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N. º 29

SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Approvada a acta e lido o expediente, tem segunda leitura o projecto do sr. Catanho de Menezes e visconde da Ribeira Brava, relativo ao juiz de direito Cantante. - É proposto aggregado á commissão do commercio o sr. Fortuna Rosado. - Apresentam requerimentos e representações os srs. João Franco, Correia de Barros, Adriano Anthero, Joaquim Tello, Jacinto Candido, Moraes Sarmento e Dias Costa. O sr. Ferreira de Almeida insta pela presença do sr. ministro da marinha.

Na ordem do dia (continuação da discussão dos artigos 32.° e 33.° do projecto do orçamento geral do estado) têem successivamente a palavra os srs. Silva Amado, Henrique Mendia e ministro da fazenda. - O sr. Laranja apresenta o parecer sobre o projecto de lei que revoga alguns artigos da lei eleitoral de 21 de maio de 1896, e o sr. Frederico Ramires o do projecto de lei n.º 29-A. - O sr. Simões Ferreira participa achar-se constituida a commissão do commercio.

Abertura da sessão - Ás duas horas e quarenta minutos da tarde.

Presentes á chamada 47 srs. deputados. São os seguintes: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Arthur Alberto de Campos Henriques, Bernardo Homem Machado, Carlos José de Oliveira, Conde de Paçô Vieira, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Correia de Barros, José Bento Ferreira de Almeida, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Joaquim da Silva Almado, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sertorio do Monte Pereira, Visconde da Ribeira Brava e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Carlos Le-Cocq, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Augusto José da Cunha, Conde de Burnay, Francisco Antonio da Veiga, Beirão, Francisco de Castro Mattoso da Silva Corte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Silveira Vianna, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Joaquim Izidro dos Reis, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Heliodoro Veigas, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José da Cruz Caldeira, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria Pereira de Lima, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz José Dias, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Pinto de Almeida, Manuel Tellos de Vasconcellos e Visconde de Melicio.

Não compareceram a sessão os srs.: - Alvaro de Castellões, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto Cesar Claro da Ricca, Carlos Augusto Ferreira, Conde do Alto Mearim, Conde de Idanha a Nova, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Eduardo Simões Baião, D. José Gil de Borja Macedo e Menezes, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Malheiro Reymão, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Affonso de Espregueira, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Acta - Approvada.

O sr. Presidente: - Participo á camara que me foi entregue, por uma commissão delegada da federação das associações de classe de Lisboa, uma representação contra as medidas de fazenda, dirigida á camara dos senhores deputados.

Pela mesma commissão me foi pedida a publicação da sua representação no Diario do governo.

Consulto, pois, a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo, caso esteja redigida com a devida correcção.

(Foi auctorisada a sua publicação no Diario do governo.)

EXPEDIENTE

Officio

Da commissão delegada da associação commercial dos logistas de Lisboa, remettendo um protesto da mesma associação contra as medidas de fazenda, apresentadas ao parlamento na sessão de 12 de julho de 1897.

Á commissão de fazenda.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - O decreto de 26 de fevereiro de 1892 suspendeu a garantia dada aos magistrados judiciaes pelo artigo 1.º § 2.° do decreto n.° 4 de 29 de março de 1890, que lhes concedeu o terço do ordenado, depois de vinte annos de effectivo serviço.

Esta suspensão, porém, não póde nem deve attingir

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aquelles que, quando se promulgou o decreto de 26 de fevereiro, já tinham completado o tempo de serviço necessario para aquella concessão.

N'estas circumstancias se encontra o juiz de 1.º instancia Joaquim Simões Cantante, servindo actualmente na comarca do Funchal.

Por isso, para remover quaesquer difficuldades e á similhante do que já se fez por carta de lei de 13 de maio de 1896, temos a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedido a Joaquim Simões Cantante, juiz de direito de 1.º instancia na comarca do Funchal, o terço do ordenado, pela diuturnidade de serviço, a contar do dia em que terminou o tempo indispensavel para esse fim.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 3 de agosto de 1897.=João Catanho de Menezes = Visconde da Ribeira Brava.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O SR. Simões Ferreira: - sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Por parte e em nome da commissão do commercio, proponho que seja aggregado á mesma commissão o sr. deputado José Alberto da Costa Fortuna Rosado. = Joaquim Simões Ferreira.

Pedida e obtida a urgencia, foi approvada a proposta.

O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviado com a maior urgencia, o seguinte:

- Conta precisa e detalhada, demonstrativa de qual o producto liquido do fabrico e venda de tabacos a que se refere o artigo 5.º das bases annexas á lei de 23 de março de 1891, nos exercicios (nos annos economicos assim designados pela companhia dos tabacos) de 1891-1892, successivamente, até 1896-1897 inclusive;

- Conta precisa e detalhada da divisão e applicação d'esse producto liquido, nos termos do n.º l .° do referido artigo 5.° das bases annexas á lei de 28 de março de 1891. = João Franco.

Sr. presidente, peço a v. exa. que a expedição do requerimento, que acabo de ler, seja acompanhada da declaração de que o lado esquerdo da camara não póde entrar na discussão da proposta relativa aos tabacos, sem que previamente lhe sejam fornecidos os esclarecimentos que requeiro, no requerimento que vou ter a honra de mandar para a mesa.

Peço a v. exa. que esta declaração acompanhe a expedição do meu requerimento.

Mandaram-se expedir.

O sr. Correia de Barros: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos operarios manipuladores de phosphoros da fabrica do Lordello de Ouro, no Porto, pedindo á camara a approvação da proposta do governo relativa a industria dos phosphoros.

Sr. presidente, ou signatarios da representação que mando paru a mesa fundamentam com rasões muito convincentes a suppressão do denominado "phosphoro branco", visto o seu fabrico ser perigoso para elle, manipuladores, e para a saude publica.

Como o que esta representação pede está de accordo com a segunda alinea do artigo 1.° da proposta de lei n.° 13-M, julgo desnecessario fazer mais considerações sobre este assumpto.

Vae por extracto no fim da sessão, a pag. 528.

O sr. Adriano Anthero: - Sr. presidente, mando para a mesa duas representações : uma dos professores de desenho do lyceu central do Porto, pedindo melhoria de situação para os professores de desenho dos lyceus; outra dos aferidores de pesos e medidas da cidade do Porto, pedindo que os seus vencimentos sejam igualados aos do seus collegas de Lisboa.

Enviando estas representações para a mesa, peço ás commissões, que as têem de apreciar, as tomem na devida consideração.

Peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que ellas sejam publicadas no Diario do governo.

Foi auctorisada a sua publicação.

Vão por extracto no fim da sessão, a pag. 528.

O sr. Joaquim Tello: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos empregados da camara municipal da cidade de Lagos com relação ao atrazo dos seus vencimentos.

Sr. presidente, os empregados que subscrevem esta representação são realmente muito dignos da consideração dos poderes publicos.

Têem, como v. exa. sabe, ordenados muito insignificantes, com elles têem de alimentar as suas familias e terem uma representação decente, o que é incompativel com os ordenados de 20$000 réis correspondentes aos logares das camaras de primeira categoria, 15$OOO réis aos das segundas e 10$000 réis aos de categoria inferior.

Ora, como o sr. presidente do conselho e ministro do reino está elaborando uma proposta de lei para a remodelação do codigo administrativo, chamo a attenção de s. exa. para que introduza na sua proposta de lei algumas providencias por fórma a acautelar os perigos d'esta natureza, obrigando as camaras municipaes a pagarem, aos seus empregados como succede para com os professores de instrucção primaria sob pena comminada na lei.

O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar a v. exa. quando é que o sr. ministro da marinha póde vir á camara, para que, usando do direito que me concede o regimento, possa apreciar as questões constantes do meu primeiro aviso previo.

V. exa. e a camara sabem que a disposição de regimento, marcando os avisos previos, tem por fim pôr os srs. ministros em condições de estarem habilitados a responder com precisão ás interrogações que lhes são feitas pelos representantes da nação, o que significa uma especie de attenção para com os srs. ministros, em se lhes fazerem as perguntas com antecedencia; mas se da parte dos srs. ministros não houver a attenção correspondente para com os deputados em virem responder em tempo opportuno, não tenho senão a lastimar o caso.

Peço mais a v. exa. que se digne reclamar que, da secretaria de marinha me sejam enviados os documentos já pedidos sobre navios e outros, pedido que já fiz n'uma das primeiras sessões d'esta temporada.

É realmente para estranhar que não tenham vindo esses documentos.

Sei que já estão quasi todos copiados; sei tambem que não ha muita vontade em que elles possam vir a publico, pois se estão fazendo importantes alterações nos contratos celebrados com as casas constructoras, o que importará grande interesse para essas casas, mas não para o estado.

O que possa haver de suspeição n'esta minha affirmativa, será removido logo que venham os documentos pedidos e os factos provem que estou mal informado; mas o que é preciso, para a fiscalisação parlamentar que os deputados têem direito de exercer, é que os documentos que se pedem, sejam enviados o mais breve possivel, pois não

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póde estar o poder legislativo sujeito aos caprichos do pessoal das secretarias, seja elle qual for.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Tenho a declarar ao illustre deputado, o sr. Ferreira de Almeida, que o sr. ministro da marinha esteve presente na sessão diurna de hontem, para responder a s. exa.

Se não comparece á sessão de hoje, é certamente devido a motivo de serviço publico, e eu, pela minha parte, communicarei a s. exa. os desejos que o illustre deputado acaba de manifestar.

Quanto ao pedido de remessa de documentos a que s. exa. se referiu, eu instarei novamente por essa remessa.

O sr. Jacinto Candido: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio da justiça, seja enviada a esta camara copia da correspondencia havida entre aquella secretaria d'estado e o juiz de direito da comarca da Praia da Victoria sobre os famosos attentados da "justiça da noite".= Jacinto Candido.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada copia da correspondencia telegraphica havida entre aquella secretaria d'estado e o governador civil de Angra, sobre os attentados da "justiça da noite". = Jacinto Candido.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam enviadas copias da correspondencia havida entre aquella secretaria d'estado e o inspector do sêllo do districto de Angra, e o governador civil d'este districto e o ministerio do reino, ácerca da visita de inspecção do sêllo feita á cidade de Angra e ilha Terceira. = Jacinto Candido.

Mandaram-se expedir.

O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa duas representações: uma da camara municipal de Villa Real e outra da de Sabrosa, concelhos que compõem o circulo eleitoral que tenho a honra de representar n'esta camara, nas quaes se pede para que não seja extincta a cultura do tabaco no Douro, e antes se procure desenvolvel-a por ser a unica capaz de fornecer prestante auxilio aos lavradores da região duriense penosamente attribulados por muitos infortunios, dos quaes a invasão phylloxerica é o mais calamitoso.

