532 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
pensavel: em primeiro logar, a missão educadora da imprensa e a força de que ella dispõe dão aos delictos commettidos por tal meio um caracter particular: póde dizer-se afoitamente que o meio empregado imprime tal alcance ao acto e o torna apto para taes fins, que lhe dá, na verdade, uma natureza particular, pedindo assim disposições legaes dictadas tambem por particulares conceitos. E muitas vezes é até o abuso da publicidade que exclusivamente determina a definição do crime: assim, quando se prohibem o punem as noticias dos suicidios, dos attentados anarchistas, dos nomes dos jurados, etc., declaram se delictuosos actos que, praticados por outro meio, seriam perfeitamente inoffensivos; a natureza dos delictos d'imprensa, caracterisada pelo abuso da publicidade, sobresáe aqui em plena evidencia.
Depois, devendo ser a efficacia uma das condições das penas, bem podemos entender que aos debates d'imprensa devem corresponder penas especiaes, particularmente as multas e uma incapacidade de publicação por certo tempo.
Por ultimo, a regulamentação da imprensa constituo, na verdade, um toda organico, em que as disposições penaes hão de harmonisar-se com as administrativas e com as fórmas do processo; ora, se póde ter alguma unidade uma reforma comprehensiva de todas estas partes, não será facil encontrar essa imprescindivel qualidade em reformas parciaes e isoladas.
Distinguindo-se, pois, os delictos d'imprensa de todos os outros, por caracteres differenciaes, e constituindo a regulamentação da imprensa um todo organico, composto de disposições administrativas, penaes e de processo, nem deve a lei d'imprensa vir d'envolta com outra sobre a liberdade da palavra e escripta, nem formar um capitulo especial do codigo penal.
É, porém, tempo, sr. presidente, d'entrar na critica do projecto em discussão; vou, por conseguinte, examinar seguidamente as suas diversas disposições.
Com a phrase publicação graphica, que se encontra no § unico do artigo 1.°, abrange-se só o que é dirigido ao publico, mas tudo o que, com esse fim, emprega qualquer fórma graphica.
O caracter de publicidade resulta do facto do escripto poder pertencer a quem o queira adquirir, não do numero de pessoas a quem o escripto fôr distribuido; assim, serão excluidos do preceito legal: as etiquetas, os bilhetes de visita, as circulares, as listas, etc. É claro que, com taes escriptos, tambem se podem offender direitos, mas, para punir essas offensas, basta a legislação commum. Em face da expressão referida julgo, pois, excluidos da lei d'imprensa os impressos mencionados no § unico do artigo 8.°
Sendo, porém, assim, a que vem esse paragrapho? Serão taes impressos excluidos da lei d'imprensa, só pelo que respeita á formalidade da indicação do estabelecimento? De certo não; seria absurdo sujeitar o que calumnia alguem n'uma carta impressa, por exemplo, ao fôro especial da imprensa. N'estes termos, entendo que o § unico do artigo 8.° deve passar para um artigo geral em que se definam os limites da lei d'imprensa.
Por outro lado, julgo que o conceito expresso pela phrase alludida precisa de restricções.
Não devem, a meu ver, ser incluidos na lei d'imprensa as publicações musicaes, os emblemas, medalhas e productos similhantes da arte plastica, as publicações officiaes.
É certo que, por todos estes meios, podem ser offendidos direitos de terceiros; mas, não offerecendo n'elles o abuso de publicidade perigos iguaes aos que offerece na restante imprensa, basta para salvaguarda o direito commum.
Em face do artigo 1.° do projecto, do artigo 145.° § 3.° da carta, e do artigo 363.° do codigo civil, julgo desnecessario o preceito do artigo 2,° De facto, o artigo 1.º diz que o projecto vem regulamentar o direito d'expressão o pensamento pela imprensa, garantido pela carta e pelo codigo civil, e, declarando estes dois diplomas livre tal direito, é claro que a posterior regulamentação não póde deixar de respeitar essa liberdade. A expressa declaração de que o delinquente fica sujeito á respectiva responsabilidade civil e criminal é tambem desnecessaria, por ficar expressamente consignada nos artigos 3.° e 18.° § unico.
Se, entretanto, se quizer conservar a repetição, parece-me que, com economia de palavras, o que é sempre vantajoso n'uma lei, poderão os dois artigos ser reunidos no seguinte:
«O direito d'expressão do pensamento; pela imprensa, garantido na carta constitucional da monarchia e no codigo civil, será exercido de conformidade com as disposições da presente lei, e o que d'elle abusar em prejuizo da sociedade ou d'outrem ficará sujeito á respectiva responsabilidade civil e criminal.»
No artigo 3.° occupa-se o projecto da enumeração dos delictos d'imprensa, e a doutrina ahi exalada marca, sem duvida, um assignalado progresso sobre a estabelecida pelo decreto de 1890 (apoiadas).
O § 1.°, definindo a offensa, é complemento indispensavel dos artigos 159.°, 160.° e 169.° do codigo penal, que se referem a este crime, sem comtudo o definirem; procura-se, assim, precisar tal termo. Não é, de certo necessario justificar com largas considerações a regulamentação especial, referente às pessoas visadas no citado § 1.° Quem offende o rei offende tambem, e sobretudo, a nação que elle representa. E, por isso mesmo que o rei, no regimen constitucional, deve estar fóra das luctas politicas, consignou a carta o preceito do artigo 72.° e o 2.° acto addicional o do artigo 7.°, declarando-o inviolavel e irresponsavel: d'estes artigos é consequencia o preceito do projecto. Offensa é a palavra d'ordinario escolhida para designar estes delictos de lesa veneração: empregam-na a lei franceza (artigos 26.° e 36.°), a italiana (artigos 19.°, 20.º e 25.°), a austriaca (artigo 63.°), etc.: é um termo generico que se extende desde a diffamação até á injuria ligeira. O projecto em discussão, precisando-lhe o sentido, redu-la a tres categorias de actos: falta de respeito; excitação d'odio ou desprezo; censura por actos do governo.
Pela elevada e melindrosa posição do chefe d'estado, devem ser consideradas, em relação a elle, como offensivas, certas apreciações que, para com simples particulares, podiam passar desapercebidas: em face do direito publico d'uma monarchia constitucional, tudo deve concorrer para collocar o rei fóra de discussões.
O mesmo principio se extende aos membros da familia real, pois todas as criticas de que forem objecto hão de recair sobre o rei; e aos soberanos e chefes de nações estrangeiras, por uma natural deferencia d'alta valia, que muito poderá concorrer para a manutenção das boas relações diplomaticas.
É certo que a expressão falta de respeito, com que o projecto quer explicar o termo offensa, não é d'uma absoluta precisão: dependerá do julgador decidir, na pratica, se no escripto em questão ha ou não falta de respeito; de resto, a expressão offensa está, como disse, consagrada pela tradição, e explicada pela jurisprudencia internacional. Parece-me, pois, que se poderá reconhecer falta de respeito quando haja insinuações que, embora sob fórma apparentemente delicada, não deixem menos transparecer, no fundo, a perfidia que contêem, ou logo que as referencias se transformem em grosserias; tal julgo ser o limite entre o escripto legitimo e o offensivo.
Não se encontra no projecto disposição alguma relativa á salvaguarda dos segredos d'estado: parece-me, entretanto, indispensavel estabelecê-la.
Como se vê, esse preceito impõe-se por si mesmo. Uma unica difficuldade póde oppor-se-lhe: a de determinar o