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N.° 29

SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1898

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Frederico Alexandrino Garcia Ramires
Carlos Augusto Ferreira

SUMMARIO

No expediente dá-se conta de um officio do ministerio da guerra e de um telegramma do presidente da commissão de defeza da marinha mereante, e têem segunda leitura dois projectos de lei. - O sr. Claro da Ricca insta pelos pareceres das commissões de fazenda e obras publicos sobre dois projectos de lei que apresentou na sessão passada - Manda para a mesa um aviso previo ao sr. ministro da fazenda o sr. Avellar Machado. - Justificação de faltas do sr. Ferreira da Cunha.

Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 9 (liberdade de imprensa). - Declaração do sr. Moraes Sarmento por parte da minoria regeneradora. - Propostas de lei do sr. ministro da guerra. - Resposta do sr. ministro da justiça ao sr. Moraes Sarmento. - Discutem o projecto de lei n.º 9 os srs.: Claro da Ricca, impugnando-o; o sr. Queiroz Ribeiro (relator), defendendo-o; e o sr. Arthur Montenegro que, depois de estranhar a attitude da minoria, faz a critica de alguns artigos do projecto com que não concorda, indicando ao mesmo tempo diversas emendas que julga necessarias.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 47 srs. deputados. São os seguintes: - Abel da Silva, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cesar de Oliveira, Alvaro de Castellões, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto Cesar Claro da Ricca, Bernardo Homem Machado, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Conde do Alto Mearim, Conde da Serra de Tourega, Conde de Silves, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Correia de Barros, José da Cruz Caldeira, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Manuel Telles de Vasconcellos e Martinho Augusto da Cruz Tenreiro.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alfredo Carlos Le-Cocq, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto José da Cunha Conde de Burnay, Conde de Idanha a Nova, Elvino José de Sousa e Brito, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João Baptista Ribeiro Coelho, João Catanho de Menezes, João Lobo de Santiago Gouveia, João de Mello Pereira Sampaio, Joaquim José Pimenta Telles José Adolpho de Mello e Sousa, João Capello Franco Frazão, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Manuel Afonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Pinto de Almeida, Visconde de Melicio e Visconde da Ribeira Brava.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Arthur Alberto de Campos Henriques, Conde de Paço Vieira, Francisco Barbosa do Couto Cunba Sotto Maior, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Frederico Ressano Garcia, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Frederico Laranjo, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Barbosa do Magalhães, José Matinas Nunes, Leopoldo José do Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz José Dias, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho Sebastião de Sousa Dantas Baracho o Sertorio do Monte Pereira.

Acta - Approvada.

O sr. Presidente: - Participo á camara que recebi do Porto um telegramma assignado por João Andresen, sobre a proposta de lei que foi apresentada á camara polo sr. ministro da marinha, em relação á marinha mercante.

Vae ser lido com a outra correspondencia que está sobre a mesa.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Moraes Sarmento, o mappa estatistico do recrutamento relativo ao anno de 1896, e participando que os mappas relativos ao recrutamento de 1895 e 1897 estão sendo organisados na repartição competente o que brevemente serão remettidos a esta camara.

Para a secretaria.

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492 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Telegramma

P. Lisboa. - Bolsa do Porto 317-153- 8 - 15 h.- T.

Exmo. sr. conselheiro Eduardo José Coelho, dignissimo presidente da camara dos senhores deputados. - Lisboa.

Os armadores portuguezes, reunidos n'esta cidade, para apreciar o projecto de lei apresentado na camara dos senhores deputados sobre a marinha mercante, manifestam a v. exa. o vivo descontentamento que lhes causou esse projecto, cujas disposições consideram absolutamente ineficazes e até contrarias ao desenvolvimento da navegação nacional, e rogam a v. exa. se digne transmittir á camara o sentimento unanime da classe por não terem sido attendidas no projecto as reclamações da commissão de defeza de marinha mercante, como havia sido promettido e notificado á commissão, e insta respeitosamente para que sejam conservadas as disposições do decreto de 21 de maio de 1896, revogadas pelo actual decreto, sem as quaes a marinha mercante portugueza, longe ser auxiliada será aniquilada.

Porto, 8 de março de 1898. = O presidente da commissão de defeza da marinha mercante, João Henrique Andresen.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A commodidade dos povos e a maior facilidade do exercicio do direito de voto, são circumstancias que o legislador deve ter sempre em vista ao fazer a divisão dos diversos concelhos em assembléas eleitoraes. O preceito da lei que manda agrupar as freguezias de modo que na assembléas sejam formadas por um minimo de 500 eleitores, nem sempre póde ter realidade pratica, sem que do seu cumprimento resultem serios inconvenientes e até muitas vezes a completa impossibilidade dos eleitores exercerem o seu direito de sufragio.

A freguezia de Amarelleja, do concelho de Moura, faz parte da assembléa de Safara, do mesmo concelho, mas nem a proximidade, nem a facilidade de communicação, justificou esse agrupamento. A 15 kilometros de distancia, com uma ribeira caudalosa de permeio, sem ponte, nem barca que permitia a passagem, succede que, frequentes vezes, principalmente no inverno, é impossivel a communicação entre as duas freguezias.

N'estes termos, temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O concelho de Moura, que faz parte do circulo n.º 89, é dividido em tres assembléas eleitoraes: a primeira com séde na freguezia de S. João Baptista, composta d'esta freguezia e da de Santo Agostinho, ambas da villa de Moura, com quinhentos vinte e tres eleitores. A segunda com séde em Safara, composta d'esta freguezia e das de Santo Aleixo, Sobral e Santo Amador, com trezentos setenta e quatro eleitores. A terceira com séde em Amarelleja, composta d'esta freguezia e das de Povoa e Estrella, com trezentos trinta e um eleitores.

Art. 2.º Ficam por este modo e para este caso especial, revogadas as deposições do artigo 41.° da carta de lei de 21 de maio de 1896.

Sala das sessões da camara dos deputados, 8 de março de 1898. = Os deputados da nação, Frederico Ramires = Conde da Serra de Tourega = O conego Alfredo Cesar de Oliveira = Libanio Antonio Fialho Gomes = Francisco Limpo de Lacerda Ravasco.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - O decreto de 31 de dezembro de 1851 tratando da contribuição predial, isentou d'ella; no artigo 9.° n.º 5.°, os edificios onde estiveram estabelecidas as misericordias e os hospitaes.

Este mesmo preceito foi repetido no decreto de 25 de agosto de 1881 e foi ampliado a outros estabelecimentos congeneres, pelo officio da direcção geral das contribuições directas, publicado no jornal O Direito, vol. XVIII, n.° 13, pag. 204.

O fundamento de similhante excepção á lei geral está certamente em que esses estabelecimentos, que vivem só da caridade e que tantos serviços prestam á sociedade, não devem ser privados pelo estado, n'um ceitil que seja, das esmolas que lhes dão os bemfeitores.

Ora esse fundamento existe igualmente para todos os outros estabelecimentos de caridade, taes são, por exemplo
na cidade do Porto o asylo de raparigas abandonadas, sob a invocação de Nossa Senhora, do Resgate e Livramento, asylo de primeira infancia desvalida, asylo de S. João, asylo de Villar, asylo profissional do Terço, asylo de mendicidade, e, por isso, tambem estes e os demais que estejam n'essas condições, devem ser igualmente isentos de contribuição predial, com respeito aos predios onde estejam estabelecidos.

Acontece mais que alguns d'esses estabelecimentos não têem tido dinheiro para pagarem a respectiva contribuição predial e com execução contra elles por esse motivo; de modo que não tendo por onde a paguem, estão sujeitos a ver penhorar os proprios moveis e utensilios dos desgraçados e a acabar de todo á mingua de recursos.

Está n'este caso aquelle asylo de raparigas abandonadas, contra o qual corre execução para pagamento da quantia de 800$000 réis, pouco mais ou menos, d'essa proveniencia.

Nunca o estado é tão grande como quando enxuga as lagrimas dos desgraçados n'estas condições. Obrigar a fechar um estabelecimento d'estes, deitando á rua os miseraveis, os orphãos e os desvalidos que n'elle se acolhem, será uma crueldade, emquanto que, dar á lei effeito retroactivo para as contribuições que ainda não estejam pagas, é simplesmente uma equidade.

E o pequenissimo desfalque d'ahi resultante, para o governo será sobejamente compensado pelas, bençãos de tantos infelizes e pelo proveito que o seu trabalho, educação e desenvolvimento darão mais tarde ao estado.

Por isso tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

1.° A disposição do artigo 9.º n.° 5.°, do decreto de 31 de dezembro de 1851, e artigo 1.°, n.° 5.°, do decreto de 25 de agosto de 1891, é ampliada a todos os estabelecimentos de caridade que tenham estatutos legalmente approvados.

§ unico. Esta disposição aproveitará aos mesmos estabelecimentos, em relação ás contribuições prediaes vencidas que ainda não estejam pagas.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario. = O deputado pelo Porto, Adriano Anthero.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de administração publica e de fazenda.

O sr. Augusto da Ricca: - Sr. presidente, uso da palavra para pedir a intervenção valiosa de v. exa. perante as illustres commissões de fazenda e obras publicas, a fim de que estas commissões doem o seu parecer a proposito de uns projectos que n'esta mesma camara tive a honra de mandar para a mesa.

Insisto n'estes projectos de lei, porque tendem a levantar uma injustiça flagrante feita a uma classe illustre, pela honradez com que sempre tem cumprido os seus deveres e justa comprehensão da sua missão.

Refiro-me aos distribuidores telegrapho-postaes da cidade de Setubal e aos empregados menores dos lyceus centraes.

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SESSÃO N.º 29 DE 9 DE MARÇO DE 1898

Se nós compararmos a remuneração dos serviços d'estes funcionarios com a que recebem outros, cujo desempenho de funcções são identicos, a injustiça salta de tal maneira palpavel, que não hesitei, perante os meus epilogos da camara e perante o paiz, de tomar a iniciativa de um projecto de lei, que tende a levantar a injustiça, referida.

Não acho bem que o espirito de economia possa justificar uma injustiça, (Apoiados,) e, prevendo, por consequencia, que a hesitação dão commissões seja baseada na idéa da economia, prejudicada pelo projecto em questão, desde já declaro a s. exa. que pela minha parte, acho uma theoria errada e criminosa justificar-se, com o espirito de economia, um prejuizo flagrante feito a umas classes honestas e trabalhadoras.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Avallar Machado: - Sr. presidente, mando para a mesa o seguinte

Avião previo

Desejo interrogar o sr. ministro da fazenda ácerca de uma imposição de multa ao monte pio geral, no anno de 1897, por suppostas infracções da lei do sêllo. = Avellar Machado.

Mandou se expedir.

O sr. Ferreira da Cunha: - Manda para a mesa uma justificação das suas faltas a algumas sessões.

A justificação vae publicada no fim, a pag. 342.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 9 (sobre liberdade de imprensa)

O sr. Presidente: - Como não está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, não posso pôr em discussão o projecto de lei n.º 7, primeiro da que estavam dados, para ordem do dia vae por isso ler-ee; para entrar em discussão, o projecto de lei sobre liberdade de imprensa.

Leu-se o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 9

I

1. - Senhores. - A primeira questão, ácerca de uma lei de imprensa, está em saber se leis d'essa natureza devem existir.

Alguns espiritos de eleição têem sustentado a negativa.

Entre o garrote e a licença, escapa-lhes o meio termo, porque o maior dos abusos parece-lhes ainda liberdade.

Não vendo na imprensa mais que um instrumento, acham superfluo legislar para ella.

Entendem que, nova longa da mythologia, a imprensa gosa o condão de curar as feridas que fizer.

Para castigal-a, contentem-se com a lei geral.

E, afinal, concluem, de que serve punil-a, se é inexpugnavel o seu poder?

Com estes paradoxos, contradictorios entre si, e com outros similhantes, firmados por grandes nomes e vulgarisados por pennas formosas, deu-se corpo e vida á theoria da impunidade absoluta, que floresce no livro, sem, até hoje, se aclimar na lei.

Inclinâmo-nos, com respeito, diante do ideal, cujo fanatismo proclamou taes erros. Mas não podemos perfilhal-os!

Entre o garrote e a licença, o meio termo é a liberdade de que o menor abuso já constitue negação.

Admittindo que a imprensa não passa de um instrumento, seria tão legitimo legislar para ella, como para outro qualquer que, devendo ser usado com proveito
póde excepcionalmente determinar um typo especial de delicto.

Suppondo na imprensa a virtude de curar todas as feridas que produz, falta demonstrar que as cura.

e a lei geral bastasse para punil-a, não veriamos a prova do contrario no consenso dos legisladores.

E, finalmente, se as leis são impotentes, de que se queixam? Ella triumphará!

2. - A verdade, porém, é que a prodigiosa invenção, que engrandeceu, eternisou e diffundiu a palavra, adquire uma força cada vez maior.

É pouco chamar-lhe o quinto poder do estado, como alguem fez. Ella prova, com factos, ser dos primeiros de que dispõe a opinião.

Avulta, pois, a necessidade de preceitos que a regalem, mormente nos paizes onde todos os poderes obedecem a leis.

Como, abusando, prejudica - negal-o é negar a evidencia - manda a justiça conjugar esforços, para evitar o damno e corrigir o abuso.

Ao disposições, filhas d'esse intuito, caberiam, é claro, no codigo penal.

Mas, pelo nexo intimo que as prende, pela minuciosidade quasi regulamentar a que precisam descer, pela importancia e complexidade do assumpto, ficam melhor n'um diploma especial.

3. - Para elaboral-o, ha dois caminhos oppostos.

Quem partir da idéa de que vale mais impedir do que responsabilisar, encontra logo a caução, pouco ou muito pesada; vae depois dar á censura, pouco ou muito severa; e chega até á suppressão, termo ultimo do systema.

Quem pensa que responsabilisar vale mais do que impedir, só tem na frente de si o emprego dos meios indispensaveis para tornar effectiva a responsabilidade.

Sem duvida, a repressão adapta-se a ambos os casos; mas, n'aquelle, como supplemento ou garantia da prohibição; n'este, como fim unico do legislador.

D'aqui, a denominação e a differença dos dois systemas antagonicos.

Felizmente, nas nações líberaes, o primeiro vae passando á historia.

Póde ter deixado vestigios. Póde, por exemplo, a livre Inglaterra exigir ainda a caução, que, se não é uma prohibição, é um obstaculo á liberdade.

Perdem-se, no concerto geral, essas notas discordantes.

4. - Ao systema repressivo cumpre escolher entre dois campos, que se distinguem principalmente pela latitude da inorminação: o direito especial e o direito commum.

Aquelle admitte, alem dos outros, todos ou alguns da chamados crimes de opinião, estranhos aos principios da jurisprudencia.

Este só desenha figuras de delicto, compativeis com as linhas geraes da criminologia.

Para commodidade e clareza, dividiremos ainda o direito commum, com respeito á penalidade e circunstancias especiaes da sua applicação; competencia, jurisdicção e processo, - em restricto e modificado.

O direito commum restando, segue á risca, n'aquelles assumptos, as normas da lei geral; o direito commum modificado altere-se mais ou menos sensivelmente.

Em qualquer dos dois, merecem particular attenção as formalidades exigidas á imprensa e a classificação dos seus agentes criminosos, estreitamente unida áquellas formalidades.

Postos, por amor do methodo, estes principios, cuja succinta exposição a vossa ilustrada benevolencia relevará, passaremos á synthese do projecto, que vamos ter a honra de vos apresentar.

II

1. - Na sessão de 16 de agosto de 1897, o nobre ministro da justiça submetteu ao parlamento a proposta

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n.° 48-A, tendente a regular o exercicio da liberdade de imprensa.

Essa proposta foi objecto de persistentes e demorados estudos, no seio da vossa commissão.

Afigurou-se-nos que convinha approval-a, introduzindo-lhe diversas modificações, que adiante explanaremos.

Mas não lhe desfiguram estas a physionomia, nem lhe adulteram o espirito, o que nos poupa á duplicação das nossas considerações geraes.

2. - Adoptámos a theoria da repressão, sem a mais pequena mescla de systema impeditivo.

Nem caução, nem censura previa, nem suppressões! Emfim, nenhuma restricção das que os mais sensatos especialistas liberaes declaram inacceitaveis ou que as legislações avançadas não toleram.

Haja, embora, quem propale outra coisa, imputando nos qualquer d'aquellas restricções, mais ou menos disfarçada.

Allegar não é provar. E a verdade do que deixâmos dito mostral-a-hemos logo, com factos e argumentos.

3. - Em materia de incriminação, verdadeira pedra de toque do systema repressivo, puzemos inteiramente de parte o direito especial, e fomos, sem hesitações, para o direito commum.

Fizemos mais.

A lei franceza pune delictos que o codigo penal não previu e que o nosso esquece igualmente, v. g. falsas noticias, que, perturbando a paz publica, sejam dadas de má fé.

Nós limitámos os abusos puniveis aos que ennumera o codigo penal, e entre os quaes aquelle não apparece.

D'este modo, eliminámos, por exemplo, o crime de offensa, indefinido e diverso da injuria, calumnia ou diffamação, perpetravel contra numerosas entidades, designadas no § 2.° do artigo 7.° da ultima lei especial vigente.

Pelo projecto, a offansa, rigorosamente definida, só revestirá existencia juridica, sendo praticada contra o rei ou algum membro da familia real ou contra chefes de estado estrangeiros.

4. - Quanto á penalidade, abraçámos, com igual exclusivismo, as prescripções do codigo.

O mesmo, com respeito ás circumstancias especiaes da applicação das penas: reincidencia, accumulação, etc.

Até aqui, portanto, não nos desviámos um apice do direito commum restricto.

Relativamente, porém, á competencia, conduzir-nos-hia elle a um rigor exaggerado.

5. - A competencia da lei geral é a do local onde se commetteu o delicto.

Ponderamos n'outra parte, (VI, 7, 8), como este se desdobra em dois: escrever e publicar. Mas, cumprindo evitar o perigo de julgamentos contradictorios, seria preciso escolher entre o logar, onde fosse escripto o artigo incriminado, e aquelle, onde tivesse publicidade.

A difficuldade de encontrar um e a facilidade em descobrir o outro, far-nos-hiam optar pelo segundo.

E ver-nos-hiamos assim levados a admittir a competencia de qualquer ponto onde o escripto se tornasse publico, como faz a lei franceza, que, para assegurar melhor a repressão, fixa ainda a competencia do logar onde residir o arguido.

Desejando, sem prejuizo da justiça, uma solução mais benevola, determinamos a competencia pelo facto da impressão, o qual, sem ser por si criminoso, é, no entretanto, essencial a todo o delicto de imprensa.

Simplesmente, quando for desconhecido o logar onde a impressão se effectua, recorremos ás regras do direito commum restricto, o que se nos impunha, sob pena de deixarmos impune o delinquente.

6. - No tocante á jurisdicção, seguimos tambem o direito commum modificado.

A legislação criminal vem, ha tempo, cerceando, entre nós, as attribuições do jury, em proveito das do juiz singular.

Como este só julgava crimes a que a prisão applicavel não excedia seis mezes, diminuiu-se primeiro consideravelmente um grande numero de penas, para lhe ficarem á mão.

Mais tarde, por decreto de 29 de março de 1890, approvado por carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno, facultou-se-lhe o julgamento dos crimes a que correspondesse prisão correccional, desterro, multa suspensão do emprego ou dos direitos politicos, por qualquer espaço de tempo.

Por fim, o crescendo de ampliações attingiu o excesso de, nos delictos de emigração clandestina, é artigo 12.° do decreto de 23 de abril de 1896 permittir ao juiz singular a applicação da pena de prisão cellular por dois a oito annos, ou do degredo correspondente, em alternativa.

Resumindo: se adaptassemos aos abusos de imprensa o direito em vigor, nenhum poderia ser submettido a jurados.

Repugnava, porém, essa pratica ás nossas ideias liberaes.

Por isso prescrevemos que os crimes de imprensa sejam julgados com intervenção do jury, salvo nos casos de offensa, injuria e nos de diffamação, quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados.

Nos casos em que o jury não deve intervir, confiámos a um tribunal collectivo o julgamento dos delictos sugeitos á acção publica, e ao juiz singular o dos simples delictos particulares e das contravenções.

Nada diremos agora sobra a area das attribuições do jury, nem sobre a organisação do tribunal collectivo.

Defendemol-as n'outros logares, (III, 23 é 24, VII, 12, 13, 14, 15, 16 e 17), e queremos fugir a repetições fastidiosas.

7. - Relativamente ao processo, norteou-nos um duplo fim: garantir a defeza e a brevidade.

Os abusos que se estão commettendo á custa do direito em vigor, não podiam continuar.

Cortámos, por conseguinte, sem complacencia, por todas as delongas inuteis, evitando subterfugios, que travavam a acção da justiça.

A chicana soffreu, mas a defeza ficou tão incolume, quanto o permittia o interesse da sociedade.

8. - Limitámo-nos a exigir á imprensa o minimo de formalidades, que nos era imposto pela necessidade de attingir a repressão.

Na classificação dos agentes, fomos logicos e benevolos, ao mesmo tempo.

A ambos esses pontos se dirigiram censuras, cuja refutação, a que não faltaremos, será a justificação completa do nosso procedimento.

Depois d'esta vista geral do projecto, entramos na sua analyse minuciosa.

III

1. - Alludiremos especificadamente a cada artigo, dando a maior concentração a estas observações.

Terão ellas, para vós, a unica vantagem de aclararem o nosso pensamento.

E, se o projecto for convertido em lei, constituirão, para quem desejar conhecel-a, um elemento interpretativo, talvez não inutil de todo.

2. - Artigo 1.° Começámos por delimitar a area da presente lei.

Será aquella em que só exerce o direito de expressão do pensamento, garantido na carta constitucional e no codigo civil.

Entre nós, as chamadas leis de imprensa têem regulado quasi exclusivamente os periodicos.

Comprehende-se, porém, que isso não baste.

Porque haviamos de prever a diflamação no jornal o desprezal-a no livro? com que coherencia puniriamos a fo-

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lha pornographica, esquecendo a gravura, a photographia, a lithographia obscenas?

Era necessario abranger os producções alludidas no artigo 2.° da lei allemã de 14 de maio de 1874, e que, obtidas por processos mechanicos ou chimicos, se destinam ao publico.

Mas, se a nossa lei em vigor é deficiente, tambem não; ousámos ir tão longe como o legislador francez.

A palavra e até qualquer composição musical impressa, posto que sem texto, nem commentario, entregou elle ás suas prescripções.

Urgia dizer o que as nossas attingem.

Para isso nos aventurámos, no § unico, a definir imprensa, não desconhecendo quanto geralmente ha de perigoso e difficil em dar uma definição.

O que, n'essa parte, podiamos fazer, para evitar o arbitrio ou a impunidade, fizemol-o.

O resto fal-o-hão depois o uso e a pratica dos tribunaes.

3. - Artigo 2.° Revelada a extensão da lei, convinha; indicar a sua orientação.

É o que faz o artigo.

Affirma o respeito pela liberdade do pensamento, a regeição dos mais odientos processos impeditivos e a responsabilidade correspondente á liberdade.

4. - Artigo 3.º Fixou-se, como dissemos, (II, 3), a incriminação do codigo penal.

Não contrariamos, porém, a absoluta liberdade da discussão, desde que, está claro, ella se mantenha nos limites, da critica, nunca, injuriosa, offensiva, nem diflamante.

O § 1.°, que define offensa, preenche uma lacuna do codigo.

Aquelle crime, vago até hoje, fica perfeitamente determinado.

Pelo artigo 181.° do codigo penal, entra na essencia da injuria contra as auctoridades publicas a presença d'estas.

O § 2.°, para attingir esse crime, considera esse requisito inherente á publicação.

5. - Artigo 4.º A providencia d'este artigo e seus paragraphos, antiga já na nossa legislação, veda que referencias, allusão ou phrases equivocas vão traiçoeiramente injuriar ou diffamar alguem, sem o aggressor se retractar ou expor abertamente á sancção penal.

Eliminámos da proposta a hypothese de offensa, porque a posição excepcional das pessoas visados por ente crime não só coaduna com a adopção da providencia facultada.

6. - Artigo 5.° Quem abusa da imprensa busca fugir ás vezes da responsabilidade, empregando pseudonymos, phrases allusivas ou equivocas.

Previne o artigo a estrategia, punindo-o do mesmo modo, se a accusação provar o abuso.

7. - Artigo 6.° O codigo penal restringe o direito de provar a diffamação, pela qualidade das pessoas conjunctamente com a natureza aos factos imputados, ou pela natureza dos factos imputados conjunctamente com a classe da prova produzida.

No primeiro caso, póde provar-se a diffimação só contra empregados publicas, por factos relativos ás suas funcções; no segundo, contra todos, quer empregados publicos, quer particulares, mas só por factos criminosos, sobre que houver condemnação, ainda não cumprida, ou accusação pendente.

E então, a sentença criminal já transitada é o união meio de prova consentido.

São geralmente sabidas as duvidas, difficuldades e decisões contradictorias, que a respectiva disposição tem originado, e que mal tentariamos expor, sem avolumar enormemente este trabalho.

Bastará dizer-vos como regulámos o assumpto, para, n'esse ponto, avaliardes o alcance do projecto.

Coherentes com o systema adoptado, mantivemos, no artigo, os casos em que o codigo penal admitte a prova dos factos imputados. Uma rasão de interesse publico, igualmente imperiosa e clara, levou-nos, porém, a equiparar, para o effeito, aos empregados publicos, os administradores e fiscaes de quaesquer sociedades ou emprezas civis, commerciaes, industriaes ou financeiras, que tenham recorrido a subscripções publicas, para a omissão de acções ou obrigações.

Não contribuiu apenas, para nos decidir á ampliação exposta, o desejo de nos harmonisarmos, n'essa parte, com as disposições da legislação franceza, que a pratica tem feito reconhecer como vantajosas.

Impulsionou-nos tambem a convicção de que seria levantar opportunamente o estado moral do paiz, entregarmos á sancção do jury e da opinião publica o exercicio de funcções, cujo abuso tanto póde prejudicar os espiritos, na hora presente.

Com este artigo, prendem-se os §§ 3.°, 4.° e 5.º do artigo 32.°, (artigos 33.° e 84.° da proposta), que regulam a producção da prova dos factos imputados, e que remedeiam uma deficiencia do codigo penal.

O processo, sem comprometter a brevidade, deixa á defeza a latitude precisa.

Inspirado por uma idéa, que de certo vos parecerá generosa, o § 4.º do artigo 32.°, admittindo, como o codigo, a prova resultante de sentença condemnatoria crime, para os factos estranhos ás funcções dos empregados publicos, que a sentença já tivesse transitado, ao tempo da publicação.

Se o facto, para o diffamador, era ainda juridicamente uma hypothese, repugna que o irresponsabilise a condemnação judicial posterior.

Requer, por outro lado, o codigo, que a condemnação ainda não esteja cumprida, para evitar que ao delicio já expiado, por mais leve que fosse, possa qualquer applicar uma pena perpetua, convertendo-o no eterno ozorrague do criminoso.

Comprimida entre os duas exigencias, fica devidamente reduzida a prova dos factos imputados aos particulares ou aos empregados publicos, quando taes factos, são estranhos ás suas funcções.

8. - Artigo 7.° O titulo, que é de ordinario um elemento importante em qualquer publicação, é o sobretudo nos periodicos.

O artigo assegura o direito á apropriação dos titulos.

Esse direito, porém, como tantos outros, perde-se pelo abandono, que bastará ser de dois annos, para os periodicos, como dispõe a letra do § unico, mas seguirá a regra geral da prescripção, para as outras publicações, como se deduz do silencio que guardámos.

9. - Artigo 8.° Pelo artigo 10.° e seu n.º 3.°, não poderá publicar-se nenhum periodico, sem se indicar, perante o delegado do procurador regio, o estabelecimento era que tem de ser feita a impressão.

Pelo artigo 16.°, o dono ou administrador do estabelecimento onde se houver feito a impressão, responde subsidiariamente pela falta de entrega ou remessa do um exemplar do periodico ao procurador regio ou ao seu delegado.

Pelo artigo 17.°, o dono ou administrador d'esse estabebelecimento é responsavel pelos crimes de imprensa, não havendo editor.

Pelo artigo 20.°, o dono do material e o do immovel do estabelecimento onde a publicação houver sido impressa podem ficar, em dada hypothese, responsaveis pela multa e indemnisação, em que os agentes do crime forem condemnados.

É, pois, necessario que cada publicação indique o estabelecimento onde se imprimir, e por isso o artigo o determina, sob uma pena, que a reincidencia póde aggravar.

10. - Artigo 9.° N'outro logar, (VI, 6), commentâmos este artigo. Ha, porém, algumas annotações, que devemos fazer aqui.

Eliminámos o requisito da maior idade, consignado no

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n.° 2.° do artigo 9.° da proposta, pelo julgarmos superfluo, exigindo-se o goso dos direitos civis e politicos.

A isenção de culpa só exclue, para nós, dois casos: estar preso ou pronunciado.

Como n'outra parte explicamos, (VII, 8), prescindimos da participação exigida no n.° 6.° do artigo correspondente da proposta.

For isso eliminámos aquelle numero, bem como o § 1.°, que lhe estava subordinado.

Ao disposto no § 2.° referimo-nos adiante (VII, 9).

11. - Artigo 10.° O artigo fornece ao agente do ministerio publico elementos indispensaveis para promover a repressão dos delictos de liberdade de imprensa, commetidos por qualquer periodico, desde a sua origem.

Alem da assignatura do editor, que a proposta já exigia, tornámos tambem obrigatoria a do dono ou administrador do estabelecimento, onde o periodico houver de ser impresso.

Podem, como vimos, impender sobre elle responsabilidades, que justificam a exigencia.

O artigo 2.° da lei de 17 de maio de 1866, deixado em vigor pelos artigos 1.° e 5.° do decreto de 29 de março de 1890, faz medear o espaço minimo de oito dias entre a declaração do editor e a publicação do periodico.

Não occultâmos que se tem abusado do preceito, dando ao abuso uma certa côr de legalidade a redacção pouco feliz do artigo citado: «Nenhum periodico, porém, se poderá publicar sem que, pelo menos, oito dias antes, etc.»

Tão desejosos de contrariar quaesquer excessos puniveis da auctoridade, como da imprensa, não determinámos que medeie praso algum entre a publicação do periodico e a entrega da declaração documentada.

Poderá, pois, publicar-se o jornal, com documentos improcedentes, ficando ao ministerio publico o direito e a obrigação de promover, como for de justiça.

12. - Artigo 11.° A justificação do artigo anterior é tambem a d'este.

13. - Artigo 12.° Estatue o artigo a sancção legal para a falta da declaração.

O § unico aggrava a pena com a da suspensão do periodico, até as formalidades serem preenchidas, unico meio efficaz de conseguir que o sejam.

E fica sempre na mão do condemnado o meio de sustar a pena: cumprir essas formalidades.

14. - Artigo 13.º Consignámos esta disposição para que o fiscal da lei ou qualquer cidadão possa facilmente exigir, a quem a tiver, a responsabilidade pelos abusos de imprensa.

l5. - Artigo 14.° Este artigo contém a sanação legal da exposição, venda, distribuição ou affixação de publicações suspensas.

16. - Artigo 15.° Este preceito, que evita a propagação verbal dos abusos de imprensa, é um bom exemplo da minuciosidade quasi regulamentar a que as leis congeneres precisam descer, como dissemos (1, 2).

17. - Artigo 16.° No empenho de enriquecer as collecções nacionaes, a disposição correspondente da proposta, (artigo 16.°), ordenava o deposito de um exemplar de qualquer publicação, em cada uma das bibliothecas nacionaes de Lisboa, Porto e Coimbra.

A imposição pareceu-nos poder importar certa violencia, em casos especiaes, visto haver publicações, cujo custo se eleva a uma somma importante, por cada exemplar.

E, para fugirmos a excepções arbitrarias, eliminámos aquella exigencia.

Fica, porém, de pé, para os periodicos, a entrega ou remessa de um exemplar de cada numero ao procurador regio e respectivo delegado.

A proposta obrigava á entrega.

Nós, considerando que o jornal póde imprimir-se e publicar-se em qualquer localidade onde não resida o procurador regio ou o seu delegado, facultámos sempre a remessa pelo correio, susceptivel de qualquer prova legal, que irresponsabilisará o remettente, embora, por causa estranha a este, não se dá a recepção.

18. - Artigo 17.° N'outros logares, (VI, 7, 8, 9, 10), commentâmos desenvolvidamente este artigo e o seu § 1.°.

Poderiamos ter adoptado uma classificação generica dos agentes.

A lei franceza, por exemplo, considera auctor ao crime o editor, e cumplice o auctor do escripto incriminado.

A nossa legislação vigente equipara-os, considerando-os ambos auctores do delicto.

