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SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1890 463

pela vulgar curiosidade de conhecer um da homens eminentes do paiz, mas porque muitas vezes precisei das suas lições, do seu auxilio.
Todas as vezes que precisei de Camillo Castello Branco sempre o encontrei.
Eramos mineiros da mesma mina, com a differença de que cada peonada d'elle provocava uma derrocada de riquezas, emquanto que eu, apenas ás vezes, algum filão pobre lograva encontrar.
Todas as vezes que se me antolhava uma dificuldade por mim julgada invencivel Camillo Castello Branco, assombro de talento, assombro de memoria e de trabalho, todas as vezes que lhe escrevia, pela volta do correio resolvia todas as difficuldades.
Estou convencido de que na nossa geração não ha, nem tornará a haver illustração litteraria nacional como aquella. Era quasi universal. Não havia, por assim dizer, ramo dos conhecimentos humanos que lhe fosse estranho; em todos elles entrava como por sua casa.
É, pois, justo que, no dia em que chega á camara a noticia do se ter apagado aquella luz, façâmos treguas ás dissensões politicas, ás discussões apaixonadas para se não tratar senão de render preito de homenagem áquella gloria nacional, e que encerremos os nossos trabalhos por hoje. (Apoiados.)
Mando a minha proposta para a mesa.
Leu-se. É a seguinte:

Proposta

Proponho que em additamento á proposta do illustre deputado o sr. Alberto Pimentel, a sessão seja encerrada. = Fernando Palha.
Foi admittida á discussão.

O sr. João Pinto dos Santos: - Pedi a palavra n'este assumpto, porque não vendo d'este lado da camara levantar-se ninguem para se associar á proposta apresentada pelo sr. Alberto Pimentel, tomava sobre mira esse encargo, pois que entendo que os parlamentos se nobilitam, commemorando o passamento de grandes individualidades, como Camillo Castello Branco.
Diante, de acontecimentos lugubres, como o que poz termo á vida do grande romancista, não ha ninguem que se não confranja de dôr por ver assim desapparecer da scena da vida tão tragicamente um homem de tão elevada estatura, uma individualidade scientifica tão proeminente que enriqueceu o seu paiz com os seus trabalhos de investigador erudito, de romancista distincto, de dramaturgo, de poeta, de polemista, etc., etc.
Camillo era uma organisação privilegiada, para todos os trabalhos; mas o que mais avulta na sua obra litteraria é sem contestação o romance, em que, condensou a alma portugueza com a graça genuinamente nacional.
É por isso que as suas obras conseguiram ser lidas com uma avidez que não é vulgar.
O parlamento votando a proposta do sr. Alberto Pimentel com o additamento do sr. Fernando Palha, dá um testemunho de apreço pela grande obra litteraria do morto e seria um incentivo para os grandes homens que consomem a vida no serviço da patria.
Eu entendo que a proposta que se discute deve ser votada por acclamação. (Apoiados.)
O sr. Elias Garcia: - Em meu nome, e em nome dos meus collegas republicanos, peço licença para me associar á proposta apresentada pelo nosso estimavel collega o sr. Alberto Pimentel; e associo-me a ella de todo o coração, porque, se alguns dos srs. deputados que se sentam agora n'esta casa, tiveram a honra de conhecer Camillo Castello Branco nos ultimos tempos, eu conheço ha cerca de quarenta annos, quando elle era apenas uma esperança, quando ainda não era o grande escriptor, o escriptor de primeira linha que nós todos admirámos no espaço de tempo, que, decorreu desde então até ágora.
Não seria eu, que podesse aqui traçar o elogio d'aquelle eminentissimo espirito, mas não posso deixar de me associar ás demonstrações, da camara, pela dor que todos experimentâmos hoje ao sabermos a noticia do tragico acontecimento.
E associo-me não só á proposta do meu collega o sr. Alberto Pimentel, mas também á proposta do meu collega, o sr. Fernando Palha. (Apoiados.)
O sr. Guerra Junqueiro: - Acabo de receber do directorio dos estudantes portuguezes uma representção que vou mandar para a mesa e cujas conclusões são:
1.º Que o enterro de Camillo Castello Branco seja feito a expensas da nação;
2.° Que lhe sejam prestadas honras extraordinarias, dando entrada no templo dos Jeronymos, convertido em pantheon dos grandes homens portuguezes;
3.° Que sejam decretadas de luto nacional os dias em que se realisarem os funeraes do grande romancista.
Eu associo-me calorosamente á nobre iniciativa tomada pelos estudantes portuguezes.
Lisboa inteira foi hontem dolorosamente surprehendida pela morte tragica do grande escriptor portuguez, que é, não só o maior dos nossos romancistas, mas uma das figuras mais originaes e poderosas de toda a nossa historia litteraria.
Camillo, Herculano, Garrett, João de Deus, eis na minha modesta opinião os quatro grandes representantes immortaes do genio portuguez, n'este seculo, em tudo o que elle tem de mais profundamente nativo mais sinceramente nacional.
Ha cerca de quinze ou vinte annos que o caracter, a indole e os costumes portuguezes se vão modificando consideravelmente, perdendo a feição indigena e tradicional e adquirindo um feitio por assim dizer mais francez ou cosmopolita.
Isto dar-nos-ha um ponto de vista critico mais humano e mais vasto, mas
rouba-nos em compensação, as qualidades singulares de temperamento, sem as quaes não póde haver, nem uma grande nação, nem uma grande patria.
Os symptomas d'esta evolução tão rapida, são de tal fórma extraordinarios, que estou convencido que não assistimos a uma evolução, mas a uma dissolução adiantada, já muito proxima de um esfacelamento collectivo.
Este anno de 1890 é para nós sobretudo, um anno tragico, muito mais terrivel do que foi 1870 para a França.
A França, depois da derrota esmagadora de 1870, levantou-se mais nobre, mais bella e mais poderosa do que era anteriormente! Poderemos nós dizer outro tanto?
Começou para nós, o anno pela bofetada ingleza, pela affronta cobarde, contra a qual nos revoltámos nobremente, e agora, quando essa questão, não está ainda liquidada e continua sendo um ponto de interrogação, vermelho e sanguinolento n'um fundo triste de noite caliginosa, chegara-nos aos ouvidos os echos de dois tiros de suicidas, que quasi simultaneamente se disparam a centenas de leguas de distancia, um em Africa, outro em S. Miguel de Seide! Duas catastrophes que lançam um luto profundo na alma nacional.
Esses dois dramas terriveis, echoaram de uma maneira lugubre no espirito de nós todos. Ha, n'elle o quer que seja de terrivelmente prophetico e agoureiro.
Ahi tendes um velho, Silva Porto, um heroe em toda a sublimidade da palavra, não heroe unicamente pela audacia do animo e pela coragem excepcional, mas sim pela grandeza moral, pela simplicidade nobilissima de uma vida inteira; porque em minha opinião são mais heroes os que sabem viver para a patria, do que aquelles que se limitam a morrer por ella.
A morte é o sacrifício de um instante. Mas o cumpri-