangeira se conserve, seja qual for a alteração que n'esta parte verba a soffrer a pauta que vigora hoje. - O sr. Sousa Machado agradece aos povos da ilha do Faial, que lhe enviaram o diploma de par eleito pelo districto da Horta, mas declara-se resolvido a não abandonar a sua cadeira de deputado, sem consentimento expresso dos seus constituintes. Não obstante, collocar-se-ía ao lado dos legitimos representantes do Faial sempre que se tratasse de qualquer melhoramento para aquelle districto. Igual communicação enviara para a camara dos dignos pares - O sr. Manuel José Vieira apresentou duas representações, uma da camara municipal do concelho de Sant'Anna, da ilha da Madeira, e outra de muitos habitantes do mesmo concelho. - O sr. Vicente Pinheiro mandou para a mesa dois requerimentos, um pedindo esclarecimentos, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, e outro pedindo esclarecimentos, pelo ministerio da marinha. -Pediram tambem esclarecimentos, polo ministerio dos negocios estrangeiros e pelo ministerio das obras publicas, o sr. Consiglieri Pedroso, e, pelo ministerio da marinha, o sr. Mariano de Carvalho. - O sr. visconde de Reguengos chamou a attenção do governo para o estado em que se acha o convenio de S. Paulo de Elvas, que serve de quartel a caçadores n.° 8. - Chamaram a attenção do governo, representado pelo sr. ministro da marinha, que se achava presente, os srs. Vicente Pinheiro e José Borges, referindo-se ambos ao conflicto que se está dando entro as duas cidades os Braga e Guimarães. - Responde o sr. ministro da marinha. - O sr. Azevedo Castello Branco refere-se a um meeting de cerca do 8:000 pessoas que houvera em Villa Real a favor da antiga petição de caminho de ferro pelo valle do Corgo, advogando a necessidade de se levar a effeito; referiu-se tambem aos acontecimentos de Valle Passos. - Responde o sr. ministro da marinha.- O sr. Luiz José Dias discursou sobre a necessidade que tinha do dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da fazenda, lamentando que s. exa. não apparecesse na camara. - Responde-lhe o sr. ministro da marinha, que, por parte do seu collega do reino, mandou para a mesa uma proposta para que a camara permittisse que o sr. Arthur Hintze Ribeiro podesse accumular, querendo, as funcções do seu emprego com as do seu logar de deputado. - Foi approvada. - Apresentam justificações de faltas os srs. Ribeiro Cabral, Manuel Pedro Guedes e Alfredo da Rocha Peixoto.
Na ordem do dia continúa a interpellação ao sr. ministro na marinha sobre os negocios de Dahomey. - Continua o sr. Elvino de Brito discursando todo o resto da sessão, ficando ainda com a palavra para a sessão seguinte.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 58 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Albino Montenegro, Silva Cardoso, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe; Neves Carneiro, Avelino Calixto, Caetano de Carvalho, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, Cvpriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Goes Pinto, Fernando Geraldes, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Matos de Mendia, J. A. Pinto, J. C. Valente, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Borges de Faria, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Luiz Dias, Luiz Jardim, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Vicente Pinheiro, Visconde do Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde do Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Candido, Garcia Lobo, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Seguier, Urbano de Castro, Pereira Leite, Barão de Viamonte, Sanches de Castro, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Emygdio Navarro, Estevão de Oliveira, Fernando Caldeira, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barres Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Franco Frazão, Melicio, Scarnichia, Franco Castello Branco, João Arroyo, J. Alves Matheus, Teixeira Sampaio, Dias Ferreira, Elias Garcia, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, J. M. dos Santos, Lourenço Malheiro, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Alentem e Wenceslau de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Pereira Corte Real, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Almeida Pinheiro, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Filippe de Carvalho, Mártens Ferrão, Silveira da Mota, Costa Pinto, Baima de Bastos, Augusto Teixeira, Ferrão de Castello Branco, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Avellar Machado, Correia de Barros, Ferreira da Almeida, Ferreira Freire, José Maria Borges, Pinto de Mascarenhas, Bivar, Reis Torgal, D. Luiz da Camara, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Maninho Montenegro, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Santos Diniz, Visconde de Balsemão e Visconde do Rio Sado.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Da camara dos dignos pares do reino, participando que o exmo. sr. Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre, que na presente legislatura foi membro da ca-

29

Página 450

450 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mara dos senhores deputados, tomou assento em sessão de 13 do corrente mez, como digno par eleito.
Á commissão de verificação de poderes.

2.° Do ministerio da fazenda, acompanhando 190 exemplares das contas das despezas do ministerio da fazenda relativas á gerencia do anno economico de 1884-1885 e ao exercicio de 1883-1884.
Mandaram-se distribuir.

3.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 200 exemplares do ultimo volume publicado dos relatorios dos consules de Portugal.
Mandaram-se distribuir.

4.° Do ministerio das obras publicas, remettendo os mappas indicativos de todos os contratos de valor superior a 500$000 reis, realisados por este ministerio durante os annos de 1884 e 1885.
Á commissão de fazenda.

5.° Da junta do credito publico, acompanhando 150 exemplares do relatorio e contas da junta do credito publico relativo á gerencia do anno economico de 1884-1885 e ao exercicio de 1883-1884.
Mandaram-se distribuir.

6.° Do sr. Ernesto da Costa Sousa Pinto Basto, participando que, em consequencia do fallecimento de seu pae, o digno par do reino José da Costa Sousa Pinto Basto, não póde comparecer a algumas sessões da camara.
Á secretaria.

7.° Illmo. e exmo. sr. - Não me considerando com forcas sufficientes para cumprir os deveres proprios de deputado da nação, apresso-me a declarar a v. exa. que renuncio este cargo.
Rogo a v. exa. se digne de participar á camara dos senhores deputados esta minha declaração.
Porto, 14 de fevereiro de 1886. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputado s. = José Joaquim Rodrigues de Freitas.
Á commissão de verificação de poderes.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores.- Se o simples bom senso e os calculos mais elementares não me dissessem que a agricultura nacional encontra em toda a parte, na importação de farinhas estrangeiras, uma concorrencia muito mais perigosa do que na dos trigos, teriamos d'isso uma demonstração evidente nas novas tarifas adoptadas pelos paizes, que mais se têem empenhado ultimamente em proteger os productos do seu solo.
Ao passo effectivamente que a França onerava pela lei de 29 de março de 1885, com o direito de 3 francos por 100 kilogrammas, ou 5 réis por kilogramma, a importação de trigos estrangeiros, o direito lançado sobre as farinhas era de 6 francos por 100 kilogrammas, ou 10,8 réis por kilogramma.
E tão convencidos estavam os agricultores e proprietarios de que na farinha tinham um inimigo muito mais terrivel do que no trigo, que o governo teve grande difficuldade em impedir que os direitos respectivos fossem de 3 e 7 francos, isto é, de 5,4 réis por kilogramma de trigo e 12,6 réis por kilogramma de farinha.
Na Allemanha ainda mais assustados se mostravam com a importação de farinhas, e lançavam sobre ellas o direito de 7 1/2 marcos por 100 kilogrammas ou 16,8 réis por kilogramma emquanto só impunham ao trigo o de 3 marcos por 100 kilogrammas, ou 7,7 réis por kilogramma.
Baseava-se esta opinião no prolongado e minucioso inquerito a que em ambos os paizes se procedera, e que tinha demonstrado que o commercio encontra na importação de farinhas maiores vantagens e maior facilidade do que na dos trigos, porque, alem de muitas outras rasões, a primeira exige um capital incomparavelmente menor.
Qualquer padeiro póde, com effeito, mandar vir com um insignificante desembolso, por uma casa de commissão, as 20 ou 30 saccas de farinha de que precisa para o seu consumo semanal, emquanto o negociante, que encommenda um carregamento de trigo, tem previamente de depositar a a importancia d'elle, isto é, 30:000$000 ou 40:000$000 réis.
O trigo, alem d'isso, contém apenas 70 a 75 por cento de farinha; os 25 por cento restantes compõem-se de 3 a 5 por cento de residuos sem valor, e o de 20 a 22 por cento de semeas e farellos, que em muitos paizes e entre nós, por exemplo, é preciso reexportar, sem que seja restituida a parte que lhes coube nos direitos de entrada. Vem, portanto, este novo encargo recaír sobre a farinha contida no grão, e impedil-a, por este lado tambem, de competir com a que, chegando prompta para a panificação, está unicamente sujeita aos direitos indicados na pauta.
Se quizessemos seguir o exemplo dos paizes que mais tratam de proteger a sua agricultura, deveriamos elevar os direitos de importação sobre as farinhas ao duplo pelo menos dos que oneram o trigo, e fixal-os em 24 ou 30 réis por kilogramma, quando os do trigo fossem de 12 réis. Em logar d'isso, porém, e de certo por um lapso que facilmente se explica pelo trabalho complexo e consideravel a que deu legar a revisão das pautas, a proporção, que era de 10 para 16, passou a ser no projecto ha pouco apresentado pelo sr. ministro da fazenda, de 12 para 17, quando deveria ser de 12 para 19,2.
Se o projecto não fosse alterado n'esta parte, dentro de pouco tempo achar-se-íam os nossos mercados inundados de farinhas americanas importadas directamente, e a nossa cultura cerealífera, que já lucta com tantas dificuldades, seria de vez ferida de morte.
Para occorrer a este perigo, tenho a honra de mandar para a mesa o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A proporção actual entre os direitos de importação sobro trigos e farinhas de proveniência estrangeira ser á conservada, seja qual for a alteração que n'esta parte venha a soffrer a pauta que vigora hoje.
Art. 2.° Se for adoptado o direito de 12 réis sobre cada kilogramma de trigo estrangeiro, como se acha proposto no projecto já apresentado n'esta sessão pelo sr. ministro da fazenda, o direito sobre cada kilogramma de farinha estrangeira será de 20 réis.
Art. 3.° Fica revogada a legislação era contrario.
Sala das sessões, 13 de fevereiro de 1886.= O deputado, João da Silva Ferrão de Castello Branco.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