A Inglaterra, como veremos, (VI, 9), abandona o auctor do escripto incriminado, mas vae até aos ultimos limites, em perseguição do publicador.

Pareceu-nos que esta diversidade de vistas deve attribuir-se principalmente á complexidade de circumstancias a ponderar nos abusos de imprensa.

Por isso o § 2.°, afastando a questão em these, deixa a classificação dos agentes, em cada caso concreto, ao prudente arbitrio do tribunal competente, com o que a justiça lucrará, sem a liberdade perder.

19. - Artigo 18.° Regeitámos em absoluto, como dissemos, (II, 4), qualquer penalidade especial para os crimes de imprensa.

O codigo civil gradua a responsabilidade proveniente de factos criminosos no capitulo II do titulo II do livro I da parte IV.

Dispõe ali o artigo 2381.° que a indemnisação por injuria ou por qualquer outra ofensa, contra o bom nome e reputação consistirá na reparação das perdas causadas e na condemnação judicial do offensor.

Segundo o commentario do sabio escriptor, que tem dado á vossa commissão a honra de a esclarecer e presidir, «se a offensa consistir em injuria, a reparação civil consiste nas perdas, que por esse motivo soffreu o offendido, as quaes, n'este caso, hão de ser de custosissima liquidação; e tambem na condemnação judicial do offensor.

«Para o homem de bem, conclue o eminente jurisconsulto, póde dizer-se que a unica reparação valiosa, contra a injuria e contra a calumnia, é a condemnação judicial do offensor.»

Não obstante, facultámos ao aggravado, no § unico do artigo, (§ 1.° do artigo 18.º da proposta), pedir no respectivo processo crime a importancia da reparação, e mandámol-a fixar na sentença condemnatoria.

E visivel a justiça, como a utilidade d'este preceito.

A admissão do pedido evita uma duplicação de processos desnecessaria, inconveniente para ambas as partes e nociva para a justiça, pelo perigo de a desauctorisar, quando a decisão crime e a civel fossem antagonicas.

Não tivemos, porém, a menor ideia de prohibir a acção civil, vulgarmente chamada acção de com nome, tão usual na Inglaterra, como rara na França e entre nós.

O cidadão poderá, sempre que queira, expor-se a essa prova, que exige costumes de diamante, limpidos e fortes ao mesmo tempo.

Por motivos que mais tarde resumiremos, (VII, 27, 20), eliminámos do artigo correspondente da proposta é § 2.º, que facultava ao juiz condemnar o editor na suspensão temporaria dos direitos politicos, por periodo não superior a seis annos, e o § 3.°, que mandava decretar, na sentença condemnatoria, a suspensão do periodico reincidente, por um a tres mezes.

20. - Artigo 19.° O § 2.° do artigo 39.º (43.° da proposta), dá o direito de exigir uma indemnisação a quem soffrer prejuizo com qualquer apprehensão annullada.

O presente artigo cria um fundo especial para aquellas indemnisações e manda-o escripturar separadamente.

21. - Artigo 20.° Os agentes do crime não podem muitas vezes pagar a multa, nem a reparação em que foram condemnados, o que enfraquecerá ou annullará a repressão

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legal, conforme, áquellas penas, acrescer ou não a de cadeia.

Convinha prover do remedio um mal tão grave.

Ora o proprietario da publicação toma a responsabilidade de fornecer ou meios para esta se imprimir e circular!

Justo é, pois, que seja tambem o responsavel por taes quantias como o artigo dispõe.

Os dois primeiros paragraphos providenceiam para assegurarem, quanto possivel, assa responsabilidade.

O 3.° e ultimo parographo faculta ao proprietario, como é de justiça, rehaver do agente do crime a importunem que por elle satisfez.

A legislação franceza, cujo artigo 44,º tambem responsabilisa pecuniariamente o proprietario do periodico, nega-lhe o regresso contra o agente do crime.

A legislação ingleza vae muito mais longe: torna-o criminalmente responsavel pela condemnação do periodico.

A responsabilidade que nós lhe impomos será antes um corollario, que uma ampliação; das disposições analogas dos artigos 2379.° a 2381.° do codigo civil.

22. - Artigo 21.° Em regra, a nossa jurisprudencia entrega ao ministerio publico a perseguição judicial dos crimes publicos, isto é, d'aquelles cuja repressão interesse ao publico, á sociedade.

Seguimos a regra, incumbindo áquella magistratura a promoção do procedimento judicial, pelos crimes de imprensa e contravenções.

O artigo 416.° do codigo penal não permitte, porém, procedimento judicial por injuria on diffamação, salvo a requerimento da parte, quando esta for um particular ou empregado publico, individualmente injuriado ou diffamação.

Entendeu-se, e muito bem, que o unico juiz da conveniencia ou inconveniencia do processo é o aggravado.

Conformámo-nos inteiramente com esta doutrina.

Comtudo, ella, para o codigo, e portanto para nós, não obsta ao procedimento officioso, dando-se o delicio especial de injurias contra as auctoridades publicas; expressamente exceptuado no referido artigo 410.º e previsto nos artigos 181.° o 182,° do mesmo codigo.

A lei franceza deixa o procedimento do ministerio publico dependente de queixa do funccionario ou corpo collectivo.

A solução que adoptámos, parece-nos mais liberal, juridica e util.

Mais liberal, porque, admittindo-se a prova dos factos imputados, o agravado não terá na mão evital-a, omittindo a queixa.

Mais juridica, porque o ataque á honra e consideração dos funccionarios assume, perante o nosso direito criminal, todas as caracteristicas de um crime publico.

Mais util, porque a sociedade tem tudo a ganhar, em que se demonstrem á luz da verdade, authenticada pela sentença, os factos criminosos, cuja prova admittimos; ou em que o calumniador ou quem injuriou os funccionarios publicos soffra o castigo que merece.

Harmonisando-se com este modo de ver, o § 1.° estabelece uma sancção, que póde elevar-se desde a menor até á maior pena disciplinar, para o magistrado negligente na promoção do procedimento respectivo.

Do curto praso, que fixámos para a prescripção, e das considerações em que o apoiámos, (III, 41), resulta a urgencia d'esta sancção.

O § 2.° obsta a que a negligencia ou a intervenção do ministerio publico prejudiquem o direito do aggravado a propor a acção competente.

23. - Artigo 22.º Este artigo resolve, com clareza, uma duvida, que podia levantar-se.

24. - Artigo 23.° O jury deve intervir no julgamento dos delictos de imprensa?

Quando?

Como organisado?

Eis, a nosso ver, as tres questões capitães, que se relacionam com o artigo.

Não abordaremos a primeira. A resposta affirmativa conquistou, ha muito, fóros de axioma, para os espirites liberaes.

Da segunda occupâmo-nos extensamente n'outro logar, (VII, 12, 13, 14).

Resta-nos a terceira: a organisação.

O illustre redactor em chefe do Commercio do Porto, na conhecida monographia «A liberdade de imprensas», reclama para o jury «garantias de capacidade, que podem dispensar-se, um tanto, em outros delictos».

Outros escriptores se inclinam tambem para o jury especial.

Pensou, porém, a vossa commissão que não devia adoptal-o, sem, todavia, regatear importancia ás rasões que o aconselham.

O regimen do privilegio tem sempre uns laivos de odioso.

Se a imprensa quer um jury especial, porque, entro nós, o jury commum deixa a desejar, não será mais liberal e mais logico estender a todos os crimes as garantias que a imprensa quer para si?

Havemos de dal-as aos arguidos, a quem só é applicavel uma pena relativamente insignificante, quando não as gosam accusados, com a liberdade em cheque por largos annos?

O mais conveniente seria reformar o jury commum.

as, nem por agora, as nossas ambições miram a tanto, nem elle, embora aperfeiçoavel, merece os ataques que tem soffrido.

Demais, attribuindo-lhe de harmonia com o direito commum, o julgamento dos crimes em que os factos, por assim dizer, se impõem, poupâmol-o ás difficuldades juridicas, que a apreciação dos outros póde levantar, e que, essas por certo, demandam habilitações especiaes.

25. - Artigo 24.° Referimo-nos adiante, (VII, 15,16,17), ás disposições d'este artigo e seus paragraphos.

Não devendo intervir o jury na apreciação dos delictos, para que podem ser indispensaveis conhecimentos especiaes, tambem não quizermos abandonal-a ao juiz singular.

Em um notavel discurso, pronunciado na sessão de 17 de maio de 1890, na camara dos deputados, e que se lê a pag. 256 e seguintes do respectivo Diario, o sr. Emygdio Navarro dizia o seguinte:

«Entendo que para a imprensa, e se não para todos, para uma certa categoria de delictos, se devia estabelecer um tribunal collectivo, não se fazendo o julgamento por juizes singulares.»

Adoptando esta ideia, o digno par Sá Brandão creava, no artigo 60.° do projecto, a que adiante nos referimos, (IV, 13), um tribunal collectivo, para certos delictos de imprensa.

Esse tribunal, melhorado na organisação, é o que o presente artigo estabelece.

26. - Artigo 25.° Como, se vê, ficam apenas a ser julgados, pelo juiz singular, os delictos particulares e as contravenções.

Sustentâmos mais longe essa disposição, (VII, 18). Mas cabe accentuar aqui que posto pertença aos juizes municipaes o julgamento da simples policia correccional, exceptuámos da competencia d'estes magistrados toda a especie de contravenção ou delicio de imprensa.

27. - Artigo 26.º N'outra parte nos occupâmos das prescripções do artigo o § 1.°, (VII, 5, VI, 13), como das do § 2.°, (VI, 12).

Em relação ao § 3.°, limitamo-nos a ponderar que o artigo 3.° do decreto de 30 de dezembro de 1892 auctorisa o arguido a fazer-se representar na audiencia de julgamento.

Não creámos, pois, o precedente.

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[...] hiamos, se não existisse, tão justa nos parece a disposição.

Effectivamente, o legislador deve igualar, quanto possa, a posição do accusador e do accusado, preferindo, em igualdade de circumstancias, favorecer o segundo, a beneficiar o primeiro.

Ora, como diremos, (VI, 12), a differença que nivelámos era toda em favor d'aquelle.

28. - Artigo 27.° Este e os seguintes, até ao artigo 37.° inclusive, regulam o processo e o julgamento dos crimes de imprensa, e respectivas contravenções.

Visámos, como dissemos, (II, 7), um duplo alvo: garantir a defeza e a brevidade.

O artigo e o § 1.° exigem que á petição inicial se junte o impresso incriminado, pedindo-se desde logo, se for caso d'isso, a intimação competente para, em vinte e quatro horas, se declarar onde é o domicilio do auctor do escripto incriminado.

A intimação é feita ao editor ou subsidiariamente ao dono ou administrador do estabelecimento, que effectuou a impressão, quer dizer, áquelle que tiver obrigação legal de saber quem escreveu.

Se o intimado não fizer a declaração, applica-lhe o § 2.° a pena do artigo 188.° do codigo penal, que pune com prisão, até tres mezes, quem faltar á obediencia devida ás ordens ou mandados legitimos da auctoridade publica ou agentes d'ella.

Se mentir, applica-lhe o mesmo paragrapho a pena do artigo 242.° do codigo citado, que pune, com suspensão temporaria dos direitos politicos e prisão até seis mezes, quem fizer, perante a auctoridade publica, falsas declarações a que for legalmente obrigado.

São ainda, como vêdes, a incriminação e a penalidade communs, acompanhadas de preceitos, que simplificam o processo.

29. - Artigo 28.° Este artigo tem uma grande importancia theorica e pratica.

A primeira resulta do seu proprio objecto, que é o corpo de delicio, base de todo o processo criminal.

Tratando-se de distribuição, não basta a de um até cinco exemplares; requer-se a de seis, para haver crime.

Tratando-se de affixação, exposição ou venda basta a de um exemplar, mas exigimos que seja publica.

Referimo-nos mais longe, (VI, 19), a uma consequencia d'esta doutrina.

A importancia pratica do artigo provem-lhe de supprimir o exame, diligencia morosa, cara e difficil, que complica inutilmente o processo actual.

30. - Artigo 29.° Abreviámos o mesmo processo, concedendo ao auctor um praso necessario, mas sufficiente, para deduzir a accusação.

Obrigando-o a articulal-a, tornámol-a sempre uniforme e demos-lhe um feitio claro e logico, que até aqui não tinha.

Mandando articular, alem do crime, as circumstancias essenciaes d'este, e apontar a disposição penal applicavel, consignámos para a defeza uma garantia de valor.

Não mais poderá dar-se o abuso, felizmente raro, de se alterar, no julgamento, a classificação do crime.

Se o requerente o classificou mal ou omittiu alguma d'aquelles circumstancias, sibi imputet. O réu será absolvido.

Achámos isso preferivel, a permittir que elle fosse colhido de surpresa por uma accusação, que não estava obrigado a prever.

A letra do artigo evitará tambem que, deduzida a accusação, possa o requerente indicar novas testemunhas, excepto nos casos restrictos em que, segundo a lei geral, lhe é licito substituir alguma das que indicou.

A disposição parallela da proposta, (artigo 29.° e § unico), não tolerava nunca a producção de mais de cinco testemunhas.

Ampliámol-a a cinco para cada facto, nos processos em que for licito provar a diffamação, por nos parecer impossivel dar ao requerente e ao arguido os indispensaveis elementos de prova com cinco testemunhas para todos os factos, que podem, n'este caso, ser muitos e complexos.

31. - Artigo 30.° O artigo, fiel ao nosso empenho na brevidade, impele ao juiz o praso de quarenta e oito horas, para receber ou regeitar a accusação e submettel-a, no caso affirmativo, ao tribunal competente.

Do § unico occupâmo-nos n'outra parte, (VII, 21).

32. - Artigo 31.° O decreto n.° 2 de 29 de março de 1890, approvado pela carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno, revogou, no artigo 2.°, o artigo 8.° da lei de 15 de abril de 1886, que facultava ao arguido recorrer, com effeito suspensivo, do despacho que o mandasse responder correccionalmente, quando o quito imputado não fosse criminoso.

O accusado, pelo simples facto de o ser, ficou, pois, sugeito ao vexame do julgamento, embora a imputação não sentivesse crime.

O decreto de 15 de setembro de 1892, no artigo 19.°, destabeleceu o recurso do artigo 8.° da lei de 15 de abril de 1886.

Mas permitte ao juiz mandal-o tomar em separado, «se entender que elle tem por fim simplesmente o retardamento do processo».

Pela presente disposição, o recurso alludido readquire toda a plenitude.

Talvez atraze o andamento da causa. Mas alarga os legitimos direitos da defeza, que a rasão e o sentimento nos levam a ambicionar com mais ardor, do que a brevidade.

A proposta, (artigo 31.°, § unico), concedia apenas dois dias para o preparo e mandava apresentar e julgar o processo em conferencia, independentemente de vistos, na primeira sessão, logo depois de visto pelo relator.

Afigurou-se-nos estreito áquelle praso e excessiva esta rapidez, em tão melindroso assumpto.

por isso alterámos apenas para o recurso, quanto ás intimações, os termos geraes dos aggravos civeis de petição, applicando-lhes o disposto no artigo 189.° do codigo de processo commercial.

Obstamos assim ás extraordinarias delongas que a intimação causa na pratica.

Se as partes não forem negligentes, nenhum prejuizo soffrerão; se o forem, só do proprio desleixo deverão queixar-se.

33. - Artigo 32.° A lei geral é o direito subsidiario do projecto, nos casos omissos.

Dividimos, porém, o processo em duas categorias, segundo o tribunal e a gravidade dos factos puniveis.

O artigo occupa-se da primeira, que é a correspondente aos factos mais graves, julgados pelo jury ou pelo tribunal colleotivo, e manda applicar, em regra, as disposições do processo ordinario, salvas as modificações, que se seguem.
Os §§ 1.° e 2.° estabelecem, com pequena differença, os tramites iniciaes do processo correccional mixto, creado por decreto de 23 de março de 1890.

Ao 3.°, 4.° e 5.°, (artigos 33.° e 34.° da proposta), já alludimos, a proposito do artigo 6.°, (II, 7).

O § 3.° do artigo 32.° da proposta, correspondente ao § 6.° do presente artigo, não tolerava, em caso algum, ao juiz, espaçar a audiencia do julgamento alem de um mez.

Essa prohibição generica e absoluta não brigava com a possibilidade de inquirir as testemunhas, porque o artigo 40.°, (36.° do projecto), tambem não admittia, em caso algum, a producção de testemunhas de fóra do reino ou dos districtos insulares, conforme a causa corresse no primeiro ou nos segundos.

Desde, porém, que, como vereis, limitámos a restricção aos processos de diffamação, em que a prova dos factos imputados for admissivel, precisavamos prevenir a hypothese.

Eis a rasão de ser do final do § 6.°

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O § 7.° legitima o cumprimento do paragrapho anterior, nos processos com intervenção de jury, tornando a convocação d'este independente das audiencias geraes.

Regulam os dois paragraphos seguintes os vistos e o julgamento do tribunal collectivo.

Como, para o vencimento, erigimos dois votos conformes, cumpria prever a hypothese em que se não houvesse.

Soccorremo-nos, para esse effeito, ao § 6.º do artigo 16.° do regulamento dos extinctos tribunas administrativos de 12 de agosto de 1886, adoptando, no § 10.°, uma disposição analoga.

O arguido, estranho ao domicilio do requerente e ahi demandado, poderá representar-se na audiencia do julgamento, por advogado ou procurador, nos termos do § 8.° do artigo 25.° Os outros deverão comparecer pessoalmente.

Se aquelle não se representa, ou entes faltam, sem motivo justificado, manda o § 11.º julgal-os a revelia, e apenas pelo juiz presidente.

Obedece a um duplicado intuito esta disposição: punir um desacato á lei e compellir o accusado a comparecer.

Se faltar injustificadamente, perderá as garantias do tribunal collectivo e do jury.

Mas, n'esse caso, não somos nós que lh'as tirâmos. É elle quem voluntariamente prescindo d'ellas.

O artigo 56.° da lei franceza contam uma disposição identica, para os processos em que intervieram jurados.

O artigo 60.º da moram lei applica aos outros processos as disposições do capitulo II do titulo I do livro II do codigo do procedo criminal, cujo artigo 186.° manda igualmente julgar á revelia o arguido que não comparecer.

Conhecedores dos abusos, a que a justificado da ausencia do réu está dando continuamente logar, noa julgamentos criminaes, não nos basta que elle tente justificar a sua falta, exigimos, que o tribunal a dê como justificada.

O § 3.° do artigo 32.° da proposta, correspondente ao § 12.º do presente artigo, facultava o recurso de revista para o supremo tribunal dos sentenças proferidas com intervenção do jury, indistinctamente.

Pareceu-nos bem harmonisar a disposição com o direito commum, estabelecendo o recurso para a relação do districto, quando a sentença proferida com intervenção do jury for condemnatoria.

Pelo § 13.°, é licito prescindir do recurso do tribunal collectivo, dispensando os depoimentos escriptos.

Esse direito, que não prejudicará os litigantes, pois exige o seu accordo, encurtará o processo consideravelmente.

Emfim, o § 14.º applica aos accordãos proferidos em recurso a fórma de intimação do codigo do processo commercial, a que nos referimos, a proposito do § unico do artigo 30.°

34. - Artigo 33.º Como dissemos, a proposito do artigo anterior, dividimos o processo em duas categorias, segundo o tribunal e o gravidade dos factos puniveis.

Os artigos 33.º e 34.º regulam a segunda categoria, que é a correspondente aos factos menos graves, julgados pelo juiz singular, a saber:

a) Os crimes de imprensa, cujo procedimento judicial depender de requerimento de parte, exceptuados da jurisdicção do tribunal collectivo pelo artigo § 6.°, (codigo penal, artigo 4l6.º).
b) As contravenções.

Àquelles e a estas applicámos o processo de policia correccional, que, por ser o mais simples e breve, era o mais apropriado á relativa pequenez do abuso.

35. - Artigo 84.° O que poderiamos dizer d'este artigo, ponderámol-o ácerca do anterior.

36. - Artigo 35.° Consagrámos o rosoavel e antiga pratica do constituirem um só o procedimento do ministerio publico e o da parte.

37. - Artigo 36.° Referir-nos-hemos mais tarde a este artigo, (VI, 11).

A sua fonte é o já alludido projecto do digno por Sá Brandão, o qual, no artigo 66.°, continha o mesmo preceito.

A disposição deve combinar-se com as do artigo 32.°, relativamente ao processo que corre perante o tribunal collectivo.

E não tinha logar entre os paragraphos do artigo, porque, excluindo os processos com jury, tambem regulados no artigo 32.º, abrange os de policia correccional, a elle estranhos.

38. - Artigo 37.° Alludimos adiante, (VII, 23), á mate ria d'este artigo.

O artigo 9.° da lei de 17 do maio de 1866, não revogado pelo decreto de 29 de março de 1890, só dá o direito de fazer publicar a defeza, no respectivo periodico, ao individuo, corporação ou tribunal injuriado.

Pelo contrario, o artigo 13.° da lei franceza de 1881 torna obrigatoria a publicação da resposta do qualquer pessoa nomeada ou designada no periodico.

Inspirando-se evidentemente n'esta doutrina, o artigo 13.° do projecto do sr. Sá Brandão mandava publicar as rectificações dos particulares a quem se houvesse feito referencia. Na obra alludida, (III, 23). do sr. Bento Carqueja, escreve o illustre director do Commercio do Porto:

«O direito de resposta deve ser definido nos termos mais claros e mais precisos, inspirando-se nos tantissimos trabalhos que a jurisprudencia moderna tem produzido.»

Em França, a garantia de que se trata alcançou uma latitude enorme.

Tendo um capitão de fragata publicado, n'um importante diario de Paris, allusões desagradaveis á esposa, de quem se divorciára, esta pretendeu exercer o direito de resposta, n'uma carta em que descia as ultimas minudencias do lar.

Apesar do intimado, o jornal recusou a publicação, «por um legitimo sentimento de reserva, que toda a gente comprehenderá».

Todavia, o tribunal, por sentença de 12 de janeiro proximo findo, mandou cumprir a intimação, fundando-se na generalidade absoluta do direito conferido pelo artigo 13.° da lei de 29 de julho de 1881.

No mesmo mez, debateu-se tambem n'aquella cidade outra causa de natureza analoga, a que deram uma notoriedade universal o discurso e a monographia dedicados ao assumpto, pelo eminente jnrisconsulto o brilhantíssimo escriptor Brunetière.

Um auctor dramatico publicára uma peça, a que certa revista fez uma apreciação severa, mas conscienciosa.

O auctor censurado respondeu, pretendendo combater a critica, com outras que o favoreciam.

A revista negou-se a publicar, incumbindo a defeza ao sr. Brunetière.

Obtiveram mais um triumpho a eloquencia e a dialectica do grande advogado.

Mas o tribunal, oppresso pela generalidade absoluta do artigo 13.° da lei, viu-se constrangido a declarar que o dramaturgo não produzira uma resposta.

O soberbo e recentissimo inquerito do sr. Brunetière, em volta da questão, baseia-sa n'uma argumentação porventura demasiado subtil, peranto o direito constituido francez, mas irrespondivel, em direito constituendo de qualquer paiz liberal.

Imaginemos que um jornal dirige a alguem duas linhas de injurias. A lei, concedendo-lhe o dobro da extensâo, isto é, quatro linhas, torna a resposta impossivel, a maior parte das vezes.

Ora, de ordinario, na revistas são mais moderadas do que os jornaes; costumam ser mais extensas nas criticas; e, geralmente, a consciencia d'estas é proporcional á extensão.

No emtanto, o artigo da lei franceza garante igualmente ao criticado o dobro do espaço para responder.

Accresce que, quasi sempre, quem publica deseja fa-

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zer-se apreciar, aliás não publicaria. E o apreciador não deve ser forçado a mentir.

Nem a critica seria livre, não podendo censurar.

Eis algumas das considerações, que mais fortemente nos impressionaram, contribuindo para nos desviar do amplo direito de resposta, bem simpathico em theoria, para o mero direito de defesa, estabelecido na legislação em vigor.

Elle está, porém, incompleto, visto só poder exercer-se contra a injuria.

Por identidade, ou, melhor, por maioria de rasões, ampliámol-o á diffamação.

Harmonisámos convenientemente a terminologia, com a das leis geraes, conbedendo-o, não a qualquer individuo, corporação ou tribunal, mas a qualquer individuo ou pessoa moral, precisamente definida no artigo 32.° do codigo civil.

A impossibilidade, apontada pelo sr. Brunetière, de responder, no dobro do espaço, a uma injuria em poucas palavras, ou ao que entre nós vulgarmente se chama suelto, evitámol-a com a alternativa das mil letras de impressão, já concedida pelo artigo 9.° da lei de 17 de maio de 1866.

Desnecessario é dizer que a escolha cabe a quem se defende.

Impozemos o dever da publicação ao periodico e não ao editor, para cortarmos uma duvida, que tem surgido na pratica.

Assim, o editor poderá variar, que o direito do aggravado permaneço.

O n.º 2.° concede ás rectificações ou desmentidos officiaes o mesmo privilegio da defeza.

Fallamos d'este direito n'outro logar, (VII, 24).

O n.° 3.° manda publicar o teor da sentença condemnatoria proferida contra o periodico.

E mais uma garantia de respeito para as decisões do poder judicial.

Não estava regulado o processo para a reclamação de direito de defeza.

Regula-o o § 1.°, applicando-lhe as disposições que regem a notificação, a qual, pela simplicidade, muito convinha adoptar.

No § 2.° abandonámos a prescripção da proposta, que designava para a publicação a primeira pagina, e preferimos a therapeutica franceza, que manda fazer a publicação no mesmo logar.

Parece-nos haver assim maior proporcionalidade entre o delicto e a pena.

Fixa o § 3.° a sancção da demora illegal, fazendo-a consistir em uma importante multa, visto ser tambem importante o direito illegalmente preterido.

Previno o § 4.° uma objecção identica á que os jornalistas e homens de letras do Porto oppozeram ao § 4.º do artigo 43.° da proposta, (VI, 18).

Se alguem recorrer ao presente artigo, em vez de perseguir judicialmente o insultador, e a final for decidido que não houve injuria, nem diffamação, o caso julgado já não lhe permtttirá requerer procedimento, por qualquer d'estes crimes.

Finalmente, o direito de defeza visa a corrigir abusos, não a sanccional-os.

Por isso os termos são liberrimos, comtanto que não sejam criminosos.

Ninguem poderia, por exemplo, offender, injuriar, diffamar, á sombra d'este direito.

Defeza que exorbite, deixa de ser defeza.

39.º - Artigo 38.º Esta disposição, em vigor pelo § 5.° do artigo 7.° do decreto de 29 de março de 1890, mira á respeitabilidade das decisões judiciaes.

Pareceu nos um perigo deixar abrir subscripções publicas, que podessem tomar um caracter do protesto collectivo contra a sentença.

Uma prohibição analoga, mas mais extensa, mantem-se ha muito na respectiva legislação francesa. Appareceu, pela primeira vez, no artigo 11.º da lei de 9 de setembro de 1885. Passou para o artigo 5.° da lei de 27 de julho de 1849. D'ahi, para o artigo 40.° da lei de 29 de julho de 1881.

Nós, como o legislador francez, a todos deixamos livres para applicarem os seus haveres ao fim mencionado no artigo.

O que punimos é sómente a publicidade, que, como sustentou o relator da lei francesa de 9 de setembro de 1835, desprestigia a pena, tornando-se uma apotheose do crime e do criminoso.

40. - Artigo 39.° Referimo-nos n'outros logares, (VI, 2, 3, 4, 5, 13, 16, 19), a este discutidissimo artigo.

A lei de 13 de fevereiro de 1896, que deixámos em vigor, (VII, 23), nos §§ 1.° e 2.º do artigo 4.°, manda apprehender e suspender as publicações anarchistas, a que depois applica a suppressão por sentença.

Mas o projecto não abrange as publicações alvejadas n'essa lei.

Uma ponderosa consideração levou-nos a acrescentar outra hypothese ás previstas pela disposição correspondente da proposta (n.º 3.° do artigo 43.°).

Aquelle preceito punia a provocação a crimes contra a segurança do estado, permittindo apprehender o impresso provocador.

Mas mais grave que a provocação é a perpetração do crime, e o impresso póde effectual-a.

Quem, por exemplo, para se corresponder com uma potencia inimiga, envolvesse, n'uma publicação, revelações ou informações prejudiciaes ao estado, cairia debaixo da sancção do artigo 145.° do codigo penal.

Redigimos, pois, o n.° 2.° d'este artigo, de modo que previna o caso exposto, applicando-lhe a apprehensão.

Claramente, porém, o crime nada terá com a presente lei, devendo punir-se conforme as disposições da lei geral, como é obvio, em face da enumeração do artigo 3.° do projecto.

41. - Artigo 40.° Este artigo, parallelo ao artigo 14.° da lei franceza, firma a regra da admissão, das publicações estrangeiras, submettendo-a, porém, salutarmente, ao criterio do governo.

Estabelecel-a, sem legalisar a excepção, fôra tornar incomparavelmente mais favoravel a situação das publicações estrangeiras do que a das nacionaes.

Adiante diremos como e porque o artigo é mais comprehensivo do que o alludido preceito da lei francesa.

42. - Artigo 41.° Segundo a norma do direito commum, que, no §. 2.° do artigo 125.° do codigo penal, torna o praso da prescripção proporcional á gravidade do crime; o presente artigo estabelece, para o procedimento criminal pelos delictos de imprensa, a prescripção de um anno, e, pelas contravenções, a de tres mezes.

Justifica se completamente, a nosso ver, esta modificação á jurisprudencia ordinaria.

Os delictos de imprensa demandam breve repressão.

Se o interessado não a promoveu, só da propria negligencia deverá queixar-se.

O que não quizemos foi Animar essa negligencia ou ainda condescender com ella, deixando sobre a publicação, por muito tempo, a ameaça do procedimento criminal.

43. - Artigo 42.° Este preceito transitorio dá aos direitos adquiridos um periodo sufficiente, para se harmonisarem com as prescripções do projecto.

44. - Artigo 43." Ficam revogadas, pelo Artigo, todas as leis especiaes sobre o assumpto, publicadas até 7 de agosto de 1890, inclusive.

Cáem assim as leis de 12 de dezembro de 1834, de 10 de novembro de 1837, de 19 de outubro de 1840, o decreto do 22 de maio de 1851, na parte em que restabelece as leis anteriores, as leis de 3 de agosto de 1850 e 17 de maio de 1866, o decreto de 29 de março de 1890 e a lei de 7 de agosto do mesmo anno.

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SESSÃO N.º 29 DE 9 DE MARÇO DE 1898 501

O projecto constituirá um verdadeiro codigo de imprensa, tendo, como dissemos, (III, 32), por direito subsidiario as disposições da lei geral.

IV

1. - Foi perante as côrtes geraes de 1821 que, pela primeira vez, entre nós, se tratou, no parlamento, da liberdade de imprensa.

Na sessão de 5 de fevereiro d'aquelle anno, o deputado Soares Franco apresentou um projecto de lei sobre o assumpto.

Na Bsessão de 28 de abril, o deputado Bazilio Alberto, por parte da commissão de legislação criminal, apresentou differentes quesitos, acompanhados do um novo projecto.

Deliberou-se logo que os dois projectou e respectivos quesitos fossem discutidos conjunctamente.

É de grande interesse o exame d'esses documentos, que levantaram vasta, prolongada e curiosissima discussão.

2. - As bases da constituição portugueza, apresentadas, a 8 de janeiro, pelos deputados Pereira do Carmo, Fernandes Thomaz e outros, diziam o seguinte:

«8.° A communicação da pensamentos e dos opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o cidadão póde conseguintemente manifestar as suas opiniões, escrevendo ou fallado, comtanto que não tendam a perturbar a ordem publica, estabelecida pelas leis do estado.»

Este artigo reflecte visivelmente, na essencia e na fórma, a influencia do artigo 11.º da Declaração dos direitos do homem, alludido n'outra parte, (VIII, 3).

Apesar, porém, da categorica affirmação doutrinal, que os dois projectos sobre liberdade de imprensa declararam regulamentar e desenvolver, não poderam elles libertar-se de muitos dos principios anti-liberaes, que pezavam ainda nos espiritos.

3. - O projecto do deputado Soares Franco ora extraido, em grande parte, do regulamento hespanhol, então vigente, sobre liberdade de imprensa.

Exigia caução aos periodicos.

A incriminação, posto que ainda arbitraria, denuncia um enorme progresso, perante a jurisprudencia da epocha.

A penalidade, gravissima, não dá margem á attenuação, e é igual para os delictos religiosos e politicos.

Equipara-se a responsabilidade do editor á do auctor do escripto.

Os vendedoras são punidos com multa.