As rasões expendidas n'estes documentos são tão eloquentes e bem deduzidas, que as recommendo á attenção camara e do governo, requerendo que seja consultada a camara sobre se permitte que as duas representações sejam publicadas na folha oficial.

Mando tambem para a mesa uma declaração ácerca dos motivos por que faltei a algumas das sessões anteriores.

Foi auctorisada a publicação.

A justificação vae a pag. 528.

O sr. Dias Costa: - Mando para a, mesa as seguintes

Participações

Tenho a honra de participar a v. exa. e a camara que, n'esta data, lancei na caixa de petições um requerimento do sr. major de infanteria n.° 14, José Joaquim Soares de Castro, pedindo a revogação do decreto de 7 de janeiro de 1895, que reduziu o quadro do generalato, e da carta de lei de 13 de maio de 1896, sobre os limites de idade. = F. F. Dias Costa, deputado pelo circulo n,° 34 (Arouca).

Para a secretaria.

Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que n'esta data lancei na caixa das petições um requerimento do contra-almirante reformado Antonio José Alvares Rodrigues, solicitando melhoria de reforma. = F. F. Dias Costa, deputado pelo circulo n.° 34, Arouca.

Para a secretaria.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão dos artigos 32.° e 33.º (auctorisações) do projecto de lei n.° 21 (orçamento geral do estado para o anno economico de 1897-1898}

O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara. Eu considero a resposta que o sr. presidente do conselho deu ao illustre deputado o sr. Franco Castello Branco, apenas com uma simples explicação, e assim, entendo que não devo ser alterada a ordem da inscripção.

Por isso vou dar a palavra ao sr. Silva Amado, que se acha inscripto a favor, caso nenhum sr. deputado reclame, e a camara não entenda o contrario.

Antes d'isso, tenho que dar a palavra ao illustre deputado o sr. Laranjo, que a pediu por parte da commissão de administração publica.

O sr. Frederico Laranjo: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto de lei relativo ás incompatibilidades.

Foi a imprimir.

O sr. Silva Amado: - Sr. presidente, é realmente n'uma situação difficil que me cabe a palavra, depois de terem fallado oradores tão eloquentes como aquelles que me precederam na ordem da discussão.

Sinto-me realmente embaraçado para cumprir um dever que me impuz de entrar n'este debate, e na verdade, quando se assiste ás discussões d'este parlamento, não se póde duvidar que é difficil encontrar um outro em que hajam oradores mais eloquentes e de palavra mais facil, mais quente e mais vibrante do que no nosso.

Tenho já assistido a sessões em alguns dos principaes parlamentos do mundo.

Posso dizer que já assisti a discussões na camara franceza, na camara dos Estados Unidos e talvez em outras, e devo dizer que nunca vi oradores superiores, debaixo do ponto de vista a que me acabo de referir.

Não quero dizer que não haja um senão na nossa raça meridional, embora tenhamos qualidades brilhantes. Este excesso de sensibilidade de que somos dotados torna-nos mais aptos para communicar aos outros as nossas emoções, pois quanto mais vivas são as impressões que experimentâmos, mais vigorosa é a expressão do nosso sentir, mais vibrante e vehemente é a nossa palavra; mas essa scintillação na fórma adquire-se frequentemente á custa da serenidade da rasão, da profundidade da discussão.

Eu não tenho a pretensão, nem de ter as qualidades brilhantes que são, porventura, defeitos debaixo de certos pontos de vista, nem de estudar as questões tão profundamente, como entendo que é util n'um parlamento, pois o nosso fim, parece-me, é vir aqui discutir os projectos de lei, considerando-os em todos os pros e contras, com o fim de ficarem perfeitos.

Temos bastantes leis, temol-as talvez em excesso, o que é tambem uma consequencia da exuberancia da nossa imaginação.

É por esta facilidade que temos em fallar, por esta fecundidade da nossa imaginação, que tão larga é a iniciativa de leis, a tal ponto, que poucos parlamentos fabricam tantas leis, como o parlamento portuguez.

Mas o que ha talvez é uma certa inconsequencia, uma certa falta de pensamento, de perseverança, de maneira que assumptos muito importantes soffrem continuas reformas.

Por exemplo, pelo que respeita á instrucção secundaria, com rasão o sr. conselheiro Franco Castello Branco perguntou se havia a idéa de alterar a lei em vigor, e parece-me que tambem muito justificadamente o sr. presidente do conselho e ministro do reino disse que, qualquer que seja o parecer de muitas pessoas que tem ouvido, entendo que unicamente sê deve reformar esta lei depois da experiencia

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ter demonstrado que realmente tem defeitos que precisem corrigir-se.

E em relação ao assumpto direi que a lei de instrucção secundaria que considero mais perfeita foi a de 1880, apresentada pelo actual presidente do conselho e ministro do reino, e realmente tive pena de que essa lei fosse alterada antes de ter sido posta completamente em execução.

Ora, este. facto parece-me que se não deve repetir.

Depois da reforma de 1880 a lei mais meditada, mais pensada, é talvez a da iniciativa do sr. Franco Castello Branco. Não quer isto dizer que a acceite em todos os pormenores.

Mas vale a pena pôl-a em execução, a fim de que, tendo de corrigir-se, seja exactamente só depois da experiencia ter inequivocamente demonstrado quaes são os defeitos que devam emendar-se.

Mas, pondo de parte esta digressão, vou entrar immediatamente no assumpto para que pedi a palavra.

Em relação ou considerações que fez o orador que me precedeu, o sr. conde de Paçô Vieira, que declarou não approvar estas auctorisações, porque não tinha confiança no governo, devo dizer que por motivo analogo approvo estas auctorisações, (Apoiados.) sendo para notar que estas auctorisações apresentam limites bem determinados, e tambem o governo teve o cuidado de dizer na commissão, segundo o que se encontra no relatorio, que não teria duvida em admittir algumas alterações que fossem propostas, se a discussão mostrasse que eram convenientes; n'estes termos eu proprio terei talvez occasião de apresentar uma proposta tendente a modificar um d'este numeros; de maneira que, desde que vimos com sincero proposito de melhorar o projecto apresentado, desde que o governo está na melhor intenção de acceitar quaesquer indicações, e desde que nós, maioria, temos confiança no governo, não vejo motivos para não votar o projecto.

Vou seguir pela ordem das diversas auctorisações.

A primeira diz assim:

E o governo auctorisado "a tomar as providencias necessarias para facilitar o movimento do passageiros e de mercadorias nos portos e nas fronteiras nacionaes, simplificando, quanto possivel, as formalidades aduaneiras e policiaes, sem prejuizo, porém, das receitas publicas e dos indispensaveis preceitos prophylacticos e de segurança".

Ora, realmente este pedido é tão sensato, é tão util, é de tão grande alcance, que apesar d'aquelle lado da camara haver oradores que naturalmente, por dever da posição em que se encontram, desejam achar defeitos em todos os projectos, esses oradores, tiveram a sinceridade de dizer, pelo menos o primeiro, que é o chefe da opposição regeneradora, que esta auctorisação era uma d'aquellas que podia ser approvada pela maioria e pela minoria.

E realmente assim é. Esta medida tem um alcance maior do que póde parecer á primeira vista, e tem um grande alcance debaixo de varios aspectos, principalmente em relação ao problema capital, ao problema que nós todos procurâmos resolver, e considerâmos superior a todos os outros, isto é, o problema da fazenda publica.

Pois, se nós podessemos attrahir ao nosso paiz, fazer visitar os nossos monumentos, fazer residir durante algum tempo nas nossas estações thermaes milhares de estrangeiros, que viessem aqui deixar uma parte importante do viro que possuirem, não seria isso uma medida de grande alcance financeiro? E isto será uma phantasia? Não é.

V. exa. sabe que em alguns paizes a principal industria é a exploração de estrangeiros viajantes.

E não terá Portugal condições iguaes ou superiores a esses paizes ? Parece-me indubitavelmente que sim.

Na França deixam os forasteiros que por ali passam todos os annos, attrahidos pelas bellezas das suas paizagens, e pelos divertimentos variados que lá existem, uma somma, que já foi avaliada em mil milhões de francos.

É realmente digno de ver-se como tudo ali está preparado para receber o viajante, que não é um selvagem, que não é um barbaro, que não é um inimigo de quem se desconfia sempre.

A Italia aufere uma grande receita das sommas importantes que ali deixam os estrangeiros, porque encontram lá tudo preparado para os receber, hospedarias, theatros, passeios, emfim tudo que possa tornar a vida agradavel.

O mesmo direi, e talvez ainda com mais rasão, da Suissa.

E o que succede entre nós? Succede exactamente o contrario.

Nós estamos ainda na situação de considerarmos o estrangeiro como um individuo suspeito esperando sempre encontrar nas suas malas não sei que bocetas de Pandora contendo os germens de todas as pestes.

E o estrangeiro, sabendo como é tratado nos nossos portos, prefere antes ir a outro porto do que vir aqui; e quando succede que algum viajante proveniente da America do sul, por motivos particulares, tem que vir cá, sujeita-se a dar uma volta maior a ficar aqui logo: por este motivo segue para Hespanha ou para França e volta por terra.

Todos que têem viajado, e que têem andado sobre o mar durante um grande numero de dias, sabem com que anciedade se espera avistar terra; pois os viajantes, depois de uma viagem de muitos dias, ao chegarem ao porto de Lisboa, n´este caes da Europa, não entram, porque esperam uma grande quantidade de incommodos, que a sua imaginação lhes faz exagerar, e preferem soffrer um incommodo talvez maior, conservando-se no navio, onde estiveram doze ou dias, para irem para outro porto mais hospitaleiro: só ficam aqui, em regra, os passageiros de 3.º classe, que não têem meios de fazer uma viagem maior.

E isto tudo por causa das medidas sanitarias, não digo do tempo da idade media, mas com um seculo de atrazo, naturalmente porque crystalisaram as idéas, deixando de ter aquella mobilidade que deviam ter, para só adaptarem a todos os progressos, e por isso se julga que o paiz se póde salvar do perigo que lhe possa advir com um carcere, a que se chama o lazareto.

Eu sei que só têem feito algumas modificações no regulamento de sanidade maritima; e peço ao governo que ponha em execução algumas d'estas medidas ultimamente inseridas n´esse regulamento, porque não verdadeiramente uteis e constituem um passo avançado e importante no sentido do progresso. Refiro-me, sobretudo, a duas medidas, uma que já esta em execução, e outra que julgo que ainda o não está.

A primeira é talvez pouco importante na apparencia, mas eu attribuo-lhe um grande alcance, porque vem romper com preconceitos. Vem a ser a obrigação do guarda mór de saude visitar os navios para ver qual é o seu estado, sob o ponto de vista da saude publica, sem que por isso tenha de ficar impedido e recolhido no lazareto.