Da camara municipal e dos moradores do concelho de Sant'Anna, na ilha da Madeira, pedindo uma nova organisação de comarcas no districto do Funchal.
Apresentadas pelo sr. deputado Manuel José Vieira, enviadas á commissão de legislação civil, e mandadas publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro, com urgencia, que, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, seja enviada a esta camara copia da ratificação do tratado entre Portugal e a republica Sul-Africana, assignada em Lisboa a 4 do corrente mez de fe-

Página 451

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1886 451

vereiro, e bem assim copia do memorandum de 17 de maio de 1884, a que se refere o mesmo acto de ratificação. = O deputado, Vicente Pinheiro.
2.° Requeiro, com urgencia, que pelo ministerio da marinha seja enviada a esta camara copia do ultimo officio enviado recentemente pelo cônsul de Portugal, que se refere ao caminho de ferro de Pretória a Lourenço Marques. = O deputado, Vicente Pinheiro.
3.º Roqueiro que, pelo ministerio dos negócios estrangeiros, seja enviada com urgência a esta camara copia de todos os documentos relativos á exoneração do vice-consul de Portugal em Boston. = O deputado, Consiglieri Pedroso.
4.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada com urgência a esta camara uma nota das despe zás e trabalhos feitos com o alumiamento dos portos e costas marítimas das ilhas adjacentes, em virtude da auctorisação concedida ao governo, em 20 de março de 1883. = O deputado, Consiglieri Pedroso.
5.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, sejam enviadas com urgência a esta camara todas as ordens de pagamento que, durante o exercício de 1884-1885, tenham sido mandadas pagar pelo capitulo 5.°, artigos 20.°, 21.° e 22.° do orçamento. = Mariano de Carvalho.
Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De José Aurélio Dias Ferreira Machado, aspirante com o curso da arma de cavallaria, pedindo lhe sejam concedidas as vantagens do decreto de 24 de dezembro de 1863.
Apresentado pelo sr. deputado Caetano de Carvalho e enviado á commissão de guerra.
2.° De José Pedro, continuo da direcção da administração militar, pedindo que os vencimentos dos contínuos da, direcção da administração militar sejam equiparados aos dos da secretaria da guerra.
Apresentado pelo sr. deputado Dantas Baracho e enviado às commissões de guerra e de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto tem faltado e continuará a faltar às sessões por motivo de doença de pessoa de sua familia. = O deputado, Santos Viegas.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Manuel Pedro Guedes se acha doente, motivo por que tem faltado e continuará ainda a faltar às sessões desta camara. = O deputado, Visconde de Alentem.

3.º Participo a v. exa. e á camara que o sr. Eduardo Augusto Ribeiro Cabral tem faltado às ultimas sessões e faltará ainda a algumas por motivo justificado. = João Arroyo.
Para a acta.

O sr. Presidente: - Tenho a communicar á camara que o illustre deputado, sr. Ernesto da Costa Sousa Pinto Basto, foi desanojado pelo sr. primeiro secretario. Igualmente tenho a dizer á camara que recebi do sr. deputado Rodrigues de Freitas um officio em que s. exa. dizia que, não se achando com forças sufficientes para exercer as funcções de deputado, renuncia ao seu mandato.
O sr. Sousa Machado: - Pela mala dos Açores, chegada hoje, recebi a communicação de haver sido eleito par do reino pelo districto da Horta.
Muito me penhora a honra que acabam de me conferir os povos do Faial; porém, declaro que não a posso acceitar, porque estou resolvido a não abandonar esta cadeira senão por expressa vontade dos meus constituintes.
N'este mesmo sentido ainda hoje enviei para a camara dos dignos pares do reino a devida communicação para os effeitos convenientes.
Por esta occasião cumpre-me declarar que tão grato fiquei pela honra que me dispensaram os povos do Faial, com quanto a decline, que, enviando-lhes os agradecimentos de um coração agradecido, desde já protesto collocar-me ao lado dos seus representantes legítimos, sempre que se trate de algum melhoramento para aquelle districto.
Faço esta declaração perante os meus collegas da camara, os quaes me honram com a sua amisade, não me honrando menos com a sua boa camaradagem.
Tenho dito.
O sr. Visconde de Reguengos: - Pedi a palavra para chamar a attenção dos poderes publicos para o estado lastimoso em que se acha o convento de S. Paulo, em Elvas, que actualmente serve de quartel ao regimento de caçadores n.° 8.
Ha pouco mais de um anno houve uma trovoada, que não só deteriorou uma parte do quartel, como tambem a igreja.
Desejava pedir ao sr. ministro da guerra, que sinto não estar presente, para que s. exa. mandasse sem demora fazer algumas obras de reparação naquelle edifício, que é um dos melhores quartéis do nosso paiz.
A camara municipal representou á camara em 24 de fevereiro do anno passado, e representa novamente, para que se leve a cabo tal obra.
Eu pedia a v. exa. para que fizesse chegar aos ouvidos do sr. ministro da guerra o que acabo de dizer, para que s. exa. se não demorasse em mandar proceder às obras necessárias, a fim de que aquelle edifício não venha de todo abaixo, o que seria uma cousa vergonhosa para os bons créditos da nação, porque, sendo Eivas uma praça de guerra de primeira ordem, e na fronteira de Hespanha, era doloroso e altamente censurável que um quartel, um edifício do estado, acabasse de cair em ruína, por lhe não acudirem a tempo. (Apoiados.)
O sr. Caetano de Carvalho: - Mando para a mesa um requerimento do aspirante José Aurélio Dias Ferreira Machado, em que pede lhe sejam concedidas as vantagens do decreto de 24 de dezembro de 1863.
Peço a v. exa. se digne mandal-o á respectiva commissão.
O sr. Manuel José Vieira: - Mando para a mesa duas representações, uma da camara municipal de Sant'Anna, da ilha da Madeira, e outra de muitos moradores do mesmo concelho.
Ambas representam no mesmo sentido, ambas reclamam aos poderes públicos a conveniência da nova organisação da comarca do Funchal.
O pedido é justíssimo, as rasões que o fundamentam vem indicadas nas representações.
Como sobre este assumpto está annunciada uma interpellação pelo sr. Gonçalves de Freitas, reservo-me para nessa occasião tomar parte n'essa interpellação, em conformidade com a doutrina do regimento desta camara, e desenvolver as rasões que aqui se acham indicadas.
Como v. exa. verá, as representações estão concebidas em termos regulares, e os mais respeitosos, e por consequência não me parece que haja inconveniente algum em que seja publicada.
N'essa conformidade peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que sejam publicadas no Diario do governo.
Approvada a publicação.