Permitte-se acção popular e amplo direito de denuncia contra todos oa escriptos qualificados como subcersivos, (contrarios á religião), e sediciosos, (contrariou aos poderes constituidos, no paiz ou no estrangeiro).

Os abusos são accusados pelo ministerio publico (fiscal), independentemente de queixa, denuncia ou requerimento de parte, procedendo por iniciativa propria ou indicação superior.

O processo está desenvolvidamente regulado, no titulo V.

O julgamento de facto pertence a jurados, eleitos, funccionando na capital da provincia.

Pelos artigos 10.° o 11.° do titulo I, admitta-se a prova dos delictos imputados a qualquer corporação ou empregado publico, relativamente ás suas funcções, ou a simples particulares, sendo crimes contra a segurança do estado.

O arguido póde defender-se por si, por advogado ou por outra pessoa qualquer.

4. - No projecto do deputado Bazilio Alberto, não se prevê um grande numero de questões capitães, que ficaram dependentes da resolução dos quesitos, taes como exigencia de caução, entrada de publicação estrangeiras intervenção do jury, apprehensão das publicações abusivos, indemnisação pelos apprehensões, etc.

A incriminação, relativamente limitada, está methodicamente deduzida no titulo II.

A penalidade deixa ao tribunal grande latitude, indo, por exemplo, do 90$000 a 900$000 réis de multa, de seis mezes a cinco annos de prisão ou trabalhos publicos.

Destaca a desproporção, absoluta e relativa, entre os delictos e as penas. Assim, desacreditando ou injuriando o congresso ou o chefe do poder executivo, ficava-se passivel de um minimo de seis mezes a um maximo de cinco annos de trabalhos publicos, com 60$000 a 600$000 réis de multa.

E, todavia, a publicação de escriptos obscenos e deshonestos punia-se unicamente com multa de 5$000 a 50$000 réis.

As penou eram todas pecuniarias, excepto para os crimes politicos ou para o caso de não ser paga a multa.

Classificavam-se do mesmo modo, como agentes principaes, o auctor do escripto, o editor e o vendedor.

Havia uma censura previa voluntaria, com o nome de tribunal especial de liberdade de imprensa.

Quaesquer que fossem os abusos, sendo o escripto submettido a esse tribunal e approvado por elle, não poderia fundamentar nunca procedimento criminal.

A promoção do ministerio publico dependia da declaração de culpa, pelo prelado, em assumptos de religião, ou pelo tribunal de liberdade de imprensa, nos outros assumptos.

Era notavel a distincção entre injurias e diffamações, que resalta do artigo 14.°, e não menos o facto de ser a pena igual para ambos.

Só admittia, para qualquer d'ellas, a prova resultante de sentença anterior.

5. - Conhecidos acontecimentos do nosso historia politica não deixaram pôr em execução, na vida portugueza, nenhum dos projectos mencionados.

Em 1828, foi enviada, pela camara da deputados, á dos dignos pares, uma proposição sobre liberdade de imprensa.

Não chegou, porém, a discutir-se então, por virtude dos successos extraordinarios, que interromperam o funccionamento parlamentar.

A urgencia de regular um objecto de tamanho alcance determinou a portaria de 19 de dezembro de 1832, ordenando á commissão dos codigos penal e commercial que, apenas houvesse tratado da divisão judicial do reino, se occupasse immediatamente de lei de imprensa, em harmonia com o § 8.° do artigo 145.° da carta constitucional.

A portaria, que tem sido reproduzida pelos nossos especialistas, accentua-se liberalmente, designando como bases forçadas da futura lei a intervenção do jury ordinario e a penalidade do direito commum.

6. - Em 1834, discutiu-se, na camara alta, a proposição de 1828, que, com leves alterações, introduzidas em ambas as casas do parlamento, foi approvada por carta de lei de 22 de dezembro.

A lei de 1834, influenciada pelas tendencias tão diversas das congeneres disposições francezas de 17 de maio de 1819 e 25 de março de 1822, caracterisa-se, era geral, pelo seguinte:

a) Brandura da penalidade;

b) Simplicidade relativa da incriminação;

c) Responsabilidade successiva, diversamente graduada, do auctor do escripto e do editor;

d) Intervenção do jury;

e) Rapidez da prescripção;

f) Procedimento obrigatorio e independente, do ministerio publico;

g) Legislação geral de processo subsidiaria nos casos omissos.

7. - Mas pouco tempo se manteve, sem alterações, a referida lei.

A caução, que no Hespanha era pezada, attingia, na França, uma somma quasi inverosimil.

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Nos outros paizes da Europa, a suspensão dos jornaes era a regra constante.

E, todavia, entre nós, cresciam os queixumes contra o augmento dos abusos de imprensa e contra o desleixo da acção publica em reprimil-os.

Aquella athmosphera geral e estas circumstancias locaes levaram o congresso, em 1837, a votar, depois de breve discussão, o projecto convertido em lei por carta de 10 de novembro do mesmo anno.

Destacam, entre as suas disposições:

a) A imposição, ao editor, de uma caução consideravel, (1:200$000 réis), obrigatoriamente renovada, apenas se esgotasse;

b) Um larguissimo direito de resposta, concedido a todos, (a guem, directo ou indirectamente, se julgar ofendido);

c) A apprehensão, immediata á pronuncia, do impresso incriminado, qualquer que fosse o abuso;

d) A suspensão dos agentes do ministerio publico negligentes em promoverem a repressão;

e) A acção popular contra elles, por tal negligencia.

8. - Apesar das intenções que a dictaram, a lei de 1837 ficou bem longe de alcançar praticamente o seu fim.

Estatuindo a canção, não incumbia ninguem de a fiscalisar.

Não determinando expressamente que ella seria previa, tolerava, pela propria letra, começar a publicar, antes de haver caucionado.

Provendo a hypothese de o editor não ter satisfeito aos requisitos que lhe impunha, collocava o interpreto na duvida de a caução ser obrigatoria.

Para mais, a responsabilidade subsidiaria pelo montante da condemnação era facilmente illudivel.

De tudo isto resultava a existencia de numerosos periodicos, com editores sem caução, menores, analphabetos e miseraveis, que o jury, por via de regra, absolvia.

Na consciencia publica, ficava uma impressão, duplamente dolorosa, de compassivo desprezo, pelo editor testa-do-ferro, e de surprehendida magua, pela innefficacia da lei.

Correspondendo ás necessidades do momento, o conde da Taipa apresentou na camara, em 1840, um projecto que procurava remediar tão profundos inconvenientes, assestando as baterias para o editor e o jury.

A commissão de legislação criminal, presidida por Joaquim Antonio do Aguiar, deu parecer favoravel.

Os julgamentos de imprensa, constituiam a seu ver, «uma longa e nunca interrompida serie de absolvições, em todos os casos, por mais escandalosos e criminosos que fossem».

Urgia pôr-lhe fim.

O projecto foi votado sem grande discussão, e approvado por carta de lei de 19 de outubro.

Caracteristicas:

a) A caução elevada ao dobro, prestada por termo, perante a auctoridade administrativa, com um ou dois fiadores idoneos;

b) Substituivel por hypotheca, constituida em escriptura sobre bens livres e desembaraçados, ou por deposito de metade do respectivo valor;

c) Fiscalisação do ministerio publico o previa confirmação, por sentença judicial, da idoneidade da fiança ou hypotheca;

d) Competencia do juiz singular para o julgamento das infracções a estes preceitos;

e) Suppressão do jury de pronuncia;

f) Exclusiva organisação do jury com grandes contribuintes, bachareis formados, doutores, socios da academia real das meneias e professores de ensino secundario ou superior;

g) Simplificação e rapidez do processo.

9. - A nova organisação do jury continuou dando ainda praticamente, na maior parte dos casos, a impunidade.

Entendeu, pois, o governo, em 1843, que devia alterar-se a competencia do julgamento, e assim o propoz ás côrtes.

A respectiva proposta comquanto approvada na commissão, não chegou, a sel-o no parlamento.

Mas, em sessão de l de fevereiro de 1850, foi apresentada nova proposta ministerial, modificando profundamente a legislação em vigor sobre liberdade do imprensa.

Essa proposta; violentamente oppressora, constava de sessenta artigos.

Remodelou-a e ampliou-a a commissão respectiva, na mesma orientação de idéas, transformando-a n'um projecto de cento e nove artigos, alem de muitos paragraphos.

Depois de uma discussão demorada, foi votado o projecto, e finalmente convertido na lei de 3 de agosto do 1850.

Similhante diploma assignala-se principalmente:

a) Pela latitude da incriminação, que abrange muitos factos, absolutamente injustificaveis;

b) Pelo rigor excessivo da penalidade;

c) Pela restrição das attribuições do jury;

d) Pelo augmento da taxa do censo fixado para pertencer ao jury e pela exigencia da terça parte d'essa taxa aos que tivessem as habilitações scientificas ou litterarias;

e) Pelo importante deposito previo, em dinheiro ou titulos de divida publica;

f) Pela amplitude do direito de rectificação;

g) Pela inclusão dos delictos verbaes;

h) Pela revogação das leis especiaes anteriores.

10. - Por decreto de 22 de maio de 1851, foi revogada a lei de 3 de agosto e restabelecida a legislação anterior.

Em 1865, apresentou o governo uma proposta de lei, sobre liberdade de imprensa.

A commissão, na sessão de 20 de dezembro, deu parecer favoravel, luminosamente relatado pelo illustre poeta e estadista o sr. Thomaz Ribeiro.

Seguiu-se uma brilhante discussão, que honra o parlamento portuguez, e em que tomaram parte, entre outros homens publicos, os srs. Barjona de Freitas, Levy Maria Jordão, (visconde de Paiva Manso), Martens Ferrão, Camillo Lampreia, Carlos Bento, Vieira de Castro, Sant'Anna e Vasconcellos, Luiz Bivar, Teixeira de Vasconcellos, Torres e Almeida e Thomaz Ribeiro.

O projecto, approvado nas duas camaras, é hoje a lei de 17 de maio de 1866.

Distingue-se especialmente por:

a) Abolir a caução e restricções analogas;

b) Estabelecer a incriminação, a penalidade e o processo do direito commum;

c) Responsabilisar de preferencia o auctor do escripto;

d) Admittir a declinatoria;

e) Reduzir o direito de resposta ao mero direito de defeza, da pessoa ou corporação injuriada;

f) Prohibir a suspensão de quaesquer publicações, salvo estando suspensas as garantias constitucionaes;

g) Determinar a suppressão, unicamente por falta ou insufficiencia da declaração do editor;

h) Deixar de pé as disposições vigentes, não contrarias.

11. - Sem a menor iniciativa ou intervenção parlamentar, a nossa legislação sobre liberdade de imprensa foi visceralmente modificada, por decreto de 29 de março de 1890.

Eis as caracteristicas principaes d'esse decreto, approvado por carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno:

a) Responsabilidade simultanea do editor e do auctor do escripto, como auctores do crime;

b) Admissão da declinatoria;

c) Possibilidade juridica de um editor insusceptivel de imputação;

d) Penalidade especial, notavelmente aggravada;

e) Aggravamento especial para a reincidencia e accumulação de crimes;

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SESSÃO N.° 29 DE 9 DE MARÇO DE 1898 503

f) Combinado com outro decreto da mesma data, eliminação completa do jury;

g) Incriminação arbitraria e especial para:

1.° Offensa;

2.º Divulgação;

3.º Phrases subversivas, posto não constituam inciamento ou provocação ao crime;

4.º Incitamento á simples infracção de leis o regulamentos;

h) Suspensão da venda do periodico;

í) Suppressão definitiva (sic) do mesmo;

f) Eliminação do recurso do despacho mandando responder o arguido;

k) Interpretação ampliadissima da reincidencia;

l) Imposição forçada de multas graves;

m) Combinado com outro decreto da mesma data, impossibilidade absoluta do recurso final, em grande numero de casos.

12. - Não tardou muito a demonstração parlamentar da injustiça o inconveniencia de similhantes disposições.

Na sessão de 17 de maio de 1890, principiou, perante a camara popular, uma discussão conscienciosa e vasta, em que os illustres deputados srs. Emygdio Navarro, Francisco Beirão, Manuel de Arriaga, Fuschini, Baptista de Sousa, Eduardo Abreu e Elvino de Brito puzeram especialmente em relevo os defeitos do decreto de 29 de março de 1890, sobre liberdade de imprensa.

O sr. Baptista de Sousa, em sessão nocturna de 10 de junho do mesmo anno, apresentou, em substituição áquelle decreto, um projecto de lei digno do particular menção.

Fructo de largos estudos e de uma reflexão intelligente, o projecto gira sobre a distincção capitalissima entre periodicos regulares e clandestinos.

Para aquelles, que são os legalmente habilitados, estabelece-se:

a) Uma forte caução, (4:000$000 réis), prestavel por fiança;

b) A responsabilidade constante do editor;

c) A circumstancia attenuante de elle revelar o auctor do escripto, apresentando o autographo;

d) Penas exclusivamente pecuniarias para o editor e exclusivamente moraes para o auctor do escripto, que são: a censura e a inelegibilidade para o tribunal especial da imprensa;

e) Organisação d'esse tribunal, em Lisboa e Porto, com jurisdicção em todo o districto judicial da relação respectiva, presidido pelo presidente d'esta, e composto, alem do presidente, de oito vogaes eleitos pelos editores;

f) Decisões sem recurso;

g) Representante do ministerio publico o procurador regio respectivo;

Para os periodicos clandestinos:

h) Incriminação, penalidade, circumstancias, agentes e processo do direito communs;

Disposições geraes:

i) Brevissima prescripção, interrompida ou annullada por justo impedimento, legalmente comprovado;

j) Creação de um periodico official em cada districto;

k) Codificação dos disposições vigentes sobre liberdade de imprensa.

13. - O projecto não foi acceite e manteve-se, com levissima differença, o decreto de 29 de março.

Mas em sessão de 1.° de junho de 1891, da camara dos dignos pares, o governo, presidido pelo general João Chrysostomo, declarou, por intermedio ao seu venerando cheio, que introduziria melhoramentos na lei de imprensa.

A curta duração do ministerio não o deixou realisar esta parte do programma.

O nobre ministro da justiça mostrou, porém, que a tomára a peito.

De facto, na sessão de 1 de julho do mesmo anno, o sr. Sá brandão, já demissionario, apresentou á camara dos dignos pares um projecto sobre os abusos de imprensa.

Esse projecto, que não chegou a discutir-se:

a) Adopta, em grande parte, as prescripções da lei franceza de 29 de julho de 1881;
b) Define e regula, com maior cuidado, as publicações periodicas;

c) Garante um amplo direito de resposta;

d) Segue a incriminação do direito commum;

e) Restringe e augmenta a penalidade geral, conforme os delidos;

f) Responsabilisa igual e simultaneamente o editor e o auctor do escripto;

g) Restringe a declinatoria;

h) Simplifica o processo;

i) Cria um tribunal collectivo.

4. - Na sessão da mesma camara, de 24 de fevereiro de 1893, o nobre presidente do conselho, o sr. Hintze Ribeiro, declarou que o governo tencionava propor uma remodelação da lei de imprensa, estabelecendo uma fórma especial de julgamento.

Por motivos que desconhecemos, a intenção não se realisou.

Mas os vicios da lei vidente, postou a nu pela discussão parlamentar, visados pelas declarações do ministerio João Chrysostomo, como pelo projecto Sá Brandão, e implicitamente reconhecidos pelas palavras insuspeitas do sr. Hintze Ribeiro, impunham ao governo actual um dever inaddiavel.

Assim o comprehendeu elle, e d'ahi a apresentação da proposta, que nos coube a difficillima honra de apreciar, e cujo aspecto geral demos n'outra parte (II).

V

1. - A synthese e a analyse, que fizemos d'essa proposta, transformada no projecto de lei, que vimos submetter ao vosso criterio soberano, permittir-vos-hão ajuizar do seu valor absoluto.

Porém o seu merito ou demerito relativos, á luz dos principios liberaes, que sinceramente compartilhâmos convosco, mal podiam avaliar-se, não comparando o projecto com a nossa legislação vigente e com a de outros paizes.

Faremos, pois, uma tentativa do interessante e trabalhoso confronto, restringindo-o aos pontos mais salientes.

Mas permittir-nos-hemos alargal-o, quanto ás disposições legaes dos estados estrangeiros, anarcando algumas que, embora já modificadas, merecem especial attenção, pela sua importancia, e pela data recente, em que ainda estavam de pé.

2. - Em Hespanha, pela conhecida lei de 7 de janeiro de 1879, o editor de qualquer periodico politico deve ter, ao menos, dois annos do domicilio no logar da publicação.

Paga um pezado imposto.

Medeia um minimo da quarenta dias, entre a apresentação dos documentos e a habilitação.

Não fazendo sair o primeiro numero do jornal oito dias depois de habilitado, perde o direito a publical-o.

Perde-o, igualmente, interrompendo a publicação por dez dias, n'um mez, se a folha é diaria, ou pelo espaço correspondente a cinco numeros, se o não for.

Ainda o perde, deixando de publicar por mais de oito dias, depois de finda a suspensão.

Cartazes ou folhas avulsas nunca poderão publicar-se, sem previa licença da auctoridade administrativa.

Os supplementes de qualquer periodico politico são considerados folhas avulsos, para esse effeito.

A mesma licença é indispensavel para a publicação de desenhos, litographias, gravuras, estampas, medalhas, vinhetas ou reproducções analogas.

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504 DIARIO DA OAMARA DOS SENHORES DKPUTADOS

Na Austria, a lei de 17 de dezembro de 1862 obriga a uma grande canção o editor de todo o periodico, que se publicar mais de duas vezes por mez e que tratar questões politicas, sociaes ou religiosas, embora accessoriamente.

Na Suissa, a lei do cantão de Vaud, de 26 de dezembro de 1832, impõe uma caução, que deve renovar-se ou reforçar-se, apenas esgotada ou diminuida.

Nós, pela letra expressa do artigo 2.°, prohibimos completamente a caução previa, e, pela do artigo 9.°, reduzimos ao minimo rasoavel os requisitos do editor.

Não fazendo medear nenhum espaço de tempo apreciavel entre a apresentação dos documentos e a publicação do periodico, não pomos a este, nem tolerámos que abusivamente se lhe ponha qualquer obstaculo, em nome da habilitação.

3. - Na Inglaterra, alem de falsas noticias, que indisponham o chefe do estado com a nobreza, tambem é punivel a censura ás leis existentes.

Na Hespanha (lei citada), a incriminação é extraordinariamente comprehensiva.

Materias, que escarneçam alguma religião com adeptos no paiz; que revelem o desconhecimento dos direitos, dignidades e prerogativas reaes; que contenham noticias ácerca da familia real, publicadas com intenção de lhe diminuir o prestigio; que animem, por qualquer modo, as esperanças dos inimigos da paz publica; que redicularisem as assembléas legislativas ou respectivas commissões; que neguem ou ponham em duvida a legalidade das eleições geraes ás côrtes; que, depois de publicada a folha official das sessões, attribuam a um senador ou deputado palavras ou opiniões que não appareçam n'aquella folha; que ensinem doutrinas contrarias á organisação da familia ou da propriedade; que façam a apologia de um delicio qualquer; que ataquem a auctoridade do caso julgado - tudo isso, alem dos crimes do nosso direito commum, recae sob a sancção penal da lei de imprensa.

Na Italia, pela lei de 26 de março de 1848, modificada pelas de 26 de fevereiro de 1852 e 6 de maio de 1877, pune-se o acto de adhesão a diversa fórma de governo; a simples manifestação do desejo de derribar a monarchia constitucional; o ataque ao direito de propriedade, á constituição da familia, ao respeito devido ás leis; a apologia de qualquer delicto; e até a provocação a varias contravenções.

Na Suissa, pela lei citada do cantão de Vaud, prevê-se a divulgação malevola de qualquer facto da vida particular de um cidadão, embora não seja injuriado, diffamado; pelo codigo penal de 18 de fevereiro de 1843, pune-se o facto de censurar a qualquer parente ou affim de um condemnado a pena applicada a este.

Na França, classificam-se delictos factos que o projecto não pune, como as falsas noticias, previstas pelo artigo 27.º da lei de 29 de julho de 1881.

Emfim, entre nós, por decreto de 29 de março e carta de lei de 7 de agosto de 1890, a simples divulgação do periodico incriminado, (§ 3.° do artigo 3.°); o incitamento, a quem quer que seja, para infrigir as leis ou os regulamentos, artigo 7.°, § 3.°); quaesquer phrases subversivas da segurança do estado ou da ordem publica, posto não constituam incitamento ou provocação ao crime, (idem, idem); a offensa, a algum dos poderes legitimamente constituidos ou a qualquer auctoridade ou empregado publico, membro do exercito ou da armada, corporação ou corpo collectivo, que exerça auctoridade publica, ou a qualquer membro das camaras legislativas, relativa ao exercicio das suas furacões ou a proposito d'esse exercido, (artigo 7.°, § 2.°) - eis outros tantos crimes, que pelo projecto deixarão de o ser.

4. - Na Allemanha, pela lei de 17 de maio de 1874, o chanceller do imperio póde suspender o jornal até dois annos, em virtude de certas reincidencias.

Na Italia, (lei citada), as multas augmentam metade ou o dobro, conforme os casos, dando-se reincidencia.

Na Suissa, cantão de Vaud, (lei citada), havendo reincidencia é obrigatorio condemnar em metade do maximo da pena, o facultativo condemnar no dobro.

Em Hespanha, a reincidencia implica ameaça permanente de suppressão, como explanaremos, fallando do systema ali adoptado para a penalidade.

Na França, não se pune a reincidencia, mas as penas são geralmente maiores que as do projecto.

Entre nós, pelo citado decreto de 29 de março, quando se der a accumulação de tres ou mais de certos crimes ou duas condemnações do periodico em menos de dezoito mezes, será obrigatoriamente imposta na sentença a suppressão definitiva (sic) do periodico, (artigo 8.°, § 3.°), quer a accumulação e a condemnação digam respeito ao mesmo periodico, tenham ou não sido diversos os seus editores, quer digam respeito ao mesmo editor, tenham ou não sido diversos os periodicos, (idem, § 4.°).

Á reincidencia ou accumulação de numerosos crimes será sempre applicado o maximo da pena de prisão, não podendo a multa descer de 250$000 réis, (artigo 8.°, § 1.°).

O projecto applica unicamente á accumulação e á reincidencia ás disposições do nosso direito commum.

5. - Na Suissa, cantão de Vaud, (lei pitada), o editor e o auctor do escripto são identica e simultaneamente responsaveis, pelo crime, e solidariamente, pelas custas.

Na Italia, (lei citada), o auctor do escripto é considerado como agente principal e o gerente ou editor como cumplice.

Na França, succede o inverso.

Na Allemanha, (lei citada), applicam-se á classificação dos agentes as regras do direito commum.

Na Hespanha, (lei citada), como na França, (lei de 29 de julho, artigo 14.°), quem vender ou distribuir publicações estrangeiras é reputado agente principal.

Pelo projecto, será o tribunal quem classificará os agentes, conforme as circunstancias e as disposições geraes de direito.

6. - Na Italia, admitte-se o jury para diversos abusos de imprensa.

Na Bulgaria, todos os delictos são julgados pelos tribunaes ordinarios.

Na França, como exporemos, (VII, 12), o julgamento pelo jury é hoje a excepção.

Na Hespanha, um tribunal collectivo especial, composto de tres magistrados, nomeados pelo governo, julga, sem recurso, (a não ser de revista), quaesquer crimes dos periodicos habilitados ou regulares.

Entre nós, pelos decretos de 29 de março de 1890, o jury ficou completamente banido do julgamento de todo o abuso de imprensa.

Pelo projecto, intervirá o jury em determinados crimes e sempre que for admissivel a prova dos factos diflamatorios imputados.

7. - Na Inglaterra, o tribunal tem um arbitrio absoluto, para applicar aos abusos de imprensa prisão ou multa, ou prisão e multa, sem limitação.

Na Hespanha, faz-se a distracção essencial entre periodico politico habilitado e clandestino ou não habilitado.

Este, absolutamente prohibido, persegue-se por todos os meios e com todas as penas communs»

Áquelle está sugeito a um systema especial de penalidade.

Os delictos dividem-se em duas classes e a cada um é sempre e unicamente applicavel, pela primeira vez, a suspensão.

Jornal tres vezes suspenso, durante dois annos, por delictos da primeira classe, ou seis vezes, por delictos da segunda, é irremediavelmente supprimido.

Para o effeito da suppressão, duas suspensões, por delictos da segunda classe, equivalem a uma, por delictos da primeira.

A apprehensão não se effectua unicamente nas ruas, mas

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tambem nó correio, por ordem do respectivo director geral.

Na Allemanha, a apprehensão estende-se a numerosissimas hypotheses, entre as quaes a provocação qualquer crime.

Na França, como diremos, (VI, 4), póde ella incidir sobre differentes crimes, taxativamente marcados.

Entre nós, pela lei de 17 de maio de 1866, a falta ou insufficiencia da declaração do editor é punivel, alem da prisão e multa, com a suppressão obrigatoria do jornal, (artigo 4.º); que poderá suspender-se, no caso da suspensão de garantias constitucionaes, (artigo 14.°).

O decreto de 29 de março de 1890 estatuiu ainda a suspensão da venda publica, do periodico, que ocommetter differentes delictos, previstos pelo mesmo decreto, e a suppressão definitiva, (sic) como vimos.

Pelo projecto, a suspensão do jornal só poderá decretar-se por falta ou insufficiencia da declaração e repectisvas formalidades, unicamente emquanto essas formalidades não forem preenchidas.

E á apprehensão só se admittirá em casos determinados, com as garantias que expozemos; (VI, 4 e 5).

8. - Na Italia, (lei citada), é prohibida a publicação dos nomes dosjurados1 ou dos juizes; em qualquer processo criminal, sob pena de multa e suppressão do impresso.

Na Servia, cujas disposições accusam a pronunciada influencia da lei franceza, é prohibido entregar á publicidade antes de processo crime ou noticias de processos por diffamação, cuja prova não seja facultada.

Na Allemanha, (lei citada), não se admitte a publicação de qualquer termo de um processo penal, antes de lido em audiencia publica, ou sem a causa estar finda.

É igualmente prohibido rececorrer ao publico, para subscripções que tenham por fim occorrer a despezas com processos criminaes, ou mesmo accusar a recepção, de qualquer quantia, para esse effeito.

Em França, não se prohibe apenas o facto de abrir a subscripção, mas tambem o de a annunciar (artigo 40.° da lei de 29 de julho de 1881);

O projecto veda a abertura de subscripções publicas, que, pelo seu caracter collectivo de protesto, podem ferir a respeitabilidade das decisões judiciaes.

9. - Na Allemanha, (lei citada), alem dos avisos officiaes, cuja inserção é obrigatoria para os periodicos que publicam annuncios, existe um largo direito do rectificação, para as auctoridades publicas e para os simples particulares.

Na Hespanha, na Italia, na Suissa, (leis citadas), é amplo o direito de resposta.

Na França, já nós vimos, (III, 37), a latitude concedida a esse direito, pelas leis e pelos tribunaes.

O projecto fixou-o dentro de uma area muito mais estreita, para conciliar os interesses da imprensa com os da sociedade.

Não o limitámos, porém, á injuria, como a lei de 17 de maio de 1866; vigente n'essa parte.

Estendemol-o tambem á diffamação, visto o motivo ser o mesmo.

10. - Na Suissa, cantão de Vaud, é excepcionalmente admittida a prova dos factos diffamatorios, contra os empregados publicos, ou ainda contra uma parte ou a totalidade dos membros de qualquer corporação, pessoal e nominalmente diffamados.

Se a corporação é diffamada, como tal, só se admittem, para prova, documentos escriptos.

Na Servia, se o diffamador mostrar que podia ter acreditado os factos que imputou, obtem legalmente a absolvição, posto elles não sejam verdadeiros.

Nos Estados Unidos, a constituição da California, de 7 de maio de 1879, e a da Georgia, de 5 de dezembro de 1877, admittem a prova da diffamação, sem restricção alguma, seja o facto qual for.

Pelo contrario, na Italia, (lei citada), a prova +e permittida apenas contra os depositarios ou agentes da auctoridade, mas embora se demonstrem completamente os factos imputados, pune se qualquer injuria, que d'elles não dependa necessariamente.

Em França, o artigo 35.º da lei de 29 de julho de 1881 admitte a prova dos factos diffamatorios imputados aos corpos constituidos, exercito, armada, administração publica, um ou mais ministros, um ou mais membros do parlamento, qualquer funccionario publico, depositario ou agente da auctoridade, ministro de culto subsidiado pelo estado, cidadão incumbido de serviço ou mandato publico temporaria ou permanente, jurado ou testemunha, relativamente ás respectivas funcções.

Estende-se ainda aos autos dos directores e administradores de empreza industrial, commercial ou financeira, que recorresse publicamente á economia particular ou ao credito.

O projecto, acceitando esta ultima ampliação, mantem a doutrina ao direito commum, restringindo-a, como dissemos, (III, 31), com respeito a natureza da prova, n'um caso especial.

11. - Na Hespanha, das decisões do tribunal de imprensa não ha recurso algum, excepto o de revista, em determinadas hypotheses. Muito excepcionaes.

Entre nós, pelo direito vigente, o recurso do despacho que manda responder criminalmente o arguido póde ou não ter effeito suspensivo, conforme aprouver ao juiz.

O projecto dá-lhe sempre aquelle effeito, como expuzemos. (III, 31).

Na Hespanha, logo que esteja requerido o processo, o tribunal fixará a audiencia, dentro de quarenta e oito horas, não podendo espaçal-a por menos de cinco nem por mais de oito dias.

E basta ter começado a distribuição ou lançado um exemplar no correio, para haver corpo de delicio.

A sentença, proferida em acto seguido á audiencia, condemnará o réu á revelia, se elle não comparecer, nem se representar.

Sendo processados muitos jornaes, pelo mesmo artigo, dá-se á prevenção de jurisdicção em favor do primeiro tribunal, cuja sentença fica extensiva a todos os periodicos incriminados.

A citada constituição da California faculta ao diffamado intentar o processo no lugar onde residia, á epocha da diffamação.

Na Servia, processam-se subsidiariamente, como na França, os vendedoras e affixadores.

Em todos estes assumptos, adoptou a vossa commissão a jurisprudencia que lhe pareceu mais acceitavel, pelos motivos que opportunamente expomos.

12. - Entre as disposições excepcionaes, que a lei franceza de 29 de julho de 1881 não alterou, destaca o decreto de 7 germinal, anno VIII, prohibindo a impressão ou reimpressão dos livros de igreja, de horas e orações, sem licença do prelado da diocese, e exigindo a reproducção textual da licença, em cada exemplar.

Compete assim ao prelado o direito de permittir ou prohibir a publicação, como entender, sem dar contas a ninguem.

Analogamente a Bulgaria sugeita ao Santo Synodo a publicação de todo o livro religioso.

Achámos inadmissivel, entre nós, qualquer preceito de natureza similhante.

VI

1. - A associação dos jornalistas o homem de letras do Porto explicou, n'um manifesto eloquente, que teve larguissima publicidade, os motivos por que reprova a proposta, que foi convertida no nosso projecto de lei.

Applaude primeiro o systema do direito commum restricto, seguido na proposta, com respeito á incriminação e á penalidade.

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Não devemos occultar-vos que o valor d'esta opinião esteve presente ao nosso espirito, quando ponderamos os prós e os contras do alludido systema, em face do codigo penal.

O manifesto, porém, depois d'esse elogio, ataca energicamente diversas disposições.

Quizera a vossa commissão, como testemunho de apreço, inseril-o textualmente, respondendo-lhe a par e passo.

Mas, por amor da brevidade e clareza possiveis, preferiu transcrevel-o á parte, limitando-se a dissecar-lhe e estudar-lhe aqui, com uma lealdade absoluta, o esqueleto da sua brilhante, posto que fragil argumentação.

Prestâmos assim a homenagem que desejavamos, e pomos deante de vós o meio de verificardes, sem custo, se qualquer objecção seria involuntariamente omittida, illudida ou attenuada.

Seguem os articulados do libello e a nossa defeza.

2. - a) A proposta legalisa a censura previa, permittindo prohibir, por um ukase policial, a circulação dos jornaes.

Alludiu-se evidentemente ao artigo 43.º, do pro acto).

Fixa o regula elle os casos e as condições, em que podem legalmente prohibir-se a circulação ou exposição de qualquer impresso ou do numero do um periodico.

Não estabelece, portanto, a censura previa, que, pelo contrario, o artigo 51.° expressamente regeita.

Ella consiste na obrigação de não imprimir os escriptos, sem serem approvados officialmente.

Ora, pela proposta, como pelo projecto, a impressão fica inteiramente livre.

Só a circulação e a exposição soffrem restricções em hypotheses taxativamente previstas e sob valiosas garantias.