Estas visitas faziam-se d'antes de longe. Lembravam aquelles processos que eram adoptados ainda no começo d'este seculo e se encontram em regulamentos de sanidade do nosso paiz; mas essas medidas exageradas justificavam-se no estado de atrazo da sciencia em que se estava, quando se não sabia de onde vinha o perigo. Dava-se bordoada de cego.

Assim, por exemplo, o medico visitava os doentes, tocando nas roupas com um bastão, com uma ponteira do ferro. O enfermeiro dava a comida e os remedios nos doentes com uma tenaz muito grande, para guardar uma grande distancia entre elle e o pestifero.

Hoje já não se faz isso em parte alguma do mundo.

Não ha medo de estar ao pé de uma pessoa atacada de doença contagiosa, quando se tomam precauções e de facil execução.

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Alem d'isso o guarda mór, que é medico, deve conhecer os meios de desinfecção e collocar-se em condições de não soffrer com o contagio, para poder inspeccionar o navio e ver se elle está na situação de offerecer ou não perigo.

É preciso notar, e de não attender a isto é que vem o grande erro, que ha navios perigosos e outros que não o são. Estes ultimos são os que nos podem trazer grande quantidade de passageiros abastados ou ricos e por consequencia com vantagem para o paiz.

Não ha um unico exemplo, affirmo-o com a segurança de quem sabe o que diz, de um paquete ter introduzido o germen da febre amarella em porto algum do mundo, e assim o perigo é nullo quando o navio estiver em boas condições hygienicas, não só sob o ponto de vista da construcção, mas quanto ao modo como se faz a limpeza, o isolamento dos doentes e a desinfecção.

N'estas condições o navio póde e deve entrar, fazendo-se a inspecção e recolhendo os doentes; quanto aos outros não ha inconveniente em dar-lhes livre pratica.

No relatorio da minoria da junta consultiva de saude, datado de 23 de julho de 1896, lê-se o seguinte:

«Outr'ora todos os navios eram embarcações de pequena e media grandeza, movidos pelo vento, faziam viagens sempre incertas por causa das calmarias e dos ventos contrarios; essas longas viagens duravam mezes e até um anno e mais, em condições verdadeiramente lastimaveis, faltava a pureza da agua e dos alimentos, a atmosphera confinada n'esses navios era a maior parte das vezes corrupta; transportavam frequentemente nos porões, como vis mercadorias, enorme quantidade de pessoas destinadas a ser vendidas, como escravos, havendo a bordo falta quasi absoluta de soccorros medicos e de quaesquer medidas sanitarias; as madeiras de que eram feitos achavam-se muitas vezes corroidas por innumeros parasitas, entre os quaes se poderiam encontrar germens pathogenicos de molestias pestilenciaes.

«Centenares d'estas embarcações tocavam em portos, onde grassavam molestias como a peste e a febre amarella, e recebiam a bordo os germens d'estes morbos, que encontravam lá um excellente acolhimento, multiplicando-se com extraordinaria facilidade, de modo que em breve se transformavam em terriveis focos de infecção, que balouçavam durante mezes sobre as ondas do mar, até irem descarregar em qualquer porto, até então illeso, os germens pathogenicos de que vinham pejados, e assim se propagavam os epidemias.

«Hoje ainda ha especimens mais ou menos perfeitos d'estes perigosos navios, todas as cautelas contra elles são poucas; mas ao mesmo tempo constroem-se outros com poderosissimos motores de dupla e triplice expansão, que fazem viagens regularissimas, com velocidades assombrosas.

«Cada um d'estes navios é uma immensa mole fluctuante valendo milhares de contos de réis, a que não falta nenhum conforto das povoações mais civilisadas: agua pura, alimentos frescos, ventilação artificial, escrupuloso aceio, soccorros medicos, pessoal cuidadosamente escolhido e bem remunerado.
«Fazem-se hoje longas viagens, não só para tratar de negocios, mas tambem para recreio, para instrucção e para avigorar a saude, tão certo se está do conforto e das excellentes condições hygienicas em que se encontram alguns navios, como os paquetes transatlanticos.

«Que pôde haver de commum entre estes navios, que se devem considerar refractarios á infecção, onde ha medicos intelligentes obedecendo a regulamentos sanitarios bem estudados, onde qualquer individuo atacado de uma molestia suspeita é devidamente isolado, onde ha os apparelhos mais aperfeiçoados, e se usam os processos mais rigorosos de desinfecção - e certos navios de véla, onde tudo conspira para n'elles se formar um perigosissimo foco pestilencial, que só espera a chegada a um porto indemne, onde pessoas susceptiveis vão tocar nos meandros do porão, ou em outros sitios, onde pullulam os germens pestilenciaes, para estes se espalharem por myriades, produzindo as epidemias?»

Esta distincção entre os navios em boas e em más condições hygienicas é capital, e n'ella deve assentar toda a defeza racional contra a invasão das doenças pestilenciaes, principalmente a febre amarella, e não é difficil fazer tal distincção.

Derem ser reputados navios em boas condições hygienicas os que tiverem sido construidos segundo as regras da hygiene naval e se acharem em bom estado de conservação, tiverem a bordo meios de isolar os doentes, que appareçam com doenças transmissiveis, e de desinfectar tudo o que for susceptivel de reter os agentes de contagio, e finalmente quando esses meios tiverem sido empregados opportuna e convenientemente.

Será isto uma hypothese infundada?

Não; pois é o que resulta rigorosamente da observação dos factos em toda a parte, incluindo o nosso paiz.

Sabe v. exa. e a camara quantos individuos entraram indevidamente no lazareto desde 1849 até 1881? Entraram 114:124. Agora vou mostrar porque digo que elles entraram indevidamente.

Sabe v. exa. ainda quantos entraram desde janeiro de 1860 até julho de 1895? Entraram 225:627. Pois bem, está perfeitamente demonstrado que o lazareto não fez bem nenhum e podia ter feito muito mal.

N'este segundo periodo de trinta e cinco annos, que já é alguma cousa, por dar occasião a fazer-se um estudo importante, houve apenas 35 individuos em que se diagnosticou a febre amarella. Esses doentes foram isolados, não tendo communicação com outros passageiros, o que se poderia fazer perfeitamente sem haver quarentenas, mas o caso curioso é que até 1879 ao diagnosticaram alguns casos de febre amarella depois dos individuos já terem entrado no lazareto, e depois de 1879 não houve caso nenhum que deixasse de se diagnosticar antes. Isto é importante. Os doentes cujo diagnostico foi feito no lazareto sairam curados, sem inconveniente, e o mesmo teria acontecido se esses individuos estivessem isolados em qualquer logar com o devido tratamento, porque, note-se, com esta falta de distincção entre navios perigosos e outros que o não eram, aconteceu prenderem-se inutilmente centenas de milhares de viajantes e desprezarem-se verdadeiros perigos.

N'esse largo período de trinta e cinco annos os unicos casos, em que houve começo de epidemia, causando um perigo real, que felizmente pôde ser conjurado, deram-se em tres navios em pessimas condições hygienicas, e foram:

1.° A galera Cidade de Belem procedente do Pará, que fundeou no Tejo em janeiro de 1860, trazendo a bordo tres tripulantes doentes; um dos guardas de saude que estava de serviço n'esta galera foi atacado de febre amarella;

2.° A barca Adelaide, procedente do Rio de Janeiro, que entrou no Tejo em agosto de 1861, trazendo um doente muito grave; dois fragateiros que communicaram com o navio para effectuarem a descarga foram atacados;

3.° A barca Inogene tambem procedente do Rio de Janeiro fundeou no Tejo em junho de 1879; dois trabalhadores, que entraram no navio para o limparem e beneficiarem foram atacados de febre amarella.

D'estes factos resulta indubitavelmente que o verdadeiro perigo reside nos navios em más condições hygienicas, e contra estes considero que ainda não estamos sufficientemente acautelados.

Pelo contrario em relação aos navios em boas condições ha muitas restricções inuteis para a prophylaxia e altamente prejudiciaes á economia nacional.

Nos navios em más condições ha ordinariamente, tripu-

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lação pouco numerosa e só excepcionalmente trazem passageiros, que são tão pobres que nem podem tomar um logar de 3.ª classe nos paquetes. O perigo não está tanto nas pessoas que vem a bordo, as quaes se estiverem doentes serão isoladas e tratadas, mas está no proprio navio, sobretudo no acto de se proceder á sua beneficiação, porque então vão ali pessoas estranhas tratar d'essa beneficiação, e se depois lhes dessem livro pratica, como algumas vezes se fez, podiam vir para a cidade propagar a doença.

É por isso que se póde dizer que as medidas sanitarias como estavam estabelecidas constituiam um verdadeiro perigo. Mas disse eu que, desde 1879, para cá, nunca mais se deixou de fazer o diagnostico antes do individuo entrar, e desde que elle se faz a questão é simples, é isolar o individuo que tenha a doença, e dar livre pratica aos outros passageiros com certas cautellas usadas nos portos inglezes e n'outos.

Se o diagnostico dos doentes atacados de febre amarella a bordo dos navios que vem dos numerosos portos, onde esta doença é endemica, ou epidemica, se fez sempre desde 1879, mais facil ha de ser esse diagnostico quando esteja em pratica o preceito do novo regulamento de sanidade, que manda ao guarda-mór de saude visitar os navios, entrando n'elles, sem por isso ficar impedido.

Outra medida do novo regulamento que eu desejava apontar, porque supponho não estar ainda em vigor é o estabelecimento de um posto de desinfecção na margem direita do Tejo. Este posto é de um grande alcance para facilitar as medidas sanitarias e não causar incommodos inuteis aos passageiros, dispensando-os de atravessarem o Tejo, para irem buscar as suas bagagens, quando não ha para elles quarentena.

Para se avaliar os prejuizos causados pelo lazareto de Lisboa, sem proveito para a saude publica, vou transcrever alguns periodos do relatorio da commissão de syndicancia a esse lazareto, nomeada por portaria de 26 de agosto de 1878, da qual faziam parte pessoas da maior competencia e auctoridade, algumas das quaes ainda estão vivas.

Este relatorio foi apresentado em fevereiro de 1879 e n'elle se encontram affirmações gravissimas.

«Se a febre amarella se não tem manifestado em Lisboa n'estes ultimos vinte e dois annos, estando nós em communicacões frequentes com o Brazil, é isto devido mais a que os micro-organismos productores d'aquella doença não encontram os meios indispensaveis ao seu desenvolvimento, do que a providencias de sequestro, a beneficiação o espurgo.

«A commissão entende que as quarentenas executadas d'este modo não satisfazem ao seu fim, e que portanto não passam de mera illusão, mas illusão perigosa.

«Por uma coincidencia infeliz têem-se accumulado no lazareto de Lisboa todos os abusos e inconvenientes do que estas instituições são accusadas.»

Quem quizer inventariar os males provenientes do nosso errado systema de prophylaxia maritima e do modo porque foi executado, pôde resumil-os no seguinte:

1.° Tem depauperado o paiz afugentando innumeros passageiros, que sem essas medidos exageradas não deixariam de nos visitar.