Página 452

452 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Vicente Pinheiro: - Mando para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos ao governo, um pelo ministerio dor, negócios estrangeiros, outro pelo ministerio da marinha.
Peço estes documentos com urgencia, porque preciso d'elles para formular uma nota de interpellação.
Desejava interrogar o governo sobre o conflicto de Braga e Guimarães, porque cada vez vae sendo mais grave e mais importante.
O governo não está presente, não obstante o meu amigo o sr. Borges de Faria ter já por duas vezes pedido á presidência para que fizesse chegar ao conhecimento do governo, que desejava a comparência do sr. presidente do conselho ou do sr. ministro do reino nesta camara a fim de nos darem as explicações de que carecemos. E uma necessidade ouvirmos explicações claras e definidas do governo sobre esta questão. Essa necessidade cada vez se torna mais urgente e mais instante depois dos telegrammas recebidos antehontem e hontem á noite de Braga.
Não me demorarei a fazer largas referencias, neste momento, a esses telegrammas, que os jornaes publicaram e que toda a camara conhece, nem tão pouco a censurar o procedimento do governo, que, não resolvendo este conflicto, está dia a dia tornando-o mais grave com este condemnavel expediente de adiar a solução de questões que a sua fraqueza e os seus erros lhe não permittem resolver. (Apoiados.)
Desde o principio desta questão a opposição nesta camara e na camara dos pares julgou-a, com fundamento, irreductivel para este governo.
O governo não quer convencer-se disto. Esse convencimento virá infelizmente, depois de factos ainda mais graves e mais lamentáveis do que aquelles que já só vão dando. O governo nem se quer está presente, para mais uma vez nos dar uma resposta dubia!!!
Estou persuadido que pelo menos o sr. ministro da marinha virá hoje a esta camara, visto que tem de responder a uma interpellação que está dada para ordem do dia.
Pedia a v. exa. me reservasse a palavra para quando o sr. ministro da marinha chegar, ou outro qualquer sr. ministro; se especialiso o sr. ministro da marinha é porque julgo que s. exa. não devo tardar.
(Entrou o sr. ministro da marinha.)
Visto que entrou s. exa., perguntar-lhe-hei se é verdadeiro um facto que referem os telegrammas de Braga, que os jornaes publicaram hontem. Desejo saber se é verdade que o governador civil, em face de uma grande multidão, de mais de 3:000 pessoas, que saiu da associação commercial, cantando a Maria da Fonte, depois de uma, importante reunião em que se fizeram diversos discursos, e se dirigiu á residência do governador civil, este funccionario desceu para a rua e veiu acalmar a agitação popular, promettendo ao povo que a integridade do districto de Braga seria mantida. Desejo saber ainda se o governador civil de Braga estava auctorisado a fazer essa declaração, e se o não estava, como é que a fez, ou se recorreu a esse expediente para acalmar por uma maneira inconveniente unia agitação de que o governo tem toda a responsabilidade.
Se por acaso o governador civil, quando fez essa declaração, disse a verdade, se ella traduz a resolução que o governo tivesse tomado sobre este assumpto, e, sendo assim, qual a rasão por que o governo se nega a dizer no parlamento o que pensa, a nós depufados de Braga, que temos todo o direito de o interrogar e o fazemos no interesse da ordem publica, (Muitos apoiados.) não obtendo explicações nem respostas precisas, emquanto que o povo as arranca ao delegado do governo ao som de um hymno revolucionário. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Pedia a v. exa. se dignasse reservar-mo o uso da palavra para fazer algumas considerações, se o julgar conveniente, depois da resposta do sr. ministro da marinha.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O illustre deputado o sr. José Borges já annunciou uma interpellação aos srs. presidente do conselho e ministro do reino, sobre o assumpto a que se referiu o sr. Vicente Pindella.
O sr. presidente do conselho, consta-me que virá muito brevemente á camara, não só dar-se por habilitado para responder á interpellação que lhe foi annunciada, mas prompto a responder às perguntas que o illustre deputado lhe quizer fazer.
Emquanto aos telegrammas que se referem a actos praticados pelo sr. governador civil de Braga, não tenho communicação official a este respeito, mas supponho que os telegrammas publicados nos jornaes não são perfeitamente exactos.
Tenho plena confiança na cordura e intelligencia do governador civil, para saber que elle não tomou compromissos que não podia tomar para antecipar a resolução deste assumpto.
As communicações officiaes, de que só tenho conhecimento agora, contradizem completara ente as asserções feitas pelos telegrammas publicados nos jornaes de hontem.
O sr. Vicente Pinheiro: - V. exa. sr. presidente, dá-me licença que eu diga duas palavras?
O sr. Presidente: - Eu não posso alterar a ordem da inscripção. Se v. exa. quizer, eu consulto a camará.
O sr. Vicente Pinheiro:-Sim, senhor.
Vozes:-Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem v. exa. a palavra.
O sr. Vicente Pinheiro: - Sr. presidente, do que ouvi ao sr. ministro da marinha concluo uma cousa fundamental : o governo mantém ainda a resolução de não dizer ao parlamento a forma como ha de resolver o conflicto entre Braga e Guimarães. (Apoiados.)
Este facto é importante. Eu, e toda a opposição parlamentar, aguardaremos de boa vontade a chegada do sr. presidente do conselho ou do sr. ministro do reino a esta casa, para nos dar explicações; mas convém, na realidade, que se accentue e se saiba que o governo não auctorisou a declaração do sr. governador civil de Braga, e que o governo ainda hoje pertinazmente se nega a dizer claramente como ha de resolver o conflicto.
Pois muito bem; isto traduz-se ainda em grandes responsabilidades, porque o adiamento da resolução desta questão cada dia a torna mais irritante. (Apoiados.} Guimarães desconfia, com muita rasão, deste governo que nem se atreve a satisfazer os seus compromissos, nem tem força de quebrar com elles em face da força da justiça e no interesse da ordem publica; e Braga, que sabe quaes foram e quaes são os compromissos do sr. presidente do conselho para com a cidade de Guimarães, e como principiou a agitação deste concelho, não póde tambem depositar espécie alguma de confiança num governo que não garante aos povos do districto uma decisão correcta e prompta. (Apoiados.)
Entretanto, note-se que a continuação deste estado de cousas é muito grave, porque, quando mesmo venha a tomar-se uma resolução que ponha termo a este conflicto, essa resolução, por tardia, póde não satisfazer cabalmente.
Cada dia que decorre corresponde a um grau a maior na violência da paixão popular.
Os ódios, a principio mais ou menos imaginários, avolumam-se nesta guerra constante, criminosamente sustentada pelo governo. (Apoiados.)
De modo que a questão póde desapparecer por uma resolução qualquer como conflicto administrativo e político, mas corre o risco de se transformar para sempre em rixas particulares entre o povo de Guimarães e os seus vizinhos dos outros concelhos do districto de Braga.
Nos mercados, nas feiras, nas romarias, essas rixas occasionarão desordens e crimes.
Nós advertimos o governo dos perigos para que corre-