Nem é admissivel denominar ukase policial a referida prohibição, quando, (palavras do artigo), tem de ser immediatamente submettida ao competente juiz de direito, a fim d'este a confirmar ou annullar.

3. - Consignou-se o mero direito de apprehensão, circumscripto a casos determinados, dependente da approvação judicial immediata, e sujeito a indemnisação.

E só em volta d'esse direito que a discussão póde travar-se.

Será elle legitimo?

Não receámos affirmal-o.

Ha crimes de imprensa tão graves, que a sua repercussão põe em risco a tranquillidade, publica ou exerce na sociedade uma acção profundamente funesta.

Um periodico de larga circulação, que, pela penna de um general prestigioso, incitasse o povo e o exercito á revolta, não poderia arrastar a patria a uma lucta fratricida?

Um jornal, que cubra de improperios e de calumnias o chefe do estado, não póde empallidecer a aureola de respeito, em que todas as nações precisam envolver quem exerce a mais alta magistratura?

Uma folha pornographica, que, explorando torpes tendencias, encher a rua de estampas e de escriptos obscenos, não poderá tornar-se um elemento dissolvente dos costumes, cuja bondade é o gerador e o barometro da ventura geral?

Deante d'esses crimes, o estado, que, em vez de correr pressuroso a localisar e extinguir o incendio, cruza os braços fleugmaticamente, á espera do processo, - deve ir tambem para o banco dos réus: é, pelo menos, cumplice!

4. - Faltará, por acaso, a estas ideias, em que a vossa commissão permanece inabalavel, o apoio e o voto de espiritos eminentemente liberaes?

Não falta.

E, se a lição da experiencia é, muita vez, a errata da theoria, aqui, succede o contrario: é a sua plena confirmação.

Para o provar, não desfiaremos a extensa lista da paizes onde a apprehensão se effectua.

Recordaremos exemplos frisantes e decisivos.

A 29 de julho de 1881, o presidente da republica promulgava, em França, a lei de imprensa, que ainda vigora, nas suas linhas geraes.

A generalidade d'essa lei fôra approvada pelos deputados, a 14 de fevereiro do mesmo anno, por unanimidade, menos 4 votos.

Ella accusava, segundo a confissão insuspeita de um dos mais considerados membros da minoria monarchica, os esforços do partido republicano para a realisação dos seus mais queridos programmas, e um, sensivel progresso sobre a legislação anterior, que não podia tolerar-se por mais tempo.

Uma onda crescente invadíra os espiritos, e o direito de apprehensão, atacado e batido, confinára-se no crime de ultrage á moral publica, commettido por desenhos, gravuras, pinturas, emblemas ou imagens obscenas.

Mas a experiencia fallou, e, a 16 de março de 1893, uma nova lei tornava a apprehensão extensiva aos crime, de offensa, contra os chefes de estado, e aos do ultrages contra os agentes diplomaticos estrangeiros.

Não parou aqui.

A 12 de dezembro do mesmo anno, outra lei applicava a apprehensão aos seguintes casos:

1.° Provocação a quaesquer crimes ou delictos, quando seguida de effeito, embora este seja apenas a tentativa:

2.° Provocação directa; mas sem effeito, ao roubo, homicidio, saque, fogo posto ou a qualquer dos crimes previstos no artigo 435.° e nos artigos 75.° até 85.° inclusivé do codigo penal francez;

3.° Apologia dos crimes de homicidio, saque, fogo posto ou roubo ou a qualquer dos previstos no artigo 435.° do mesmo codigo;

4.° Provocação á desobediencia militar.

Tudo quanto agora podessemos escrever seria pallido, ao pé da eloquencia d'estes factos, para justificar o direito de apprehensão.

5.- Resta-nos discutir a applicação d'elle.

Amplial-o-iamos exageradamente?

A suspensão de garantias, que paralysa direitos tão respeitaveis como o da liberdade de imprensa, não poderia deixar de sanccionar a apprehensão.

O mesmo pensamos, dos seguintes crimes:

1.° Offensa ao rei ou á familia real, pelo desprestigio, directo ou indirecto, que tende a lançar sobre o chefe da nação, cuja pessoa a lei fundamental declara inviolavel e sagrada;

2.° Ultrage á moral publica, pela decadencia que tende a produzir nos bons costumes dos cidadãos;

3.º Provocação a delictos contra a segurança do estado, pelo abalo, que póde trazer ao organismo nacional.

Eis, alem da suspensão judicial, os casos previstos no artigo.

Como não pecca por excesso, peccará elle por defeito?

Entendemos que não.

Os abusos, cujo alastramento pede antidoto immediato, acham-se todos abrangidos.

Só falta, portanto, averiguar até que ponto será dura ou branda a transição da lei vigente para a do projecto.

Pelo codigo administrativo, a apprehensão é liberrima.

O governo propõe e a commissão applaude que ella se exerça unicamente em restrictas e gravissimas circunstancias.

Pelo mesmo codigo, aquelle direito, pertence apenas á auctoridade administrativa.

O governo propõee a commissão applaude que dependa da approvação judicial.

Emfim, pelo mesmo codigo, o individuo infundadamente prejudicado com a apprehensão, fica sem compensação alguma.

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O governo propõe e a commissão applaude que seja indemnisado.

Não podia ir mais longe, como vêdes, o nosso furor liberticida.

6.- b) Exigem-se requisitos demasiados ao editor, guando bastaria que elle mostrasse ser cidadão portuguez, no pleno goto dos seus direitos civis e politicos.

Alem dos qualidades que o manifesto reconhece necessarias, a proposta pedia ao editor domicilio na comarca, isenção de culpa e inscripção em qualquer das nutrisses, ou, não estando inscripto, uma simples participação para o inscreverem.

Desprezar a residencia, tolerando, por exemplo, que edite um jornal europeu quem vive na Asia ou na Oceania, era impossibilitar o processo, á força do encommodos, despezas, obstaculos e delongas.

Equivalia a fazer irresponsavel, de facto, um responsavel de direito.

Tornaria irrisoria a presumpção, em que o legislador, se baseia, para punir uma entidade, que elle não póde suppor chancella passiva, mas cooperador consciente do delicto.

Fechar de todo a porta a inconvenientes tamanhos, eis o intuito do preceito que discutimos.

Nem elle é novo. Cumpre-se, de ha muito, entre nós, sem reclamações ou protestos. Já o estatuia a lei de 17 de maio de 1866, a mais liberal que tivemos.

Acceita, com rasão, o manifesto a exigencia do pleno goso dos direitos civis e politicos.

O requisito da isenção de culpa é a consequencia d'aquelle principio.

Dissemos, (III, 10), que a culpa só abrange, para os effeitos do projecto, a pronuncia ou a prisão.

Ora o artigo 64.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1896, que apenas consignou uma disposição muito antiga, na nossa jurisprudencia eleitoral, tira expressamente o direito do voto ao cidadão pronunciado.

E aquelle que estiver preso perde necessariamente, de facto, o exercicio d'esse direito.

Conhecemos a distincção que, de ordinario, se estabelece entre a faculdade e o seu exercicio.

Ninguem contestará, porém, que, na hypothese de que se trata, a faculdade, inhibida de realisar se, é meramente platonica.

A pronuncia ou a prisão affectam, portanto, segundo a lei vigente, o pleno goso dos direitos politicos.

E, como os signatarios do manifesto reconhecem que esse goso pleno deve exigir-se, hão de pensar comnosco que o exercicio da profissão de editor é incompativel com a prisão e a pronuncia.

Tambem, por constrangermos o editor a uma simples participação, não lhe creariamos grandes embaraços. Mas, como diremos, (VII, 8), até esse requisito eliminámos.

Cae assim, diante do exposto, o segundo articulado da accusação.

7. - c) Estabelece-se uma infinidade de réus, co-réus e cumplices, para um unico facto.

Todo o crime de imprensa vem da convergencia de duas acções: escrever é publicar. Quando os agentes são distinctos, são ambos criminosos.

Não respondam que punir o primeiro é manietar o pensamento o ferir a propria inviolabilidade do domicilio, prohibindo o cidadão de escrever o que quizer.

O legislador desconhece ineditos.

Mas, em frente da publicidade, o que elle rasoavelmente presume, no auctor do escripto, até prova em contrario, e o que justamente castiga, é o animo de publicar, traduzido no facto do auctorisar a publicação.

Não queiram tão pouco dizer-nos que ninguem comprehende taes crimes, sem materia publicavel, e que, por isso, quem a forneceu é o unico culpado.

O abuso faltaria igualmente, faltando a publicidade. E reconhecer a culpa, n'um dos factores que geram o producto, é admittil-a fatalmente no outro, sob pena do contradicção.

8. - Nem o caso fica tão singular, na criminologia de todos os tempos, que ella não figure typos do delicto, como, por exemplo, a conjuração, em que o concurso de varios agentes seja elemento essencial.

Se estas considerações não bastassem, a opinião que defendemos poderia invocar a seu favor a confirmação de auctorisados especialistas e a de varias leis de outros paizes liberaes.

Ha sempre, a nosso ver, dois factos criminosos, em cada delicio de imprensa.

E, sendo inexacta a premissa de haver um só, inexacta resulta a conclusão de só dever existir um responsavel.

Em harmonia com o que deixamos dito, responsabilisá-os simultaneamente o auctor e o editor, ou, na falta d'este, isto ó, não o havendo, o dono ou administrador do estabelecimento, onde a impressão se effectuar.

A manifesta rasão de ser d'esta responsabilidade subsidiaria está em que, tendo-se o dono ou administrador substituido voluntariamente ao editor, no delicto, substituiu-se-lhe ipso facto, na sugeição á pena.

9. - Se procurassemos estender o numero de responsaveis, ser-nos-hia commodo encontrar, em conhecidos precedentes, poderosos argumentos de auctoridade.

Todos sabem que a Inglaterra é, na phrase de um eminente publicista, o paiz classico da liberdade de imprensa.

Pois ahi a lei attinge uma incidencia quasi inacreditavel, para punir a publicação, (publication), de qualquer escripto criminoso, (libel).

Quem o tiver lido e o vender ou emprestar, é réu do crime de publicação, (publisher), e sugeito desde logo ao respectivo processo.

Como diz um illustre criminalista, basta um tudo-nada para haver delicto, (but a very little is sufficient).

Repugna-nos, porém, esta severidade.

Não ignoramos que a lei franceza, na ancia de alcançar um criminoso, pune subsidiariamente os impressores, na falta do editor o do auctor, e ainda os vendedores, distribuidores ou affixadores, na falta do impressor.

Todavia, o typographo compõe de ordinario machinalmente, sem acompanhar o sentido das palavras; e, quer os vendedores, quer os distribuidores, analphabetos muitas vezes, raro estarão habilitados a distinguir o escripto abusivo do que o não é.

Ora como, sem intenção, não ha crime, o illustrado auctor da proposta, por um principio de equidade, que a vossa commissão respeitou, não seguiu o legislador francez, no seu excessivo rigor.

Antes a possibilidade de deixar impune um delicto, do que a probabilidade de castigar um innocente.

10. - d) Incriminam-se os typographos, impressora, distribuidores e vendedores, sem terem capacidade para conhecer se o escripto é abusivo.

Não podiamos, sem amputarmos prescripções capitaes no direito commum, que tornámos por norma, esquecer as hypotheses do capitulo III do titulo I do livro I ao codigo penal.

Se os typographos, impressores, distribuidores e vendedoras se mantiverem na sua esphera de acção, não soffrem coisa alguma.

Se exhorbitarem, constrangendo ou determinando alguem a praticar o crime, aconselhando ou instigando a commettel-o, quando o conselho ou a instigação for indispensavel á sua existencia, etc., incorrerão na respectiva responsabilidade, como outro qualquer.

Então a lei não visa o typographo, o impressor, o vendedor, o distribuidor; visa o constrangimento ou a determinação ao crime, o conselho ou a instigação, etc..

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Quer dizer: o facto de imprimir, distribuir, vender escriptos delictuosos, só por si, não é possivel nunca.

Simplesmente, não garante o privilegio da irresponsabilidade para outros factos que a lei geral considera criminosos.

Em harmonia com este modo do ver, que, no fundo, era o da proposta, como demonstra o sou relatorio, ampliámos ainda a disposição respectiva.

11.- e) Só deixar produzir testemunhas do continente, se a causa correr aqui, ou da ilhas adjacentes ou das provincias ultramarinas, se correr lá, é prohibir uma coisa util, per te poder abusar d'ella.

A proposta, como o projecto, não se applica ao ultramar.

A hypothese do a causa correr lá fica, pois, fóra do debate.

Em todo o caso, se correr no continente, não admittimos testemunhas das ilhas ou do ultramar; se correr nas ilhas, não as admittimos do ultramar ou do continente; nem as admittimos do estrangeiro, em qualquer das hypotheses.

Isto, em geral, porque, quando for admissivel a prova sobre a verdade dos factos diffamatorios imputados, acceitâmos a producção de quaesquer testemunhas, para não ferirmos os direitos da defeza.

Assim modificada, pequeno inconveniente póde haver na lei.

Para as causas que o preceito questionado fica abrangendo, terão um valor secundario as testemunhas, porque a questão será mais do direito que de facto.

Mas, emfim, alguem poderá ser contrariado, n'algum caso muito particular.

O que, por conseguinte, nos cumpre é indagar se o pequeno mal possivel, ainda que raro, excede outro mal frequentissimo, que a disposição vem corrigir.

As testemunhas de longes terras são o constante salvaterio de quem quer protelar julgamentos. Nos delictos de imprensa, o estratagema vulgarisou-se tanto, que já parece obrigatorio.

Entendemos que valia a pena pôr um termo ao abuso, garantindo o andamento regular do processo, comquanto aufira levemente, alguma rara vez, o interesse de qualquer dos contendores.

Eis a rasão porque mantivemos o artigo 40.° da proposta.

Seguimos um principio que se impõe: entre dois males, escolher o menor.

É a norma invariavel das leis de processo, como das outras.

Apontaremos um exemplo, ao acaso.

Nas excepções de incompetencia em rasão das pessoas, são inadmissiveis testemunhas, que tenham de ser inquiridas por carta - codigo de processo civil, artigo § 3.°

Calcula-se a desvantagem que d'ahi póde vir ao litigante, quando as unicas testemunhas decisivas residirem fóra da comarca, onde a excepção for deduzida, e estiverem impedidas de ir lá.

Pois entre a contingencia d'esse prejuizo individual e a vantagem geral de abreviar o incidente, o codigo não hesitou.

Nós tambem não.

12.-f) Impõe-se uma pena previa ao accusado, forçando-o possivelmente a ir a Moçambique ou á India, para responder no domicilio do auctor.

Repetiremos a rectificação. Aventou-se uma hypothese inverifcavel, porque a proposta não abrange o ultramar.

Mas o § 2.º do artigo 26.°, (da proposta e do projecto), faculta effectivamente ao auctor ou requerente demandar no seu domicilio, querendo, o réu de injuria ou diffamação.

Poderá assim incommodar-se o arguido, quando o queixoso tiver um domicilio diverso?

Poderá.

Sómente, era forçoso escolher; ncommodar o arguido, n'esse caso, ou incommodar o queixoso, constrangendo-o a litigar no local da impressão, quando o seu domicilio fosse outro.

Um incommodo, que assim resultava da força maior das circumstancias, mal poderia equiparar-se a uma pena.

Em todo o caso, quem acceitar a compararão devo achal-a tão justificada para a exigencia feita ao auctor, como ao réu.

Ora, de ordinario, é no proprio domicilio que a pessoa injuriada ou diffamada soffre o maior golpe na sua honra e consideração, sendo justamente lá que mais lhe interessa mantel-as integras.

Comprehende-se, pois, que a reparação seja exigivel, onde a offensa mais prejudicou.

A lei franceza é muda sobre competencia.

Abandonou-a ao direito commum, que é o artigo 63.º do codigo do processo penal.

Por esse artigo, a jurisdição competente, não apenas para os crimes de injuria e diffamação, mas para todos os delictos de imprensa, é, cumulativamente com a da residencia do arguido, a de todos os logares onde o impresso houver circulado.

Cotejem-se as duas disposições e avalia-se-ha melhor o nosso rigor.

Uma observação, rasoavel até certo ponto, se opporia, no emtanto, á nossa doutrina.

O accusador não precisa deslocar-se. Basta-lhe constituir advogado.

Com effeito, por decreto de 29 de março de 1890, confirmado por carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno, foi-lhe expressamente dispensada, no artigo 4.°, a comparencia á audiencia do julgamento crime, qualquer que seja a fórma do processo.

Pelo contrario, o accusado teria de comparecer pessoalmente e de cumprir a pena em outro domicilio.

Esta differença collocaria o primeiro em situação mais favoravel.

A alteração, que fizemos e justificámos, (III, 26), equipara-os completamente, sob aquelle aspecto.

O aggravado poderá demandar no seu domicilio, como é justo; mas o arguido, estando domiciliado n'outra parte, não fica obrigado a ir lá, quer em virtude do julgamento, quer por força da condemnação.

A modificação, que nos foi suggerida pelo reparo a que respondemos, melhora consideravelmente o preceito alludido.

13.- g) Passe tudo, excepto a censura previa, que deixa entrar a policia, a qualquer hora, nas officinas de um jornal, para ver que materia contem e dar-lhe licença de correr.

Já respondemos.

Vista a insistencia, acrescentaremos, porém, que nem a letra, nem o espirito dá proposta dão, á ninguem, o direito que o manifesto imagina.

A officina fica inviolavel. Imprime o que lhe apraz.

Não é lá que o jornal se expõe ou circula. E só a circulação ou a exposição podem prohibir-se.

Entre a nossa doutrina e a que nos attribuem, medeia, por consequencia, o intransitavel abysmo, que separa a prohibição, da repressão; o despotismo, da liberdade.

14.-h) As hypotheses da apprehensão variam infinitamente.

Mostrámos que são restrictos os casos em que póde tornar-se aquella providencia e justificámos cada um d'elles.

Não temos, pois, que accrescentar.

15.-i) A imprensa, pelo seu valor e serviços, merecia ser tratada de outra fórma.

Trahiriamos arreigados sentimentos de gratidão e respeito, se regateassemos á imprensa, que illumina e alarga á humanidade os horisontes do espirito e decoração, o seu grande e generoso papel moral.

Mas seria contradizer-nos, desmentindo a historia, pro-

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clamar impotente, para o mal, uma instituição que, para o bem, póde tanto.

Procurámos, pois, ser tão benevolos e tão pouco exigentes, quanto possivel.

Mas quizemos concorrer, como legisladores, para augmentar o saldo, no balanço dos bens e males que a imprensa promove, como imparcialmente diz o manifesto.

16.- Sublinhou elle, referindo-se á apprehensão, os crimes de ultrage á moral publica, de certo por lhe parecer especialmente estranhavel que podessem motivar tal medida.

Ora, a republica dos Estados Unidos applica a prisão, com trabalhos forçados, por seis mezes a cinco annos, ou 100 a 2:000 dollars de multa, á venda, distribuição ou annuncio de qualquer publicação obscena, quer pelo desenho, quer pela impressão.

A lei franceza de 29 de julho manteve o direito de apprehensão para os ultrages á moral publica, (aux bonnes mxurs).

E, pela sua parte, a legislação ingleza é inexoravel com similhantes delictos.

Não ha muito que ao editor de algumas traducções de um dos primeiros romancistas franceses, foi imposta em Londres, por sentença, a multa de 100 libras e a caução de 200 libras, para garantia do seu procedimento por um anno, (to keep the peuce for twelve months).

O delinquente reincidiu.

Pois, apesar de valiosas attenuantes,- entre os quaes setenta annos de idade, e do compromisso absoluto de não continuar a venda, (in any form or scope whatever), o tribunal cobrou-lhe a canção e condemnou-o a tres mezes de cadeia.

Quasi pela mesma occasião, um dos primeiros escriptores belgas era incriminado, em Paris, por um artigo litterario, que publicou n'um jornal, e era que o representante da sociedade vislumbrou ultrages á moral publica.

Não lhe valeu a calorosa e habilissima defeza de um grande advogado do seu paiz. Esse trabalho ficou rivalisando com o admiravel discurso de Sénard, a favor de Gustavo Flaubert. Mas o réu teve de pagar 1:000 francos de multa.

Estes factos dizem bem alto se, nas nações que justamente se prezam de liberaes, o delicto a que alludimos é tratado com mais brandura do que lhe dispensâmos, quer pelas leis, quer por quem as applica.

17. - Refutámos as objecções que nos pareceram infundadas, no documento, innegavelmente notavel, do que nos temos occupado.

Vamos, com a mesma franqueza, expor-vos aquellas que nos convenceram.

Referem-se ao § 4.° 4o artigo 48.º da proposta, que dizia:

«A. confirmação ou annullação da prohibição não prejudica em caso algum a competente acção criminal.»

18.-j) O caso julgado da annullação deveria impedir que o escripto fosse perseguido judicialmente.

Com respeito aos crimes a que a apprehensão for applicavel, concordâmos plenamente com os signatarios do manifesto.

Seria, na verdade, injuridico resuscitar o delicto, depois que uma decisão, sem recurso, o julgou insubsistente, annullando a prohibição.

Mas, se o escripto contiver infracções a que a apprehensão seja inapplicavel, não existe caso julgado, nem fundamento algum para as deixar impunes.

Essa impunidade poderia até tolher aos cidadãos ou á sociedade o direito a uma reparação legal.

Exemplifiquemos.

Alguem foi diffamado em termos taes, que a auctoridade prohibiu a circulação do impresso, por lhe parecer ultrajante para a moral publica.

O juiz annullou a prohibição.

Deveriamos tirar ao diffamado o direito a acção competente?

Evitar anomalias ou injustiças similhantes foi o louvavel pensamento do governo.

Urgia, porém, alterar a redacção, para não as sanccionar na apparencia.

19.-k) Se a apprehensão impedir a venda, a exposição e a distribuição de 6 exemplares, falta o corpo de delicto e não deve permittir-se nenhuma acção criminal.

Estamos inteiramente de accordo.

Suppunhamos que a auctoridade administrativa effectuou a apprehensão, não chegando a distribuir-se, ao todo, 6 exemplares.

Falta a base do processo. Não ha corpo de delicto.

E era preciso modificar o paragrapho, para não parecer dispor o contrario.

Foi-o que fizemos, encontrando para esta, como para a outra alteração, a mais aberta acquiescencia do nobre ministro da justiça.

VII

1.- A associação dos jornalistas de Lisboa fez tambem, á proposta de que nos occupamos, uma critica merecedora da maior attenção.

É a representação, que vos foi dirigida por aquelle respeitavel corpo collectivo, e que veio publicada no Diario do governo de 14 do corrente mez.

Por identidade de motivos e de sentimentos, procederemos com o habil documento, como com o manifesto da associação dos jornalistas e homens de letras do Porto: resumindo lealmente as suas objecções e transcrevendo-o, á parte, na integra.

Dispensar-nos-hemos, porém, de repetir a refutação de qualquer argumento, já produzido no manifesto.

2.-a) A proposta, obscura na incriminação, não deixa perceber claramente as factos puniveis.

Conforme dissemos, adoptamos, para a incriminação, o direito commum restricto.

Os delictos que prevemos são unicamente os do codigo penal.

A existir, pois, qualquer obscuridade;, que nós deconhecemos, e que a representação não aponta, seria responsavel o codigo - a lei de imprensa jámais.

3.- b) A definição de offensa póde abranger actos de mera critica, por uma interpretação pouco forçada.

O codigo definiu a injuria, a calumnia, a diffamação, e não definiu a offensa.

Deixando-a no vago, poderiamos motivar exaggeros, e não faltaria quem nol-o censurasse.

Resolvemos, pois, definir, com a precisão e cuidado que n'outro logar expozemos, (III, 4).

E, desde que os representantes declaram ser precisa uma interpretação forçada, para haver abusos, fazem o elogio da definição.

Com interpretações forçadas, todas as definições podem abranger mais do que devem.

Sómente, n'esse caso, a culpa não é de quem defino, é de quem força a interpretação.

4. - c) A expressão periodico politico, em vez de periodico partidario, é, alem de impropria, incompativel com a comprehensão as politica, no seu mais elevado objectivo.

Perfilhámos a denominação periodico politico, e não a substituiremos por periodico partidario, visto ser aquella, e não esta, a consagrada pelo uso.

Nem o adoptal-a inculca a incomprehensão de que nos accusam.

Tal incomprehensão seria inadmissivel nos representantes.

E, sem embargo, elles combatem o tribunal collectivo, por entenderem que está sujeito «ás influencias da politica».

Dão, por conseguinte, a esta palavra, a mesma accepção que censuram, na proposta.

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5.- d) A competencia ao local, onde o impresso se tornar publico, origina conflictos e confusões, justificando a multiplicidade de processos por um só facto, e sendo até impraticavel.

Essa competencia, ainda ampliada, é a regra inalteravel da lei franceza, em todas as hypotheses, (VI, 12).

Assim se tem mantido, desde 1881 até hoje.

Não obstante, pelo projecto, ella prevalecerá unicamente, ignorando-se o logar da impressão.

E como, pela lei penal portuguesa, o mesmo crime só é susceptivel de um unico processo, a excepção de litispendencia ou de caso julgado cortaria, com a maior facilidade, os suppostos inconvenientes.

6. - e) Ha iniquidade em responsabilisar simultaneamente o auctor do escripto e o editor.

Já respondemos, (VI, 7, 8, 9).

7. - f) Tambem é iniquo responsabilisar os typographos, impressores, distribuidores e vendedores.

Idem, (VI, 10).

8.- g) É illusorio substituir, pela participação, a inscripção do editor na matriz.

Quizemos obrigar o editor a adoptar officialmente uma profissão, quando não a tiver.

Quizemos tambem prevenir a fazenda, desde logo, para impor a contribuição respectiva.

Ambos os fins se conseguiam.

Não eram elles, porém, de uma tal importancia, nem tão difficeis de remediar pelas leis e regulamentos geraes, que não podessemos prescindir da exigencia.

Fizemol-o, pois, no legitimo empenho de condescender, quanto podessemos, com as indicações dos representantes.

9. - h) Não permittir que ninguem seja, ao mesmo tempo, editor de mais de um periodico politico, só póde ter em vista difficultar a creação de folhas d'essa natureza ou augmentar os rendimentos do estado.

Tem em vista uma coisa mais alta: a moralidade.

«Tal como hoje existe, o editor não passa de uma mentira convencional», escreveu o sr. Trindade Coelho, no seu conhecido estudo sobre liberdade de imprensa.

E o distincto magistrado narra o tacto caracteristico de um d'esses desgraçados, «que alugam a liberdade por dinheiro,» lhe supplicar, «como uma esmola, em nome da mulher e dos filhos, (!) que lhe agravasse, quanto possivel, a situação» (!).

Ora é sabido que, para os jornaes politicos, o abuso toma as proporções de um escandalo sem nome.

Não quizémos nós exigir ao editor apertadas garantias especiaes de moralidade e illustração, é que seria a melhor maneira de remediar tudo, - exactamente por não querermos difficultar a creação de jornaes politicos.

Mas visámos uma parte do mal, e não é por certo aquella que menos doe á consciencia contemporanea.

Nem isso causará transtorno á imprensa, que deseje um responsavel a serio, um editor a valer.

O augmento de receita é que não poderia determinar-nos.

Não melhora as finanças publicas...

Mas, que as melhorasse, repelliriamos a ideia de impormos, para isso, á liberdade, restricções que não reputassemos legitimas.

10.-i) O domicilio facultativo do auctor ou requerente, nos crimes de injuria e diffamação, equivale a uma pana antecipada, que pode ferir um innocente.

Já respondemos, (VI, 12).

11. - g) É igualmente injuridico limitar a producção de testemunhas, quanto á residencia.

Idem, (VI, 11).

12. - h) É retrogrado, subtrahir ao jury a maioria dos abusos de imprensa, systema condemnado pelos melhores espiritos, que consideram indispensavel sempre a intervenção do jury.

O artigo 45.° da lei franceza de 29 de julho exceptua da jurisdicção dos jurados as seguintes infracções, que confia ao julgamento do tribunal correcoional:

1.° Falta do deposito de dois exemplares, para as collecções nacionaes;

2.° Publicação de periodico sem editor ou com editor que não satisfaça aos requisitos da lei;

3.° Falta das declarações obrigatorias para a publicação de um periodico;

4.° Falta da entrega de dois exemplares de cada periodico;

5.º Falta da declaração impressa do nome do editor, no fundo de qualquer exemplar de um periodico;

6.° Recusa da inserção ou inserção tardia ou irregular de rectificações dirigidas pelos depositarios da auctoridade publica e das respostas dos particulares;

7.° Venda ou distribuição do periodicos estrangeiros, cuja circulação estiver prohibida;

8.° O facto de arrancar, rasgar, cobrir ou alterar, por qualquer processo, que os transforme ou torne illegiveis, cartazes collocados por ordem da auctoridade administrativa ou proclamações eleitoraes, quando esse facto for praticado por algum funccionario publico ou agente da auctoridade;

9.° A venda, distribuição ou exposição, com conhecimento de causa, de livros, brochuras, jornaes, desenhos, gravuras, litographias o photographias de caracter criminoso;

10.° A venda, distribuição ou exposição de desenhos, gravuras, pinturas, emblemas ou imagens: obscenas;

11.° A diffamação de um simples particular;

12.° A injuria a um simples particular.;

13.° A publicação de autos de processo crime, antes de lidos em audiencia publica;

14.° A publicação dos processos por diffamação, que não admittirem prova, dos processos civis, quando prohibida pelos tribunaes, e das deliberações secretas dos jurys e tribunaes;

15.° O facto de abrir ou annunciar publicamente subscripções para o pagamento das multas, custas e indemnisações por perdas e damnos, impostas criminalmente por sentença judicial.

O mesmo artigo exclue o jury e entrega aos tribunaes de simples policia o julgamento dos seguintes factos:

1.° Falta da indicação do nome e domicilio do impressor;

2.° Collocação de cartazes fóra dos logares designados para isso;

3.° O facto de arrancar, rasgar, cobrir ou alterar por qualquer processo, que os transforme ou torne illegiveis, cartazes collocados por ordem da auctoridade administrativa ou proclamações eleitoraes, quando o réu não for funccionario publico, nem agente da auctoridade;

4.° Affixação de cartazes particulares, em papel branco;

5.° O exercicio da profissão de vendedor ambulante ou distribuidor, sem declaração previa;

6.° A falsidade d'essa declaração;

7.° A recusa de apresentar o recibo, passado ao vendedor ambulante, da declaração por elle feita.

Em presença d'esta ennumeração, não só dirá que era pequeno o numero de causas subtranidas ao jury pela lei de 1881, tão liberal, alias, que o grande jornalista Lemoine a chamou espirituosamente uma noiva bonita demais.

13. - Mas aquelle diploma tem sido modificado por varias vezes, com respeito á jurisdicção. Vejamos em que sentido.

Segundo o artigo 28.°, com referencia ao artigo 23.° da lei de 1881, os ultrages á moral publica, commettidos por meio de impressos, eram julgados pelo jury.

O artigo 2.° da lei de 2 de agosto de 1882 fez passar esses delictos, excepto os praticados em livro, para a jurisdicção do tribunal correocional.

Segundo os artigos 36.º e 37.° da lei de 1881, a offensa

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publica aos chefes do estado e o ultrage publico aos agentes diplomaticos estrangeiros, eram julgados pelo jury.

O artigo 1.° da lei de 16 de março de 1893 confiou o seu julgamento ao tribunal correcional.

Segundo os §§ 1.° e 3.° do artigo 24.° e o artigo 25.° da lei de 1881, modificada pela lei de 12 de dezembro de 1893, pertencia ao jury o julgamento da provocação directa ao roubo, homicidio, saque, fogo posto ou aos crimes contra a segurança do estado ou á desobediencia militar.

O artigo 1.° da lei de 28 de julho de 1894 entregou ao tribunal correccional o julgamento de todos esses crimes, a que é applicavel a pena de um a cinco annos de prisão, com 100 a 8:000 francos de multa.

14.- As modificações que referimos, unicas effectuadas até hoje, denunciam uma tendencia constante: restringir cada vez mais as attribuições do jury.

E são já tão absorventes que pouco lhe deixara, alem da injuria e diffamação susceptiveis de prova, pela lei de 1881.

Ora, o jury portuguez, pela sua organisação, e, diga-mol-o francamente, pela sua comprehensão das altas funcções, que lhe compete desempenhar, mal poderia haver-se como superior ao jury francez.

Pensámos n'um jury especial, mas poderosos motivos se lhe oppuzeram.

Tomando em conta estas considerações, ver-se-ha que, quanto á jurisdicção, tambem não ficámos atraz dos espiritos liberaes, que fizeram e alteraram a lei franceza.

Em tão boa companhia, não custa muito ser acoimado do retrogrado.

