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460 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Importâmos queijos e manteiga de Inglaterra, Hollanda, França, Allemanha, Dinamarca, Suissa, Italia, Hespanha, Belgica, Brazil, Estados Unidos e de Marrocos.
De alguns paizes importamos lambem leite em conserva e condensado ou concentrado. A excepção do leite, cuja importação em quantidade e valores, em 1$000 réis não é facilmente averiguavel, por estar esta substancia pela pauta de 1887, englobada nas conservas alimenticias, o valor dos outros lacticinios estrangeiros, importados para consumo no continente do reino em 1889, será de 593:7500$000 réis, dos quais só a manteiga recebida directamente da Inglaterra figura na importancia de 404:241$000 réis!
Ha todas as rasões para suppor que a manteiga ingleza a que infelizmente se dá tão grande preferencia em Lisboa, é manteiga artificial no todo ou em grande parte. Prova-o já sem contestação o preço do qual e se producto entra no nosso mercado, não só pela comparação com o preço da producção da manteiga de leite feita em Lisboa, mas também pela consideração do preço do leite em rama no logar de producção. Mas de resto que a Inglaterra importa manteiga artificial sabem todos que conhecem a historia d'esta fabricação na Europa, podendo até dizer-se que é n'aquelle paiz que se tem feito as ultimas modificações e as mais proveitosas á parte industrial dos processos de preparação. Mas se a noticia dos privilegios de invenção pedidos em Inglaterra para diversos processos de obter uma substancia que substitua as gorduras naturaes, e o conhecimento da existencia das grandes fabricas de margarina e de manteiga do margarina n'quelle paiz não bastassem, serviriam pura a demonstração do que affirmo, as estatisticas de importação em Inglaterra. Para dar um exemplo que mostre bem quão insuficientes são as enormes fabricas de margarina inglezas, para a fabricação de manteiga artificial, lembrarei, que em 1879 foram pela commercial manufacturing company, de New-York, consignados para Londres 188:426 libras de margarina e para Liverpool 1:091:266 libras, isto é, mais de 600:000 kilogrammas só para estes dois pontos. Demais, o Inglaterra importa tambem a manteiga artificial já preparada não só da America, mas de varios paizes europeus.
Assim, de Hollanda recebe a Inglaterra de 200 a 225 kilogrammas de manteiga artificial.
É pois evidente o seguinte: a Inglaterra não produz manteiga exclusivamente ,do leite, sufficiente para o seu consumo; para satisfazer este e como objecto de commercio exterior, importa e prepara grande quantidade de manteiga artificial, que, em paizes como o nosso offerece por preço baixo relativamente ao da manteiga de leite fabricada aqui.
Quem reflectir n'estes factos e por outro lado lembrar os numerosissimos inconvenientes da manteiga artificial sobre que se não exerce a devida fiscalisação, necessariamente ha de assustar-se e do susto passar para o profundo espanto pela criminosa negligencia dos governos em tal assumpto.
As fórmas pelas quaes a manteiga artificial, sobre que não se exerce fiscalisação devida, pode ser altamente nociva á saude publica, são numerosissimas.
Os industriaes que no seu paiz não podem introduzir os maus productos em vista, das rigorosissimas leis sanitarias, não têem o menor escrupulo de ao genero destinado á exportação, para tornarem a manteiga muito carregada em agua e portanto muito pesada, juntavam-lhe o borax, o alumen, o silicilato de potassa e outros saes; com o mesmo fim ou com o de lhe alterar a consistencia, a argila, cré, gesso e sulfato de baryta; para lhe dar côr, o rocon, a corcume; o açafrão mais ou menos falsificado, o chromato de chumbo e mais derivados azoicos; para pouparem a margarina juntam-lhe varias gorduras baratas, como o cebo, banha de porco, manteiga rançosa, banhas de aves e outras substancias que, mais ou menos alteradas e improprias para o consumo, se obtêem por preços diminuitissimos.
Por outro lado, a falta de escrupulosa escolha das gorduras que servem á preparação da margarina, e para a qual são aproveitados animaes doentes, a addição de oleos, como o oleo de amendoim, de palma e de algodão, nocivos á saude publica, com o fim de abaixarem o ponto de fusão do producto e outras muitas fraudes, fazem, que as manteigas assim preparadas era Inglaterra devam ser consideradas como productos perigosissimos, e tanto mais quanto é certo, que como alimento e condimento são, principalmente em Lisboa, usadas quotidianamente por um grande numero de pessoas.
Infelizmente a astuciados industriaes inglezes vae ao ponto de dar a estas mixordias perigosissimas propriedades organoleticas, taes, que em muitos pontos, como em Lisboa, tal manteiga ingleza é considerada a melhor.
A este proposito é muito citada a decisão de um jury de uma exposição de productos alimenticios, concedendo o primeiro premio a uma manteiga de margarina, que fôra julgada manteiga de leite!
Estes inconvenientes attenuam-se e muito pela promulgação de leis de hygiene e pela fiscalisação de peritos. Todas as nações onde o commercio interno d'estes productos é consideravel têem disposições legislativas, com o fim de impedirem as fiscalisações que á saude publica podem ser nocivas. A propria Inglaterra em varias leis, a ultima das quaes é conhecida pela lei de margarina de 1887, reconhece a necessidade de se ser muito vigilante e severo na permissão da venda de tal producto. No nosso paiz o que se fez?
Por parte do conselho geral de saude e hygiene de Lisboa ha feito uma serie de medidas repressivas, representadas pelas condições impostas do alvará de licença concedido a uma empreza de fabricação de manteiga artificial em Alcantara.
Lançando mão d'esse documento, excellentemente redigido, e onde os interesses de saude publica são salvaguardados, os representantes da auctoridade sanitaria, administrativa ou policial podem em qualquer momento punir severamente as falsificações, ou quaesquer outras fraudes commettidas no processo de fabricação.
O governo, por seu lado, aggravou esta industria nacional pelo imposto creado em carta de lei de 13 do julho de 1888 e respectivo regulamento de 30 de agosto do mesmo anno. Contra a industria nacional o maior rigor fiscal e sanitario, mas contra as manteigas artificiaes que importamos, estamos completamente desprevenidos, e desarmados!
As nossas alfandegas estão largamente abertas, permittindo a entrada de quaesquer gorduras mais ou menos toxicas, que a Inglaterra nos envie. Para que em Lisboa se possa fabricar manteiga de margarina é condição primeira imposta pelo conselho de saude, que com attestado do laboratorio municipal de hygiene se prove que a margarina empregada é de primeira qualidade.
Ora, no serviço technico das alfandegas tambem existe um laboratorio de analyses, tão intelligente e dignamente dirigido, que nada tem a invejar a identicos serviços estrangeiros. Ahi poderiam ser rigorosamente fiscalisadas as manteigas inglesas submettidas a despacho. Mas para taes mixordias não ha lei que o ordene!
Junte se á margarina de ultima qualidade, proveniente de animaes que succumbiram a doenças susceptiveis de se transmittirem ao homem, gorduras putrefactas, oleos toxicos, materias corantes e saes mais ou menos nocivos, que a mixordia final de Londres, de Glasgow ou de Liverpool, entrará livremente, e puderá, sem estorvo, ser entregue ao commercio, fazendo uma concorrencia horrivel ás magni-