Página 453

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1886 453

O governo deixa-se ficar tranquillo sem temer as responsabilidades que já pesam sobre si, e parece que sem receio das que de um momento para outro lhe podem advir. (Apoiados.)
Antehontem, milhares de pessoas contentaram-se apenas em ir cantar á porta do hotel em que reside o sr. governador civil de Braga a Maria da Fonte,, e hontem, segundo dizem telegrammas mais recentes, numa freguezia próxima de Braga, o povo, de noite, toca a rebate e principia a fazer as primeiras desordens, e novos gritos de desespero e de anarchia se juntam ao único grito que até agora se soltava no districto de Braga. A paciência do povo tem limites. (Apoiados.)
Ah! que o governo esquece-se de que subiu ao poder ha cinco annos no momento em que o governo progressista pagava a ultima letra da divida fluctuante. (Apoiados.)
Ah! que o governo esquece-se de que, no fim do cinco annos de administração, nos apresenta um deficit do perto de 10.000:000$000 réis, e uma divida fluctuante de réis, 12.000:000$000. (Apoiados.)
O sr. Santos Viegas: - Isso acaba o conflicto ?
O Orador: - Não acaba o conflicto, mas póde levantar uma revolução. Não acaba o conflicto, mas provoca o povo a reagir contra a anarchia que lavra na administração publica. (Apoiados.)
Não acaba o conflicto, mas dá direito a pedir a queda de um governo, que só no exercício corrente augmentou 763:000$000 réis nas avultadas despezas do orçamento do estado, e que pretende agora lançar novos e pesados impostos!
O povo vê que o governo se esquece das suas responsabilidades, dos seus erros e desmandos, e recorda-se do hymno da Maria da Fonte. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Tenho concluído.
O sr. José Borges de Faria: - Pedi a palavra, sr. presidente, para insistir nas minhas perguntas ao governo a respeito do conflicto de Braga, julgando que se dignaria comparecer, ou o sr. presidente do conselho ou o sr. ministro do reino. Ainda uma vez me enganei. S. exas. ainda hoje não quizeram vir á camara.
Se s. exas. estivessem presentes, não lhes faria perguntas ácerca dos factos referidos na minha nota de interpellação, porque, para essa discussão será marcado dia por v. exa., mas fal-as-ía a respeito de novas circumstancias que se estão dando naquelle conflicto.
O meu fim, sr. presidente, é ser esclarecido e o paiz do modo como o governo quer resolver e tratar o conflicto de Braga, e por isso venho hoje também, com o illustre deputado e meu antigo amigo Arouca, pedir uma conversa ao governo ácerca dos acontecimentos do districto de Braga. (Riso.)
Talvez, sr. presidente, esta palavra agrade mais ao governo, não só porque é novo no parlamento o seu uso para este fim, mas porque foi inventada tambem por um amigo. Interpellação e perguntas são palavras já gastas no parlamento e o governo, que está gasto, talvez não goste que lhe fallem em palavras que avivam idéas tristes!! (Riso.-Apoiados.-Vozes:-Muito bem.)
Sr. presidente, o sr. ministro da marinha deu á camara a agradável noticia, que o sr. presidente do conselho ou o sr. ministro do reino, viriam breve á camara tratar este negocio.
Aguardemos a chegada de s. exas. para então apreciarmos a tal brevidade, que me parece ha de ter sua demora!
Em resposta ao meu antigo amigo e collega Vicente Pinheiro, disse o sr. ministro da marinha palavras que eu desejo fiquem bem registadas.
S. exa. disse «que lhe parecia não era exacto que o governador civil de Braga tivesse feito a declaração a que se referira aquelle illustre deputado». O sr. ministro não affirmou nem negou o facto. Polo em duvida. Note bem isso a camara.
Ninguém poderá negar, e muito menos o governo, que o actual governador civil de Braga foi para aquelle districto com uma missão pacificadora, e que veiu ha pouco a Lisboa informar o governo, tendo estado em conselho de ministros antes da sua nova partida para Braga.
Depois de todos estes factos, vem o sr. ministro da marinha dizer que não sabe quaes as providencias que se vão adoptar, nem as instrucções que o governador civil levou, porque isso pertence á pasta do reino. (Apoiados.)
O que eu concluo daqui, sr. presidente, é que o sr. governador civil levou carta de prego. (Riso. - Apoiados.)
Não continuo a tratar este assumpto na presença do sr. ministro da marinha, porque tenho a certeza de que obterei a tudo o que sobre este ponto perguntar as, mesmas respostas passadas.
Aguardo a chegada do sr. presidente do conselho ou do sr. ministro do reino, se ella se realisar, para saber de s. exas. quaes as providencias que estão resolvidos a tomar sobre este assumpto.
Termino por hoje.
O sr. Azevedo Castello Branco: - V. exa. sabe, e a camara tambem, que hontem houve um meeting importantíssimo em Villa Real ao qual concorreram 8:000 pessoas de quasi todos os concelhos do districto.
Nessa reunião tratou-se unicamente de providenciar por forma a que se peticionasse aos poderes publicos para attender e resolver de uma vez a petição, tantas vezes reiterada, de um caminho de ferro que pelo valle do Corgo parta da Régua a Villa Real e Chaves.
Parece paradoxal que eu no momento em que se trata da apresentação de medidas, em virtude das quaes se pedem sacrifícios ao paiz, venha levantar a minha voz para pedir que se attenda a esta petição, que é de toda a justiça ; creia porém a camara que este pedido não é determinado pela circumstancia vaidosa da minha província, do meu districto, querer tambem o seu caminho de ferro; não nos impressiona uma questão de commodidade própria; é a consequência lógica de uma crise temerosa que devasta e assola o districto a que pertenço ha cerca de quatorze annos.
O districto de Villa Real compõe-se de duas regiões - agricolas inteiramente distinctas; numa, a agricultura dos cereaes e noutra a agricultura do vinho.
A primeira, contingente, laboriosa e muito despendiosa, não é bastante para produzir, em condições regulares, para aquelle districto, onde a população é muito densa, condições de riqueza que contrabalancem o desfalque produzido pela falta de vinho. E embora haja até plethora de producção, as condições difficeis de transporte inutilisam e tornam difficeis o accesso e venda dos productos.
Ao sul da provincia, a parte mais rica e florescente della, havia a cultura da vinha, que o terrível flagello da phylloxera destruiu, fazendo com que essa região, outr'ora florescente, tenha hoje um ar de tristeza e desolação que commove o coração de quantos conheceram o passado áureo d'aquella região.
E n'estas condições que o meu districto se compenetrou da necessidade de desenvolver o seu movimento agrícola de modo a fazer concorrer aos mercados os seus géneros em condições de viação em que hoje os não podem levar, onde tenham uma remuneração sufficiente.
D'ahi vem o pedido do caminho de ferro do valle do Corgo.
Não é tambem paradoxal porque eu já disse aqui numa das ultimas sessões, que tinha a certeza de ter dado entrada no ministerio das obras publicas um requerimento de um grupo de banqueiros portuenses, no qual, sem extraordinário gravam, para o thesouro, estes banqueiros se compromettiam a fazer o caminho de ferro mediante umas certas condições.