15.- l) O tribunal collectivo, sugeito ás influencias politicas e executar automatico, de uma lei iniqua, não offerecerá as garantias ao jury.

Nas comarcas de Lisboa e Porto, onde os processos de imprensa abundara mais, aquelle tribunal é exclusivamente composto por membros do poder judicial.

São estes de nomeação do governo, é certo.

Mas têem, apenas nomeados, garantias do estabilidade, que lhes asseguram a independencia,

Demais, ninguem ignora a imparcialidade com que a magistratura portuguesa timbra em desempenhar-se dos seus arduos deveres.

Nas outras comarcas, o tribunal collectivo é composto, alem do juiz de direito, do seu primeiro substituto e do conservador, ou, na falta d'este, dos dois primeiros substitutos do juiz.

Não permittindo as circumstancias do thesouro crear magistrados especiaes, era impossivel encontrar, n'essas comarcas, funccionarios que dessem garantias do mais competencia, illustração e imparcialidade.

Parece-nos, portanto, soberanamente injusto condemnar a priori o tribunal collectivo, em nome da pretendida influencia politica sobre os julgadores.

Nem nenhum estadista portuguez se tem revelado mais insuspeito, que o sr. conselheiro Beirão, de appellar para similhante factor.

A proposta de organisação judiciaria, apresentada às côrtes o que a dissolução do parlamento não deixou discutir em 1890, demonstra, á saciedade, o desejo de obstar á já limitada ingerencia do executivo no judicial.

Accusar o tribunal collectivo de executar automatico de uma lei iniqua não se comprehende bem.

Os representantes acham a lei má. Nós não. É precisamente por isso que discutimos.

Mas, fosse ella pessima, mil vezes peor do que lhes parece, que nenhum argumento tirariam d'ahi contra o tribunal.

E tambem, se este fôr, como proclamam, um executor automatico da lei, quer dizer, só se mantiver inflexivel na applicação d'ella, só merecerá louvores.

Ou os signatarios da representação pretenderiam acaso juizes que resolvessem peio proprio arbitrio?

16. - Das promissão influencia politica e execução automatica, deduziu-se uma conclusão: não offerecer o tribunal collectivo as garantias do jury.

Se alludem á illustração, competencia e imparcialidade, mostrámos que são injustos.

Se querem significar que a diversidade de organisação implica a diversidade de condições, dizem um pleonasmo a deslocam a questão.

É claro que aos jurados faltara, na grande maioria, habilitações juridicas especiaes, e que, pelo contrario, os membros do tribunal collectivo são funccionarios publicos, com essas habilitações.

O que, porém, importa é saber se deve ou não confiar-se ao jury o julgamento de todos os delictos.

17.- m) As seguranças de independencia e bom criterio do tribunal collectivo não excedem as do juiz singular e são inferiores às do tribunal de recurso.

Quanto ao bom criterio, não estamos de accordo, porque um vê menos que tres.

No mais, sim.

Mas, como a independencia do juiz singular, positiva perante os factos, é grande perante a lei, não achamos necessario que a exceda a do tribunal collectivo.

E, haver ainda mais garantias no tribunal de recurso que no tribunal recorrido, longe de justificar censuras, constitua a applicação de uma lei invariavel de boa organisação judicial.

18. - n) Julio Simon considera o juiz singular inimigo do jornal processado.

Não opporemos á auctoridade do grande escriptor francez outras, que não valem menos, e sustentam o contrario.

Bastam-nos duas considerações,

Embora, no juiz singular, se queiram presuppor as tendências que Julio Simon lhe attribue e outros lhe contestam, não se concluiria que as tenha entre nós.

Em Portugal, a unica preoccupação, que a experiência de longos annos accusa no juiz singular, é a de observar fielmente os preceitos do legislador.

Elle merece tambem a invejavel censura, que a representação faz ao tribunal collectivo: é um executor automatico da lei.

19. - o) Mantem-se a aggravante da reincidencia, apesar de a lei franceza a eliminar, declarando o relator que fôra uma revogação em favor da liberdade.

Como dissemos, seguimos o direito commum restricto, nas circumstancias e da applicação das penas.

O codigo considera a reincidencia uma d'essas circumstancias e dá-lhe certos effeitos.

Pormol-a de parte era uma quebra do systema adoptado.

Nem o motivo allegado pelo sor. Lisbonne nos convenceria.

Fazemos justiça ao bailo trabalho do illustre relator francez. Pela sinceridade, clareza e abundancia de informações, é uma obra de valor.

Mas o mesmo principio em que elle fundamenta a revogação da reincidencia auctorisaria a revogação de todas os penas. Era sempre uma derogação em favor da liberdade, no sentido injuridico e falso em que a palavra se tomou.

Comprehendemos que, na França, onde, como vimos, a penalidade é geralmente elevada, o legislador, não querendo alteral-a, e desejando, com rasão, ser o mais benigno possivel para os delictos de imprensa, os isentasse do aggravamente resultante de certas circumstancias especiaes, como a reincidencia.

Nós prefeririamos talvez diminuir a penalidade.

Cortavamos o mal pela raiz e não ficavamos em conflicto com a moderna jurisprudencia criminal, que vê, no reincidente, um candidato a incorrigivel.

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Mas, não optando por este meio, poderiamos acceitar aquelle paragrapho.

Agora, perante o nosso codigo, cujas penas são geralmente brandas, a excepção não teria fundamento, nem desculpa. .

20.- p) O disposto no § 7.° do artigo 32.° da proposta, (§ 11.º do artigo 32.º do projecto), tira aos jornalistas as garantias do julgamento pelo jury ou pelo tribunal collectivo.

A resposta é a justificação que fizemos d'aquelle paragrapho, (III 33).

21.- q) A applicação do artigo 2.º da lei de 15 de abril se 1886 colocaria os jornalistas, sugeitos a uma simples policia correccional, peor que os réus de um delicto commum equivalente.

Pareceu-nos, até certo ponto, attendivel esta observação.

Por isso de aocordo com o nobre ministro da justiça, eliminámos, nó projecto, a applicação do artigo citado.

22. - r) Restringir a appensação dos processos equivale a aggravar indirectamente, a penalidade, infringindo o direito commum.

Pelo mesmo motivo, e com o mesmo accordo, fizemos desapparecer do projecto a restricção alludida.

23.-s) A defeza da pessoa injuriada ou diffamada no periodico fica ao arbitrio d'ella, podendo até envolver injurias ou diffamações.

Referimo-nos largamente, n'outro logar, ao direito a que se allude, (III, 37).

Pelo que dissemos, ver-se-ha que o imaginado inconveniente- não póde verificar-se.

O direito de defeza, ou de resposta, como lhe chama a lei franceza, que lhe dá uma amplitude incomparavelmente maior, consagra uma luminosa descoberta e uma grande conquista liberal.

Mas queremol-o sem abusos.

24. - t) Não se tolera a inserção obrigatoria de rectificações ou desmentidos officiaes, já porque podem ser falsos, já porque converteria o jornal n'um Diario do governo ou... dos governadores civis.

Se o desmentido for falso, o que, aliás, não sé presume, deixa em peior estado quem o tiver feito.

Ha, comtudo, para o periodico um leve prejuizo material?

De accordo.

Mas, a troco d'essa eventualidade, vale a pena garantir ao estado um remedio prompto e efficaz, contra um mal que póde ser grave.

A phantasa de o periodico se converter n'uma folha official mostra que, n'essa parte, os signatarios da representação leram a proposta um tanto á pressa.

O n.° 2.° do artigo 41.°, (37.° do projecto), só permitte o desmentido, com respeito a qualquer noticia, publicada ou reproduzida no jornal.

25. - u) A suspensão do periodico reincidente vae ferir irreparavelmente nós seus interesses, alem da empreza do jornal, todo o pessoal que n'elle trabalha.

Á diffusão de pena allegada, que, na verdade, é muito para considerar, e o respeito pelo systema do direito commum restricto, em materia de penalidade, levaram-nos, do accordo com o nobre ministro da justiça, a supprimir, no projecto, a suspensão do periodo reincidente.

26.- v) E igualmente iniquo o direito de apprehensão.

Já respondemos, (VI, 3, 4, 5).

27.- x) A condemnação facultativa do editor nas suspensão temporaria dos direitos politicos, difficula a continuação do jornal, podendo até
interrompel-a,

Pelo fundamento invocado e pela rasão de systema, que exporemos no n.° 25, eliminamos tambem, nas mesmas condições, o preceito alludido.

28. - y) Fica em vigor a lei de 13 de fevereiro de 1896, já n'este momento derogada de facto, pela imprensa de todo o paiz».

Se, como affirma a representação; a lei de 13 de fevereiro já está derogada de facto pela imprensa de todo o país, revogarmol-a ou não, no projecto, importaria, praticamente a mesma coisa.

Nem, sob o aspecto doutrinal, o facto de a deixarmos de pé prende a nossa opinião.

A opportunidade não é uma palavra vã para o legislador.

E circumstancias imperiosas, que não desconheceis, tornavam inopportuna, na hora presente, a revogação pretendida.

Acceitâmos integra, perante vós e perante os principios liberaes, a responsabilidade d'esta opinião e do procedimento que nos impoz.

29.- z) As representações dos jornalistas de Lisboa sobre a lei de imprensa de 1890, e os considerandos do decreto, que revogou alei de 3 de agosto de 1850, são applicaveis a proposta.

Sobre estas affirmações, que a representação nem mesmo tentou provar, não diremos uma palavra.

Consignamol-as apenas para, n'um momento de calma flerexão, à consciencia dos signatarios lhes dizer quanto foram injustos, arrastados por uma paixão nobre, mas excessiva!

VIII

1. - Senhores. - Moldámos, em breves linhas, os nossos principies capitaes, sobre liberdade de imprensa.
2.
Desenhámos, em seguida, a largos traços, o perfil do projecto.

Decompuzemol-o e estudámol-o depois, artigo por artigo.

Fizemos uma ligeira revista á evolução historica da lei de imprensa entre nós.

Confrontámos a nossa obra com a legislação vigente n'este e em outros paizes.

Analysámos por fim o manifesto dos jornalistas e homens de letras do Porto e a representação dos jornalistas de Lisboa, attendendo as objecções que nos convenceram, e refutando as outras.

Estava, pois, naturalmente indicado o termo d'este modestissimo trabalho, cujas lacunas o vosso alto criterio supprirá.

Vamos concluil-o, expondo algumas considerações geraes.

2.- Não afagamos a louca pretensão de trazermos ao parlamento um projecto impeccavel.

Se podessemos imaginal-o, bastaria, para desengano, o que tem succedido com a lei franceza de 1881.

Partindo da iniciativa de um espirito superior; pacientemente estudada por homens de primeira grandeza; collaborada por todos os agrupamentos politicos; foi profundamente alterada, uma vez, em 1882; tornou a sel-o, duas vezes, mais profundamente, em 1893; foi-o de novo em 1894; e, todavia, os jornaes pedem, ha muito, que se lhe introduzam melhoramentos; e, ha poucos dias, perante a resurreição de uma causa militar, cuja discussão apaixona o paiz, o governo confessou que não estava sufficientemente armado contra os abusos da imprensa.

Lição cruel, para quem ousasse confiar na perfeição das leis humanas!

Mas, sem termos essa temeridade, não receamos affirmar que nenhuma nação da Europa gosa de uma lei de imprensa, cujo conjuncto seja mais liberal que o do nosso projecto.

Tão exacto é que as ideias liberaes são o apanagio de uma escola, em vez do monopolio intransmissivel de determinadas instituições!

Sabemos que esta verdade contraria os adversarios de existente, mais não fugimos a comproval-a, dentro do as-

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sumpto e da historia, bastando-nos até o exemplo de uma grande nação - a França - pelas suas especiaes condições.

3.- Deitemos um lance de olhos á primeira republica franceza.

Em 24 de agosto de 1789, a celebre Declaração da direitos do homem decretava, no artigo 11.°, a livre communicação dos, pensamentos e das opiniões falladas, escriptas ou impressas, salva a responsabilidade pelos abusos, nos casos que a lei determinasse.

O preceito passou incolume para o artigo 11.° da lei de 14 de setembro de 1791. Mas não impediu que os decretos de 29 e 31 de março de 1798 fulminassem a pena de morte contra os impressores e auctores de escriptos, que contivessem crimes politicos, taes como attentados contra a soberania popular, provocados á dissolução da representação nacional, etc.

A constituição de 1793 garantia á imprensa, no artigo 122.°, a liberdade indefinida.

Mas foi preciso chegar a data de 9 thermidor, para ella recuperar a voz.

Pouco adiante, porém, já a constituição do anno III, no artigo 355.°, admitta, leis prohibitivas da liberdade de imprensa, emquanto só lhos d'esse effeitos durante um anno, se não fossem renovadas.

No anno IV, com approvação unanime das duas camaras, promulgava-se a lei de 27 germinal, que, no artigo 1.º, condemnava á morte, entre outros, ou que, por discursos ou impressos, provocassem a dissoluto da representado nacional ou a do directorio, ou o restabelecimento da constituição de 1793, ou o da constituição da 1791, ou o de qualquer governo, que não fosse o da constituição do anno III.

Promettia-se, pois, a morte, como observa um illustre publicista, ao escriptor que considerasse perfectivel o pacto ao anno III e lhe propozesse a modificação, mesmo sob a fórma republicana.

No anno V, as camaras votavam, sem discussão, a 19 fructifidor, uma lei que entregava á policia a inspecção de todos os periodicos e respectivos estabelecimentos typographicos, facultando-lhe prohibil-os.

 22 do mesmo mez, o parlamento outorgava ao directorio o direito de condemnar á deportação todos os proprietarios, gerentes, directores, auctores e redactores de 42 jornaes.

No anno VI, a lei de 19 thermidor prorogava-se por mais um anno.

No anno VII, ou jornalistas proscriptos por essa lei, e que se tivessem evadido, eram equiparados noa emigrados, o que equivalia a applicar-lhes a pena de morte, sem julgamento.

Emfim, no anno via, pouco antes de, Napoleão assumir o poder, ainda a representação nacional votava uma lei violentissima contra a liberdade, de imprensa.

4. - Procederia mais brandamente a segunda republica?

Procedeu: aboliu até todas as leis preventivas e repressivas anteriores.

Mas, mal tivera tempo de respirar, e já o general Cavaignac prendia jornalistas e supprimia jornaes, sem nenhuma fórma de processo, vendo os seus actos sanccionados por 300 votos de maioria, na camara republicana.

5. - Resta-nos a republica actual, que, até 29 de julho de 1881, viveu com as leis mais duras da monarchia, sobre liberdade de imprensa.

Substituiu-as então por uma legislação liberal, moderada e sensata, que tem aperfeiçoado successivamente.

Mas a monarchia póde oppor-lhe a lei de 17 de maio de 1819, que se distingue pelas mesmas qualidades, e cujo relatorio, devido ao grande jurisconsulto M. de Serres, ainda hoje é um trabalho juvenil e fertil, apesar dos seus oitenta annos.

6.- A seu turno, o nosso, como outros paizes monarchico representativos, mostra-nos vigorando para a imprensa, ora o regimen oppressor, ora o liberal, sob a mesma fórma do governo.

Tivemos a lei de 3 de agosto de 1850, que era uma mordaça.

Seguiu se-lhe a de 17 de maio de 1866, abortamente liberal.

Temos a de 29 de março de 1890, arbitraria e rigorosa.

Teremos, se for acceite a do projecto, liberal como a primeira, affirmando qualidades oppostas á ultima.

E podem os jornaes atacar-nos, que, suppondo alvejar adversarios, visarão amigos.

Pelo que fica exposto, a vossa commissão, de accordo com o governo, é de parecer que a proposta seja approvada e convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O direito de expressão do pensamento pela imprensa, garantido na carta constitucional da monarchia e no codigo civil, será exercido em conformidade com as disposições da presunta lei.

§ unico. Entender-se-ha por imprensa, para os effeitos d'esta lei, qualquer fórma de publicação graphica.

Art. 2.º O direito de expressão do pensamento pela imprensa será livro e como tal independente de censura ou caução, mas o que d'elle abusar em prejuizo da sociedade ou de outrem ficará sujeito á respectiva responsabilidade civil o criminal.

Art. 3.° Serão considerados abusos, nos termos do artigo antecedente e para os effeitos d'esta lei, os crimes de offensa, diffamação, injuria, calumnia, ultrage e provocação, previstos nos artigos 130.°, 137.°, 159.°, 160.°, 169.º, 181.°, 182.°, 407.º a 412.°, inclusive, 414.° a 420.º inclusivo, e 483.° do codigo penal, quando commettidos pela imprensa.

§ 1.° A offensa consiste na publicação de materia, em que haja do respeito devido ao Rei, aos membros da familia real, soberanos e chefes de nações estrangeiras, ou cujo objecto seja excitar o odio ou o desprezo das suas pessoas ou censurar o Rei por actos do governo.

§ 2.° A publicação pela imprensa de injuria contra as autoridade publicas é considerada com feita na presença d'ellas, para os effeitos d'esta lei.

Art. 4.° Quando em alguma publicação houver referencias, allusões ou phrases equivocas, que possam implicar diffamação injuria, para alguem, poderá quem n'elle se julgar comprehendido reclamar do auctor, quando conhecido, do aditor e, na falta d'este, do dono do estabelecimento em que se houver feito,que n'um dos tres dias immediatos á reclamação, declare expressamente pela imprensa se as referencias, illusões ou phrases equivocas se referem ou não ao reclamante.

§ 1.° A reclamação facultada n'este artigo, será feita judicialmente nos termos prescriptos nos artigos 645.° e 619.° do codigo de processo civil.

§ 2.° O notificado, que se recusar a fazer a declaração, ou não a fazer pela fórma indicada n'este artigo, incorrerá na pena de multa de 3$000 a 30$000 réis.

§ 3.º Seja qual for a declaração, fica salvo ao queixoso o direito á acção penal.

Art. 5.° No caso de offensa injuria ou diffamação dirigidas por meio de pseudonymos ou por phrases allusivas ou equivocas, tendentes a encobrir a responsabilidade juridica, procede a accusação, sempre que por parte d'esta se prove que a offensa, injuria ou deffamação se referem á parte queixosa.

Art. 6.° Alem dos casos, em que o codigo penal admitte

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a prova sobre a verdade dos factos diffamatorios imputados, será ella tambem admittida contra administradores e fiscaes de quaesquer sociedades ou emprezas civis, commerciaes, industriaes ou financeiras, que tenham recorrido a subscripções publicas para a emissão de acções ou obrigações, quando os factos imputados forem relativos às respectivas funcções.

Art. 7.º O titulo de qualquer publicação faz parte da propriedade d'esta, não devendo adoptar-se nenhum, sem ser distincto dos já legalmente apropriados, de modo que não possa induzir em erro.

§ unico. O direito ao titulo dos periodicos prescreve pelo lapso de dois annos, depois da ultima publicação.

Art. 8.° Toda a publicação indicará o estabelecimento onde foi impressa, sob pena de um a tres mezes de multa pela contravenção, imposta ao respectivo dono ou administrador, e, no caso de reincidencia, aggravada com prisão correccional pelo mesmo tempo.

§ unico. Exceptuam-se da disposição d'este artigo as listas eleitoraes, bilhetes, convites, cartas, circulares, avisos, e outros papeis que é uso serem parcial ou totalmente impressos.

Art. 9.° Todo o periodico terá um editor, que deverá reunir as seguintes qualidades:

1.ª Cidadão portuguez;

2.ª Achar-se no goso dos direitos politicos e civis;

3.ª Domiciliado na comarca onde a publicação houver de ser feita;

4.ª Livre de culpa.

§ unico. Ninguem poderá ser simultaneamente editor de mais de um periodico politico.

Art. 10.° Nenhum periodico se poderá publicar, sem que se haja feito, perante o delegado do procurador regio da comarca ou vara, onde se achar o estabelecimento em que a impressão houver de fazer-se, uma declaração contendo:

1.° O titulo do periodico, e o seu modo de publicação;

2.° Os nomes e domicilios de proprietario e do editor;

3.° A indicação do estabelecimento em que tem de ser impresso.

§ unico. A declaração, a que se refere este artigo, será feita em papel sellado, assignada pelo editor e pelo dono ou administrador do estabelecimento, onde o periodico tiver de ser impresso, devidamente reconhecida e acompanhada de documentos comprovativos das qualidades exigidas no artigo anterior.

Art. 11.º Toda a mudança que sobrevier em qualquer dos factos constantes da primittiva declaração, será communicada pela mesma fórma ao competente delegado.

Art. 12.° A falta da declaração primitiva ou a falta da declaração de qualquer mudança, que sobrevier, será punivel com a pena de prisão correccional de um a tres mezes, e multa correspondente, a que ficarão sugeitos o proprietario, o editor e o dono da imprensa, em que se houverem publicado os numeros do periodico, sem aquella formalidade estar cumprida.

§ unico. Na sentença condemnatoria dos actos ou omissões a que este artigo se refere, o juiz decretará a suspensão do periodico, emquanto as respectivas formalidades se não mostrarem cumpridas, sob a comminação da multa de 10$000 réis, por cada numero que em contravenção se publicar, e por que responderão solidariamente as pessoas mencionadas n'este artigo.

Art. 13.° Os periodicos são obrigados a inserir em todos os numeros, no alto da primeira pagina, o nome do editor e a indicação da séde da administração, alem da do estabelecimento onde a impressão se fizer, sob a responsabilidade e as penas declaradas no § unico do artigo antecedente.

Art. 14.° Todo aquelle que expozer á venda, vender distribuir ou affixar publicações, cuja suspensão haja sido ordenada, incorrerá, como contraventor, na pena de prisão de tres a trinta dias e multa correspondente.

Art. 15.° É prohibido, sob pena de desobediencia, annunciar ou apregoar publicamente mais que o titulo e o treco da publicação.

Art. 16.° De todos os periodicos se entregará ou remetterá pelo correio um exemplar ao delegado do procurador regio da comarca ou districto criminal onde forem impressos, entregando-se ou enviando-se outro ao respectivo procurador regio, sob pena, por cada falta, da multa de 5$000 réis, que será imposta ao editor, e, não o havendo, ao dono ou administrador do estabelecimento, onde se houver feito a impressão.

Art. 17.° Pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa serão responsaveis o editor e o auctor; na falta de editor, tambem o dono ou administrador do estabelecimento em que a publicação se effectuar; podendo-o ser, alem e independentemente d'estes, todos os que se provar terem sido agentes do crime, nos termos do capitulo III do titulo I do livro I do codigo penal.

§ 1.° Os typographos, impressores, distribuidores ordinarios e vendedores ambulantes de periódicos não serão sugeitos á responsabilidade, imposta n'este artigo, pelos actos que praticarem em virtude dos seus misteres.

§ 2.° Ao juizo compete a classificação legal dos agentes como auctores, cumplices ou encobridores.

Art. 18.° Aos crimes de abuso de liberdade de imprensa são applicaveis as penas respectivas estabelecidas no codigo penal.

§ unico. Nos casos previstos no artigo 2:389.° do codigo civil, a sentença condemnatoria fixará ;a indemnisação devida ao auctor, se este a houver exigido no processo.

Art. 19.° As multas, em que forem condemnados os agentes dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, formarão um fundo especial, separadamente escripturado.

Art. 20.° Os proprietarios das publicações incriminadas serão responsaveis pelo pagamento da multa e da repara-o em que os agentes do crime forem condemnados.

§ 1.° Essas importancias terão:

1.° Privilegio mobiliario especial sobre a propriedade da publicação e sobre o material de estabelecimento onde esta houver sido impressa, se o dono for o mesmo;

2.° Hypotheca legal sobre o immovel em que a impressão houver sido feita, se elle pertencer ao dono da publicação.

§ O privilegio estabelecido no n.° 1.° d'este artigo preferirá a outro qualquer da mesma especie.

§ 3.° Fica salvo às pessoas mencionadas n'este artigo o direito a haver dos agentes dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, a importancia, que pelos mesmos agentes houverem pago.

Art. 21.° O procedimento judicial pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa, fóra dos casos em que o codigo penal torna a accusação dependente de requerimento de parte, e pelas contravenções às disposições d'esta lei, será sempre promovido pelo ministerio publico, sem dependencia de instrucções superiores.

§ 1.° O procedimento, ordenado n'este artigo, deverá, com respeito a crimes de abuso de liberdade de imprensa commettidos por periodicos, ser instaurado no praso de trinta dias depois da publicação.

§ 2.° A falta de cumprimento do disposto n'este artigo e seu § 1.°, será punida com qualquer pena disciplinar, e até com a demissão, conforme a gravidade do caso, immediatamente applicada, sob proposta do superior hierarchico do magistrado negligente.

§ 3.° A obrigação imposta n'este artigo ao ministerio publico não tolhe ao aggravado a faculdade de, por sua parte, intentar o competente procedimento criminal, nem perime o direito de se intentar o procedimento, emquanto não houver prescripção, nos termos do artigo 41.°

Art. 22.° O procedimento pelas contravenções às disposições d'esta lei não poderá impedir nem prejudicar o pro-

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Cedimento por qualquer crime de abuso de liberdade de imprensa, quando a elle haja logar.

Art. 23.° Os crimes de abuso de liberdade de imprensa serão julgados com intervenção de jury, salvo nos casos do offensa, injuria e nos de ftffamagBo, quando não for ad missível provia sobro a verdade das factos imputados.

Art. 24.° Os crimes de offensa, injuria e ou de diffamação quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados e o procedimento judicial não depender de requerimento de parte, serão julgados por um tribunal collectivo.

§ 1.° Esse tribunal compõe-se do juiz da comarca ou districto criminal, que será o presidente, e de dois vogaes.

§ 2.º Em Lisboa, os vogaes são os juizes dos districtos criminaes de numeros seguintes ao d'aquelle em que o processo houver sido instaurado; no Porto, os dos outros districtos criminaes; nas outras comarcas, o conservador privativo do registo predial e o primeiro substituto desimpedido, ou os dos primeiros substitutos desimpedidos, não privativo.

Art. 25.° Os crimes de injuria e os de diffamação, quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados e o procedimento judicial depender de requerimento de parte, assim como as contravenções is disposições da presente lei, serão julgados só pelo competente juiz de direito criminal.

Art. 26.° A competencia do juizo para os processos de abuso de liberdade de imprensa é determinada pelo local onde foi feita a impressão.

§ 1.° Não sendo conhecido o local onde se fez a impressão, será competente o juizo da comarca ou do districto criminal onde o impresso foi exposto á venda, vendido, distribuido ou affixado.

§ 2.º Os crimes de injuria e diffamação, em que o procedimento judicial depender de requerimento de parte, poderão ser processados no juizo do domicilio do auctor na causa.

§ 3.° No caso previsto no paragrapho anterior, tendo o arguido domicilio diverso, ser-lhe-ha licito não comparecer na audiencia de julgamento, desde que ahi se represente por advogado, ou por procurador, se na comarca não houver advogado, e cumprirá no seu domicilio a pena que lhe for imposta.

Art. 27.° Todo o processo por abuso de liberdade de imprensa começará por uma petição, em que o auctor formulará a sua participação e a que juntará o imprenso.

1.° Se o auctor do impresso for desconhecido, requer-se-ha logo na logo na petição a intimação do editor, e, na sua falta, a do dono ou administrador do estabelecimento em que a impressão se houver feito, para declarar, no praso de vinte e quatro horas, o nome e o domicilio do auctor do impresso.

§ 2.° Se o intimado não fizer a declaração, incorrerá na pena de desobediencia; se indicar como auctor do impresso quem, pelo processo, se provar que o não foi, incorrerá na pena de falsas declarações, imposta no artigo 242.º do codigo penal.

Art. 28.º Autuada a petição, proceder-se-ha immediatamente ao corpo de delicio, que se haverá por constituido, desde que a publicação esteja comprovada por um dos factos seguintes: distribuição de exemplares a mais de seis pessoas; affixação, em logares publicos, de um ou mais exemplares ou exposição ou venda publica dos impressos incriminados.

Art. 29.° Constituido o corpo de delicto, serão os autos continuados ao auctor na causa, para deduzir a accusação, dentro de vinte e quatro horas, articulando o crime e suas circumstancias essenciaes, apontando a disposição penal applicavel, e indicando as testemunhas, que não podem ser mais de cinco, salvo o disposto nos §§ 3.° e 5.º do artigo 32.°

Art. 30.° Deduzida a accusação, irão logo os autos conclusos ao juiz, que, dentro de quarenta e oito horas, lançará despacho, recebendo ou regeitando a accusação, mandando-a, no caso affirmativo, submetter ao julgamento do jury, do tribunal collectivo ou do juizo criminal, conforme a competencia, e pronunciando o accusado, se couber pronuncia.

§ unico. Os réus poderão livrar-se soltos, mas, se o caso for de pronuncia, ficam obrigados a prestar caução.

Art. 31.° Do despacho, proferido nos termos do artigo antecedente, caberá recurso, com effeito suspensivo, que subirá nos proprios autos, e será interposto, processado e julgado como os aggravou civeis de petição.

§ unico. O respectivo accordão será lido pelo relator e a sua conclusão mandada affixar, de modo bem visivel, á porta do tribunal, havendo-se desde então e para todos os offeitos, como publicado.

Art. 32.° Passando em julgado o despacho que receber a accusação e mandar responder o réu, perante o jury ou o tribunal collectivo, seguir-se-hão os termos do processo criminal ordinario, com as seguintes modificações:

§ 1.° A accusação, deduzida nos termos do artigo 29.°, substituirá, para todos ou offeitos, o libello accusatorio, e d'ella se dará copia ao réu, com o respectivo rol de testemunhos, no praso de vinte e quatro horas.

§ 2.° O praso para a contestação será de oito dias, sendo, porém, sempre permittido ao réu apresentar a defeza na audiencia de julgamento, mas devendo, em qualquer dos casos, juntar, n'aquelle praso, rol de testemunhas, em numero legal, dando-se copia ao auctor na causa, bem como da contestação, se for deduzida, e ficando salvo o disposto nos tres paragraphos seguintes.

§ 3.° Nos processos do diffamação, quando for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados, nos ternos do artigo 408.° do codigo penal e do artigo 6.° d'esta lei, o réu articulal-os-ha separadamente na contestação, juntando documentos e rol do testemunhas, as quaes poderão ser cinco para cada facto.

§ 4.º No caso do n.º 2.° do artigo 408.º do codigo penal, só será admissivel a prova resultante de sentença passada em julgado ao tempo da publicação.

§ 5.° O auctor na causa contra quem a prova for admittida poderá articular, no praso de oito dias, juntando documentos o rol de testemunhas, as quaes tambem poderão ser cinco para cada facto.

§ 6.° Cumpridos as formalidades prescriptas nos paragraphos antecedentes, o juiz designará, dentro de quarenta e oito horas, a audiencia em que ha de effectuar-se o julgamento, a qual nunca se espaçará alem de um mez, excepto no caso do § 1.º do artigo 36.°

§ 7.° Se o processo houver de ser julgado com intervenção do jury, o julgamento verificar-se-ha, sem dependencia da epocha marcada para as audiencias geraes, mandando o juiz, n'este caso, convocar extraordinariamente o jury.

§ 8.° Se o processo houver de ser julgado no tribunal collectivo, o juiz mandará dar vista do processo a cada um dos respectivos vogaes, por vinte e quatro horas.

§ 9.° A audiencia de julgamento será presidida pelo juiz da comarca ou do districto, e, findos os debates, os membros do tribunal reunirão em conferencia secreta e lavrarão a sentença, em fórma de accordão, para o qual haverá dois votos conformes.

§ 10.° Não havendo dois votos conformes, mandar-se-ha logo, por accordão, remetter o processo ao juiz presidente do tribunal collectivo da comarca com séde mais proxima, para ahi se effectuar o julgamento, na fórma d'esta lei.

§ 11.° Se o accusado não se representar, nos termos do § 3.° do artigo 26.°, ou se, nos outros casos, não comparecer e não justificar a falta, ou o tribunal não a houver por justificada, será julgado á revelia, pelo juiz presidente, sem intervenção do jury ou dos juizes adjuntos.

§ 12.° Da sentença absolutoria, com intervenção do

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[ilegivel] recurso de revista para o supremo tribunal de justiça; da sentença condemnatoria, como do accordão do tribunal collectivo, caberá recurso de appellação para a relação do districto; e do accordão d'esta caberá recurso de revista, para o supremo tribunal de justiça.

§ 13.° As partes poderão desistir do recurso do tribunal collectivo, dispensando os depoimentos escriptos.

§ 14.° Aos accordãos proferidos nos recursos facultados ao § 12.º, é applicavel o que fica disposto no § unico do artigo 31.°

Art. 33.° O procedimento criminal do ministerio publico e o do aggravado formarão um só processo, em todos os casos previstos n'esta lei.

Art. 34.° Passando em julgado o despacho que receber a accusação e mandar responder o arguido em audiencia de policia correccional, por crime de abuso de liberdade de imprensa, observar-se-hão os termos ordinarios d'estes processos, não podendo, porém, espaçar-se o julgamento, alem de oito dias.