2.° Tem encarcerado inutilmente algumas centenas de milhar de pessoas, em nome de uma defeza imaginaria.

3.° Permittiu que o perigo fosse real, dando livre pratica a individuos, que ainda estavam gravemente doentes de febre amarella, depois de terem sido admittidos no lazareto.

4.° Permittiu que pessoas sãs se fossem infectar nos logares mais perigosos dos navios, e dou-lhes livre pratica.

Devo dizer a v. exa. e á camara, que a actual administração do lazareto o zelosissima e o cavalheiro que dirige aquelle estabelecimento é, pôde dizer-se, um modelo de funccionario. Tudo o que respeita ás suas obrigações é executado de um modo que não da motivo nenhum para censura. Ao menos agora no lazareto cumpre-se escrupulosamente a lei, e evitam-se, tanto quanto possivel, os perigos, embora continue a ser um mal, um torpedo, um embaraço ao desenvolvimento da riqueza publica.

Não quero de modo algum aconselhar á camara, ao governo e ao paiz a que se acabem as medidas prophylacticas, considero-as indispensaveis; mas é preciso introduzir nas nossas leis as mesmas disposições que se encontram nas leis e regulamentos de sanidade francezes, italianos, allemães ou inglezes. N'uma palavra, o que eu quero é que se modernise, se civilise, que se estabeleçam os regulamentos de sanidade maritima que estejam em harmonia com os exigencias da civilisação actual, que se faça, em summa tudo aquillo que tenha por fim facilitar o desenvolvimento da riqueza publica e ao mesmo tempo empecer tambem o desenvolvimento de qualquer epidemia.

Lisboa podia e devia ser uma estação de saude hibernal, para muitos povos que habitam em latitudes, onde o clima é muito menos favoravel.

Com effeito é agradavel e faz bem ler as descripções de viajantes que em tempos remotos estiveram em Portugal, fazendo os maiores elogios ás bellezas principalmente da cidade de Lisboa, ás condições verdadeiramente excepcionaes do nosso Portugal; e ao mesmo tempo doe ver como elles lastimam que essas condições não sejam mais bem aproveitadas...

No fim do seculo passado, em 1789 e 1790 esteve em Portugal um celebre viajante, um architecto distinctissimo, Murphy, que escreveu talvez a obra mais notavel de viagens em relação a Portugal; descreve este paiz, os seus costumes e as condições que n'elle encontrou, com uma imparcialidade e bom senso, que realmente lhe fazem honra.

Ora n'essa obra diz elle:

«Quando as reflete nas vantagens immensas que o commercio de Portugal poderia, tirar de um rio tão magnifico e de um porto tão bem situado, para uma communicação com os hemispherios do oriente e do occidente, fica-se muito surprehendido por ver que Lisboa não é a capital mais rica e mais povoada da Europa.»

Isto, diz um inglez, que certamente não foi movido por nenhum sentimento patriotico, mas unicamente levado pelo desejo de dizer a verdade, e contar os suas impressões.

Pois Lisboa podia ser a cidade mais rica e povoada da Europa. Porque não o é?

E note a camara, que a respeito de augmento da população o estado actual é verdadeiramente lamentavel! Não ha talvez cidade nenhuma da Europa, que tenha progredido tão pouco em população como Lisboa! E porque?

Porque as attenções não têem sido dirigidas para este ponto.

Murphy estudou este assumpto. E note v. exa. que não havia estatisticas a respeito da população de Lisboa, mas serviu só de um processo indirecto, a meu ver muito judicioso, para achar a população de Lisboa.

Diz elle que, em 1700, havia em Lisboa 38:102 casas.

Isto era certo; elle conta mesmo, qual era o progresso que tinha havido, pois em 1780 havia só 33:764. Teve portanto elementos seguros para poder determinar até á casa das unidades, qual o numero de habitações que então havia n'esta cidade e isto não era muito difficil.

Calculou que em cada casa houvesse 6 pessoas; por conseguinte achou o numero de 228:612 habitantes; ou 230:000 almas, numeros redondos.

Mas; diz elle: não basta isto, devemos contar ainda os frades, as freiras, a guarnição militar, os alumnos que estavam nos collegios, nos seminarios, e orça o numero total d'estes individuos em cerca de 12:000 almas; ao todo a população de Lisboa devia ser de 240:000 almas.

Pois bem, então digo eu: se n'esta epocha havia 240:000 almas, como é que hoje, que se alargou a area da cidade,

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encorporando-lhe um grande numero do povoações, que estavam nos arredores, como é que o mais que podemos ter hoje são 300:000 almas?

Quer dizer, estas 300:000 almas, attendendo ao augmento da cidade com a, nova area, corresponde a menos do que Murphy tinha achado!

È possivel que Murphy se enganasse, mas esse erro não póde ir muito longe; por conseguinte, o que prova é que, ao contrario das outras cidades, que têem duplicado e triplicado de população; e já não fallo nas cidades da America, onde o movimento é extraordinariamente prodigioso, a população de Lisboa manteve-se estacionaria, ou quasi.

Mas porque é que se manteve estacionaria a população de Lisboa? Pois então uma cidade, collocada em condições de tal ordem, que deve attrahir os estrangeiros e a gente das provincias, não augmenta consideravelmente a sua população ?

Em primeiro logar não augmenta, porque realmente o desenvolvimento commercial e economico da capital não e tão grande como tinha direito a ser. Se a cidade de Lisboa pertencesse a um paiz com a iniciativa, com o arrojo e com o desenvolvimento commercial da Inglaterra, da França ou da Allemanha, imaginem qual seria hoje a sua população.

Mas isto prova bem a importancia do projecto do sr. ministro, tendendo a facilitar a vinda de forasteiros, e mostra ainda o esforço que todos devemos fazer com o fim de melhorar as condições da cidade.

Uma das propostas do governo, que considero de primeira ordem, é a que diz respeito á questão do saneamento da cidade pela construcção de canos em condições favoraveis. (Apoiados.)

Ora v. exa. de certo sabe a importancia que tem o saneamento de uma cidade para a sua prosperidade, e sobretudo para a diminuição da mortalidade. Se ha cousa bem demonstrada em hygiene publica, é que se póde diminuir a mortalidade tão seguramente, como se póde produzir uma reacção chimica; empregando-se os meios, não se póde de modo nenhum duvidar da sua efficacia.

Já hoje se contam, ás centenas, as cidades em que a mortalidade era de 30 e tantos por 1:000, como em Lisboa, e se fez baixar a 25, a 23, a 20 e a menos; ha na Inglaterra cidades em que a mortalidade annual é apenas de 14 por 1:000!

v. exa. comprehende perfeitamente o grandissimo alcance que póde ter o emprego de medidas que tendam a baixar o nivel da mortalidade. Por consequencia, tudo aquillo que se faça n'este sentido, é realmente semear a melhor semente para se obterem os resultados mais proficuos.

Ora se nós podermos fazer baixar a mortalidade na rasto de 10 por 1:000, em 300:000 habitantes, isto representaria 3:000 pessoas, que não falleceriam antes do tempo, o que seria de um alcance enorme. (Apoiados.)

Não é só o numero de obitos que diminue, é tambem muita miseria que deixa de se sentir, menor o numero de viuvas desamparadas e de orphãos abandonados.

E nós, que somos tão impressionaveis, que tanto receio temos da invasão de epidemias, e por causa d'esse receio empregâmos meios restrictivos, que são verdadeiras medidas phantasticas, que não servem senão para fallar á imaginação, se, em vez d'isso, dispozessemos de capitães, talvez menos avultados dos que os que perdemos com essas restricções ineptos e absurdas, e os utilisassemos para obter o saneamento de Lisboa, como se está tratando de obter o saneamento do Porto, certamente fariamos um serviço importante ao paiz.

Eu podia fazer um calculo, debaixo do ponto de vista da economia, e mostrar qual era o lucro que se podia conseguir, poupando tantas victimas arrancadas prematuramente aos affectos dos seus e aos seus labores, considerando o homem como uma machina industrial, porque tambem póde ser reputado debaixo d'este ponto de vista, mas não quero entrar agora n'este assumpto.

Isto que ou estou aqui aconselhando, não é doutrina nova; fel-o a Inglaterra. A Inglaterra, em vez de prejudicar inutil e loucamente a sua prosperidade commercial com medidas restrictivas, verdadeiramente barbaras, procurou obter o saneamento das povoações.

Lá estudo-se rigorosamente qual é a mortalidade, e quando esta excede um certo numero, diz-se: em tal povoação ha do haver forçosamente um erro de hygiene, que é preciso, emendar. E vae-se logo corrigir, tanta fé ha na indicação dos numeros que dão a mortalidade, para se apreciar o estado sanitario das povoações!

Eu julgo, por consequencia, ter demonstrado que se póde fazer cá o mesmo no sentido de facilitar a visita dos estrangeiros que venham aos nossos portos, e isto póde ter um grande alcance economico. Eu tenho tratado este assumpto debaixo do ponto de vista das medidas prophylacticas, mas podia ainda estudai-o em relação ás medidas fiscaes. Não entro porém n'este campo, que é estranho ás minhas occupações mais communs; mas sempre direi que tenho visitado muitos paizes, e nunca lá vi medidas tão perniciosas, tão incommodas como as que ha nas alfandegas da peninsula, porque não é só em Portugal, é tambem em Hespanha que isto succede, e parece-me que não é este o modo de convidar os estrangeiros a visitar o paiz, suppondo ver em cada visitante um contrabandista.

V. exa. sabe que em França está-se estudando a maneira de proceder ao exame das bagagens o mais rapidamente possivel, sem deixar de se fazer uma certa inspecção. Quero referir-me á radioscopia, á intervenção dos raios X para verificar as bagagens. Isto está ainda em estudo, e póde ser que n'um futuro muito proximo se aproveite com vantagem.

Ainda poderia tratar este assumpto por outros lados, mas evito fazel-o para não me alongar excessivamente e apenas acrescentarei que muitos dos chamados melhoramentos de Lisboa não o são na realidade.

Murphy notava que no fim do seculo passado a maior parte das casas de Lisboa eram acompanhadas de grandes jardins; alem d'isso até ha poucos annos havia grande extensão de terrenos encravados na povoação, e que constituiam verdadeiras propriedades rusticas, que tornavam pouco densa a povoação.

Poder-se-ia ter tirado facilmente partido d'este facto excepcional n'uma cidade antiga, para expropriar esses terrenos e convertel-os em parques, que fossem como os pulmões d'esta cidade, como o são os numerosos parques que se encontram no centro da cidade de Londres, e permittem que, apesar da sua enorme população, seja uma das cidades mais salubres da Europa.

Isto teria sido muito facil então, mas não o é hoje, que o espirito mercantil inhabilmente auxiliado pela municipalidade, procurou valorisar esses terrenos convertendo-os em bairros compactes, assim a opportunidade passou para esse grande melhoramento.