29 *

Página 454

454 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N'estas circumstancias, eu tenho por um lado a situação precária do thesouro, e por outro lado a exigencia justíssima dos habitantes do districto de Villa Real e o requerimento deste grupo de banqueiros. Não desejo que sejam protrahidas as necessidades do thesouro em pró do meu districto, mas lambem não desejo que sejam esquecidas as suas conveniências e as necessidades commerciaes e agricolas do meu districto simplesmente para se attender á questão do thesouro.
O que é necessario é que se estude a proposta e que os poderes públicos verifiquem até que ponto se póde attender a esta reclamação justissima, sem trazer agora encargos de maior para o thesouro.
Sinto não ver presente o sr. ministro das obras publicas, a quem estas palavras são especialmente dirigidas, e sinto porque s. exa. dar-me-ía uma resposta que levaria aos espíritos dos meus conterrâneos um momento de descanso e de quietação; mas é certo que os muitos afazeres do seu cargo não lhe permittem vir hoje aqui. Nas minhas palavras não vae censura.
Em todo o caso eu peço ao sr. ministro da marinha a fineza especial de communicar ao sr. ministro das obras publicas o que acabo do dizer, e muito estimarei que s. exa. se compenetre de que é muito grave a situação do meu districto, e que demanda uma seria attenção. E especialmente hoje, que se resolveu, em nome da situação do thesouro, fazer um sacrificio por parte de todos, é bom attender a um districto que está em situação economica deploravel, e exigir mais do que se pode dar, póde determinar um movimento de reacção. (Apoiados.)
Isto é muito para attender, porque com a miséria não se póde brincar. (Apoiados.)
Outro ponto, e este seria dirigido ao sr. presidente do conselho, se elle estivesse presente.
A opposição progressista em Valle Passos está continuando a dar nos que fazer e que fallar, depois de uma serie de tropelias eleitoraes, cuja historia não estou agora para fazer á camara.
Mas como os taes senhores faziam o mal e a caramunha, depois dos seus actos pouco correctos penitenciavam-se mandando telegrammas ao sr. Eduardo José, Coelho, para que s. exa. se queixasse dos meus amigos. É um cumulo.
Ora hoje chegou-me a mim a vez de ler o meu telegramma. (Riso.)
Eu andava ancioso por esta situação. Não sei bem os factos que lá se estão dando, sei alguns dos que se deram, e sei agora que a somma das irregularidades praticadas na assembléa de apuramento pelos membros da commissão recenseadora, que são in totum progressistas, foi de tal ordem, que o conselho de districto viu-se na necessidade de annullar todo o acto eleitoral. Mas o que estou farto de ver, é telegrammas para jornaes, para o meu amigo o sr. Eduardo José Coelho, e para os ministros, e até para o quartel general do Porto, onde se faziam accusações violentas contra um capitão e um alferes.
Ora este alferes deve estar muito agradecido aos taes senhores, e, inversamente, elles muito pouco satisfeitos com elle, porque teve a inaudita sorte do escapar a uma tentativa do assassinato, e, segundo a parte official, em um dos dias da eleição, houve um soldado que confessou haver sido angariado por pessoas que não eram do partido regenerador para, o assassinar.
Comtudo foi feliz e escapou da bala: já é!
Mas, não contentes com isso, novo telegramma para o quartel general queixando-se do procedimento de um capitão.
Ora chegou me a mim a minha vez de telegramma.
(Leu.)
Começo por declarar que tenho grande difficuldade em acreditar o que acabo de ler á camara, porque faço subida justiça ao exercito portuguez, a que tenho a honra do pertencer, para que me repugne muito o acreditar que seja processo, n'uma syndicancia entre camaradas, espancar inferiores, obrigando-os a deporem contra os superiores.
Creio isto para honra do exercito e do official a que se refere este telegramma, a quem não conheço.
Mas assiste-me a justiça de pedir igualmente que se averigúe se este facto é verdadeiro, e quero sómente para mim, membro da maioria, uma justiça tão equitativa como a que se fez em relação ao meu amigo o sr. Eduardo José Coelho, e tenho muito prazer em repetir aqui que o sou. S. exa. veiu aqui, cheio daquella sua santa ira, provocada por aquelle telegramma inflammavel, que a camara ouviu ler.
O sr. ministro do reino, que nessa mesma occasião recebia uma participação, em que se lhe dizia que o facto se tinha dado longe da assembléa eleitoral, e por motivo inteiramente estranho ao acto eleitoral, desconhecendo- se até quem tinha perpretado o assassinato, mas que o indivíduo indigitado nem eleitor era, a despeito destas e muitas outras considerações ponderaveis, não teve duvida em suspender immediatamente o administrador; não era licito suppor que houvesse culpa, para não desattender a santa ira de que se apossara o sr. Eduardo Coelho em presença daquelle assassinato.
Não quero para mim, como já disse, senão uma justiça igual, e visto ler tambem o meu telegramma, peço ao governo me faça a fineza, não de mandar suspender, o que seria muito para uma vez, mas de mandar averiguar. Essa justiça faz bem a todos, a mim especialmente, e faz bem ao governo. E com isto demonstra que não lhe mereceram mais preferencia os nossos amigos do que os amigos do governo. (Apoiados.)
Tenho dito.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Transmittirei aos meus collegas, a quem se dirigem especialmente, as observações que o illustre deputado acaba do fazer. S. exa. sabe bem que o governo tem o máximo empenho em attender às reclamações justas do districto do Villa Real tanto quanto for compatível com as forças do thesouro.
Quanto á questão de Valle Passos, s. exa. acaba mesmo de prestar homenagem á imparcialidade com que o governo tem procedido neste assumpto, de modo que não só póde dizer que é parcial com relação a uns e imparcial com relação a outros. O governo tem procurado averiguar a verdade para se poder castigar os culpados, attendendo assim aos interesses da justiça e não a quaesquer outros.
O sr. Mariano de Carvalho: - Quando numa das sessões anteriores sustentei a moção que tive a honra de apresentar, a propósito cia interpellação do sr. Consiglieri Pedroso, fiz algumas observações a respeito de excessos de despeza no ministerio cia marinha.
Não posso renovar agora a discussão, e, por isso, não me refiro ás palavras do sr. ministro da marinha, que respondeu como julgou conveniente; mas para a discussão do orçamento rectificado preciso de alguns esclarecimentos, o, por isso, mando para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu.)
O sr. ministro da fazenda teve a bondade de remetter á camara um officio, declarando que não podia mandar copia do processo relativo às obras da alfandega, porque era muito extenso, e convidando-me a ir á administração geral das alfândegas examinal-o.
Convite análogo, em relação a outros documentos, me fez o sr. ministro da marinha, e eu acceitei, sendo recebido n'aquelle ministerio com a maior affabilidade; mas em relação á administração geral das alfândegas não posso, por melindre pessoal, acceitar o convite, e, por isso, poço que se officio ao sr. ministro da fazenda, pedindo-lhe que mande á camara o processo original, compromettendo-me eu a examinal-o no praso de dois dias.