Art. 35.° As contravenções às disposições da presente lei serão julgadas em processo de policia correccional.

Art. 36.° Nos processos por abuso de liberdade de imprensa, não serão admittidas testemunhas de fóra do continente do reino, quando instaurados em comarcas n'elle situadas, e de fóra dos districtos insulares, quando ali instaurados.

§ 1.° Ficam salvos da disposição d'este artigo os processos por diffamação, em que for admissivel prova.

§ 2.° No caso previsto no paragrapho anterior, recusará o juiz carta para inquirição das testemunhas que o artigo não admitte, se o jury entender que este meio de prova é impertinente ou dilatorio.

Art. 37.° O periodico é obrigado a inserir gratuitamente no primeiro numero, posterior á notificação:

1.° A defeza de qualquer individuo ou pessoa moral, injuriados ou diffamados no mesmo periodico, comtanto que a respectiva materia, impressa em typo e formato igual ao da diffamação ou injuria, não exceda o dobro ou mil lettras de impressão.

2.° O desmentido ou rectificação official de qualquer noticia publicada ou reproduzida no periodico.

3.° O teor da sentença condemnatoria proferida contra elle por crime de abuso de liberdade de imprensa.

§ 1.º A reclamação ao editor do periodico, para fazer qualquer das publicações facultadas n'este artigo, será feita judicialmente nos termos prescriptos nos artigos 645.° e 649.° do codigo de processo civil, entregando-se, no acto da notificação, a defeza do arguido, o desmentido ou rectificação official, ou a copia da sentença.

§ 2.° A inserção deve fazer-se no mesmo logar do periodico onde tiver sido impressa a arguição ou noticia ou materia condemnada, e em typo e formato iguaes.

§ 3.° Pela falta de cumprimento do disposto n'este artigo e seu § 2.° incorre o editor do periodico na multa de 10$000 réis por cada dia que demorar a publicação n'elles ordenada.

§ 4.° Se, no caso do n.° 1.° d'este artigo, for judicialmente decidido não haver logar á inserção, não poderá intentar-se contra o periodico processo algum, pela pretensa diffamação ou injuria.

Art. 38.° É prohibido, sob pena de desobediencia, abrir sutscripções publicas para despezas relativas a processos criminaes, seus incidentes e respectivas cauções.

Art. 39.º A circulação ou exposição de qualquer impresso ou do numero de um periodico só podem prohibir-se, nos casos seguintes:

1.° Estando suspensas as garantias, nos termos dos §§ 33.° e 34.° do artigo 145.° da carta constitucional ou o periodico suspenso, nos termos do § unico do artigo 12.° da presente lei;

2.º Contendo offensa ao Rei ou a qualquer membro da familia real, ultraje á moral publica, crime contra a segurança do estado ou provocação a elle.

§ 1.° A prohibição facultada n'este artigo poderá ser ordenada e effectuada pela auctoridade administrativa, mas será immediatamente submettida ao competente juiz de direito, a fim d'este a confirmar ou annullar.

§ 2.° Annullada a prohibição pelo juiz de direito, terão os que houverem sido com ella prejudicados direito a indemnisação, que será logo decretada e fixada.

§ 3.° A importancia da indemnisação nunca será superior á do preço dos exemplares do impresso, ou do numero do periodico, cuja circulação houver, de facto, sido impedida, e sairá do fundo especial de multas.

§ 4.° A confirmação ou annullação da prohibição não prejudica em caso algum a competente acção criminal por qualquer facto estranho aos n.os 1.° e 2.° d'este artigo.

Art. 40.° A introducção no reino e a circulação de quaesquer impressos estrangeiros podem ser prohibidas por deliberação do conselho de ministros.

§ 1.° O ministro do reino poderá, porém, ordenar a prohibição facultada n'este artigo, com respeito a um numero de qualquer periodico estrangeiro.

§ 2.° A contravenção aos preceitos d'este artigo e seu § 1.° será applicavel a pena do artigo 12.°

Art. 41.° O procedimento judicial criminal pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa prescreve passado um anno, e pelas contravenções á presente, lei passados tres mezes.

Art. 42.º Os proprietarios, editores e administradores de periodicos existentes á data da presente lei, serão obrigados a conformar-se no praso de trinta dias com as suas prescripções.

Art. 43.° Ficam revogados o decreto n.° 1 de 29 de março de 1890, confirmado por carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno, e toda a legislação especial sobre liberdade de imprensa, publicada até á data da mesma lei de 7 de agosto de 1890.

Lisboa e sala das sessões da commissão de legislação criminal, em 3 de fevereiro de 1898. = José Dias Ferreira (vencido) = Adriano Anthero = Joaquim Simões Ferreira = Henrique de Carvalho Kendall = J. M.Pereira de Lima
(com declarações) = José Frederico Laranjo = José Maria de Alpoim = Queiroz Ribeiro, relator.

N.º 48-A

Senhores. - O governo actual, logo no primeiro acto que depois da sua constituição publicou, comprometteu-se solemnemente a apresentar às côrtes uma proposição de lei revogando a legislação reguladora da imprensa. Nem por outra fórma podia proceder. Acceitando os factos consummados, e não lhe permittindo a lei fundamental o exercicio de poderes extraordinarios, mas representando no governo um partido que sempre protestára contra o decreto dictatorial n.° 1, do 29 de março de 1890, confirmado pela carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno, faltaria ao que a si proprio devia, se não procurasse em defeza da liberdade e no interesse da causa publica que com ella se acha intimamente ligada, eliminar da nossa legislação tal diploma. Não bastava, porém, revogar simplesmente aquelle acto, e restabelecer a legislação anterior.

Com effeito, embora á carta de lei de 17 de maio de 1866, que era o ultimo diploma regulador da imprensa, pouco podesse carecer de reforma quanto á liberdade de que aquella gosava, e constituisse por isso um diploma que em muito honra os sentimentos liberaes do governo que a propoz e do parlamento que a votou, é certo que por um lado deixava a desejar quanto á responsabilidade a impor aos que abusassem, e por outro urgia introduzir-lhe os melhoramentos que a longa pratica de trinta annos tinha aconselhado. N'estas circumstancias entendeu o governo que devia formular uma proposição de lei em que, aproveitando se os ensinamentos da experiencia, se inse-

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rissem todas as disposições que d'ora em diante têem de regular o livre exercicio do direito de expressão de pensamento pela imprensa. Este o objecto da proposta de lei que tenho a honra de apresentar ás côrtes, e cujas bases procurarei succintamente o justificar.

A liberdade de expressão do pensamento pela imprensa acha-se inscripta na carta constitucional da monarchia como uma das garantias do cidadão, e no codigo civil, como um dos direitos originarios do homem.

Não ha, pois, que discutil-a, e só resta regular-lhe o exercicio, o que, aliás, não é materia isenta de perigos e difficuldades.

Tem-se notado, e com fundamento, que emquanto as constituições politicas facultam á expressão do pensamento pela imprensa toda a liberdade, as leis especiaes vem dar-lhe, por vezes, solemnes desmentidos. Toda a cautela é pouca para em tão grave assumpto discriminar bom o que seja simples divergencia de opinião ou discordancia de doutrina do que, em verdade, constitua um delicio como tal classificado na lei.

Determinar precisamente o ponto onde acaba o uso do direito de cada um manifestar, pela imprensa, o seu modo de pensar, e onde começa o abuso d'essa nobilissima faculdade do cidadão, se póde ser materia corrente quando se substitue o conselho pelo apóde, a discussão pela invectiva, e a critica pela injuria, já assim não é todas as vezes que a controversia infflammando o escriptor, sobretudo de genio mais irascivel, lhe apaixona o estylo, ou que o excesso condemnavel procura habilmente mascarar-se sob referencias, equivocos ou allusões mais ou menos transparentes.

Estabelecer quaes os agentes de um crime, depende em regra nas circumstancias ordinarias, de simples exame e apreciação dos factos incriminados, mas já assim não é quando se trata de apurar o responsavel de um delicto de publicação, em que ha a destrinçar quasi sempre a intervenção ao menos de tantas pessoas quantas as que praticaram cada um da muitos e connexos actos que vão desde a materialisação da ideia pela escripta até á exposição, distribuição e venda do impresso para que foi trasladada.

Não basta n'esta materia precisar o que seja o crime e quem por elle ha de responder. Estatuir os meios por que a responsabilidade criminal e civil tem de ser exigida aos que, pela imprensa, prejudicaram os direitos da sociedade ou de outrem - isto é determinar o juizo e ordenar o processo - não constitue simples obra formularia, que possa obedecer a regras preestabelecidas, mas sim, pela esecialidade do assumpto, tarefa de summa delicadeza e não menor ponderação.

E ainda deixo no escuro outras muitas considerações que poderia acrescentar e que sommadas às que ficam expostas mostram bem a difficuldade de elaborar uma lei reguladora do exercicio da liberdade de imprensa.

Muitas hão sido ao discussões politicas e academicas em que se tem agitado o problema de encontrar ou escolher a melhor solução a todas aquellas questões E se é avolumada a collecção dos trabalhos doutrinaes em que a materia tem sido controvertida, não é menor e compilação da diplomas em que os legisladores de diversos paizes têem tentado pôr por obra os suas ideias.

Seria affrontar a vossa illustração, senhores, fazer-vos resenha de todas essas opiniões, ainda que as procurasse synthetisar nos systemas e escolas que a tal respeito têem dividido a legislação e a jurisprudencia. Limitar-me-hei, por isso, unica e exclusivamente a apontar-vos os disposições primaciaes da proposta que vos venho apresentar e os seus principaes fundamentos.

Não me propuz fazer no projecto que tenho a honra de apresentar uma nova e especial classificação da delictos de imprensa. Bem sei que ha quem sustente que deixar a imprensa em tudo sugeita ao direito commum é submettel-a umas vezes a repressão excessiva, outras conceder-lhe inteira impunidade, e, por isso, quem, consequentemente, pugne pela necessidade de uma lei especial. Não me parece que a questão, como tantas outras de jurisprudencia, se possa e deva resolver em these, mas só em presença da legislação positiva do paiz em que se trata de regular o livre exercicio da imprensa.

N'aquellas nações onde o codigo penal é, por antigo, anterior a enorme expansão que a imprensa tem adquirido, ou n'aquellas em que a legislação criminal, por demasiado generica, não póde facilmente applicar-se às especiaes condições dos abusos na manifestação do pensamento, é justo e indispensavel elaborar lei particular que acompanhe este singular delicio desde a sua genese, a publicação, até ao seu ultimo termo, o castigo.

Não são essas, actualmente, as nossas circumstancias. A ultima reforma penal data entre nós apenas de 1884, e n'ella não só se reproduziram disposições anteriores em que se comprehendiam verdadeiros delictos de imprensa, senão que tambem se introduziram novas prescripções que attingiram outros abusos não rigorosamente classificados então como taes. Não me pareceu, pois, necessario, innovar em materia de incriminação. Bem sei que o decreto n.° 1 de 29 de março de 1890 procurou classificar novos crimes de liberdade de imprenso, mas o casuismo era que esse diploma caiu, e o espirito por que se norteou, não eram de molde a inspirar o presente trabalho.

Ficarão, pois, sendo considerados como abusos de liberdade de imprensa os crimes especiaes que o codigo penal classifica como offensa, diffamação, injuria, calumnia, ultrage e provocação. Sucedendo, porém, não se acharem determinados com a necessaria clareza os elementos constitutivos do crime de offensa, podendo tal omissão dar logar a arbitrio sempre perigoso, principalmente em maioria penal, procurei no projecto precisar o que deva constituir esse delicto, evidentemente diverso na intenção do legislador do de injuria e do de diffamação, o que só se verifica a respeito de pessoas como o rei, membros de sua familia, soberanos e chefes de nações estrangeiras investidos na suprema magistratura.

Foi principalmente o que podia haver de vago e de indefinivel n'essa expressão, o que torna difficil precisar onde acaba a critica e começa a offensa, que me levou a recommendar ao procurador geral da corôa e fazenda, em circular de 26 de fevereiro ultimo, que desse instrucções aos seus subordinados para que, quando lhes parecesse não haver em quaesquer apreciações, embora apaixonadas, intento criminoso, podessem dirigir officiosamente um aviso previo aos que assim procedessem, isto sem prejuizo da competente acção criminal, quando a persistencia no desregramento demonstrasse a vontade de commetter um acto declarado punivel pela lei. Não houve ainda, que me consta, a pôr por obra esta prevenção, abonada, alias, em precedentes analogos, de certo porque os escriptos processados depois d'aquella circular não deixaram infelizmente aos agentes do ministerio publico duvida ácerca das intenções dos seus auctores.

Acontece, tambem, que exigindo o codigo penal a presença do offendido para se dar o crime de injurias contra as auctoridades publicas, pareceu justo e conveniente equiparar áquella a injuria publicada pela imprensa, e incriminal-a e punil-a claramente.

Desde que os crimes de liberdade de imprensa ficam,

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sendo apenas os já definidos e classificados na lei commum, era consequencia inflingir-lhes as mesmas penas que n'ella se acham impostas. E assim as multas não continuarão a attingir, como agora, importancias, por vezes exaggeradas, e que até podiam não estar em proporção com o rendimento dos condemnados. N'um caso, proponho porém que á pena respectivamente imposta no codigo pena possa accumular-se a do suspensão temporaria dos direitos politicos, e esse caso é o dos crimes para cuja repressão tem de intervir a acção publica. São esses delictos outros tantos attentados contra tudo que na sociedade ou no estado ha de mais alto, ou contra aquelles que mais directamente representam os poderes publicos, e por isso os mais graves, e assim afigura-se me justo que quem, commettendendo-os, se mostra tão mal preparado para usar do direito do intervir na administração publica, substituindo a critica, embora severa, pelo ultrage, pela calumnia, e pela revolta, possa ser d'elle temporariamente privado. E esta só consideração, quando outras não houvesse, que ha, justificaria, a meu juizo, a innovação proposta.

A responsabilidade pelos abusos de liberdade de imprensa periodica - para só d'esta fallar - póde hoje exigir-se, entre nós, ao editor e ao auctor, o na falta d'aquelle ao dono ou administrador do estabelecimento onde se fez, a impressão, e aos proprios expositores á venda e distribuidores da obra, salvo a todos, menos ao auctor e editor o direito á declinatoria.

São singulares os crimes de imprensa, sobretudo quanto á difficuldade de encontrar muitas vezes o respectivo agente. É obvia a rasão d'essa singularidade. Por isso, e para isso, tratou o direito especial de se assegurar sempre ao menos de um responsavel. Qual este deva ser e como encontral-o no momento preciso em que se tem de se lhe exigir a responsabilidade, questões são essas que a legislação tem diversamente resolvido. Comquanto em these,
dil-o-hei, se me inclinasse o animo a que a culpabilidade em materia de delictos de imprensa deva determinar-se pelas regras geraes do direito penal e de processo crime, reconheci que na pratica a rigorosa e exclusiva applicação d'este principio levaria, em muitos casos, á impunidade. Serviu-me elle, porém, como a outros tem servido, para pôr do lado o systema da responsabilidade successiva e singular, ainda, em parte, vigente entre nós, systema que em absoluto estabelece responsabiliza des simplesmente ficticias e só admitte um delinquente onde póde haver muitos.

Entendi, pois, que n'um delicto de imprensa em que ha de existir a publicação de um escripto, a responsabilidade tem sempre, segundo os principios, de ser exigida ao que escreveu e ao que publicou. Serão, porém, estes sempre os unicos agentes do crime? Por certo que Dão. Nesse caso, pois, toda a vez que o processo revele a existencia de outros, é justo procurar punil-os tambem.

Essa faculdade consignei-a no projecto sem que ninguem possa declinar n'outrem a sua responsabilidade especial. E certo, porém, que levar implacavelmente ao ultimo extremo a applicação d'esse principio seria punir simples cooperadores, por assim dizer manuaes, como os typographos, impressores e distribuidores que, muitas vezes, nem sequer têem conhecimento do assumpto que compõem, imprimem ou distribuem. No proposito de evitar essa verdadeira iniquidade, entendi dever impor-se lhes a responsabilidade só no caso especial d'esses individuos haverem, com intelligencia e liberdade, concorrido para a provocação a um crime determinado.

Mas a lei para tornar sempre effectiva a responsabilidade precisa encontrar diante de si um responsavel. Para isso entendi dever acceitar, como até aqui, o editor do jornal. Bem sei a quanto abuso está diariamente dando logar a simples exigencia de um editor. Conheço que em geral essa entidade não é senão a victima voluntaria e assalariada dos abusos de outrem. Mas pareceu-me que a simples substituição por uma outra entidade, - redactor principal, gerente, director - não faria senão chrismar o actual responsavel com uma nova denominação. O que é necessario para obstar quanto possivel aos abusos a que o systema actual póde dar origem, é procurar substituir a simples locação de um serviçal para assumir a responsabilidade penal ao periodico, pela obrigação de se ter um empregado sim, mas no qual ao menos se presuma a consciencia do seu cargo e o conhecimento da correspondente responsabilidade moral.

Para isso suggeriu-se-me o exigir-se a quem se propozesse ser editor de um periodico habilitação litteraria e certo censo. Não me repugnaria, talvez, em these, essa exigencia, cuja satisfação concorreria muito para, nobilitar, para assim me exprimir, o editor. Mas, quiz-me parecer que nas circumstancias actuaes a inserção na lei d'essa exigencia difficultaria, por extremo, a publicação dos jornaes politicos, sendo, por isso, um estorvo absoluto á sua continuação. Limitei-me, assim, a tomar mais algumas providencias no intuito de attenuar, se não extinguir, abusos conhecidos. Taes foram: a que prohibe a qualquer o ser editor de mais de um periodico politico; a que exige a inscripção do editor na matriz da contribuição predial ou industrial; a que lhe prescreve achar-se livre de culpa; e, finalmente, a que lhe suspenderá, dadas certas circumstancias, o exercicio dos direitos politicos.

Outro ponto que divide os especialistas na materia de que nos estamos occupando, é o da classificação dos diversos agentes de um crime de imprensa. Entre nós, hoje, o auctor do escripto e o editor são considerados auctores, como tendo ambos executado o crime ou tomado parte directa na sua execução; n'outra legislação dá-se capital importancia ao facto da publicação, e considera-se, por isso, só como auctor do delicto o editor, e o escriptor como simples cumplice.

Não se me afigura necessario fugir; d'esta questão, ao direito commum. È este que estabelece os principios por que têem de se distinguir os agentes de um crime, como auctores, cumplices ou encobridores, mas é aos tribunaes que cumpre classificai os em qualquer das categorias, segundo os casos occorrentes. Esse ficará sendo, de ora em diante, tambem o direito applicavel em materia de imprensa, o que, aliás, me pareceu conveniente declarar expressamente.

Dois dos pontos em que maior cuidado cumpre ter na elaboração de uma lei do genero da que tenho a honra de vos apresentar são: o juizo a que o réu tem de ser chamado, e a fórma do processo por que tem de responder.

No estado actual é ao juiz singular que a lei attribue, na maxima parte dos casos, competencia para o julgamento dos crimes de imprensa, como na mesma parte dos casos é em simples processo de policia correccional que o réu tem de se defender.

O jury que pela legislação anterior intervinha nos processos do imprensa nos termos da legislação commum, e alem d'isso sempre que o réu se offerecia a dar prova da verdade da diffamação ou da injuria quando admissivel, ficou quasi reduzido ao caso especial do réu de diffamação ser admittido a fazer aquella prova, e ainda assim transitoriamente, pois que pelo artigo 6.° § 1.° do decreto n.° 2, de 29 de março de 1890, o governo ficava auctorisado a regular a futura competencia do julgador.

Parece-me, senhores, não se dever cercear por tal fórma

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as attribuições do jury na materia sugeita, por isso entendo que podemos voltar, em principio, n'este ponto, á legislação liberal de 1866, admittindo, nos processos de imprensa o jury, todas as vezes que conforme ao direito commum a gravidade do crime, ou que consoante o direito especial a faculdade de provar a verdade dos factos diffamatorios imputados a certas pessoas, não só justificam, mas exigem a sua intervenção.

Se é justo e liberal admittir nos casos referidos o jury, não se comprehendo a necessidade d'esta garantia no caso em que se injurie ou diffame um simples particular. Nem o exame da prova que não é admissivel, nem a gravidade do facto exigem a intervenção do jurados. Baste para um delicto executado pela imprensa o mesmo que lhe basta quando commettido por outra via, a simples policia correccional, em que se derimem esses que são casos menores da criminalidade especial de que nos estamos occupando. Assim o entendi, e por isso reservei para esses, mas só para esses, o juiz de policia correccional.

Casos ha em que a lei não admitte nem podia admittir a prova da verdade dos factos imputados pela imprensa a certas pessoas, embora revestidas de auctoridade publica.

N'essas circumstancias não é indispensavel, bem o sei, a intervenção do jury, pois não se trata de apreciar factos mas só apenas de determinar o sentido das palavras arguidas de offensivas, injuriosas ou diffamatorias. Pareceu-me porém que, embora não houvesse a alargar a competencia do jury ordinario n'este ponto, era justo e conveniente não continuar a sugeitar esses crimes ao juizo singular e antes adoptar para o seu julgamento a constituição de um tribunal collectivo, já em tempo proposto ao parlamento pelo illustre deputado o sr. Baptista de Sousa em sessão da respectiva camara de 10 de junho de 1890 e adoptado no projecto apresentado á camara dos dignos pares pelo auctorisado membro d'essa casa, o sr. conselheiro Sá Brandão, em sessão de 1 de julho de 1891.

Os decretos n.os 1 e 2 de 29 de março de 1890 sugeitaram quasi todos os processos de imprensa - e salvo o caso de diffamação em que o réu é admittido a provar os factos imputados, e emquanto se não providenciasse a tal respeito - ao simples processo de policia correccional. E ainda mais.

Derogada, n'este processo, a faculdade do recurso permitido - pelo artigo 8.º da carta de lei da 15 de abril de 1886, e limitada a appellação acertos casos, ficou a imprensa privada d'essas garantias. É este ainda o direito vigente, salvo quanto ao recurso permittido pela citada lei de 1886, que foi, embora não completamente, restabelecido pelo decreto de 15 de Setembro de 1892. Parecia natural que ao menos aquellas prescripções tivessem como consequencia a abreviação e prompto julgamento de taes processos. O que é certo, porém, á que os processos por abuso de liberdade de imprensa, privados, em regra, das formulas do processo ordinario, e ainda das do processo correccional seguem morosamente, e não raro succede que quando chega o julgamento o grosso do publico já não conserva de memoria o attentado que dera origem á queixa, e que o crime, se não prescreveu de direito, tom já prescripto de facto. Este é, a meu juizo, um dos defeitos de que padeço a legislação actual, e a que cumpre oppor prompto e efficaz remedio.

Propuz-me, pois, como o illustrado auctor do projecto a que já me referi, procurar abreviar o processo, dando, não obstante, a maior latitude á defesa.

N'este proposito, desde que no nosso direito o corpo de delicto é a base essencial de todo o procedimento criminal, pareceu-me que, seja qual for o crime especial de que se trate, seja qual for a fórma do processo de accusação o julgamento que lhe compita, não havia inconveniente, e antes vantagem, em uniformisar até ao que d'elle essencialmente depende, o processo preparatorio. Isto fiz, aproveitando para a anterior participação do crime, e para a constituição do auto respectivo, a praxe geralmente seguida e em parte até já mandada adoptar pelo ministerio da justiça.

O facto material que Constitue a base de um delicto de imprensa é evidentemente a publicidade do escripto.

Pareceu-me que o facto da publicação póde bem dar-se por justificado desde que se verificar algum dos elementos determinados no artigo 10.° da carta de lei de 22 de dezembro de 1834, e que ainda hoje na pratica se observa.

Constituido o corpo de delicto, ainda me pareceu que a petição em que, de accordo com elle, se tem de pronto ver ou solicitar que se conheça do crime, póde ainda ser commum a todas as formas de processo, exigindo-se para ella a formula methodica o concreta de artigos.

Essa petição que entendi dever considerar como acto de accusação será immediatamente submettida á apreciação do juiz, e a este pertence, em presença das circumstancias de facto justificadas e das disposições de direito applicaveis, recobel-a ou não, e no caso affirmativo, determinar qual o juizo e a fórma do processo a seguir.

Para os crimes de imprensa, menos graves, pareceu-me, bastante o processo de policia correccional actualmente em vigor, sendo, porém, obrigatoria a fixação da audiencia do julgamento para um praso breve e peremptorio.

Para os crimes mais graves, e de que, consoante a hypothese, tem de conhecer o jury ou o tribunal collectivo, adoptei em regra o processo ordinario, procurando modifical-o, porém, sempre no sentido de encurtar os prasos sem difficultar o direito de defeza.

Em materia de recursos procurei ser, como cumpre, o mais latitudinario possivel, mas procurei igualmente adoptar providencias que ponham termo a simples expedientes dilatorios com que se pretende estorvar a acção da justiça. Não innovei na materia, e só tratei, em regra, de applicar ao caso as disposições do codigo do processo commercial, cuja pratica tem sido sensivelmente benefica á administração da justiça.

É prohibição da circulação e exposição do publicações, e até por via de apprehensão previa, tem dado materia a largas e elucidativas discussões. Se é grande a impugnação ao simples e arbitrario sequestro administrativo de quaesquer impressos, o mesmo já não acontece quando essa diligencia preventiva se acha adstricta a regras precisas e invariaveis e tem de ser auctorisada ou confirmada pelo pudor judicial.

E de facto mal se comprehende que o estado não tenha o direito, e, direi mais, o dever de obstar á perpetração de um grave delicto.

A apreciação do caso póde ser delicada e melindrosa, é certo, mas isso só prova que a lei deve tomar precauções para que o uso d'esse direito o até de legitima defeza não se transforme n'um abuso.

Entre nós a auctoridade administrativa tem-se fundado na disposição do artigo 251.°, n,° 2.°, do codigo administrativo, vigente, para proceder, ainda fóra dos casos fixados na legislação especiaes da imprensa, á apprehensão de periodicos. Parece-me que é chegada a occasião de substituir uma disposição, que por ser illimitada póde vir a ser arbitraria, por outra que clara e expressamente precise os casos em que possa haver logar á prohibição, sugeite esse acto preventivo ao julgamento, do poder judicial e que, consequentemente permitta a qualquer lesado, sem motivo, o direito á respectiva indemnisação. Isto procurei fazer, e, fazendo-o, convenço-me que melhorei em muito a actual situação da imprensa periodica.

Senhores, no trabalho que tenho a honra de vos submetter, procurei satisfazer a uma exigencia da opinião e a um compromisso do governo, melhorando a legislação

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reguladora da liberdade de imprensa. Para, esse fim, seria injustiça não o confessar, aproveitei não só da lição e experiencia dos praticos que consultei, mas tambem da obra dos escriptores o parlamentares que, entre nos, tem apresentado trabalhos a tal respeito.

A vós cumpre agora apreciar se consegui o meu desideratum. Fal-o-heis com toda a isenção, sei-o, e despidos de outras considerações que não sejam as do bem publico.

A lei reguladora da liberdade de imprensa é de todos e para todos, e por isso a cada um de nós se impõe o dever indeclinavel de procurar aperfeicoal-a quanto possivel.

Abriremos, confio, uma verdadeira tregua a fim de que cada um possa concorrer para uma obra que a todos interessa, e que deve ser garantia dos direitos de cada um. N'esse proposito serei eu o primeiro a acceitar toda a modificação que tender a melhorar o projecto que vos apresento, desde que se salvem as bases fundamentaes em que elle assenta: liberdade de expressão de pensamento pela imprensa, responsabilidade effectiva dos que d'ella abusarem.

Proposta de lei

Artigo 1.° O direito de expressão do pensamento pela imprensa, garantido na carta constitucional da monarchia e no codigo civil; será exercido de conformidade com as disposições da presente lei.

§ unico. Entender-se-ha por imprensa, para os effeitos d'esta lei, qualquer fórma de publicação graphica.

Art. 2.° O direito de expressão do pensamento pela imprensa será livre e como tal independente de censura ou caução, mas o que d'elle abusar em prejuizo da sociedade ou de outrem ficará sugeito á respectiva responsabilidade civil e criminal.

Art. 3.° Serão considerados abusos nos termos do artigo antecedente, e para os effeitos d'esta lei, os crimes de offensa, diffamação, injuria, calumnia, ultrage e provocação previstos nos artigos 130.°, 159.°, 160.°, 169.°, 181.°, 182.°, 407.° a 420.° e 483.° do codigo penal, quando commettidos pela imprensa.

§ 1.º A offensa consistirá na publicação de materia em que haja falta do respeito devido ao rei, aos membros de sua familia, soberanos e chefes de nações estrangeiras, ou cujo objecto seja excitar o odio ou o desprezo das suas pessoas ou imputar ao rei actos do governo no intuito de lhe impor a respectiva responsabilidade.

§ 2.° A publicação pela imprensa de injuria contra as auctoridades publicas é considerada como feita na presença d'estas.

Art. 4.° Quando em alguma publicação houver referencias, allusões ou phrases equivocas que possam implicar offensa, diffamação, ou injuria para alguem, poderá qualquer que n'ellas se julgar comprehendido exigir do auctor quando conhecido, do editor, e na falta d'este, do dono do estabelecimento em que a impressão se houver feito, que n'um dos tres dias immediatos á sua reclamação declare expressamente pela imprensa se as referencias, allusões, ou phrases equivocas se referem ou não ao reclamantn.

§ 1.° A reclamação facultada n'este artigo será feita judicialmente nos termos prescriptos no artigo 645.° do codigo do processo civil.

§ 2.° A pessoa notificada, nos termos do paragrapho antecedente, que se recusar a fazer a declaração, ou não a fizer pela fórma indicada n'este artigo, incorrerá na pena de multa de 3$000 réis a 30$000 réis.

§ 3.° Seja qual for a declaração feita nos termos d'este artigo, fica salvo ao queixoso o direito á acção penal.

Art. 5.° No caso de offensa, injuria ou diffamação dirigidas por meio de pseudonymos ou por phrases allusivas ou equivocas, tendentes a encobrir a responsabilidade juridica, procede a accusação sempre que por parte d'esta se prove que a offensa, injuria, ou diffamação se referem á parte queixosa.

Art. 6.º Alem dos casos em que o codigo penal admitte a prova sobre a verdade dos factos diffamatorios imputados, será ella tambem admittida contra; administradores e fiscaes de quaesquer sociedades ou emprezas civis, commerciaes, industriaes ou financeiras que tenham recorrido a subscripções publicas para a emissão de acções ou obrigações, quando os factos imputados forem relativos às respectivas funcções.

Art. 7.° O titulo de toda e qualquer publicação faz parte da propriedade d'esta; e por isso o que cada publicação adoptar deve ser completamente distincto dos que já se acharem legalmente apropriados.

Art. 8.° Toda e qualquer publicação terá a indicação do estabelecimento onde se fez a impressão, sob pena, pela contravenção a este preceito, de multa de um a tres mezes, que será imposta ao respectivo dono ou administrador, e que, no caso de reincidencia, será aggravada com prisão correccional pelo mesmo tempo.

§ unico. Exceptuam-se da disposição d'este artigo as listas eleitoraes, bilhetes, convites, cartas, circulares, avisos, e outros papeis que é uso serem parcial ou totalmente impressos.

Art. 9.º Todo o periodico terá um editor, que deverá reunir as seguintes habilitações:

1.° Cidadão portuguez;
2.° De maior idade;
3.° Achar-se no goso dos direitos politicos e civis;
4.° Domiciliado na comarca onde a publicação houver de ser feita;
5.° Livre de culpa;
6.° Inscripto na matriz da contribuição predial ou industrial.

§ 1.º A inscripção na matriz poderá ser substituida pela competente participação.

§ 2.° Ninguem poderá ser simultaneamente editor de mais de um periodico politico.

Art. 10.° Nenhum periodico se poderá publicar sem que se haja feito perante o delegado do procurador regio da comarca ou vara em que se achar o estabelecimento em que a impressão houver de fazer-se, uma declaração contendo:

1.° O titulo do periodico, e o seu modo de publicação;
2.° Os nomes e domicilios do proprietario e do editor;
3.° A indicação do estabelecimento em que tem de se imprimir.

§ unico. A declaração a que se refere este artigo será feita em papel sellado, assignada pelo editor, devidamente reconhecida, e acompanhada de documentos comprovativos d'elle se achar nas circumstancias previstas no artigo anterior.

Art. 11.° Toda a mudança que sobrevier em qualquer dos factos constantes da primitiva declaração, será communicada pela mesma fórma ao competente delegado.

