O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

462 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

espirito, que a nação julgou dever premiar pela voz e pelo voto da seus representantes em côrtes.
Honras excepcionaes foram concedidas a esse escriptor nacional, porque tambem excepcionaes eram os seus meritos. Ninguem como elle personificou e retratou a alma portugueza em toda a sua verdade psycologica, nos desalentos e nas alegrias, nas angustias e nos sonhos, nos raios de luz e nas nuvens negras que se alternam no foro intimo de cada individualidade da nossa raça. Elle foi caracteristicamente portuguez na sua obra, tanto na observação dos costumes como na caprichosa philosophia com que os commentava; tanto nos assumptos que tratou como na linguagem com que os vestiu. Se a sua critica era feita d'essa mistura de riso e lagrimas, d'esse mixto de ironia e de sentimentalidade, que são a feição complexa e por vezes contradictoria da alma portugueza, o toque da sua palavra era portuguez de lei. Assim, podemos dizel-o agora, e agora mais do que nunca, a sua penna infatigavel foi tão verdadeira como a lente de uma machina photographica: retratou o seu tempo, copiou o seu paiz. O mesmo seculo produziu Herculano e Camillo, o historiador do passado e o historiador do presente. Os processos foram differentes, mas o alvo a que attingiram foi o mesmo.
O parlamento portuguez teve uma nitida comprehensão do alto valor não só litterario, mas nacional de Camillo. Duas vezes o galarduou.
Da primeira vez completou a distincção que um Rei illustrado, tambem homem de letras, decretara. Á mercê honorifica concedida pelo Rei juntára-se, votada pelo parlamento, a excepcional dispensa dos direitos relativos á mercê.
Da segunda vez, o parlamento viu em Camillo o trabalhador fatigado, o athleta prostrado pela desgraça, um grande espirito brilhante sepultado em vida nas trevas da cegueira.
E o parlamento portuguez afastou d'esse espirito atormentado o pesadelo horrivel da miseria. O parlamento concedeu a Camillo uma pensão que o poz ao abrigo de maiores tormentos, os ultimos que poderiam golpear a sua alma angustiada.
Agora que a tragedia d'essa existencia teve o seu ultimo acto, agora que Camillo entrou definitivamente na immortalidade e na gloria, o parlamento portuguez não verá o suicida, o parlamento portuguez não verá o desalentado doente que teve a impaciencia de cavar a sua propria sepultura, mas considerará apenas o homem de letras, o escriptor eminente, o talento collossal que deixa após de si um rasto de luz a illuminar os fastos gloriosos da nossa patria.
E sobre este assumpto tenho dito.
Representando n'esta camara o circulo da Povoa de Varzim, vou referir-me aos acontecimentos que ali se deram na tarde do dia 31 de maio.
Lamento os profundamente, tanto mais que d'esses acontecimentos resultou um numero consideravel de victimas.
O governo ficou decerto tão dolorosamente surprehendido com elles como eu. E o seu representante n'aquielle concelho procedeu tão correctamente, arriscando a propria vida para serenar o conflicto que os jornaes do todas as parcialidades politicas são unanimes em elogial-o.
Não se trata de um conflicto politico, mas de um d'esses acontecimentos tumultuosos, que, infelizmente, occorrem em todos os tempos. D
Desejo, saber circumstanciadamente o que se passou.
«Se estivesse presente o nobre ministro do reino, pedir-lhe-ía o favor de ler á camara os telegrammas officiaes que tenha recebido; mas, ha sua ausencia, peço tanto ao sr. ministro da instrucção publica como ao sr. ministro das obras, publicas o obsequio de solicitarem de s. exa. que, logo que possa, venha a esta camara ler todas as informações que officialmente lhe hajam sido communicadas.
Não concluirei sem pedir ao governo que exerça a sua acção paternal, procurando por meios suaves, mas efficazes, manter a ordem e calmar os espiritos; bem como que tome providencias no sentido de prover ao desamparo em que tenham podido ficar as familias, das victimas.
(O orador foi cumprimentado.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

A camara dos deputados da nação portugueza resolve inserir na acta da sessão de hoje um voto de sentimento pela morte do eminente escriptor visconde de Correia Botelho, Camillo Castello Branco, gloria da litteratura nacional. = Alberto Pimentel.

O sr. Presidente: - Creio que a camara toda admitte, a proposta do sr. Alberto Pimentel para entrar desde já em discussão. (Apoiados geraes.)
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arrojo): - Devo, em primeiro logar, assegurar ao illustre deputado que transmittirei ao meu collega do reino as considerações que acaba de fazer em referencia aos lamentaveis acontecimentos occorridos na Povoa de Varzim, o que o governo, como a camara, deploram profundamente. (Apoiados:)
Posso tambem affirmar a s. exa. que o sr. ministro do reino, logo que as exigencias do serviço o permittam, não deixará de comparecer n'esta casa para prestar todas as informações que haja recebido ácerca d'essas occorrencias.
Pelo que respeita á proposta que o mesmo illustre deputado, o sr. Alberto Pimentel, acaba de mandar para a mesa, é quasi escusado dizer a v. exa. que, em meu nome e em nome do governo, me associo de todo o coração e com todo o sentimento, a essa proposta, como quem cumpre um dever sacratissimo, qual é o que cabe a todos os ministerios, qualquer que seja a sua cor politica, de prestar justiça aos homens eminentes que são verdadeiras glorias nacionaes e que se impõem com os mais puros e justos titulos á admiração e respeito, não direi já da Europa, mas de todo o mundo. (Apoiados.)
Camillo Castello Branco está n'estas condições extraordinarias; e mal poderia eu imaginar, sr. presidente, quando apresentei n'esta camara, creio que em 1885, um projecto de lei para ser dispensado, o sr. visconde de Correia Botelho, do onus tributario, resultante da mercê que El-Rei o sr. D. Luiz lhe havia, conferido; mal pensava eu que, por um acaso da sorte, teria de vir hoje aqui, dos bancos do governo, lamentar a sua morte, chorar, como Portugal inteiro chora, a perda irreparavel que a patria acaba de soffrer. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, o nome de Camillo Castello Branco fica na historia da litteratura portugueza como um padrão de gloria, pois que era um dos nossos maiores prosadores, um grande historiador, e um artista da concepção mais expontanea, do observação mais fina, de estylo mais poderoso e de genio mais potente, que a alma nacional havia produzido. (Apoiados.)
Camillo Castello Branco na sua obra do artista, de litterato, de historiador e de dramaturgo, tem todos os predicados que caracterisam uma grande personalidade; e é por isso que em todo o paiz se manifestam sentimentos de gratidão, reconhecimento e respeito, n'este momento de verdadeira dor nacional.
Repito, em nome do governo associo-me á proposta do sr. Alberto Pimentel.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Fernando Palha: - Vozes mais auctorisadas do que a minha podem levantar-se deste lado da camara para se associar ao sentimento expresso pelo sr. Alberto Pimentel e pelo sr. ministro da instrucção publica; nenhuma mais convencida.
É o reconhecimento que me faz fallar. Conheci pessoalmente Camillo Castello Branco. Procurei as suas relações,