Página 455

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1886 455

O requerimento é o seguinte.
(Leu.)
Vae no logar competente.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Os documentos que pediu o sr. Mariano do Carvalho, pelo meu ministerio, virão amanha para a camara, conforme o sr. deputado deseja.
O sr. Santos Viegas: - Mando para a mesa uma justificação de faltas do sr. Alfredo Peixoto.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos.
(Leu.)
Peço a v. exa. o obséquio de mandar pedir estes documentos com urgência.
Pergunto a v. exa. se a mesa fez prevenir os srs. ministros da guerra e dos negócios estrangeiro de que desejava fazer-lhes algumas perguntas.
(Pausa.)
Eu tinha pedido ao sr. presidente, anterior a v. exa., que se dignasse fazer prevenir os srs. ministros da guerra e dos negocios estrangeiros de que desejava que s. exa. comparecessem nesta casa antes da ordem do dia, pois desejava dirigir-lhes algumas perguntas sobre negócios importantes. Estamos em meado de fevereiro e não me recordo do sr. presidente do conselho ter vindo aqui antes da ordem do dia.
Como o assumpto sobre que desejava chamar a attenção de s. exa. está perdendo a importância pela demora, desejava a presença de s. exa.
Portanto, peço a v. exa. que se digne pedir ao sr. ministro da guerra que compareça.
O sr. Luiz José Dias: - Por mais de uma vez tenho lamentado a ausencia do sr. ministro da fazenda nesta casa, e não esperava ter hoje de o tornar a fazer.
Posso affirmar a v. exa. e á camara que não me occorrem neste momento termos e phrases com que possa verberar e estygmatisar o procedimento de s. exa. não creio mesmo que haja palavras e expressões que possam significar bem a censura que mereço o seu procedimento injustificavel e reprehensivel para com o parlamento, que elle trata com tanto desdém e falta de consideração.
O sr. ministro já devia estar prevenido por v. exa. de que eu desejava chamar a sua attenção sobre assumptos graves que prendem com os negocios da sua pasta e apesar disso a minha voz é a do que brada no deserto.
O sr. Hintze ha perto de um mez só póde dispensar-nos dois minutos para vir de Canecas com o seu elixir de longa vida, que fugitiva e furtivamente mandou para a mesa sem ter a coragem de ler, similhante ao cavaleiro árabe, que ao perpassar pressuroso atravez do deserto, dando de esporas ao cavallo, arremessa de relance a setta hervada contra as colossas pyramides do Egypto, como se a civilisação de séculos se pode-se derruir com a projecção de philaucias impertigadas. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
As perguntas, que desejo fazer ao sr. ministro referem-se às propostas de fazenda, ao orçamento rectificado, á gerencia financeira, e sem o esclarecimento dos assumptos a que se referem estas perguntas não poderá a opposição desempenhar-se do seu dever, como lhe cumpre; sem esses esclarecimentos não poderá a camara apreciar com o devido escrúpulo e imparcialidade os factos financeiros mais importantes, nem avaliar o modo como foram despendidos os dinheiros publicos, os rendimentos do estado.
Igualmente pretendo chamar a attenção do illustre ministro para certas irregularidades que, já por seu desleixo, já com a sua acquiescencia, se têem praticado e estão praticando nas repartições dependentes do seu ministério, tendo-se desviado grandes e copiosas quantias da sua justa e verdadeira applicação legal, atropelando-se as leis, offendendo-se os mais elementares preceitos do decoro nas aposentações, no movimento do pessoal.
Para me desempenhar dos deveres do meu cargo em harmonia com a confiança que em mim depositaram os eleitores, meus patrícios e amigos é me indispensável fazer estas perguntas para possuir a prova official, que me sirva de base á minha argumentação contra a marcha ruinosa e verdadeiramente desvairada do actual governo.
Não é possível enviar á camara todos os documentos de que havemos mister e com a promptidão que o caso exige e as circumstancias reclamam para nos habilitarmos a bem conhecer a administração dos negócios públicos nas mãos do sr. Fontes, mostrando ao povo o que são as suas habilidades e até onde chegam as suas prestidigitações. (Apoiados.)
As respostas do governo são o meio mais fácil, mais commodo e mais prompto de chegarmos a esse resultado. Os srs. ministros recusam-se aos inquéritos dos seus actos, não nos mandam os documentos que os patenteiam e ponham em evidencia, fogem ao parlamento para não darem explicações, mandam-nos orçamentos falsificados ou menos exactos, o isto não póde nem deve continuar assim, e pela minha parte lavro o maio vehemente protesto com a mais viva força de toda a minha energia. (Apoiados.) Nos orçamentos, tanto no de previsão, como no rectificado, encontro eu a figurar indevidamente a verba de 100:000$000 réis e o parecer da commissão não a rectifica, porque ignoravam os meus illustres collegas que o sr. Hintze, sobrepondo-se às leis e ao parlamento, suspendeu por meios indirectos a cobrança da respectiva receita legal, do mesmo modo que uma portaria surda, a que já nesta casa me referi, extinguiu illegalmente uma outra verba congénere, que montava a igual somma. (Apoiados.) Veja a camara a fé e o credito, que nos devem inspirar os orçamentos regeneradores. Eu o que vejo é que se pretende persistir neste systema de fraudes, encobrindo-se ao parlamento aquillo que ao governo não convém se saiba no publico. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - O sr. deputado empregou a palavra fraude?
O Orador: - Fraude e dolo.
O sr. Presidente: - Eu peco-lhe que retire esses termos, que podem significar injuria.
O Orador: - Eu proponho á commissão de regimento que faça uma reforma no diccionario da lingua portugueza e que nos de um formulário pelo qual nos devamos guiar nesta casa, porque aqui já não podemos chamar as cousas pelo sou verdadeiro nome, e tão feios são os actos do governo, que só por periphrase os podemos relatar. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.) Os roubos já não são roubos, são desvios e alcances de dinheiro. (Apoiados.) Desmentir formalmente o que o ministro assevera e garante não se póde dizer que é um desmentido, é preciso dizer-se que a verdade provada por documentos authenticos é o contrario do que elle affirma. (Apoiados. - Riso.)
Um empregado publico que despende em proveito proprio os dinheiros dos cofres, públicos, não rouba, fica alcançado. (Apoiados.)
Um ministro que manda fazer abonos de dinheiro alheio a qualquer afilhado, não é dilapidador, desvia o dinheiro da sua legal applicação. (Apoiados.)
O desprezo com que o governo trata o parlamento é um procedimento menos correcto. (Apoiados.) As promoções, aposentações contrarias á lei, fazendo maior despendio de dinheiro do que a lei permitte, são irregularidades, etc., e te. (Apoiados.)
Eu entendo portanto que v. exa. devia propor, em nome do parlamento, como seu digníssimo presidente, a Academia real das sciencias, que nos modificasse o vocabulário e fizesse o diccionario parlamentar, porque, se a nossa língua é rica em palavras, termos, expressões, phrases e abundantes vocabulos, vejo que a está cerceando o parlamento. (Apoiados.) Já não sei como noa havemos de ex-