Art. 12.° A falta de declaração primitiva ou a de qualquer mudança que n'ella sobrevier será punivel com a pena prisão correccional de um a tres mezes, e multa correspondente, a que ficarão sujeitos o proprietario, o editor e o dono da imprensa em que se houverem publicado os numeros do periodico sem aquella formalidade se achar cumprida.

§ unico. Na sentença condemnatoria dos actos ou omissões a que este artigo se refere, o juiz decretará a suspensão do periodico emquanto as respectivas formalidades se não mostrarem cumpridas, sob a comminação da multa de 10$000 réis por cada numero que em contravenção se publicar, e por que responderão solidariamente as pessoas mencionadas no artigo antecedente.

Art. 13.° Os periodicos são obrigados a inserir em todos os numeros, no alto da sua primeira pagina, o nome do seu editor, e a indicação da séde da sua administra-

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ção alem da do estabelecimento onde se faz a impressão, sob a responsabilidade e pena declaradas no § unico do artigo antecedente.

Art. 14.° Todo aquelle que expozer á venda, vender, distribuir ou affixar publicações cuja suspensão haja sido ordenada, incorrerá, como contraventor na pena de prisão de tres a trinta dias e multa correspondente.

Art. 15.° É absolutamente prohibido, sob pena de desobediencia, annunciar ou apregoar, por occasião da venda ou distribuição na via, publica mais que o titulo e o preço da respectiva publicação.

Art. 16.° De todas as publicações se depositará um exemplar em cada uma das bibliothecas nacionaes de Lisboa, Porto e Coimbra e de todos os periodicos se entregará um exemplar ao delegado do procurador regio da comarca ou districto criminal onde for impresso e outro ao respectivo procurador regio.

§ 1.° A falta do observancia das disposições d'este artigo será punivel com a multa de 5$000 réis por cada falta do deposito ou da entrega n'elle prescriptos, que será imposta ao respectivo editor, e não o havendo, ao dono ou administrador da respectiva imprensa.

§ 2.° Ficam exceptuadas da disposição d'este artigo publicações mencionadas no
§ unico do artigo 8.°

Art. 17.° Pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa serão responsaveis o editor e o auctor; na falta de editor, tambem o dono ou administrador do estabelecimento em que a publicação se effectuar, podendo-o ser alem e independentemente d'estes todos os que se provar terem sido agentes do crime, nos termos do capitulo III do titulo I do livro I do codigo penal.

§ 1.° Os typographos, os impressores e os distribuidores ordinarios ou vendedores ambulantes do periodicos só serão sugeitos á responsabilidade, imposta n'este artigo, quando se provar acharem-se incursos na prescripção do artigo 483,° do codigo penal.

§ 2.° Ao juizo compete a classificação legal dos agentes como auctores, cumplices ou encobridores.

Art. 18.° Aos crimes de abuso de liberdade de imprensa são applicaveis as penas respectivas estabelecidas no codigo penal.

§ 1.° Nos casos previstos no artigo 2:389.° do codigo civil a sentença condemnatoria fixará tambem a importancia da reparação devida ao offendido, se este a houver, no processo, exigido.

§ 2.° Nos casos em que a acção publica houver de intervir, a sentença ou accordão condemnatorios, poderão tambem, se em vista das circumstancias dao caso no juiz ou ao tribunal assim parecer, decretar sempre a pena de suspensão temporaria dos direitos politicos por periodo não superior a seis annos.

§ 3.° Nos casos de reincidencia nos crimes previstos n'esta lei, a sentença condemnatoria decretará a suspensão do periodico por um a tres mez, sem prejuizo do disposto no artigo 7.°

Art. 19.° As multas em que forem condemnados os agentes dos crimes do abuso de liberdade de imprensa formarão um fundo especial, e como tal separadamente escripturado.

Art. 20.° Os proprietarios das publicações incriminadas serão responsaveis pelo pagamento da multa e da reparação em que forem condemnados os agentes dos crimes de abuso de liberdade de imprensa.

§ 1.° As importancias referidas n'este artigo terão:

1.° Privilegio mobiliario especial sobre a propriedade da publicação incriminada e sobre o material da imprensa em que houver sido feita, quando seja do dono d'aquella;

2.° Hypotheca legal sobre o immovel em que a publicação houver sido feita, quando seja do dono d'esta.

§ 2.° O privilegio estabelecido no n.° 1.° d'este artigo, preferirá a outro qualquer da mesma especie.

§ 3.° Fica salvo ás pessoas mencionadas n'este artigo o direito a haver dos agentes dos crimes de abuso de liberdade de imprensa a importancia que pelos meemos agentes houverem pago.

Art. .21.° O procedimento judicial pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa, fóra dos casos em que o codigo penal torna a accusação dependente de requerimento de parte, e pelas contravenções és disposições d'esta lei, será sempre promovido pelo ministerio publico, sem dependencia de instrucções superiores.

§ 1.º O procedimento ordenado n'este artigo deverá, com respeito a crimes de abuso de liberdade de imprensa commettidos por periodicos, ser instaurado no praso de trinta dias depois da publicação.

§ 2.° A falta de cumprimento do disposto n'este artigo e seu § 1.° será punida com qualquer pena disciplinar, e até com a demissão, conforme a gravidade do caso, que será immediatamente imposta sob participação do superior hierarchico do magistrado negligente.

§ 3.° A obrigação imposta n'este artigo ao ministerio publico não tolhe a pessoa aggravada a faculdade de, por sua parte, intentar o competente procedimento criminal, nem perime o direito de se intentar o procedimento, emquanto não houver prescripção, nos termos do artigo 45.º

Art. 22.° O procedimento pelas contravenções às disposições d'esta lei não poderá impedir nem prejudicar o procedimento por qualquer crime de liberdade de imprensa quando a elle haja logar.

Art. 23.° Os crimes do abuso de liberdade de imprensa serão julgados com intervenção de jury, salvo nos casos de offensa, injuria e nos de diffamação quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados.

Art. 24.º Os crimes de offensa, injuria e os de diffamação quando não for admissivel prova sobre a verdade da factos imputados e em que o procedimento judicial não depender de requerimento de parte, serão julgados por um tribunal collectivo.

§ unico. O tribunal a que se refere este artigo será composto pelo juiz da comarca ou districto criminal e de mais dois vogaes, os quaes serão em Lisboa os juizes dos districtos criminaes de numeros seguintes ao d'aquelle em que o processo houver sido instaurado, no Porto os da outros districtos criminaes, o nas outras comarcas o conservador privativo do registo predial, havendo-o e o primevo substituto desimpedido, e não havendo conservador privativo, o substituto immediato.

Art. 25.° Os crimes de injuria e os de diffamação quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados e em que o procedimento judicial depender de requerimento de parte, e as contravenções, às disposições da presente lei, serão julgados só pelo competente juiz de direito criminal.

Art. 26.º A competencia do juizo para os processos de abuso de liberdade de imprensa é determinada pelo local onde foi feita a impressão.

§ 1.° Não sendo conhecido o local onde se fez a impressão, será competente o juizo do comarca ou do districto criminal onde este, foi exposto á venda, vendido, distribuida ou affixada.

§ 2.° Os crimes de injuria e diffamação em que o procedimento judicial depender de requerimento de parte, poderão ser processados no juizo do domicilio do auctor.

Art. 27.° Todo o processo por crime do abuso de liberdade de imprensa terá por base uma petição em que o ministerio publico formulará devidamente a sua participação e á qual juntará a publicação.

§ 1.° Se o auctor da publicação não for conhecido, requerer-se-ha na petição a intimação do editor, e na sua feita do dono ou administração do estabelecimento em que

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a impressão se houver feito, para declarar no praso de vinte e quatro horas o nome e domicilio d'aquelle.

§ 2.° A pessoa intimada, nos termos do paragrapho antecedente, que não fizer a declaração n'elle exigida, incorrerá na pena de desobediencia, e se houver declarado auctor da publicação pessoa que pelo processo se provar não o ter sido, incorrerá na pena do que faz declarações falsas em juizo.

Art. 28.° Autuada a petição de que trata o artigo antecedente, proceder-se-ha immediatamente a corpo do delicto.

§ unico. O corpo de delicto haver-se-ha por feito desde que a publicação se ache comprovada por um dos actos seguintes: distribuição de exemplares a mais de seis pessoas; affixação em logares publicos de um ou mais exemplares, e exposição ou venda publica dos impressos incriminados.

Art. 29.° Feito o corpo de delicto serão os autos continuados ao ministerio publico para no praso de vinte e quatro horas deduzir a sua accusação.

§ unico. Na accusação articular-se-ha o crime com todas as suas circumstancias, apontando-se a disposição penal applicavel, e indicando-se as testemunhas que nunca poderão ser mais de cinco.

Art. 30.° Apresentada a accusação serão logo os autos conclusos ao juiz que, dentro de quarenta e oito horas, lançará o seu despacho, recebendo ou não a accusação, e mandando-a no caso affirmativo submetter ao julgamento do jury, do tribunal collectivo, ou do juizo criminal conforme a competencia.

§ 1.° Sendo o despacho affirmativo o juiz pronunciará o accusado se no caso e conforme a lei geral couber pronuncia.

§ 2.° Os réus pronunciados por crimes de abuso de liberdade de imprensa poderão livrar-se soltos sob caução, e aquelles contra quem for só recebida a accusação ficarão sujeitos á disposição do artigo 2.° da lei de 15 de abril de 1886.

Art. 31.º De qualquer despacho proferido noas termos do artigo antecedente caberá aggravo com effeito suspensivo, que subirá nos proprios autos.

§ unico. Este recurso será interposto, processado e julgado nos precisos termos em que o são os aggravos civeis de petição, que sobem nos proprios autos, com as modificações seguintes:

1.ª O praso para o preparo será de dois dias;

2.ª O processo será apresentado pelo escrivão na primeira sessão logo depois de visto pelo relator, e n'elle julgado em conferencia, independentemente de vistos;

3.º O accordão será publicado e haver-se-ha por intimado nos mesmos termos que os proferidos em materia commercial.

Art. 32.° Passando em julgado o despacho que receber a accusação e mandar responder o réu perante o jury ou o tribunal collectivo, seguir-se-hão os termos do processo criminal ordinario com as modificações seguintes:

§ 1.° A accusação formulada nos termos do § unico do artigo 29.° substituirá, para todos os effeitos, o libello accusatorio, e d'ella se dará copia ao réu, com o respectivo rol de testemunhas, no praso de vinte e quatro horas.

§ 2.° O praso para a contestação será de oito dias, sendo, porém, sempre permittido ao réu apresentar a sua defesa na audiencia de julgamento, mas devendo, n'um ou n'outro caso, juntar, no referido praso, rol de testemunhas em numero não superior a cinco, que será dado por copia ao ministerio publico, bem como a contestação quando deduzida e ficando salvo o disposto nos artigos 33.° e 34.°

§ 3.° Cumpridas as formalidades prescriptas nos paragraphos antecedentes, o juiz designará, dentro de quarenta e oito horas, a audiencia em que ha de ter logar o julgamento, a qual nunca se espaçará alem de um mez.

§ 4.° Se o processo houver de ser julgado com intervenção do jury, o julgamento verificar-se-ha, sem dependencia da epocha marcada para as audiencias geraes, mandando o juiz n'este caso convocar extraordinariamente o jury.

§ 5.° Se o processo houver de ser julgado no tribunal collectivo, o juiz mandará dar vista do processo a cada um dos respectivos vogaes por vinte e quatro horas.

§ 6.° No caso previsto no paragrapho antecedente a audiencia de julgamento será presidida pelo juiz de direito da comarca ou do districto, e, findos os debates, todos os vogaes do tribunal reunirão em conferencia, secreta e lavrarão a sentença em fórma de accordão, para o qual haverá sempre dois votos conformes.

§ 7.° Se o accusado não comparecer na audiencia do julgamento e não justificar a falta, ou o tribunal a não houver por justificada, será julgado á revelia, pelo juiz presidente, sem intervenção do jury ou dos juizes adjuntos.

§ 8.º Da sentença absolutoria ou condemnatoria proferida com intervenção do jury caberá recurso de revista para o supremo tribunal de justiça; e do accordão do tribunal cóollectivo, caberá recurso de appellação para a relação do districto, quando as partes não hajam d'este desistido, dispensando a redacção dos depoimentos das testemunhas a escripto, e do accordão da relação, haverá recurso de revista para o supremo tribunal de justiça.

§ 9.° Os accordãos proferidos nos recursos facultados no paragrapho anterior serão publicados e haver-se-hão por intimados nos mesmos termos que os proferidos em maioria commercial.

Art. 33.° Nos processos de diffamação quando for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados, nos termos do artigo 408.° do codigo penal, e do artigo 6.º d'esta lei, o réu articulal-os-ha separadamente na contestação, juntando documentos comprovativos, e rol de testemunhas.

§ unico. No caso do n.° 2.° do artigo 408.° do codigo penal só será admissivel a prova resultante de sentença passada em julgado ao tempo da publicação.

Art. 34.° No caso do réu haver cumprido com o disposto no artigo anterior, poderá o ministerio publico treplicar no praso de oito dias, juntando documentos e rol de testemunhas.

Art. 35.° Será reputado um só o procedimento criminal por abuso de liberdade de imprensa promovido pelo ministerio publico e por alguma parte aggravada, e de tudo se formará um só processo.

Art. 36.° Se no procedimento criminal não intervier o ministerio publico, serão applicaveis á parte accusadora as disposições d'esta lei, respeitantes ao ministerio publico.

Art. 37.° Passando em julgado o despacho que receber a accusação e mandar responder o réu em audiencia de policia correccional, por crime de abuso de liberdade de imprensa, observar-se-hão os termos ordinarios d'estes processos, devendo, porém, o dia para a audiencia do julgamento ser fixado para um praso nunca superior a oito dias.

Art. 38.° As contravenções às disposições da presente lei serão julgadas em processo de policia correccional.

Art. 39.° Poderá proceder-se conjunctamente por diversos crimes de abuso de liberdade de imprensa contra o mesmo criminoso, quando todos sujeitos á mesma competencia de julgador, mas depois de instaurado o respectivo processo não se lhe additará ou appensará outro algum.

Art. 40.° Nos processos por abuso de liberdade de imprensa, não serão admittidas testemunhas de fóra do continente do reino, quando, instaurados em comarcas n'elle situadas, e de fóra dos districtos insulares, quando ali instaurados.

Art. 41.° O editor do periodico é obrigado a publicar gratuitamente:

1.° A defeza de qualquer individuo ou pessoa moral, injuriados ou diffamados no periodico comtanto que a respectiva materia não exceda o dobro da extensão da arguição.

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2.º O desmentido ou rectificação feita officialmente de qualquer noticia publicada ou reproduzida no periodico;

3.° A sentença condemnatoria proferida em processo por abuso de liberdade de imprensa, contra o periodico, na integra.

§ 1.° A reclamação ao editor do periodico para fazer qualquer das publicações facultados n'este artigo, será feita judicialmente nos termos prescriptos no artigo 645.º do codigo do processo civil, entregando se no acto da notificação a defeza do arguido, o desmentido ou rectificação official, ou a copia da sentença.

§ 2.º A publicação a que se refere este artigo e os seus numeros devem ser feitas na primeira pagina do primeiro numero que se publicar, respectivamente depois da notificação feita nos termos do paragrapho anterior, em typo e formato iguaes aos d'aquelle em que a arguição, noticia ou materia condemnada tiverem sido imprensas.

§ 3.º Pela falta de cumprimento do disposto n'este artigo e seu § 2.° incorre o editor do periodico na multa de 10$000 réis por cada dia que demorar a publicação n'elles ordenada.

Art. 42.° É prohibida, sob pena de desobediencia, a abertura de subscripções publicas para occorrer a despezas relativas a processos criminaes, seus incidentes, e respectivas cauções.

Art. 43.° A circulação ou exposição do qualquer publicação ou do numero de um periodico só poderão ser prohibidas nos casos seguintes:

1.° Achando-se suspensas as garantias nos termos dos §§ 33.º e 34.º do n.º 145.º da carta constitucional;

2.° Estando suspenso o periodico por sentença judicial;

3.° Contendo offensa ao rei, ou a qualquer membro da sua familia, ultrage á moral publica, ou provocação a crimes contra a segurança do estado.

§ 1.º A prohibição facultada n'este artigo poderá ser ordenada e effectuada pela auctoridade administrativo, mas será immediatamente submettida ao competente juiz de direito, o fim d'este a confirmar ou annullar.

§ 2.° Annullada a prohibição pelo juiz de direito, terão os que houverem sido com ella prejudicados direito a indemnisação.

§ 3.° A importancia da indemnisação nunca será superior á do preço dos exemplares da publicação ou do numero do periodico, cuja circulação houver, de facto, sido impedida, e sairá do fundo especial de multas.

§ 4.° A confirmação ou annullação da prohibição não prejudica em caso algum a competente acção criminal.

Art. 44.º A introducção no reino, e a circulação de quaesquer publicações estrangeiros, poderão ser prohibidas por deliberação do conselho de ministros.

§ 1.° O ministro do reino, porém, poderá ordenar a prohibição facultada n'este artigo, com respeito a um numero de qualquer periodico.

§ 2.º A contravenção às prohibições decretadas nos termos d'este artigo e seu § 1,° é punida com a pena comminada no § unico do artigo 11.°, que será imposta ao contraventor.

Art. 45.º O procedimento judicial criminal prescreve pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa passado um anno, e pelas contravenções as disposições d'esta lei passados tres mezes.

Art. 46.° Os proprietarios e administradores de periodicos, existentes á data da promulgação da presente lei, serão obrigados a conformar-se no praso de trinta dias com os suas prescripções.

Art. 47.° Ficam revogados o decreto n.° 1 de 29 de março do 1890, confirmado pela carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno e toda a legislação publicada até áquella data que recair na materia que a presente lei abrange e n'esta não resalvada.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 16 de agosto de 1897. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Chamaram-nos: aqui estamos! Um por todos e todos por um, não de joelhos, no humildo altitude do quem solicita mercê, mas erectos e firmes, como quem reclama o seu direito e protesto contra abusos do poder e preterições de justiça.

A associação dos jornalistas e homens de letras do Porto tem as suas tábuas da lei, o seu estatuto, e por mandamento d'elles cumpro-lhe «empenhar-se em elevar o nivel moral e intellectual de imprensa e reivindicar a justa consideração que lhe é devida». Tem tambem o espirito de classe e a fidalguia de intellectuaes. Por isso, aqui estamos, em redor da nossa bandeira, que ostenta por lemma de combates «A livre emissão de pensamento!»

Não se distinguem entre nós, n'este caso especial, guelfes nem gibelinos. Não pugnamos por vermelhos contra azues e brancos, ou vix versa. Vimos de todos os campos e, estabelecendo a tregua de Deus, fizemos pacto de alliança. Sustentâmos a causa commum contra o inimigo commum, venha elle de onde vier. E affirmando assim nobremente, altivamente, a nossa solidariedade com os nossos companheiros odiosamente perseguidos no Porto e no capital, lavrâmos ao mesmo tempo o nosso protesto solemne contra o orientado que se premedita no proposto da lei apresentada ás côrtes e na qual se pretende legitimar, volver em facto legal e normal o censuro previa, de ominosa memoria, ou - o que vale o mesmo, sem lhe dar o nome infamante - prohibir por um ukase policial a circulação dos jornaes.

Não! não será com o nosso assentimento tacito, com o nosso silencio cobarde, que se ha de conspurcar o lei, polluil-a, abrindo o sanctuario de legislação portuguesa, onde só podem ter culto e receber incenso os levantados principios da Justiça, de liberdade e de dignidade humanos, abrindo-o, dizemos, aos arbitrios do poder e dos seus serventuarios, atreitos por dependencia e subserviencia a exagerar o ultrapassar todos os projectos o machinações liberticidas.

Nem se dirá que assoprâmos ás palavras, tubondo-as, paro tirar puros effeitos de sonoridade. O nuto da justiça e prumo sempre! E, em primeiro logar, na proposta que nos affronta e escandalisa, e não só a nós, profissionaes, senão a quantos reivindicam fóros de livres e responsaveis, immunidades de seres moraes e pensantes, que não qualidades de machina jogado o bei prazer de governos, quaesquer que sejam, n'essa proposta nem tudo é planto damninha, que dava entregar-se ao fogo.

Reverte-se ao direito commum, quando define o ennumera os factos deliciosos, e tambem quando preceitua a sancção penal que deve punil-os, Aqui, na expressão feliz de um nosso illustre consocio, e auctor da proposta molhou a penna em tinto de liberdade. Mas durou pouco o pennada, e vieram logo os disposições draconianos, em que a penna se embebeu em tinta de absolutismo. Alarguem-se os malhos do despotismo, alarguem-se bem, e deixemos escoar até o peixe venenoso mais grado. Posse a cardume dos requisitos exigidos para abonar o capacidade do editor, quando n'uma boa e sadia lei de imprenso bastaria que elle mostrasse ser cidadão portuguez, no pleno goso dos seus direitos civis e politicos, e ter corpo e idade para responder, na cadeia, pelas infracções que commettesse. Passe o infinidade de réus, co-réus o cumplices, responsaveis por um unico facto abusivo de liberdade de imprensa.

Arranjem-se como possam as emprezas de jornaes e os redactores, e recrutem os sons auxiliares, typographos, impressores, distribuidores e vendedores na classe dos bachareis formados em leis, para, com conhecimento de causa e opporem, elles tambem, o seu voto e resolverem quando podem, nem incorrer nos penas de lei, compor; imprimir, distribuir ou vender. Passe ainda a limitação do direito de defeza, que não permitte produzir testemunhas de fóra do continente, se a causa corre aqui, ou de fóra das ilhas adjacentes ou provincias ultramarinas, se a questão judiciario se debate lá.

Atalha-se d'este modo, no pensamento do legislador, á chicana. Equivale o prohibir que se façam saccos, porque podem conduzir objectos roubados, ou que se cunhe moeda, porque póde corromper a virtude. Passe, finalmente, o passeio hygienico o que se obriga o accusado a requerimento da parte, obrigando-o a ir produzir a sua defeza ali a Moçambique ou á India, a Macau ou a Timor, isto é, á comarca em que resida o accusador. Equivale á imposição previa de pena a quem não está aluda convencido da culpa.

Passe tudo isto e já se vê que é muito passar. Agora o que não posso, nem de dentro para fóra nem de fóra para dentro, é o cetaceo enorme, é o boleio que ha do devorar a imprensa. E n'este ponto a nosso praso seria pallida e correria o risco de não ser crida. Fale por nós, copiada textualmente, a proposta de lei:

Artigo 48.º A circulação ou exposição de qualquer publicação ou do numero de um periodico ao periodico ser prohibidas nos casos seguintes:

§ 1.° A prohibição facultada n'este artigo poderá ser ordenada e effectuado pela auctoridade administrativo, mas será immediatamente submettida ao competente juiz do direito, o fim de este a confirmar ou annullar.

§ 2.º Annullada a prohibição pelo juiz do direito, terão os que houverem sido com oito prejudicados, direito o indemnisação.

§ 3.º A importancia da indemnisação nunca será superior á do preço dos exemplares da publicação ou do numero do periodico, cujo circulação houver, de facto, sido impedida, e sairá do fundo especial de multas.

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§ 4.° A confirmação ou annullação da prohibição não prejudica em caso algum a competente acção criminal.

Em tres casos, o ultimo dos quaes se póde multiplicar ao infinito, é facultada á auctoridade administrativa ou policial, que tanto monta, prohibir a circulação de qualquer publicação ou do numero de um periodico:

1.° Quando suspensas as garantias;

2.° Estando suspenso o periodico por sentença judicial;

3.° Contendo offensas ao rei ou a qualquer membro da sua familia, ultrage á moral publica, ou provocação a crimes contra a segurança do estado. Mais breve e simples: um agente subalterno do governo, armado com este diploma, entra a qualquer hora, dia ou licito, nas officinas de um jornal para ver a materia que contém, e, em virtude dos poderes que lhe são conferidos pronuncia, a modo de santo officio ou de mesa do desembargo do paço: póde correr, ou: não póde
correr.

É o garrote vil, ordenado pela lei com recurso irrisorio para o juiz de direito. A comedia depois do drama, o escarneo depois da affronte. Rehabilita-se o réu pela revisão de sentença que o declara innocente depois de ter sido justiçado!

Não para n'isto a amenidade do regimen a que se submetia a imprensa. Confirmada ou annullada a prohibição, não prejudica isso em caso algum - está escripto! - a competente aceito criminal. Estupendo!

Dir-se-ía que a acção administrativa intervinha, paternalmente, para que o réu se não manchasse no horrendo crime de publicidade. E não manchou de facto, que não lhe consentiu a auctoridade previsora e providencial, mas responde em juizo. Porque? Por não ter trazido a lume seis numeros, pelo menos, isto é, por não ter offerecido o corpo de delicto constitutivo do crime ?

Mas, a final, quem é essa imprensa que assim se vilipendia, degradando-a, como mulher tolerada - a infeliz! - á inspecção tutelar da policia ?

Quem e esse poder supremo que se arroga, em nome de suppostos interesses da sociedade, o direito de dizer á intelligencia: Para! - ao eixo do mundo moral: Não gires! Quem é essa rã da fabula que pretende segurar um boi pela perna?

Queiram ou não os retrogados, os reaccionarios, inimigos jurados da luz, a imprensa é aqui, como em todos os paizes regidos por instituições liberaes, um dos grandes motores das sociedades modernas, e tambem o mais efficaz e persistente de todos elles. Passam parlamentos e governos, mudam-se instituições, substituidas por outras, e a imprensa permanece. Instituição humana, é sugeita a erros, obcecam-a, tisnam-a por vezes paixões; mas que magnifico e glorioso saldo no balanço dos bens e males que promove! Não tem, detrás de si, a força bruta das bayonetas, não tem a força corruptora do cofre das graças, mas tem a força da opinião, que é legitima, porque vem de alto, porque promana da força das ideias. Entenda-se ella sobre um projecto, generoso ou insensato, queira exaltar um homem ou perdel-o, edificar uma obra ou derruil-a, quem ha ahi que lhe resista?

Succede n'algum ponto uma catastrophe, lucta algum povo com uma dolorosa calamidade? Grita a imprensa: Socorro! e todas as almas se apiedara e todas as bolsas se abrem. É util escavar um isthmo para communicar dois mares ou perfurar uma montanha para ligar duas nações? Lança a imprensa a idéa, apadrinha-a, e a sciencia elabora os planos, emquanto a finança aprompta e dispões os capitaes. E quando é preciso denunciar um grande crime social intimar aos confiscadores da liberdade ou aos delapidadores da fazenda publica: Para trás! dá a imprensa o signal de rebate, e o crime não se consumou, e os criminosos encolhem a garra, escondendo-a, se podem.

Faz tudo isto a imprensa séria, digna, independente, e fal-o de graça, magnanimamente, patrioticamente, sem pezar na bolsa do contribuinte, sem reclamar o seu talher no festim do orçamento. Os supremos poderes que a odeiam e a maltratam, esses bem se vê que vem fazendo desde ha muitos annos aventura edenica em que todos nós bestificamento nos gosamos...

A historia registará!

Por tudo isto, a associação dos jornalistas e homens do letras do Porto, reunida em assembléa geral de 23 de agosto, deliberou expor aos juizos da opinião o sudario tristissimo dos seus aggravos, depor esses aggravos nos corações Íntegros e rectos, que é onde ficam melhor guardados, e bradar aos confrades do norte do paiz:

Jornalistas, lapidarios da idéa escripta e divulgada, a defender-se!

Porto e sala das sessões da associação dos jornalistas e homens de letras do Porto, 28 de agosto de 1897.

(Seguem-se os assignaturas.)

III.mo e exmo sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portuguesa. - Perante v. exa. e perante a camara a que v. exa. preside, vem a commissão delegada da associação dos jornalistas de Lisboa representar, conforme a deliberação da assembléa geral de 23 de agosto de 1897, contra a proposta de lei de 16 do mesmo mez e anno, apresentada á camara dos senhores deputados pelo actual sr. ministro da justiça, e tendente a regular o exercicio do direito de expressão do pensamento por meio da imprensa.

Para muitos, tal proposta não mereceria as honras de uma critica serena e desapaixonada, tão rudemente ella fere, nas suas mais legitimas regalias, essa mesma imprensa, cuja liberdade, para maior irrisão, declara garantir e inculca manter. Os que assim pensam, justamente melindrados nas suas aspirações, prefeririam, embora esbulhados do mais insuferivel apanagio do seu pensamento, que essa proposta, depois de convertida em lei, com o tempo se condemnasse e desauctorisasse a si propria, como uma inconsistente creação do odio e da vindicta contra uma classe.

Não o entendeu, porém, assim, na sua maioria, a associação dos jornalistas de Lisboa. E querendo dar da sua cordura e do seu respeito pela legalidade a mais difficil prova, vêm, por intermedio da commissão signataria, perante os representantes da nação, com tanta serenidade quanta seja compativel com a natural revolta da sua consciencia, expor os motivos do seu protesto e reclamar a satisfação que lhe é devida.

A associação dos jornalistas não implora humildemente do parlamento portuguez que conceda á imprensa privilegios de favor. Pretende simples o unicamente que se lhe faça justiça; reivindica para a sua classe a liberdade a que tem jus, e que intentam, com affectada magnanimidade, regular-lhe por meio de uma lei que seria a negação e o opprobrio de todos os principios liberaes.

A attitude da associação dos jornalistas de Lisboa - convém, pois, accentual-o nitidamente - não é a de quem supplica a mercê de uma complacencia, mas a de quem reclama, forte no seu direito, o que ninguem de boa fé poderá negar-lhe.

A reforma da legislação da imprensa, esperada de longa data, desde, pelo menos, que o actual sr. ministro da justiça, em 1893, exigiu, em termos de desusada energia, a revogarão do decreto dictatorial n.º 1, de 29 de março de 1890, impõe-se a todos. Perseguições tão ominosas como illegaes; a censura previa mal disfarçada; as habilitações difficultadas; os artigos mutilados e a circulação dos jornaes interceptada a seu bel-prazer por magistrados que se julgam investidos dos mais illimitados poderes; a liberdade do escriptor, emfim, coarctada de mil maneiras, quer pela invocação sophistica de leis inapplicaveis, quer por actos de violencia a que nem se procura dar uma ficticia apparencia de legalidade - eis o regimen em que ha quasi oito annos se debate o jornalismo em Portugal.

Aguardada com justificada anciedade a proposta de lei de 16 de agosto de 1897, não veia infelizmente provar de remedio a tamanhos males. Embora mesmo se não devesse confiar em que, por parte do legislador, se satisfizessem por completo os requisitos apontados por publicistas eminentes, como essenciaes á liberdade de imprensa, e entre os quaes se salienta a isenção do restricções ao que pela imprensa se publique, licito seria, ao menos, esperar um trabalho de mais largo alcance, vasado em moldes menos acanhados e restrictos.

Não é proposito da associação dos jornalistas de Lisboa, ao representar contra a proposta de 16 de agosto, discutir a pessoa, apreciar a competencia ou comparar as affirmações e promessas anteriores com os intuitos actuaes do estadista que a firmou com o seu nome, que é por sem duvida o de um jurisconsulto, por muitos titulos, illustre.

Criticando essa proposta no seu conjuncto, sem descer a particularidades que tomariam em demasia longa esta representação por igual destinada ao paiz e á opinião publica, o que apenas se intenta é que da succinta exposição que vae fazer-se, resalte para o parlamento portuguez a evidencia de que a nova lei que se lhe propõe não se na mais, quando por elle sanccionada, do que a violenta repressão legal, coroando a obra de perseguição illegalissima, posta sistematicamente em pratica desde 1890.

Obscura, e por vezes incorrecta na sua redacção, a proposta de 16 de agosto de 1897 não deixa sequer perceber com clareza quaes os factos que classifica de abusos puniveis. Actos de simples e livre critica poderiam, por uma interpretação não muito forçada, ser considerados offensas e conseguintemente materia sugeita a punição.

Querendo manifestamente visar periodicos que melhor chamaria partidarios, mas que muito impropriamente denomina politicos, toma em uma bem mesquinha accepção esta palavra, não mostrando comprehender o que seja, no seu mais alto e nobre objectivo, a politica inspiradora de um jornal; e dispondo que a competencia, nos casos em que se não conheça o local onde a publicação incriminada se imprimiu, caiba ao juizo da comarca ou do districto criminal onde a impressão (sic) foi «exposta á venda, vendida, distribuida ou affixada» daria logar, na pratica, a constantes confusões e conflictos. Pois como haveria, em verdade, de cumprir-se tal preceito, quando a venda ou affixação se fizesse, como sempre geralmente se fez, na area de mais de um dos districtos criminaes de Lisboa ou em mais de uma comarca do paiz ao mesmo tempo? Quantos processos se intentariam então pelo mesmo delicto e contra o mesmo delinquente.