Emquanto ao n.° 2.° do artigo 32.°, auctorisando o governo a reduzir nas alfandegas da metropole "os direitos de importação poro consumo do mercadorias originarias das provincias ultramarinas, podendo essa reducção ir até percentagem igual á que for applicavel ás mercadorias procedentes da metropole e importadas no ultramar", pouco tenho a dizer.

Em primeiro logar parece-me que um dos oradores, que me precedeu, considera que esta auctorisação implica de algum modo uma reforma das pautas do continente.

Eu não concordo com este modo de ver.

Nos preliminares da pauta vigente diz o artigo 21.°:

"Estão sujeitas a regimen especial na importação:

"1.° Mercadorias importadas de paizes com os quaes haja tratados, de commercio ;

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"2.º Mercadoria importadas das provincias portuguezas da ultramar;

"3.º Mercadorias sujeitas ao imposto do real de agua e a impostos locaes;

"4.º Tabaco."

Vê-se pois duramente que pelo n.° 2.° d'este artigo se podem modificar na direitos do importação em referencia ás mercadorias originarias das nossas provincias ultramarinas, sem haver propriamente reforma das pautas.

Sr. presidente, quanto a mim devem-se fazer algumas concessões para beneficiar os productos provenientes das nossas colonias, porque ellas são partes constituintes da nação, devora ser consideradas do mesmo modo que as diversas provindas do continente, sendo conveniente fazer-se tudo que for possivel em seu beneficio.

N'esta ordem de idéas julgo ser necessario reduzir os direitos de importado em referencia a mercadorias provenientes das colonias, para que haja toda a equidade o verdadeira reciprocidade; não seria justo querermos introduzir nas colonias os nossos artefactos com direitos differenciaes, e não fazermos analogas concessões nos artigos coloniaes.

Estou certo sr. presidente, que o governo não usará d'esta auctorisações sem fazer os estudos convenientes, sem ouvir as estações competentes (Apoiados) e as pessoas que têem competencia no assumpto, e merecem a sua confiança, advindo só vantagens d'estas auctorisações e nenhum prejuizo, quer para a metropole, quer para as colonias. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

A terceira auctorisação, a que se refere o artigo 32º. do projecto em discussão, tem por fim:

Rever as pautas de exportação de mercadorias originarias da metropole e das provincias ultramarinas, o adoptar as demais providencias que forem julgadas consentaneas com o maior desenvolvimento possivel do commercio o da navegação nacionaes."

As pautas das diversas provincias ultramarinas em relação dos direitos de exportação accusam efectivamente differenças que não são faceis de comprehender.

Assim nas alfandegas de Loanda, Benguella o Mossamedes, certos artigos, como o azeito de peixe, os oleos vegetaes, a borracha, a cêra, o café, emfim, a, maior parte dos productos coloniaes pagam de direitos para os portos estrangeiros 15 por cento, e para os portos portuguezes 3 por conto.

O marfim sendo exportado para porto estrangeiro, paga 10 por cento e para os nacionaes 2 por cento.

Vamos agora ver as pautas da alfandega de Ambriz.

Na alfandega de Ambriz o marfim e a borracha quando são exportados para os portos portuguezes, pagam 7 por cento, e para os portos estrangeires 15 por cento.

Todos os mais generos pagam quando são exportados para os portos portuguezes 3 por cento, o para os estrangeiros 10 por cento.

Nas alfandegas de S. Thome e Principe o café exportado paga por kilogramma 16, ou 30, ou 45 réis, conforme é exportado para os portos portugueses ou estrangeiros, o para estes segundo for embarcado em navios nacionaes ou estrangeiros; o cacau, segundo as mesmas circumstancias, paga por kilogramma 12, 25 ou 40 réis. Os demais generos pagam respectivamente direitos de exportação ad valorem l,5 ou 15 por cento.

Em Cabo Verde o direito de exportação do café é de 2 ou 4 réis por kilogramma, segundo é destinado a portos nacionaes ou estrangeiros, a semente de purgueira paga respectivamente 3 ou 6 réis por kilogramma, o azeite de purgeira 120 ou 240 réis por decalitro, o coral 300 ou 600 réis por kilogramma e os demais generos não mencionados l ou 2 réis por kilogramma.

N'uma palavra em todas as colonias ha differenças tão grandes que realmente não são faceis de explicar; o eu ate, que fiz parte da commissão da reforma das pautas ultramarinas, devo dizer a v. exa. que não me lembro exactamente de todos os fundamentos que houve para estabelecer taes differenças ; de modo que me parece justo e util fazer uma revisão bem estudada que procure uniformisar tanto quanto possivel as pautas do exportação das diversas, colonias que tenham productos similares.

É possivel que em relação a um ou outro género, possa haver inconveniente na uniformidade, é para isso é que se torna necessario um estudo attento, a fim de que a reforma se realise sem lesar ninguem, e com proveito para a economia das colonias e da metropole.

Vou entrar na apreciação da quarta auctorisação. A seu respeito direi desde já á camara, que não concordo com a redação d'ella.

Parece-me que é esta uma d'aquellas, em que se deve fazer aquillo que o governo já previu, que é serem modificadas as propostas, quando a discussão mostrar que ha conveniencia n'isso.

Vou procurar demonstrar que ha conveniencia em alterar esta proposta de auctorisação.

As colonias podem ser comprehendidas de diversos modos. Ha colonias que servem para receber o excesso de população, quando a metropole é um paiz demasiadamente povoado. Ha colonias que servem para receber o excesso do capital, quando a metropole é um paiz, muito rico e tem capitaes inactivos.

Ha outras que servem exclusivamente para favorecer o comercio e a industria da metropole.

Ora na situação em que nos encontramos, as colonias devem ser utilizadas d'este ultimo modo.

As colonias não são só joias da corôa, não são apenas um pretexto para figuras do rhetorica, mas podem e devem ter a applicação, que outros paizes ate mais ricos e mais povoados do que o nosso lhes dão.

Devem servir sobretudo para o desenvolvimento do commercio e da industria. E terão as nossas colonias mostrado que podem porvir para isso? Direi que têem dado provas eloquentissimas.

O sr. conselheiro Franco Castello Branco disse, a meu vêr com rasão, que a industria algodoeira, ora a industria mais poderosa que temos na metropole, e uma d'aquellas, que podia ser affectada por uma reforma impensada das pautas, ou pela introducção da industrias similares nos nossas colonias.

Vou tratar do demonstrar que isto é uma verdade incontestavel.

Antes das pautas, que vigoram desde 1892, póde dizer-se, que não entrava uma peça do panno portuguez na Africa, e se algum entrava, ora em tal quantidade, que não tinha importancia nenhuma.

Em 1884 foram importadas em Angola fazendas de algodão provenientes da Gran-Bretanha, no valor de 1:200 contos de réis.

Ora, isto era no tempo em que não havia o agio do oiro, alem d'isso as provincias ultramarinas não tinham adquirido o desenvolvimento o a expansão que tiveram depois.

Póde-se dizer que as fazendas de algodão são no interior uma especie de moeda. Com ellas se obtem a troca dos generos produzidos no sertão, os quaes são transportadas para os portos o depois vendidos nos mercados da Europa, sendo assim convertidos em oiro.

É por este meio que verdadeiramente obviámos, em parte, á deficiencia do oiro, por se terem estancado os beneficios que provinham do rendimento de capitães portuguezes collocados no Brazil, desde que o cambio nas praças d'aquella republica nos é tão desfavoravel.

Actualmente a exportação das fazendas nacionaes de algodão é verdadeiramente extraordinaria.

Para a camara ver a importancia que tem a industria algodoeira e o prejuizo que teria, se realmente fosse affectada por uma disposição qualquer que impedisse a expor-

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tação das fazendas da metropole para a Africa, eu direi a v. exa. que no inquerito de 1881, Oliveira Martins, estudando esta questão, como tão bem sabia estudar as questões economicas, diz que, no districto do Porto havia apurado a existencia de 10:000 teares, calculando o numero de operarios que servem esses teares em 30:000.

Posso dizer som erro, sem receio de me enganar, que hoje n'aquelle districto o numero do teares deve ser approximadamente o dobro; se não é o dobro, a producção é certamente superior (Apoiados), porque a velocidade com que andam hoje as machinas de fiar o do tecer é muito maior.

Se sairmos do districto do Porto o considerarmos o que se passa rio resto do paiz, veremos que o augmento d'esta industria não é menor do que n'aquelle districto. Póde-se conscienciosamente calcular que ha cerca do 100:000 operarios empregados n'esta industria.

Em relação ao capital, é enorme a quantidade que está immobilisado n'esta industria, deve ser superior a 10:000 coutos de réis.

Portanto se esta industria periclitasse, seriam enormes os desastres que adviriam. (Apoiados.)

Desde que se restringisse a exportação de fazendas nacionaes, sobretudo para as colonias da Africa occidental, o excesso do producção das fabricas da metropole seria extraordinario; e a maior parte teria do fechar as portas e despedir os operarios.

A creação do novos fabricas e a ampliação dos existentes, tendo algumas mais que duplicado a sua producção, foram um corollario fatal de se abrirem os mercados africanos e industria nacional.

Para occorrer ás necessidades do commercio africano era necessario grande quantidade de panno, de modo que ou as fabricas haviam do se esforçar para produzirem a fazenda que lhes era encomendada, ou tinham de desistir de entrar nossos novos mercados: foi assim que os industriaes com enormes sacrificios foram obrigados a desenvolver as suas industrias, a comprar machinismos caros, apesar do excesso do preço devido ao aggravamento dos cambios, o que fez com que essas machinas, custassem mais 40 ou 50 por cento do que se tivessem sido adquiridas pouco tempo antes.

Posso dizer, que ha uma fabrica que eu conheço, que tem hoje mais de 2:000 operarios, e tinha menos de metade antes de se tivessem as pautas ultramarinas.

Se agora se estabelecesse essa industria nas nossas colonias, e sobretudo se fosse protegida, como o poderia ser, sendo approvada a 4.ª auctorisação do artigo 82.°, a metropole seria enormemente prejudicada, podendo até succeder que as manufacturas dos colonias fossem introduzidas aqui, fazendo-nos uma concorrencia esmagadora.

E não imagine v. exa. que isto é uma hypothese atrevida. É o que se dá exactamente na India ingleza.

A Inglaterra tinha um mercado excellente na India para as manufacturas de algodão; hoje não só não vende lá nenhuns artefactos d'esta materia textil, mas ato creio que vem da India tecidos para Inglaterra, e sei que vão com certeza para outros mercados asiaticos, que d'antes eram abastecidos com os productos europeus da industria ingleza.

E este mal não foi para este paiz tão grande, como póde ser par nós.