Página 456

456 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

primir, nem como se hão de relatar os factos praticados pelo governo.
E melhor era que nos indignássemos e insurgíssemos contra os factos escandalosos do que contra as palavras, que segundo os melhores diccionarios os exprimem e significam. (Apoiados.)
Chamarei, pois, pia fraude á maneira como o sr. ministro da fazenda, no seu orçamento rectificado, ou a respectiva commissão, calculou por exemplo em 100:000$000 réis o imposto do sêllo proveniente das cautelas de loterias estrangeiras e licenças respectivas, quando s. exa. extinguiu esta fonte de receita por mero arbitrio e funccionando o parlamento.
O sr. Presidente: - Eu já disse ao sr. deputado que não podia proferir phrases que podessem significar uma injuria para qualquer membro do governo.
O Orador: - Pondo-lhe adiante a pia, desapparece a injuria e até fica sendo uma palavra e expressão muito usada na critica historica e litteraria para defimir as interpollações e truncamentos dos livros, feitas com boa intenção. (Riso.) Mas eu devo declarar a v. exa. que os srs. ministros para mim considerados como pessoas particulares, são pessoas capazes, honestas, probas e até cavalheiros muito distinctos e primorosos; mas sob o ponto de vista da política e considerados como ministros da corôa e administradores dos negpcios publicos, hei de consideral-os como elles merecem e não posso prescindir do direito que tenho a classificar os seus actos e a verberar o seu procedimento reprehensivel com as palavras e termos que a lingua portugueza me ensina; não está na minha mão modificar o uso e a norma da linguagem. O que me parece é que, se n'esta epocha vivesse o padre António Vieira, teria talvez de modificar a sua arte de furtar, e em vez de inscrever as epigraphes «dos que furtam com unhas maliciosas e unhas reaes, etc.» deveria de dizer: «dos que procedem menos correctamente ou dos que praticam irregularidades e ficam alcançados». (Apoiados.)
A aspereza e hediondez da podridão e a fealdade dos actos do governo já só se podem exprimir por euphemismos; e assim como por euphemismo se deu ao cabo das Tormentas o nome de cabo da Boa Esperança, assim hoje os roubos e as fraudes se chamam alcances e irregularidades. (Apoiados.)
O que é certo é que continuam estas fraudes. Varias vezes tenho perguntado aos illustres ministros se se tinha aberto algum credito supplementar ou extraordinário para fazer face às despezas variaveis, no caso de não terem sido sufficientes as verbas votadas no orçamento para tal fim, e nunca tive resposta cabal e completa. Fazendo esta pergunta sabia o fim que tinha em vista.
O sr. Mariano de Carvalho, e meu illustre amigo, ainda agora mostrou por acaso a rasão e a justiça com que eu formulava a minha pergunta, e os documentos que s. exa. exige agora, pelo ministerio da marinha, já eu os tinha pedido pelos differentes ministerios, são as ordens de pagamento e os documentos originaes que comprovam o modo por que se mandam dar gratificações e se gastam os dinheiros publicos contra lei, abusando do regulamento de contabilidade e da lei de 31 de agosto de 1881. (Apoiados.)
Eu já pedi a v. exa., por varias vezes, que se dignasse mandar prevenir o sr. ministro da fazenda de que queria ter com s. exa., se me é permittida a phrase, uma conversa, como muito bem disse noutra sessão um illustre deputado da maioria, o sr. Arouca. Mas o sr. ministro não apparece.
Tenho, portanto, rasão para me queixar da ausência de s. exa.
Na sessão de 25 de janeiro pedi a v. exa. se dignasse prevenir o sr. ministro do reino de que eu desejava pedir-lhe explicações, o sr. ministro apresentou-se aqui na primeira sessão, e deu as explicações que eu lhe exigia. Mas o sr. ministro da fazenda até hoje, seguindo o exemplo do seu mestre, ainda não se apresentou, a sua apparição aqui, é uma verdadeira theophania. Este discípulo amado vive em espirito e verdade como o mestre sublime e olympico, segue-lhe os exemplos, copia-o com exagero e como herdeiro presumptivo não surge, não apparece, não se mostra, porque o mestre faz exactamente o mesmo. (Riso.)
Causam realmente riso os muito relevantes serviços que o sr. Fontes e seu governo têem prestado ao paiz, e como a epocha não é das mais ageitadas para o riso, entendo vir de molde relembrar alguns desses feitos mais assignados e que, por serem os mais momentosos, melhor se prendem com a conjunctura do momento.
Não lembrarei o modo como tem gasto os dinheiros públicos esto governo, que, quanto mais gasta, mais pede ao povo, e quanto mais pede ao povo, mais gasta. (Apoiados.) E não obstante isso, ainda ha pouco ouvi uma voz que dizia que a opposição queria confundir a questão de Braga com a dos impostos, e que a agitação por causa destes não existe naquelle districto. Não é verdade. (Apoiados.) Ao norte do paiz lavra uma verdadeira agitação, a indignação recrudesce de momento para momento. Tenho cartas que posso apresentar para provar esta asserção.
Ao norte do paiz, dentro e fora do districto de Braga, tocam os sinos a rebate, canta-se a Marselheza, toca-se o hymno da Maria da Fonte, incendeiam-se medas nos campos, levantam-se gritos sediciosos e dão se vivas á republica. Eis o resultado de um dos grandes serviços, que o governo prestou á sua pátria. O aviltamento e o desprezo com que o governo trata o parlamento e a representação nacional, fez convencer o povo e o paiz inteiro de que a assembléa legislativa é insuficiente para conter o gabinete dentro dos limites da lei e das prescripções do decoro. E esta convicção, junta ao exaspero de uma má situação económica e de um indescriptivel mau estar social, levam o povo a manifestações extra-parlamentares, que, por serem as mais das vezes anonymas, podem produzir consequências desastradas.
O paiz já começa a arvorar-se em tribunal severo dos actos do governo, e oxalá que o seu veredictum implacável não envolva aquelles que, tendo olhos para ver, não vêem, e tendo ouvidos para ouvir, não ouvem. Praza aos céus não soe o mane thesel phares, terrivel para aquelles que, similhantes aos sepulchros do Evangelho, caiados por fora e cheios por dentro de podridão e negrura, fecham os olhos á luz para não verem o que lhes não convém noluerunt intelligere ut bene egerent, como dizia o Redemptor a respeito dos phariseus (Muitos apoiados.)
(Impressão.)
Sr. presidente, não nos illudamos, o nosso credito está arruinado, as finanças e a fazenda desmoronadas e em estado cahotico, e o povo calcado e esmagado com o grave peso dos tributos, e as medidas de fazenda, apresentadas pelo illustre financeiro de Canecas, alarmaram a opinião publica, que já se manifesta de um modo assustador e perigoso. (Apoiados.) E temo que a onda se levante em medonhos escarcéus e passe por cima de tudo e de todos. (Apoiados.)
Já se sente ao longe o rugir da tempestade; as províncias convulsionam-se de momento para momento, a medida que vão conhecendo os instinctos rapaces do fisco inexorável.
Parece apropinquar-se a epocha do vencimento das letras e do ajuste das contas. (Apoiados.)
O governo arrasta, como a serpente, a sua existência venenosa, abandonado de todos e de tudo. (Apoiados.)
Membros importantes da maioria passam para a opposição, outros voltam-lhe as costas, e os mais delles retiram-se e retrahem-se, e aquelles que por honra da firma se conservam, já lhe não prestam o seu apoio moral e são os primeiros a censurar esta marcha desastrada dos negócios públicos. (Apoiados.)

Página 457

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1886 457

Não obstante tudo isto, o sr. Fontes persiste em man-ter-se no poder, declarando, como negociante fallido ou fidalgo arruinado, que ainda tem pulso, que ainda marcha com vigor, e que não ha indicação constitucional para largar as pastas. Todas as indicações são interpretadas pelo governo á sua vontade e ao sabor das suas conveniências; neste ponto é um verdadeiro rabino. (Apoiados.)
O silencio da maioria, diante do convite feito pelo governo para se manifestar e explicar, é interpretado como assentimento. (Apoiados.)
As censuras acres e vehementes do meu illustre amigo, o sr. Castello Branco, contra o nobre ministro do reino, acabam mesmo agora do ser tomadas pelo sr. Pinheiro Chagas como um elogio.
Não se diga que tudo é fictício, porque a agitação, o desespero e a indignação são reaes e têem causas muito positivas, (Apoiados.) e é necessario atalhar o mal emquanto é tempo. O povo já não póde mais, e o descontentamento latente, que de ha muito lavra surdamente pelas camadas sociaes, começa a explosir. (Apoiados.)
Quer-me parecer que tornou a chegar a epocha para alguns dignos membros da outra casa tornarem a tremer de susto. (Apoiados.)
Mas a imprensa tambem não é indicação constitucional, porque o governo não lê jornaes. (Apoiados.)
São todos a puxar e o governo ha de cair, mas é preciso que caia a tempo e que não insista na realisação da prophecia do fallecido duque, para não termos de repetir o trop tard da historia franceza, e ouça-me quem me deve ouvir, attendendo as minhas palavras quem deve attender. (Impressão.)
Sr. presidente, a agitação é real, a indignação do paiz é verdadeira, e posso asseverar que são assustadoras as noticias, que particularmente chegam das provindas. (Apoiados.)
O sr. Azevedo Castello Branco:-Eu não dei por isso.
O Orador: - O illustre deputado disse que o sr. Barjona tinha tomado as providencias, que nesta casa tinham sido reclamadas pelo meu particular amigo e distincto collega, o sr. Eduardo José Coelho, que, se não esperava do ministro favor, desejava ao menos que elle fizesse justiça aos correligionários que o apoiavam.
O illustre deputado não deu por isso?
Também o sr. Chagas não deu. (Apoiados.)
O que é certo é que para o sr. Fontes as indicações constitucionaes assimilham-se aos mysterios theurgicos da Eleusina. (Apoiados.)
Este governo, que representa um tumor impertinente na nossa vida constitucional, uma aberração extravagante e notável descarrilamento na rotação dos partidos, já se não apoia em principio algum de interesse publico, em idéa alguma de rasão ou de justiça; vive e sustenta-se pelo iman de forças occultas como o caixão de Mahomet no templo de Meca. (Muitos apoiados.)
Parece que a questão da rotação está reduzida a uma questão de força e de capricho, mas tambem se me afigura que o paiz está resolvido a mostrar até onde chega essa força e esses laços mysteriosos e magneticos.
Sr. presidente, progressistas, constituintes, republicanos, e miguelistas, tudo está indignado contra a marcha do governo. (Apoiados.)
As grandes e as pequenas industrias, as companhias poderosas, todas as classes, desde as mais humildes até às mais elevadas, e até os próprios regeneradores em grande parte, tudo conspira contra a administração nefasta deste gabinete. (Apoiados.)
A imprensa, não só da opposição, mas do gabinete, já se mostra enfastiada com tanto desatino. (Apoiados.)
Todas estas possantes e poderosas manifestações de descontentamento publico e desagrado para com o gabinete não são ainda indicações sufficientes, que mostrem ao sr. Fontes que já não governa para proveito do paiz. (Apoiados.)
(Interrupção.)

