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SESSÃO N.° 29 DE 6 DE AGOSTO DE 1897 519

Alem d'isso o guarda mór, que é medico, deve conhecer os meios de desinfecção e collocar-se em condições de não soffrer com o contagio, para poder inspeccionar o navio e ver se elle está na situação de offerecer ou não perigo.

É preciso notar, e de não attender a isto é que vem o grande erro, que ha navios perigosos e outros que não o são. Estes ultimos são os que nos podem trazer grande quantidade de passageiros abastados ou ricos e por consequencia com vantagem para o paiz.

Não ha um unico exemplo, affirmo-o com a segurança de quem sabe o que diz, de um paquete ter introduzido o germen da febre amarella em porto algum do mundo, e assim o perigo é nullo quando o navio estiver em boas condições hygienicas, não só sob o ponto de vista da construcção, mas quanto ao modo como se faz a limpeza, o isolamento dos doentes e a desinfecção.

N'estas condições o navio póde e deve entrar, fazendo-se a inspecção e recolhendo os doentes; quanto aos outros não ha inconveniente em dar-lhes livre pratica.

No relatorio da minoria da junta consultiva de saude, datado de 23 de julho de 1896, lê-se o seguinte:

«Outr'ora todos os navios eram embarcações de pequena e media grandeza, movidos pelo vento, faziam viagens sempre incertas por causa das calmarias e dos ventos contrarios; essas longas viagens duravam mezes e até um anno e mais, em condições verdadeiramente lastimaveis, faltava a pureza da agua e dos alimentos, a atmosphera confinada n'esses navios era a maior parte das vezes corrupta; transportavam frequentemente nos porões, como vis mercadorias, enorme quantidade de pessoas destinadas a ser vendidas, como escravos, havendo a bordo falta quasi absoluta de soccorros medicos e de quaesquer medidas sanitarias; as madeiras de que eram feitos achavam-se muitas vezes corroidas por innumeros parasitas, entre os quaes se poderiam encontrar germens pathogenicos de molestias pestilenciaes.

«Centenares d'estas embarcações tocavam em portos, onde grassavam molestias como a peste e a febre amarella, e recebiam a bordo os germens d'estes morbos, que encontravam lá um excellente acolhimento, multiplicando-se com extraordinaria facilidade, de modo que em breve se transformavam em terriveis focos de infecção, que balouçavam durante mezes sobre as ondas do mar, até irem descarregar em qualquer porto, até então illeso, os germens pathogenicos de que vinham pejados, e assim se propagavam os epidemias.

«Hoje ainda ha especimens mais ou menos perfeitos d'estes perigosos navios, todas as cautelas contra elles são poucas; mas ao mesmo tempo constroem-se outros com poderosissimos motores de dupla e triplice expansão, que fazem viagens regularissimas, com velocidades assombrosas.

«Cada um d'estes navios é uma immensa mole fluctuante valendo milhares de contos de réis, a que não falta nenhum conforto das povoações mais civilisadas: agua pura, alimentos frescos, ventilação artificial, escrupuloso aceio, soccorros medicos, pessoal cuidadosamente escolhido e bem remunerado.
«Fazem-se hoje longas viagens, não só para tratar de negocios, mas tambem para recreio, para instrucção e para avigorar a saude, tão certo se está do conforto e das excellentes condições hygienicas em que se encontram alguns navios, como os paquetes transatlanticos.

«Que pôde haver de commum entre estes navios, que se devem considerar refractarios á infecção, onde ha medicos intelligentes obedecendo a regulamentos sanitarios bem estudados, onde qualquer individuo atacado de uma molestia suspeita é devidamente isolado, onde ha os apparelhos mais aperfeiçoados, e se usam os processos mais rigorosos de desinfecção - e certos navios de véla, onde tudo conspira para n'elles se formar um perigosissimo foco pestilencial, que só espera a chegada a um porto indemne, onde pessoas susceptiveis vão tocar nos meandros do porão, ou em outros sitios, onde pullulam os germens pestilenciaes, para estes se espalharem por myriades, produzindo as epidemias?»

Esta distincção entre os navios em boas e em más condições hygienicas é capital, e n'ella deve assentar toda a defeza racional contra a invasão das doenças pestilenciaes, principalmente a febre amarella, e não é difficil fazer tal distincção.

Derem ser reputados navios em boas condições hygienicas os que tiverem sido construidos segundo as regras da hygiene naval e se acharem em bom estado de conservação, tiverem a bordo meios de isolar os doentes, que appareçam com doenças transmissiveis, e de desinfectar tudo o que for susceptivel de reter os agentes de contagio, e finalmente quando esses meios tiverem sido empregados opportuna e convenientemente.

Será isto uma hypothese infundada?

Não; pois é o que resulta rigorosamente da observação dos factos em toda a parte, incluindo o nosso paiz.

Sabe v. exa. e a camara quantos individuos entraram indevidamente no lazareto desde 1849 até 1881? Entraram 114:124. Agora vou mostrar porque digo que elles entraram indevidamente.

Sabe v. exa. ainda quantos entraram desde janeiro de 1860 até julho de 1895? Entraram 225:627. Pois bem, está perfeitamente demonstrado que o lazareto não fez bem nenhum e podia ter feito muito mal.

N'este segundo periodo de trinta e cinco annos, que já é alguma cousa, por dar occasião a fazer-se um estudo importante, houve apenas 35 individuos em que se diagnosticou a febre amarella. Esses doentes foram isolados, não tendo communicação com outros passageiros, o que se poderia fazer perfeitamente sem haver quarentenas, mas o caso curioso é que até 1879 ao diagnosticaram alguns casos de febre amarella depois dos individuos já terem entrado no lazareto, e depois de 1879 não houve caso nenhum que deixasse de se diagnosticar antes. Isto é importante. Os doentes cujo diagnostico foi feito no lazareto sairam curados, sem inconveniente, e o mesmo teria acontecido se esses individuos estivessem isolados em qualquer logar com o devido tratamento, porque, note-se, com esta falta de distincção entre navios perigosos e outros que o não eram, aconteceu prenderem-se inutilmente centenas de milhares de viajantes e desprezarem-se verdadeiros perigos.

N'esse largo período de trinta e cinco annos os unicos casos, em que houve começo de epidemia, causando um perigo real, que felizmente pôde ser conjurado, deram-se em tres navios em pessimas condições hygienicas, e foram:

1.° A galera Cidade de Belem procedente do Pará, que fundeou no Tejo em janeiro de 1860, trazendo a bordo tres tripulantes doentes; um dos guardas de saude que estava de serviço n'esta galera foi atacado de febre amarella;

2.° A barca Adelaide, procedente do Rio de Janeiro, que entrou no Tejo em agosto de 1861, trazendo um doente muito grave; dois fragateiros que communicaram com o navio para effectuarem a descarga foram atacados;

3.° A barca Inogene tambem procedente do Rio de Janeiro fundeou no Tejo em junho de 1879; dois trabalhadores, que entraram no navio para o limparem e beneficiarem foram atacados de febre amarella.

D'estes factos resulta indubitavelmente que o verdadeiro perigo reside nos navios em más condições hygienicas, e contra estes considero que ainda não estamos sufficientemente acautelados.

Pelo contrario em relação aos navios em boas condições ha muitas restricções inuteis para a prophylaxia e altamente prejudiciaes á economia nacional.

Nos navios em más condições ha ordinariamente, tripu-