Posso dizer isto, porque andei nos centros manufactureiros inglezes, tive relações com grandes industriaes, bastante intelligentes, e alguns até membros do parlamento britannico, e a muitos ouvi que a industria algodoeira estava decadente e talvez destinada a morrer n'aquelle paiz, mas que outra grande industria lucra com a dispersão das industrias textis, e é a da construcção de machinas.

Das fabricas que produzem machinas de fiação, hoje, não ha modo de lhes obter prompta satisfação das encomendas, porque se acham muito occupada a construir
machinismo para novas fabricas na China e no Japão; assim o enorme desenvolvimento que tom tido em Inglaterra a industria que se occupa da construcção de machinas, compensa a declinação da industria algodoeira que já se observa, e mais se notará no futuro.

Para nós, porém, não ha outros recursos, se a industria algodoeira definhar, o por consequencia, tivermos de fechar as portas das nossas fabricas e despedir os operarios, seremos forçados a lançar na miseria mais alguns milhares de desgraçados.

Em resumo, nós podemos e devemos fazer alguma cousa em beneficio das nossas colonias, sem aggravar as industrias da metropole.

As colonias, principalmente as nossas, o em geral as dos climas tropicaes, produzem materias primas, que se podem cultivar, como em Angola, onde já hoje se cultiva o algodão, mas em ponto pequeno, porque esta cultura dá um producto de menor valor do que outros, que são considerados ricos, como o café, o cacau, a borracha, e quando um producto pobre se encontra com outros de maior valia, estos tendem a expulsal-o, e só a protecção do estado poderá valer-lhe.

Ha regiões, como a de Mossamedes, que se prestam a esta cultura, e ahi não se produzem, creio eu, fructos tão ricos como outros que se colhem em outras regiões da provinda de Angola. Se o governo procurasse facilitar a cultura do algodão em Mossamedes e nos outros pontos da, provincia de Angola, que fossem favoraveis a esta planta, estou persuadido que se poderia produzir do boa qualidade, capaz de competir com o melhor que vem do Brazil, e certamente poderiamos tirar d'ahi grandes vantagens para esta colonia e seria, sem duvida, uma riqueza para o paiz. Basta dizer a v. exa. que do ultimo boletim das alfandegas publicado, e de que tenho conhecimento, consta que em onze mezes do anno de 1896 importaram-se 8:951 toneladas do algodão, no valor de 1:014 contos de réis, e no anno anterior, durante o mesmo periodo, tinham sido importadas 11:709 toneladas, no valor de 2:301 contos de réis. Como v. exa. acaba de ouvir, vim do estrangeiro annualmente algodão em rama, e tem de ser pago em oiro, no valor de 2:000 contos de réis approximadamente.

Se em vez de vir do estrangeiro viesse das nossas colonias, certamente seria uma vantagem para o paiz. Parece-me, pois, que d'este ramo de agricultura e outros poderiamos tirar verdadeiros beneficios, de modo que augmentasse a quantidade e o valor, não só das materias primas que importâmos, mas tambem das que são exportadas para os mercados estrangeiros, representando tudo um valor em oiro muito importante.

Como conclusão do que tenho dito mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o n.° 4.° do artigo 32.° do projecto de lei n.° 21 seja substituido pelo seguinte:

4.° A estabelecer nas provincias ultramarinas um regimen protector destinado a facilitar a producção de materias primas que têem largo consumo na metropole, e encontram mercados faceis na Europa. =J. J. da Silva Amado.

Foi admittida e ficou em discussão juntamente com o projecto.

O sr. Francisco Ramires: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, ácerca do projecto de lei n.° 29-A, concedendo ás irmãsinhas das pobres a importação livre de direitos de certos materiaes de construcção.

Foi a imprimir.

O sr. Simões Ferreira: - Mando para a mesa o seguinte

Participação

Participo a v. exa. e á camara que a commissão do

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commercio se acha constituida, tendo-me feito a honra de ma eleger seu presidente, secretario o sr. deputado Leopoldo Mourão, e havendo relatores especiaes. = Joaquim Simões Ferreira, deputado.

O sr. Laranjo (relator): - Poço a v. exa. que mande tambem essa emenda a commissão.

O sr. Henrique de Mendia:- Regista a resposta dada pelo sr. presidente do conselho ao sr. Franco Castello Branco, quando affirmou que no pedido da auctorisação que contém no n.° 6.° do artigo que se discute, não teve intuitos politicos, declarando ao mesmo tempo que só usará d'ella quando possa obter diminuição de despeza, e que não tem o prurido de substituir o seu nome nas reformas feitas por aquelle estadista.

Pondo depois em relevo a circumstancia de não ter o sr. ministro da fazenda respondido ao sr. Franco Castello Branco, como nada disso também ao sr. Adriano Anthero, não havendo ainda, portanto, explicação alguma sobre as auctorisações, cora excepção da do n.° 6.º, accentua o orador a necessidade em que se acha de tomar a questão no pé em que a deixou o sr. Franco Castello Branco, devendo desde já affirmar á camara que não faz politica n'este debate.

Nas circumstancias actuaes do paiz, seria um crime de lesa- nação fazer intervir a politica n'um assumpto de tanta gravidade.

Referindo-se em seguida ao discurso do sr. conde do Burnay, apresentou largas considerações no intuito do mostrar que a agricultura nacional está n'uma situação verdadeiramente afflictiva; manifesta-se, por isso, abertamente contrario á elevação da contribuição predial, se bem que concorde em que se podem e devem fazer algumas reformas no tocante ás bases do seu lançamento.

Põe de parte, por menos importante, a auctorisação n.° l, e, referindo-se á do n.° 2, mostra que nas colonias os terrenos são feracissimos, sem necessidade de fertilisantes; as colheitas são enormes, os salarios diminutos o as contribuições quasi nullas, ou totalmente nullas; exactamente o inverso do que se dá na metropole.

Entende, portanto, que um direito differencial para os productos coloniaes, alem das vantagens de que já gosam, seria um golpe mortal para a agricultura portugueza.

Assim, a diminuição, por exemplo, dos direitos do milho seria a ruina d'essa cultura no paiz, pois que não poderia supportar a concorrencia do milho colonial e mais ainda a do milho americano, que é baratissimo, e que por contrabando seria introduzido em Cabo Verde para d'ali sor exportado para a metropole, gosando dos beneficios concedidos ao milho das nossas colonias.

No sentido ainda de se proteger a agricultura nacional, entende que as pautas devem ser modificadas do fórma a estabelecer um direito mais pesado para varios artigos, como a lã, a cevada germinada, o arroz partido, as sementes oleosas o outras, e que, no tratado a realisar com a Allemanha, se deve pôr completamente de parte o alcool industrial, porque o contrario seria a ruina dos nossos vinhos.

Deseja que na auctorisação concedida pelo artigo 33.° se diga que os bilhetes do thesouro, que forem dados ás camaras municipaes, não serão negociaveis, e pede ao governo que diga qual o uso que conta fazer das auctorisações que lhe vão ser concedidas.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Ouvi o illustre deputado o sr. Mendia com a attenção que me merecem sempre os seus substanciosos discursos, proferidos com sinceridade e convicção. S. exa. convidou-me a expor por parte do governo, o pensamento d'este, com relação a algumas das auctorisações do artigo 32.° do projecto que se discute.

Eu comprehendo que nenhum dos srs. deputados d'esse lado da camara possa ter confiança nos ministros actuaes, mas o que me parece ter direito de esperar é que confiem na nossa palavra, quando declarâmos solemnemente perante a camara e o paiz, que estas auctorisações não vão ser usadas no sentido de affrontar a industria nacional, mas no sentido do augmentar a industria da metropole, fomentando o trabalho africano, e sobretudo desenvolvendo o commercio entre a Africa e a metropole.

Este é o meu pensamento. Póde estar mal expresso, mas é a elle que havemos de obedecer. E para serenar immediatamente o espirito do illustre deputado e o do talentoso leader da opposição, devo dizer que estas auctorisações não têem applicação nem ao milho, nem a cereas, nem ao alcool, porque nós não pretendemos affrontar a industria nacional. E quanto ao alcool, visto que s. exa. se referiu ao tratado de commercio com a Allemanha, devo dizer que nas negociações pendentes o alcool foi posto inteiramente do parte.

Vamos, porem, á questão que está sujeita ao debate d'esta camara.

Uma das fórmas por que se póde avaliar o estado economico do paiz consiste em comparar as duas funcções importantes do negocio: a importação e a exportação. Effectivamente a importação para o consumo mostra, pelas differentes especies em quo póde subdividir-se, qual é a parte da importação que é destinada a crear valores capitalisados, e qual é a parte que se emprega em manter as forças necessarias para a produção.

A exportação nacional dá conhecimento de quaes são os recursos mais importantes do trabalho nacional, cujos productos adiam mais ou menos collocação, o indica quaes são as industrias cuja expansão convem promover. Isto pelo que respeita á exportação para consumo.

Finalmente, o estudo da importação, em escala, o da reexportação, em escalas, revela qual a importancia da funcção que representamos como merendo intermediario, e diz qual é o sentido em que devemos orientar o nosso esforço para tirar o maior proveito possivel da nossa situação, geographica.

E á luz d'este principio que deve ser estudada a questão do nosso commercio com as possessões ultramarinas.

Não podemos fazer obra pelas estatisticas do commercio geral do ultramar, porque são muito deficientes; mas temos as do commercio de Portugal, onde vem um capitulo, commercio da metropole com as colonias. São atrazadas; a ultima refere-se a 1894. Mas é sobre este anno que tem de versar especialmente as minhas considerações.

Em 1894, a exportação para as colonias andou por perto do 5:000 contos do reis.
Foram 4:900 contos de réis, mas não vale a pena tratar estas questões com grande rigor, tanto mais que me refiro a um anno já bastante distanciado. Metade foi exportação nacional, a outra metade de escala ou reexportação. A importação na metropole, no mesmo anno, andou por 8:500 contos de réis, sendo 1:000 coutos de0 réis de importação para consumo, e os 7:500 contos de réis de escola, isto é destinados a reexportação para paizes estrangeiros.

Mas deixemos a importação na metropole e occupemo-nos da exportação, a qual, como ha pouco disse, montou a perto de 5:000 contos do réis, e não tem baixado, dos quaes vamos buscar ao estrangeiro 2:500 contos de réis.

A primeira cousa que occorre é perguntar se o paiz não póde fornecer pela sua producção propria estes 2:500 contos de réis que vae buscar ao estrangeiro, para os levar ás colonias, passando aqui apenas como mercadoria.

Examinando, pois, os artigos a que se refere os 2:500 contos de réis, vê-se que o paiz produz uma grande parte d'elles, e que, pelos menos, 1:000 coutou de réis podem ser tirados ao commercio estrangeiro, para serem introduzidos directamente no ultramar,- como tecidos de algo-

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dão, material, substancias alimenticias, especialmente conservas e vinho.