Mas não se admirem v. exa. No anno passado, o sr. Luciano de Castro declarou aqui bem alto que sabia de alguns empregados de algumas repartições do estado, que roubavam e não tinha duvida nenhuma em declarar os nomes, se porventura se procedesse a um inquerito, e com esta accusação iam envolvidas muitas outras, relativas ao regulamento de contabilidade.
É que s. exa., a respeito de indicações constitucionaes, assimilha-se ao celebre Bertholdo, que tambem não póde achar arvore do seu agrado para se enforcar. (Riso.)
Os esbanjamentos e desperdícios dos redditos do thesouro, a má applicação que o governo tem dado ao dinheiro do povo, que é o seu suor e o seu sangue, a par dos pesados tributos com que o tem sobrecarregado, e a immoralidade em muitos actos políticos, é que têem provocado toda essa indignação, e, como reaes são as causas, effectivas devem ser as consequencias. (Apoiados.)
O paiz não acredita na probidade política e administrativa do gabinete e ha factos, que o têem levado a essa convicção. E pela minha parte não sei se diga que o governo tem protegido e protege os ladrões.
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado, que retire as palavras proteger ladrões. (Muitos apoiados.)
O Orador: - Sr. presidente, numa das sessões parlamentares do anuo passado o meu illustre e illustrado chefe o sr. José Luciano, quando apreciava com aquella superior competência de abalisado jurisconsulto, que o paiz lhe reconhece, as transgressões, que o governo tinha feito no regulamento de contabilidade publica com relação ao pagamento das despezas com o cordão sanitario, declarou bem alto que em algumas repartições do estado se roubava; que elle, orador, conhecia pelo nome os ladrões, que não dizia aqui quem elles eram, mas que não duvidaria fazel-o em um inquerito ou syndicancia.
E qual foi a resposta do sr. Hintze a essa accusação tão grave, feita por voz tão auctorisada e por estadista tão eminente! Nenhuma!!(Apoiados.)
Qual era a obrigação do sr. ministro, não era mandar inquirir, nomear inqueritos e syndicancias para averiguar de factos de tanta gravidade? (Apoiados.)
Mas s. exa., nem ao menos na resposta que deu ao meu illustre chefe e prezado amigo se referiu a esta accusação.
Depois d'estes factos e de se negarem inquéritos quando se accusam roubos importantes, o que quer a camara que o paiz supponha? (Apoiados.) Pois não será isto proteger mais ou menos os ladrões? (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Convido o sr. deputado a retirar essa expressão, que póde significar injuria.
O Orador: - Visto que v. exa. julga que a palavra não é parlamentar, retiro-a; mas continuo a manter a minha idéa, dizendo que o governo, depois de um estadista eminente do paiz e chefe do partido, declarar - que havia ladrões nas repartições publicas, e que numa syndicancia não tinha duvida em declarar os nomes - o governo não respondeu, ficou silencioso, o ainda até hoje nenhumas providencias tomou, e quando se lhe denunciam crimes e factos desta ordem e se lhe pede inquérito recusa o tenazmente.
São estas as palavras que me occorrem para exprimir a idéa por periphrase, e fica por isso rectificada a phrase; mas este modo de dizer não será equivalente ao outro, e não significará protecção dada aos ladrões? (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, ponhemos agora de parte tudo isto, deixemos os actos geraes do governo e a agitação que lavra no paiz; não foi para isso que pedi a palavra, nem era intenção minha quando a pedi, fazer as considerações a que fui levado pelos apartes e pelas interrupções.
Pedi a palavra para fazer algumas perguntas ao sr. ministro da fazenda; já o tinha feito noutras sessões, e suppunha que elle hoje estivesse presente; como o não vi,

Página 458

458 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

queixei-me com toda a rasão e justiça, porque o governo 6 obrigado a vir ao parlamento dar-nos conta dos seus actos e prestar-nos os esclarecimentos que lhe quizermos pedir.
Ainda mais uma vez peço a v. exa. se digne mandar prevenir aquelle illustre membro do gabinete para que se não faça tardar indefinidamente, provocando assim rascáveis indignações.
Ha factos graves occorridos nas dependencias da administração geral das alfândegas, e visto que s. exa. recusa os inquéritos não póde declinar por muito tempo o dever de dar no parlamento explicações categóricas. (Apoiados.)
Agora que estou com a palavra e está representado o governo pelo sr. ministro da marinha, peço a s. exa. se digne declarar se são verdadeiros ou se têem alguns vislumbres de verdade os boatos que ultimamente se espalham na imprensa a respeito da extincção do districto de Vianna para compensar o districto de Braga, protegendo por esta forma o projecto separatista do sr. Franco Castello Branco. (Apoiados.)
Uma voz: - V. exa. percebo a pergunta? (Riso.)
O Orador:-Não é capciosa, é para meu esclarecimento. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Sr. presidente, duas palavras apenas. Não posso acompanhar o illustre deputado no caminho que seguiu, em que ligou variadissimos assumptos, imaginando que de prompto me levantasse para lhe responder!
Ninguém de certo poderá acreditar no illustre deputado, quando se queixa de que o sr. ministro da fazenda não tenha vindo á camara, quando todos sabem que tem sido de certo elle, de todos os ministros, que mais tem aqui comparecido, antes da ordem do dia, e que tem respondido a perguntas que lhe toem sido feitas, por parte dos illustres deputados. (Apoiados.)
O sr. Luiz José Dias: - Eu não o tenho visto.
O Orador: - É porque v. exa. não tem vindo as sessões, ou tem vindo mais tarde, porque se tivesse vindo antes da ordem do dia, teria assistido aos debates que se travaram.
Sr. presidente, v. exa. muito dignamente recordou ao illustre deputado, que alguns dos termos que elle empregara ha pouco, no seu discurso, não eram próprios de se proferirem num parlamento, e lamento, que o illustre deputado, que tão modestamente se comparou ao padre António Vieira...
Uma voz: - E a albarda? (Apoiados.)
O Orador: - Não sou eu o auctor dessa phrase. (Apoiados.)
Uma VOZ: - Foi v. exa. que a pronunciou. (Apoiados.)
(Grande susurro.)
O sr. Presidente (tocando a campainha): - Peço ordem, chamo a attenção da camara.
O Orador: - Seja como for, o que não é acceitavel é que num parlamento se pronunciem phrases de desconsideração e desprezo, que possam envolver idéas injuriosas contra os actos, ou da maioria ou do governo, porque isso póde até certo ponto dar direito a represálias de uma e de outra parte; e o illustre deputado de certo comprehende o quanto podem ser prejudicialissimas as represálias, desde que entremos abertamente n'esse caminho.
Emquanto á pergunta que o illustre deputado fez, s. exa. sabe perfeitamente que não se póde extinguir um concelho ou um districto, senão por uma lei parlamentar; e é singular que o illustre deputado venha perguntar ao governo se e verdade que &e trata de uma lei, quando só o parlamento póde discutir e votar qualquer lei!
Aproveito a occasião para mandar para a mesa, por parte do meu collega do ministerio do reino uma proposta de accumulação, com referencia ao sr. Arthur Hintze Ribeiro.
É a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade do artigo 3.° do acto addicional da carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessária permissão para que possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do emprego dependente do ministerio do reino, que exerce em Lisboa, o sr. deputado Arthur Hintze Ribeiro, guarda-mór da estação de saúde de Belém.
Secretaria d'estado dos negócios do reino, em 15 de fevereiro de 1886. = A. C. Barjona de Freitas.
Foi approvada.

O sr. Presidente: - Passa-se á

ORDEM no DIA

Continuação da interpellação sobre o tratado de Dahomey

O sr. Elvino de Brito: - (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Presidente: - A hora está a dar, o illustre deputado quer terminar hoje o seu discurso, ou ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte?
O Orador: - Se v. exa. tem a bondade, reserve-me a palavra para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que vinha para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×