Assim, sem dificuldade, podíamos produzir l:000 contos dos 2:500 contos de réis que ainda hoje vamos buscar ao estrangeiro, e com os quaos iriamos augmentar o trabalho nacional. E facilimo. Para isso basta diminuir um pouco os direitos de importação nas colonias, sobre os artigos originarios da metropole. Já vê, pois, s. exa. se eu pensando d´esta fórma, pretendo prejudicar a introducção dos productos nacionaes nas nossas colonias; muito pelo contrario.

Mas não é só isto; já hoje passam pela metropole, como mercadorias intermedias, 2:500 contos de réis do mercadorias estrangeiras, que se destinam ao ultramar; e o que é necessario, é augmentar ainda estes productos, que buscam o nosso mercado para terem direito ao imposto differencial procurando ao mesmo tempo, quanto possível, fazer com que o commercio estrangeiro com as nossas colonias se faça por aqui, já que não podemos fornecer todos os productos que ali se consomem; resultando d'aqui, não só. Os lucros que deixa essa passagem pela metropole, mas o desenvolvimento do commercio e da navegação entre metropole e o ultramar. (Apoiados.)

Portanto, é necessário não só reduzir no ultramar os direitos do importação sobre as mercadorias originarias da metropole, mas até sobre as mercadorias procedentes da metropole; e para que ? Para as obrigar a vir aqui, antes de seguirem ao seu destino.

A opinião do governo é que é necessario rever as pautas de importação das colonias, no sentido de favorecer, em primeiro logar, as mercadorias originarias da metropole, em segando logar, as procedentes da metropole.

Isto póde fazer-se por meio do acto addicional, e não carece de auctorisação. Mas, como reduzir os direitos de importação em certos artigos nas nossas colonias representa logo uma diminuição de receita nas possessões africanas, torna-se preciso procurarmos uma compensação, e essa está no estabelecimento de direitos de exportação.

Logo veremos que ha um reflexo, n'esta alteração do regimen fiscal, um reflexo para a metropole.

Ora, diminuindo os direitos de importação para as mercadorias originarias da metropole nas colonias, argumentando o direito de exportação é necessario que esto direito varie, conforme o destino da mercadoria. Eu explico o meu pensamento.

Assim como as mercadorias estrangeiras, que se destinam ás colonias, passam pela metropole, assim tambem desejo que as mercadorias africanas, que se destinam aos mercados estrangeiros, passem pela metropole, para centralisar aqui, quanto possível, o commercio africano.

Portanto, digo eu: é necessario estabelecer nas colonias (e refiro-me especialmente á Africa, que é aquella com quem nós temos mais commercio), estabelecer, digo, direitos de exportação differenciaes; e podem estabelecer-se de dois modos; póde estabelecer-se nas colonias um direito de exportação único; esse direito será regulado pelo que devo prevalecer para as mercadorias que se destinam aos mercados estrangeiros; estabelecemos, portanto, nas colonias um direito commum para todos os artigos d'essas mercadorias, e as que entrarem no continente gosam de uma diminuição de direito de importação para compensar o direito de exportação.

E sabe v. exa. porque? Porque não quero argumentar as difficuldades para o consumidor.

Portanto quero compensar os direitos de exportação dos productos saídos das colonias com a diminuição dos direitos de importação estabelecidos na metropole. Para o consumo da metropole a situação fica exactamente a mesma.

Aqui tem v. exa. e a camara explicada a rasão por que carecemos de tocar na pauta de importação, simplesmente com respeito aos artigos o mercadorias das provincias ultramarinas.

Ainda ha outro meio.

Mas este meio, que acabo de referir, é não só para a África, mas para todas as nossas colonias, com excepção da Africa occidental, onde ha a navegação de cabotagem, e por isso o direito de exclusivo de bandeira, póde ser regulado lá mesmo. Em Angola, por exemplo, póde estabelecer-se um direito differencial para as mercadorias que se destinam para o estrangeiro ou para a metropole, abonando o das que vem para a metropole; e podemos estabelecer um direito differencial para os outros artigos destinados ao consumo da metropole ou que vão para o estrangeiro.

Creio que a camara me comprehenderá e que traduzi claramente o meu pensamento.

Vou também citar um exemplo.

Temos madeiras na Guine. E sabe a camara para onde vão todas as madeiras da Guiné? Para Inglaterra, porque lá a sua entrada é livro e aqui pagam 50 por cento!

Como v. exa. vê, ha uma reforma a fazer no regimen fiscal das colonias, o essa reforma é importante sobre o producto do imposto.

Os direitos de importação são mais difficeis de cobrar do que os de exportação. A importação presta-se mais ao contrabando; e a camara calculará facilmente, como fazendo-se contrabando no continente; até que ponto chegará essa fraude no extensissimo territorio africano, com uma costa vastíssima aberta em todos os pontos ao contrabando! Cito um facto naturalmente conhecido de toda a camara: se compararmos o movimento do caminho de ferro de Lourenço Marques com o movimento da alfandega, nota-se que o trafico do caminho de ferro é superior ao da alfandega. Porque é isto? È porque a maior parte dos productos entram por contrabando e é muito mais difficil a importação do que a exportação. Excuso de explicar porque.

A modificação do regimen tem ainda uma vantagem, a que se refere ao regimen do drawback.

O regimen do drawback não é isento de inconvenientes. Rigorosamente ao drawback deve substituir-se o premio da exportação, a restituição de direitos á materia prima quando ella sáia sob a fórma de artefactos. Mas é difficil de fiscalisar este regimen.

Em primeiro logar basta dizer que ha artefactos, que comprehendem diferentes materias primas; assim, por exemplo, as camisas comprehendem differentes algodões: o algodão do corpo da camisa não é o mesmo que o do peitilho, e o algodão do corpo tem um certo peso e o do peitilho tem outro.

Portanto esto regimen é difficil de fiscalisar; e o direito do algodão varia da 120 a 900 réis.

Ora a inspecção technica da alfandega tem mais de uma vez reclamado contra o regimen do drawback; e assim é que já diversos paizes para alguns artigos têem
substituido este regimen pela restituição de direitos. Assim para a cera não ha drawback. Entra em bruto e soe branqueada, mas não ha conta corrente como ha para as fixações do direitos nas alfandegas. A cera entra pagando o seu direito de importação e depois sáe livre sem se saber como ella entrou. Portanto para a cera não ha drawback: ha prémio de exportação.

Para as garrafas também não ha drawback, ha a restituição do direito. A garrafa entra para saír depois de engarrafado o vinho pela forma como entrou.

Ora a minha opinião é que deve acabar o drawback e, estabelecer-se o prémio de exportação.

Aqui está, pois, a rasão por que eu peço auctorisação para rever a pauta do importação e de exportação, e tenho assim explicado o pensamento do governo.

Ora com respeito á 4ª condição, parece que ella tambem assustou muitos illustres deputados da opposição. EU devo dizer que a 4ª condição applica-se principalmente a Moçambique.

A Africa occidental não é uma colonia industrial. Mais

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do um illustre deputado se referiu ao algodão; mas eu ainda não vi lá montar uma fabrica do algodão.

A protecção de 50 por cento que têem ossos productos no continente já animava a estabelecer uma fabrica; mas viu já alguém montar-se uma fabrica de algodão em Africa? Ainda não.

O sr. Ferreira de Almeida:- Quando eu estive em Mossamedes, em 1880, havia lá uma pequena fabrica do camisolas de algodão.

O Orador :- Mas essa fabrica é tão importante que não figura no registo das alfândegas.

(Interrupção do sr. Ferreira de Almeida.)

Eu não contesto o que o illustre deputado diz, mas o que é certo é que não ha em Africa a industria do algodão, e que no nosso mercado principal do algodão é ainda hoje a Africa; quer isto dizer que não ha em Africa fabricas que compitam com a fabricas da metropole. Mas com a protecção dos 50 por cento á Africa ocidental, pela sua situação especial, transformar-se-ía n´uma colonia industrial, e devia animal-a, como muito muito bem disse o sr. Mendia, a produzir artefactos para consumo africano.

O mesmo não succede em Moçambique, que tem atrás de si o Transwaal, a colonia do Cabo e o Natal, de sorte que, o que é necessario é fomentar o augmento das industrias em Moçambique. Nós temos lá uma grande producção do sementes oleoginosas, que sáem de Moçambique para Marselha para o fabrico do oleo e do sabão.

Ora porque não havemos nós de attrahir capitaes que produzam n'aquella colonia o fabrico do oleo e do sabão, em vez de vir a materia prima para Marselha, ficando assim uns simples tributarios da industria estrangeira?

É para conseguir o desenvolvimento d'estas industrias, que o governo pediu esta auctorisação; eu não contesto que estas auctorisações sejam vagas; o que contesto é que o illustre deputado da opposição não tenha em nós, é claro que não digo confiança politica, mas que não deposite em nós a confiança de que sejamos capazes de cumprirmos o nosso dever.

A hora está muito adiantada e eu não quero tomar tempo á camara, mas não posso deixar de abrir um parenthesis, que v. exa. e a camara certamente me permittirão, pois têem sido tão tolerantes para com outros oradores, que eu espero igual favor da parto do s. exa.

O sr. conde de Burnay, n'uma das ultimas sessões, proferiu n'esta camara uma asserção que eu considero grave.

S. exa., confrontando os déficits das gerencias desde 1892 e as notas da divida fluctuante no mesmo periodo, affirmou que havia 13:000 contos, que tinham desapparecido e que por mais que lese os documentos publicados, como auxiliares, não lhe appareceu noticia de uma tão grande falta.

Acrescentou s. exa. que não queria suppor que houvesse desvio, mas que era um defeito da contabilidade por estar mal organisada.

(Interrupção do sr. conde de Burnay.)

Disse s. exa. que não havia conta corrente do que se devia, e promettem publicar essas cifras a que se referia no Jornal do Commercio.

As contas não apparecem só no Diário do governo, já se annunciaram no Jornal do Commercio!

(Pausa.)

Annunciaram-se, mas como não appareceram, vou respondendo, embora eu não saiba ao certo se o sr. Burnay encontrou nos seus calculos faltaram não sei se 13:000 se 14:000 contos do reis.

O argumento adduzido é que o orçamento não mostrava em que se havia applicado uma quantia tão avultada como esta de 13:000 contos de reis.

Agora já são 27:000 contos de réis...

(Interrupção do sr. conde de Burnay.)

Mas eu vou andando.

Esta asserção ó muito grave, a referindo só a um período do em que o partido progressista tinha estado inteiramente affastado do poder, entendia eu que não era a nós que competia responder, porque não tínhamos a responsabilidade do facto.

Esperava que alguem d'esse lado (apontando para a esquerda) se levantasse para repellir tal asserção e explicar os factos.

Fallou o sr. Reymão.

Ouvindo a s. exa. pela primeira vez, fiz, de mim para mira a prophecia, de que lhe está reservada uma larga e brilhante carreira parlamentar. (Apoiados).

O seu discurso conceituoso, sincero, convicto o eloquente por isso mesmo, parece-me poder servir de modelo a muitos dos illustres deputados seus collegas, que imaginam poder conquistar a consideração da camará e os applausos do paiz com retaliações, referencias de mau gosto, gritos e até ás vezes murros.

Apreciei muito o discurso de s. exa.; mas a verdade é que a respeito d'aquella asserção do sr. Burnay nem uma palavra lhe ouvi!

Fallou depois o sr. Mello e Sousa, o fel-o com a sua vasta erudição, reflexionando sobro uma citação, que não pecca por nova, sobre economia politica- e que tenho por litteratura de mau gosto.

Proferiu também uma phrase inteira em inglez, para mostrar, creio eu, ao sr. Moncada que era um pouco mais versado n'aquella língua. (Riso.) Disse que já tinha visto o orçamento francez para 1898, citando algumas phrases do actual ministro da fazenda, o sr. Cocheri. Mas a respeito da questão levantada pelo sr. condo de Burnay nem uma palavra !

Fallou também o sr. Luciano Monteiro, de cujo discurso, vou dizel-o, tirei grande proveito, na parte referente á contribuição do registo,- e em occasião opportuna hei de approveitar as considerações de s. exa.- Mas o illustre deputado, também sobre a questão, nem uma palavra sequer disse.

De modo que eu tenho de fazer o que s. exa. não fizeram.

Vou, pois, explicar esta questão ao sr. conde de Burnay, para dissipar a confusão de s. exa.

(Pausa.)

E muito difficil, a quem trata esta questão um pouco sobre o joelho, encontrar os documentos.
Perguntou s. exa. onde estava a despeza feita pelo estado com o emprestimo á camara municipal de Lisboa. "Não está no orçamento", disse s. exa. Se eu estou em erro, póde s. exa. corrigil-o; mas appello para o testemunho da camara. "Quem paga o emprestimo é o governo? Pergunta s. exa. Mas não apparece no orçamento!" Está aqui, digo eu, a pagina 45.

(Leu.)

Aqui está. Diz s. exa. quem paga? Paga o estado, ca está no orçamento.

Qual foi o argumento? S. exa. foi buscar a divida fluctuante em 30 de junho de 1892, mappa 23 do meu relatório, e depois foi buscar a divida fluctuante em 30 de junho de 1896.

Primeiro erro, porque tomos cinco annos, desde junho de 1892 ate junho de 1896, e depois quando foi confrontar os mappas das gerencias, não viu que ali não estão os deficits de cinco gerencias, mas de quatro e meia, e portanto errou; mas isso foi um lapso.

A importancia da cifra pouco importa, o argumento e que tem valor.

Não insisto, portanto, n'este pequeno senão.

Temos elementos heterogeneos comparados, mas o argumento fica de pé.

Divida fluctuante em 30 de julho de 1892 20.979:504$038 Divida fluctuante em 3 do junho de 1896 34.861:471$060
Diferença......13.882:032$978

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SESSÃO N.º 29 DE 6 DE AGOSTO DE 1897 527

Agora diz s. exa., ha recursos extraordinarios, creados pelo estado n'este periodo.

O mappa 23, que não é senão a continuação do mappa publicado pelo meu antecessor, indica tambem os recursos extraordinarios.

Diz s. exa.: os recursos, extraordinarios sommam de 1802 até 1396, 12,254:043$752 réis, que sommados com os 13.832:032:978 réis, dá 26.136:076$730 reis. Depois disse s. exa. estes 26:000 contos de réis hão de apparecer. E foi no mappa n.° l , que é o mappa dos deficits, e disse: 14.197:908$775 réis; logo, tirando essa quantia dos 26:000 contos de réis faltam 11:000 contos de réis. É verdade, mas então não são já 14:000 contos de réis que faltam, nem 13:000 contos de réis por causa das correcções que só têem de fazer.

A questão não perdeu de gravidado, dirá s. exa., por eu ter reduzido a cifra indicada por s. exa. Sejam 14:000 contos ou 12:000 a gravidado é a mesma, affirmára o sr. conde.

Vâmos então a outro esquecimento de s. exa., esquecimento imperdoavel. Os elementos estão no proprio mappa a que s. exa. se referiu.

S. exa. não attendeu á differença de sobras nos cofres do thesouro. Isto é elementar no commercio. Dá-se o balanço, como se faz no commercio, e vê-se o dinheiro que ha em caixa. Como é que s. exa. entendeu poder fazer o balanço, sem attender ao que estava em caixa e ao saldo nos cofres do thesouro? Aqui está do que s. exa. não fez caso!

Ora se nós compararmos as duas epochas extremas encontraremos o seguinte: 1:551 contos do saldo em cofre em 1896, 3:345 contos, mais 1:794 contos. Mais ainda. E o saldo da junta do credito publico? S. exa. não sabe que na conta da gerencia só figura o pagamento effectivo. As quantias em deposito no banco de Portugal não figuram nas contas de gerencia, porque não estão ainda despendidas.

Se s. exa. compulsar o Diario do governo n.° 11, de 15 de janeiro d'este anno, encontra os saldos da junta do credito publico em deposito no banco de Portugal e no estrangeiro n'esta importancia.

(Leu.)

S. exa. não attendeu, porque não quis ou não pôde, a que sommando estes saldos da junta, e que s. exa. despreza, com os saldos nos cofres do thesouro, comparadas as duas epochas, temos 4:789 contos, e deduzindo-os de 11:938 contos, que desprezou, ficam 7:149 contos. De 14:000 contos já temos apenas 7:00!

Mas vamos andando.

Cá está o saldo na segunda parte do quadro da divida fluctuante.

S. exa. não precisava apresentar requerimentos á camara; tinha todos os elementos que lhe eram necessarios para saber quaes eram os saldos em cofre no thesouro, como também os da junta do credito publico.

Mais abaixo encontra operações de thesouraria. Há as differentes, como não póde deixar de haver: contas de devedores e credores. São contas correntes, que só se liquidam quando cessam as operações a que ellas se referem.

Por exemplo, o estado adiantou uma porção de dinheiro em conta da companhia real dos caminhos de ferro. Era um adiantamento e não uma despeza do estado, e por isso não podia nem devia figurar nas despezas. Foi uma operação de thesouraria. Essa operação liquidou-se. A companhia pagou em titulos de obrigações de primeira hypotheca o seu debito ao thesouro, pagou em papel pelo seu valor, com que o estado nada perdeu. A conta em dinheiro está em aberto, a da companhia está liquidada.

No mappa, a que me referi, estão todos os elementos, figurando ahi as differentes sommas que entraram em cofre, não sob a fórma de dinheiro, m as de papel. Ora isso são 3:00 ou 4:00 contos de réis.

E aqui ha tambem a camara municipal com os seus adiantamentos, que são 2:000 contos de réis; - porque a camara municipal viveu muitos annos das subvenções que lhe pagava o estado sob a fórma de adiantamentos, conta que ainda não está liquidada, mas que figura nas operações de thesouraria.

Não a occultei; lá está no mappa. Nunca ninguem a occultou. (Apoiados.)

Se s. exa. se tivesse dado ao incommodo. - visto que tomava para inicio da sua argumentação o dia 30 de junho - de sommar todas as verbas despendidas com operações do thesouraria, desde aquella data até agora, havia de encontrar, não 7:149 contos de réis, mas 9:429 contos de réis. Isto o que quer dizer? É que parte d'estas quantias já foram lançadas ás despezas de gerencia.

Ha, por exemplo, entre estas quantias, desde 1892 até 1897, o seguinte.

(Leu.)

Aqui estão as sommas despendidas desde 30 de junho e as entidades com quem se despenderam.

Agora temos aqui a acrescentar o banco ultramarino. O thesouro tem pago, desde aquella data até agora, 1:398 contos de réis, e recebeu apenas por conta 181 contos de réis.

É uma conta que está em aberto, entre o thesouro e o ultramar, na importancia de 1:217 contos de réis.

Temos ainda os vales ultramarinos e aquelles 778 contos de réis, que têem sido aqui muito discutidos, de despegas feitas pelo cominando geral do artilheria; -legalmente feitas e que por falta de accordo na escripturação não tinham sido escripturadas; - o que faz ao toda 8:159 contos de réis. Como faltassem 7:149 contos de réis já sobejam 1:000 contos de réis!

Ora, s. exa. dirá que parece isto um milagre; porque, em vez de faltar dinheiro, sobeja; mas é porque, alem d'estas, ha muitas outras contas correntes, cuja nota tenho presente.

(Leu.)

Emfim o thesouro tem talvez seiscentos contas correntes, e d'ahi o que provém? É que tem um saldo a seu favor de 1:000 contos de réis, como aqui apparece.

A hora está muito adiantada, não quero cansar a attenção da camara; o que pretendi foi mostrar que a escripturação é feita com toda a regularidade, mas que, o que é difficil, é estudal-a; porque é necessario vêl-a, em todas as suas minudencias e em todos os seus detalhes.

N'uma palavra, a escripturação está feita com toda a regularidade, mas para a criticar é preciso estudal-a. (Apoiados)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna, sendo a ordem da noite o assumpto que está em discussão. Pedia aos srs. deputados que viessem ás nove horas em ponto.

Está encerrada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representares

Da federação das associações de classe de Lisboa, commissão composta por delegados de cincoenta o uma associações de classe, contra as propostas de fazenda apresentados pelo sr. ministro da fazenda na sessão de 12 de julho proximo passado.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, Editarão José Coelho, enviada á commissão de fazenda, e mandada, publicar no Diario do governo.

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528 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Dos operarios manipuladores de phosphoros, em serviço na fabrica de Lordello de Oiro, no Porto, pedindo protecção para a sua classe.

Apresentada pelo sr. deputado Correia de Barros, e enviada ás commissões de saude publica e artes e industrias.

Dos aferidores de pesos o medidas do Porto, pedindo, que os seus vencimentos sejam igualados aos dos seus collegas do concelho do Lisboa.

Apresentada pelo sr. deputado Adriano Anthero, e enviada ás commissões de obras publicas e de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Do professor de desenho do lyceu. central do Porto, pedindo melhoria de situação para os professores de desenho dos lyceus.

Apresentada pelo sr. deputado Adriano Anthero, e enviada ás commissões de instrucção primaria e secundaria o de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Das camaras municipaes dos concelhos do Villa Real e de Sabrosa, pedindo que não seja extincta a cultura do tabaco no Douro.

Apresentada pelo sr. deputado Moraes Sarmento, enviadas ás commissões da agricultura e de fazenda, e mandadas publicar no Diario do governo.

Justificação de faltas

Declaro haver sido por motivo justificado que faltei ás ultimas sessões. = J. E. de Moraes Sarmento.

Para a secretaria.

O redactor - Barbosa Colen.

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