Se o decreto n.º 1, de 29 de março de 1890 é vexatorio e iniquo ao exigir a responsabilidade pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa simultaneamente ao editor do periodico e ao auctor da mataria, cuja publicação se incrimina, não menos iniqua e vexatoria

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é a proposta de 16 de agosto, que, mantendo essa simultaneidade vem collocar os jornaes, conforme se exprimia a associação da jornalistas e homens de letras do Porto, no seu manifesto de 28 de agosto de 1897, na quasi necessidade de recrutarem os seus auxiliares, typographos, impressoras, distribuidores o vendedores, na classe dos bachareis formados em direito «para, com conhecimento de causa, opporem, elles tambem, o seu veto, e resolverem quando podem, sem incorrer nas penas da lei, compor, imprimir, distribuir ou vender.»

Parecendo querer exigir «os editores novas garantias do idoneidade ao impor-lhes, quando não sejam proprietarios, a obrigação de mostrarem ser industriaes inscriptos na matriz, á certo que a proposta nada mais consegue do que cair em um verdadeiro circulo vicioso, visto que o editor, pelo mero facto de o ser, ou apenas de participar que o é á repartição competente, considera-se que exerci uma industria, nos termos do respectivo regulamento, a como tal é inscripto na matriz para todos os devidos effeitos. Aquella garantia em, já de si esphemera, fica por completo mallograda, desde que o legislador se contenta com a participação alludida como requisito sufficiente, alem dos actualmente exigidos, para um cargo a que impõe correlativamente tão pezadas e melindrosos responsabilidades. E, se isto já é, na realidade, pouco comprehensivel, menos se comprehende ainda que ninguem possa ser simultaneamente editor de mais de um periódico politica, a menos que se haja em vista difficultar a creação de folhas d'esta natureza ou augmentar os rendimentos do Estado, fomentando a multiplicação d'estes, cada vez menos invejaveis industriaes.

Se n'este ponto, portanto, a proposta é incongruente e illusoria peior epitheto merece quando estatue que os crimes de injurio e diffamação em que o procedimento judicial deponde do requerimento de parte, - poderão ser processados no juizo do domicilio do auctor. Nada mais antipathico do que esta vexatoria innovação.

Tal preceito e o do artigo 40.°, que não admitte nos processos por abuso do liberdade de imprensa testemunhas de fóra do continente do reino, quando instaurados em comarcas n'elle situadas, e de fóra dos districtos insulares quando seja ali que elles se instaurem, bastariam para trahir os intuitos da proposta e para collocar esta em absoluto antagonismo com os mais elementares principios liberaes.

Sugeitar um individuo, talvez falsamente arguido, a ser julgado no juizo do domicilio do auctor, estabelecendo para a producção da prova testemunhal as restricções que ficam apontadas, o mesmo seria, em muitos casos, que entregar o réu indefeso os mitos do seu accusador, sugeitando-o, até na melhor das hypotheses, que é a da sua absolvição final, a sacrificios e vexames irreparaveis.

O que a proposta tem de retrogrado quando, ao inverso do que entre nos se praticava em 1884, subtrae á apreciação dos jurados a maioria dos factos que classifico de crimes por abuso de liberdade de imprensa para os entregar a decisão de um juiz singular ou do um tribunal collectivo que não offerece, nem pelo sua organisação sujeita ás influencias da politico, nem pelo seu papel de executor automatico de uma lei iniqua, qualquer das garantias offerecidas pelo jury salta aos olhos até dos menos perspicazes.

Esse tribunal collectivo, tal como seria organisado, não daria aos réus qualquer seguranças de independencia e de bom criterio superiores ás do juiz singular, finando, debaixo d'esse ponto de vista, um condições do manifesta inferioridade em relação aos tribunaes collectivos de superior instancia para que lhes seria facultado recorrerem.

A substituição do jury pelo tribunal collectivo esta de ha muito condemnada pelas melhores espiritos, que partem do principio de que os crimes por aluso de liberdade de imprensa devem sempre ser submettidos ao julgamento do jury, organisando-se este de fórma que offereça as maximos garantias de instrução e independencia.

Os jornalistas de Lisboa, no seu manifesto ao paiz, de 31 de junho de 1896,. recordavam as palavras de Jules Simon, ao verberar os tribunaes collectivos de primeira instancia, que dizia assegurarem a represalia, dando aos jornalistas inimigos por Juizes. O juiz é, conforme se expressava o grande publicista francez, o inimigo do jornal processado, porque é seu proposito deliberado defender o governo e habito seu garantir a segurança do cidadão. É parcial por lealdade, o que é a mais terrivel genero de parcialidade.

A reincidencia, como aggravante das penas, impostas aos infractores da lei de Imprensa, é um da mais odiosos preceitos do decreto dictatorial de 1890, Pois a proposta consigna-a igualmente, e com analogos effeitos, embora vá de encontro no que em nações que tanto se avantajam a nossa em progresso o illustração se acha legislador. Não será, ocioso relembrar que o relator do projecto da lei franceza, ao discutir-se o assumpto no parlamento do seu paiz, justificou a excepção por meio da qual é banida tal aggravante, com estas memoraveis palavras: É uma derrogação de principios geraes de direito criminal, mas é uma derogação em favor da liberdade,

A proposto, comtudo, em vez de derogar os principios geraes de direito em favor do liberdade do imprensa, deroga-os em prejuizo d'ella e abre, com odio a essa mesma liberdade, numerosas excepções ao direito commum. E se não veja-se como as modificações Introduzidas á fórma estabelecida de processar tendem a precipitar o processo, e por conseguinte a difficultar a defeza. Merece, sob este ponto de vista, monção especial, além da fórma de intimação prescripta, para os accordãos proferidos nos recursos que faculta, o § 7.° do artigo 32.°, que demonstra uma lamentavel Inconsistencia criterio no fixação nos preceitos do processo, visto que se afasta d'elles por fórma absolutamente inexplicavel, tirando abruptamente ao jornalista a garantia que pareceu querer dar-lhe quando commetteu, em principio, o julgamento ao jury e ao tribunal collectivo.

Mas não param aqui as excepções odiosas. Pela segunda parte do § 2.º do artigo 30.º, os jornalistas incursos em pena inferior á de prisão correccional até seis mezes, ficam em peior situação do que um réu do qualquer delicto commum a que corresponda a referida pena, O réu do furto, por exemplo, desde que lhe seja designado ata para julgamento, (phrase que correspondo, na formado processo adoptada paiz proposta, ao mero recebimento da accusação), é apenas citado para comparecer no dia que se lhe marque; o jornalista pelo contrario, depois de recebida contra elle a simples accusação, teria de ser preso, para em seguida ao lhe poder applicar o beneficio do artigo 2.º da lei de 15 de abril de 1886, isto é, para poder livrar-se solto mediante a assignatura do respectivo termo de identidade e residencia! Tanto mais estranho é tudo isto, quanto é certo que aquella lei, devida tambem ao actual sr. ministro da justiça, só é applicavel aos réus menos em flagrante delicto e recursos em crimes a que corresponda processo correccional.

Não menos digna de raparo é a doutrino do artigo 89.º, pois que ao passo que na legislação actual o réu accusado simultaneamente de varios crimes incorro sómente na pena correspondente ao mais grave, aggravando-se esta, segundo os regras geraes, em attenção á accumulação dos restantes, pela proposta, depois de instaurado processo contra um jornalista, não poderá a esse processo additar-se ou appensar-se qualquer outro, a fim de que, por este modo, o delinquente fique sujeito a processo ou processos novos e consequentemente a novas penas.

E já agora não passe sem reparo tambem o preceito dos §§ 1.º e 2.º do artigo 41.º, segundo os quaes o editor é obrigado a publicar gratuitamente a defeza do qualquer individuo ou pessoa moral, injuriados ou diffamados no periodico, comtanto que a respectiva materia não exceda o dobro da extensão da arguição e tambem o dementido ou rectificação feita officialmente de qualquer noticia publicada ou reproduzida no periodo, afóra ainda a sentença condemnatoria, na integra, quando haja processo por abuso de liberdade de imprensa.

Obrigar um jornal, sem condemnação previa, em obediencia a uma simples notificação, que, nos termos applicaveis do artigo 645.º do codigo do processo civil, não admitte opposição alguma, e com uma pezadissima multa, caso assim o não cumpra, a publicar uma defesa cujos termos, podendo por si só constituir a mau grave das injurias ou das diffamações, ficam a inteiro arbitrio do pretenso ofendido, é exigir uma verdadeira monstruosidade. Como o é igualmente o obrigação imposta de publicar, tambem sem previa sentença condemnatoria que o decrete, e sem qualquer limitação de tamanho, os desmentidos ou rectificações officiaes que podem mesmo não ser a expressão para de verdade. Cada periodico converter-se-ia assim em um Diario do governo, ou, o que seria pelar, em um Diario ... dos governadores civis.

O odioso da proposto sobe todavia de ponto ao fixar os offeitos do reincidencia quanto aos jornaes que n'ella incorram. A pena, em tal caso, é, nada mais, nada menos do que a suspensão da folha.

A suspensão do periodico, do mesmo modo que a prohibição da circulação ou exposição á venda, tal qual pretende estabelecer-se, é o cumulo dos attentados contra o direito de propriedade. E n'isto que a proposto culmina no absurdo, e - digamol-o tambem - na prepotencia.

Bastam, para o provar, o artigo 18.º § 3.° da proposta, que ordena, em caso de reincidencia, a suspensão do periodico por um a tres mezes, e o artigo 48.°, que preceitua, paro diversas hypotheses, a prohibição da circulação e exposição ao publico. E desde que se compare a primeira d'aquellaa disposições com a do artigo 7.°, que declara que o titulo de um jornal deve ser completamente distincto de outros já anteriormente existentes, claro está que tal suspensão, conjugada com a impossibilidade de se substituir immediatamente o jornal suspenso por outro do titulo similhante, como era até agora facilmente praticavel, converter-se-ha quasi sempre em sua verdadeira suppressão definitivo, com todo o cortejo do damnos irreparaveis, quer para a empreza do jornal, quer para o pessoal que n'elle trabalha e que da vida do periodico obtém os meios de prover á sua propria vida.

Dar-se-ia, em tal caso o mais iniqua diffusão de pena.

Uma folha suspensa, já não dizemos tres mezes, mas tres dias, que seja, se não fica desde logo definitivamente morta, ficará, pelo menos, profunda e irremediavelmente affectada na sua existencia.

A proposta, porém, não estabelece apenas, pela fórma claro e franca por que o foi nos artigos citados, a suspensão dos jornaes.

Estabelece-o tambem indirectamente, ou melhor diremos subrepticiamente, por uma outra engenhoso maneira. Comparem-se os dois artigos da proposta - o artigo 9.º n.º 3.° e o artigo 18.° § 2.º - e ver-se-ha como elles se congraçam no intuito da surprehenderem um periodico com a suspensão immediato, aggravada com as penas
correspondentes á publicação sem editor habilitação.

O artigo 18.º § 2.º, na hypothese da acção publica intervir, faculta
no juiz condemnar sempre o editor na suspensão temporario dos delictos politicos. Ora, como um dos requisitos exigidos pelo artigo 9.° ao
editor é precisamante esse de se achar no goso da direitos politi-

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cos e civis, assim fica a folha, que não poderá evidentemente habilitar editor no mesmo dia da condemnação, ipso facto suspensa, mesmo sem ter reincidido,

Quanto não seria mais liberal e mais conforme com os antecedentes politicos e parlamentares do illustre auctor da proposta, e tambem com a sua justificada fama de jurisconsulto eminente, acabar de vez, por um elevado rasgo de emancipação contra velharias absurdas, com osso preceito, que nem por estar muito generalisado é menos odioso, da suspensão ou suppressão do titulo do um jornal, preceito que constitue uma das mais revoltantes offensas que podem ser perpetradas contra o direito de propriedade!

Porque effectivamente, quer um periodico se considere, por uma pura ficção, uma entidade pensante e responsavel, quer se encare como um simples e irresponsavel instrumento de crime, é sempre absurdo e que a proposta estatue.

No primeiro caso, esse titulo nunca deveria suspender-se ou supprimir-se, como se não suspende ou supprime o nome de um individuo pelo facto d'este haver praticado um delicto.

No segundo caso, se o jornal é o mero instrumento do crime cammettido, não deveria, para ser-se logico, permittir-se que o delinquente se hailbitasse, por meio de novo jornal, embora com titulo diverso, a praticar novos crimes.

Nos termos da lei commum, o segundo os preceitos da boa rasão, não é admissivel que dependa apenas do nome da arma a permissão ou a prohibição do seu possuidor usar d'ella contra quem quer que seja.

Desde que os individuos, auctores ou cumplices do crime de abuso de liberdade de imprensa, tenham na lei o castigo corporal e a pena pecuniaria, nada mais é preciso - a não se querer pertinazmente proseguir em um regimen de excepção vexatoria - para se impôr uma punição completa.

É certo que se reconhece o direito de indemnisação aos lesados, no caso do ser pelo juiz de direito annullada a prohibição ordenada e effectuada pela auctoridade administrativa, que a proposta investe, por uma perigosa confusão de poderes, na faculdade de proceder a Julgamentos previos, em que as influencias da politica partidaria, a que taes julgadores se acham directamente sujeitos, não de necessariamente preponderar. Mas nem moral, nem juridica, nem materialmente - aquella reparação compensaria o damno soffrido. O menos que, n'esta parte, poderá dizer-se da proposta que fixa essas indemnizações em quantias miseravelmente mesquinhas, é que ella denota o mais completo desconhecimento das condições de existencia e da vida interna das emprezas jornalisticas do paiz, ou então que quis tornar a todos os respeitos illusoria e ficticia a reparação une offerece ás victimas.

Em junho de 1896, no manifesto da imprensa de Lisboa a que acima de allude, accentuavam-se n'estas justas palavras os defeitos capitaes do regimen vigente:

«A imprensa vive entre nós sob o regimen da lei decretada dictatorialmente em 22 de março de 1890, completada no sentido reaccionario pelos poderes concedidos ao juiz do instrucção criminal de Lisboa e pela lei de excepção de 13 de fevereiro do anno corrente.»

A lei de l866 estabelecia a suppressão do jornal só nos casos em que houvesse falta de editor ou de suspensão do garantias. Para cada delicio estabelecia um só responsavel e fazia julgar os processos de imprensa em audiencia de jury. A de 1890, ao contrario, aggravou as multas que se podem arbitrar por excessos de liberdade de pensamento, classificou os factos criminosos com propositada nebulosidade, facilitando o arbitrio; fez julgar correccionalmente os delictos de imprensa; para cada um d'estes exigia dois responsaveis; e, para cumulo de tudo, facilitou de tal modo a suspensão e a suppressão dos jornaes, que as emprezas jornalisticas vivem inteiramente á mercê da generosidade ou da intolerancia dos poderes constituídos! A resurreição dos julgamentos da imprensa em processo correccional, em pleno anno de 1896, é verdadeiramente monstruosa!»

Tudo o que os jornalistas do Lisboa então ponderavam a proposito do decreto de 1890 é o que podo agora applicar-se, quasi pelas mesmas palavras e com o mesmissimo rigor á proposta de lei de 16 de agosto de 1897.

Se, porém, a associação dos jornalistas de Lisboa precisasse agora ainda de uma prova real, do um argumento decisivo para se convencer do espirito que presidiu á proposta, bastaria, para infelizmente lhe não poderem restar illusões a tal respeito, o facto de se deixar em pleno vigor a lei de 13 de fevereiro do 1896, já n'este momento derogada de facto pela imprensa de todo o paiz. Ao passo que, segando a proposta, continuaria revogado tudo o que de mais liberal se preceituava na legislação da imprensa, anterior a 1890, ficaria subsistindo a odiosissima lei de 1896, que motivou a suppressão de diversas folhas, sem excepção de algumas que, pela sua antiguidade, orientação conservadora e processos de critica imoderada, mais se afigurava estarem ao abrigo de qualquer ataque contra a sua existencia.

Na historia da legislação portugueza sobre imprensa encontra-se, é certo, mais de uma tentativa da natureza d'aquella que a proposta de 16 de agosto tem em mira. Mas nunca taes attentados passaram sem protesto e nunca tambem, devemos confessal-o, perduraram e se radicaram essas inspirações do rancor contra o jornalismo. Se logram viver alguns annos, como o desprestigiado decreto de 1890, a sua existencia é a do quem se vá a cada passo affrontado e desrespeitado, sem coragem nem auctoridade para se desaggravar dos ultrages.

Sirva de ensinamento o succedido com a carta de lei de 3 de agosto do 1850, referendada pelo conde de Thomar o Felix Pereira do Magalhães. Não decorrera sequer um anno e já o governo do duque de Saldanha se via forçado a rovogal-a na integra, em um decreto cujos fundamentos são dignos de que os recordemos, pela sua flagrante opportunidade e pela sua perfeita e justa applicação á proposta de 1897.

Eil-os:

«Attendendo a que a lei de 3 de agosto de 1850 sobre a repressão dos abusos de liberdade de imprensa excitou a maior animadversão publica apenas foi apresentada às côrtes, manifestando-se a opinião illustrada contra uma providencia que as circunstancias ainda aggravaram; e sendo certo igualmente que a lei de 3 de agosto de 1850, longe de assegurar o uso o de punir o abuso do um direito sacratissimo, solemnemente declarado no codigo politico, pelo contrario podo suspeitar-se haver sido concedida para suffocar e opprimir a imprensa; attendendo a que a sobredita lei é a flagrante violação do § 3.° do artigo 145.° da carta constitucional da monarchia, porque, alem de difficultar, por meio de excessivos depositos a livre manifestação do pensamento, ainda sophisma esse resto de liberdade, que permittiu, pelo temor de novas penas e pela classificação dos delictos. E sendo claro outrosim que a carta constitucional quis que a imprensa fosse independente de vexames da censura, e de quaesquer disposições preventivas,, pondo-lhe só os justos limites da responsabilidade dos abusos, o que a lei de 3 de agosto de 1850 destroe declaradamente, viciando a saudavel instituição do jury, tirando ao accusado muitas das garantias da defeza e estabelecendo innovações oppressoras na competencia e organisação dos tribunaes, e na fórma do processo cujos rigores exacerbou; attendendo a que esta lei importa a negação dos principios do direito constitucional e de liberdade do pensamento, etc.»

Mutatis mutandis, era com estes mesmos eloquentes considerandos que a associação dos jornalistas de Lisboa desejaria poder decretar desde já o perpetuo e irremissivel esquecimento a que, por honra de todos, tem de ser votada a proposta de lei de 16 de agosto de 1897.

O sr. ministro da justiça, por um louvavel desejo de ser esclarecido pelos representantes da nação, e de certo tambem por um legitimo sentimento de desconfiança pelo seu proprio trabalho, declara no relatório de que o precede, que abrirá uma tregua «a fim de que cada um possa concorrer para uma obra que a todos interessa e que deve ser garantia dos direitos de cada um».

«N'esse proposito, acrescenta o illustre estadista, serei eu o primeiro a acceitar toda a modificação que tender a melhorar o projecto, desde que se salvem as bases fundamentaes em que elle assenta: liberdade de expressão de pensamento pela imprensa, responsabilidade effectiva dos que d'ella abusarem.»

Ao parlamento, portanto, a quem o sr. ministro, se dirige para que lhe aperfeiçoe o trabalho, dirige-se tambem á associação dos jornalistas de Lisboa, expondo, nos seus pontos capitaes, os motivos por que julga com tal proposta do lei affrontada á sua classe; ao parlamento se dirige instando por que modifique e corrija, nas suas numerosas incongruencias, essa proposta, o concorra devotadamente para que a nova lei de imprensa nos não envergonhe aos nossos proprios olhos e aos olhos dos paizes civilisados; ao parlamento representa emfim, para que, precisamente na occasião em que se diligenceia reunir na capital portugueza um congresso de jornalistas estrangeiros, lhes não apresentemos como lei do pais um tão deploravel diploma, que, longe de impor aos abusos da liberdade uma punição condigna, busca pretextos, excogita sophismas, inventa artificios, para ferir de morte essa mesma liberdade tão apregoada em theoria quanto illaqueada na pratica.

Como os jornalistas de Paris em 1830, ao revoltarem-se contra as ordenanças do ministerio Polignac; como os jornalistas portuguezes em 1850, ao protestarem contra a lei de 3 de agosto; como, finalmente, ha poucos mezes ainda, a imprensa do paiz, quasi unanimo, ao condemnar, em um grito de dor e de revolta, a proposta de 16 de agosto de 1897, a associação dos jornalistas de Lisboa tambem vem lavrar perante os representantes da nação o seu mais solemne protesto, repetindo, com os escriptores e homens de letras que ha proximamente meio seculo se insurgiam contra a ominosa lei cabralina - que, se a liberdade de imprensa tem de perecer, ao menos não passem os nossos nomes deshonradps á Posteridade com a mancha de covardia ou connivencia em similhante; attentado,

Lisboa e sala da associação dos jornalistas, 3 de janeiro de 1898. (Seguem-se as assignaturas da commissão.)

O sr. Presidente: - Esta em discussão o artigo 1.°

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O sr. Moraes Sarmento: - Sr presidente, ao inaugurar-se a primeira sessão da actual legislatura, o governo, pela bôca do augusto chefe do estado, comprometteu-se a apresentar á apreciação do parlamento uma serie de providencias, tendentes á organisação da fazenda publico, ao desenvolvimento da agricultura e ao fomento do commercio o dos industrias, de cuja prompta e sensata solução depende um futuro melhor para o paiz, segundo as palavras textuaes do discurso da corôa.

Essas providencias eram tendentes, umas á reorganisação da fazenda publica, outras ao desenvolvimento da agricultura e algumas no fomento do commercio e das industrias.

Pelo que respeita á fazenda publica, as propostas annunciadas pelo governo constavam, alem das que ficaram pendentes da ultima sessão legislativa, de outras que tinham em vista facilitar o credito predial, fixar os encargos a construcções de estradas, equilibrar os orçamentos das provincias ultramarinas e remodelar alguns dos actuaes impostos de modo a tornal-os mais rendosos.

As providencias tendentes ao desenvolvimento da agricultura teriam por assumpto:

Promover e auxiliar a contribuição de uma companhia vinicola do sul, que melhorando e fixando os typos dos nossos vinhos, os valorise perante o estrangeiro;

Crear associações agricolas que forneçam ao lavrador, a credito e com juro modico, sementes, adubo o alfaia rustica e lhe facilite a venda favoravel de productos da terra;

Modificar o regimen predial do Alemtejo de modo a aproveitarem-se os grandes tractos de terreno inculto que ali existem, facilitando-se para isso a divisão da grande propriedade e tornando-se a cultura quanto possivel intensiva;

Promover o aproveitamento das aguas e a irrigação, principalmente na referida provincia, a fim de se facilitar a exploração agricola do solo;

Desenvolver o credito fiduciario e agricola nas suas diversas applicações.

As medidas relativas ao fomento do commercio seriam:

Tratados commerciaes;

Reforma da tabella de emolumentos consulares;

Proposta tendente a favorecer a expansão manufacturo do paiz, solicitado para facilitação do credito;

Providencia que, evitando os conflictos entre o capital e o trabalho, dêem áquelle a devida garantia e a este a justa protecção;

Regulação do regimen bancario do ultramar

Sr. presidente, perante um programma tão sympathico, a opposição regeneradora resolveu pôr de parte as questões politicas e collaborar sinceramente com o governo no aperfeiçoamento das referidas propostas.

Na sessão de 6 de julho do anno findo, o illustre leader da opposição, o sr. Franco Castello Branco, limitando-se a lavrar protesto pelas violencias praticadas em alguns circulos eleitoraes contra os candidaturas de alguns dos seus amigos politicos, affirmou aquelle proposito nas seguintes palavras:

"... em face das circumstancias verdadeiramente calamitosas em que se encontram os negocios publicos, e tendo-se manifestado, por parte do governo, o desejo ou intenção de submetter à apreciação do parlamento medidas, relativas aos differentes ramos da instrucção publica que possam concorrer para a melhoria das circumstancias geraes da nação, a opposição regenerador não deseja nem quer para si a responsabilidade de desviar a attenção do parlamento para assumptos de districto caracter politico, reservando-se para, na apreciação dos differentes projectos que pelo governo vejam submettidos á discussão parlamentar, dizer sinceramente, imparcialmente, desapaixonadamente o que se lhe afigurar mais consentance, mais util e mais conveniente aos interesses do paiz."

Da fórma correcta e leal como a opposição regeneradora tem harmonisado os seus actos com estas declarações, julgará o paiz, que tem visto que do lado da camara aonde me sento, se não levantou ainda um só incidente politico, limitando-se os meus amigos a apreciar com a maior cordura os differentes projectos que têem sido postos na téla do debate. (Apoiados.)

O governo, pelo contrario, tem procedido de fórma differente, limitando-se a apresentar á discussão projectos de simples expediente financeiro, alguns de natureza tão enfermiça, como o contrato da novação dos tabacos, que ficaram jazendo no seio das commissões da camara dos dignos pares do reino, outros de tão pequena urgencia, como o da reorganisação do banco de Portugal, que até hoje ainda não recebeu começo de execução.

Aonde o governo tem sido solicito, tem sido na discussão e realisação dos projectos de indole essencialmente politica, como o da alteração da lei eleitoral e da modificação das circumscripções administrativas, que tamanho gravame trouxe para as despezas publicas. (Apoiados.)

Agora, persiste ainda no mesmo proposito, promovendo a discussão do projecto de lei de imprensa, de indole essencialmente politica tambem, que é por certo importante na sua essencia, mas que, nas circumstancias financeiras e economicas do paiz, não póde deixar de ser considerado de secundaria importancia, tendo, demais, a desvantagem de excitar as paixões politicos. (Apoiados.)

A opposição regeneradora recusa-se a seguir n'esse caminho. (Apoiados.)

Os meus amigos politicos resolveram abster-se da discussão d'este projecto, limitando-se a votar contra as suas disposições e aguardar serenamente que o governo apresento ao parlamento, faça estudar pelas commissões e promova a discussão parlamentar d'aquelles projectos de ordem administrativa e economica, annunciadas nos discursos da corôa, como sendo aquelles "de cuja prompta e sensata solução depende um futuro melhor para o paiz".

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Mando para a mesa duas propostas de lei: uma fixando a força do exercito em pé de paz no anno economico de 1898 a 1899 em 30:000 praças de pret de todas as armas; e a outra fixando em 16:700 recrutas, em 1898, o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal.

A primeira foi enviada á commissão de guerra, e a segunda ás commissões de guerra, marinha, administração publica e de fazenda.

Vão publicadas no fim da sessão.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Não me cumpre, de mudo algum, intervir nas deliberações da opposição regeneradora d'esta camara. Resolveu ella abster-se de discutir o projecto sobre o convenio com os credores externos, e eu ao tenho que respeitar essa resolução; mas seja-me permittido lamentar, que tendo o governo, quando apresentou á proposta de lei sobre a liberdade de imprensa, convidado todas as collectividades politicas, e todas as individualidades que tinham representação n'esta camara a collaborar n'esta obra, a illustre opposição regeneradora entenda dever recusar a sua collaboração.

Mas, sr. presidente, se com relação a este ponto nada mais me cumpre senão exprimir o meu sentimento, não posso todavia deixar de acrescentar que as rasões com que se pretende fundamentar essa abstenção não são procedentes.

O governo no discurso da corôa comprometteu-se a apresentar ao parlamento as providencias de caracter economico e financeiro que julgou necessarias para a nossa restauração economica; e, com effeito, elle tem apresentado diversas providencias d'essa natureza, algumas das quaes têem sido discutidas e approvadas, e não só de ordem financeiro, mas até de fomento agricola.

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O que o programma do governo, porém, não disse, é que, ao dedicar-se ao estudo d'essas questões, se abstinha de propor o tratar de qualquer outra providencia que não fosse financeira. Pelo contrario, até affirmou que era não só necessario concorrer para a restauração economica e financeira do paiz, mas tambem para a sua restauração politica, e entre as diversas providencias que citou, lá figura a lei reguladora da liberdade de imprensa, por se entender que ella corresponde a uma necessidade de ordem publica.

Fique, portanto, bem assente que o governo não declarou que limitaria a sua iniciativa exclusivamente á apresentação de medidas de ordem economica e financeira.

Comtudo, se a opposição entende que deve abster-se da discussão de qualquer projecto que não seja economico ou financeiro, ao governo e a maioria cumpre respeitar essa resolução, lamentando, no emtanto, que ella tivesse sido tomada, e com um fundamento injustificado, porque, mais uma vez repito, o governo não se comprometteu a só fazer discutir medidas de ordem economica e financeira.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Augusto Ricca: - Sr. presidente, em primeiro logar permitta-me s. exa. que eu defina a minha posição na camara.

Eu estou n'esta camara na mesma situação em que estive na ultima camara do gabinete regenerador; estou como deputado independente, e é como tal, sem ligações partidarias, que vou entrar na apreciação do projecto em discussão.

Quando, ha tempo, eu li nos jornaes que o governo tencionava apresentar ao parlamento uma proposta de lei reguladora da liberdade de imprensa, confesso que estava muito longe de suppor que a annunciada proposta tivesse tão pronunciado cunho de mesquinhez, pobreza e estreiteza de idéas; e a minha surpreza foi tanto maior, quanto é na momentosa phase, que atravessamos, da nossa situação economica e financeira, que o governo apresenta uma proposta de lei tão pobremente concebida e tão mediocremente delineada.

Este facto, sr. presidente, é tanto mais para censurar, quanto esta proposta visa a regular o funccionamento da liberdade de uma das mais superiores classes da organisação social, da mais poderosa alavanca do progresso e da civilisação: da imprensa.

Percebia-se uma proposta grandiosa, larga, digna do fim que se tem em vista e da alta instituição a que se refere; mas uma proposta, como a que a commissão de legislação criminal converteu no projecto de lei que se discuto, acho-a indigna de occupar por muito tempo a attenção do parlamento.

E, sr. presidente, este projecto não só é indigno do alto fim que tem em vista, mas pobre e mesquinho na sua contextura, como vou demonstrar na apreciação que, em traços geraes, d'elle vou fazer.

Para estudar o projecto recorri, como era natural, ao relatório do sr. ministro da justiça, e para fazer um estudo, não direi profundo, mas methodico, comecei por apreciar a base em que s. exa. assentou todo o seu trabalho.

Essa base é uma formosissima these de philosophia racional: liberdade e responsabilidade.

Eu entendo que a liberdade é uma propriedade, e digo propriedade e não faculdade; é uma propriedade da alma pela qual nas, com a illustração do entendimento e a intervenção da vontade, praticâmos os nossos actos; e quem pratica actos nestas condições, quer dizer, com intervenção do entendimento e deliberação da vontade, isto é, com ponderação de todos os motivos que o levaram á pratica d'esses actos, é digno de responsabilidade.

Estudando o projecto notei, com assombro e desgosto, que o sr. ministro da justiça tinha desvirtuado, na sua applicação, a formosissima these que serviu de base ao seu trabalho. Para provar esta asserção, passarei a apreciar, como disse, nos seus traços geraes, o projecto.

Para que haja verdadeira liberdade é preciso que a responsabilidade não seja tratada como o projecto a trata.

A responsabilidade de que o projecto, se occuppa, enferma de tres males gravissimos, que urge remediar. Vou cital-os, e, tonto quanto as minhas faculdades me permittirem, tentarei demonstrar cada um de per si.

O primeiro mal é que a responsabilidade de que trata o projecto não é rigorosamente incidente, e os outros dois males consistem em a responsabilidade não ser imputada adequadamente e com justiça.

E se a responsabilidade adoece d'esses tres males gravissimos, e se eu a conseguir provar com as considerações que vou apresentar, v. exa. e a camara comprehenderão que a responsabilidade do que trata o projecto é uma ficção. E quando a responsabilidade é uma ficção, a liberdade não existe, porque nós somos livres porque somos responsáveis, e somos responsaveis, porque somos livres.

Se eu provar esta asserção, a que attribuo os males de que está eivada a these do projecto, terei provado que a base foi completamente abalada e o edificio, a que falta a base, deve cair por completo.

N'estas condições, não devo demorar-me senão em considerações de caracter geral, porque se eu conseguir demonstrar que a base está abalada, e que, portanto, o edificio deve cair por completo, seria cançar a attenção da camara descer ás minuciosidades. Referir-me-hei, por consequencia, só a cada um d'esses males.

O primeiro d'elles é que a responsabilidade de que trata o projecto não é rigorosamente incidente.

Antes, porém, de entrar na apreciação d'este mal, permitta-me v. exa. que eu demonstre a asserção que fiz, quando comecei fallando, de que o projecto em discussão é mesquinho, pobre e estreito de idéas.

Para o demonstrar, recorrerei a argumentos apresentados pelo sr. Queiroz Ribeiro no seu relatorio, que para mim constitue um verdadeiro monumento litterario, que ao do per si seria a prova mais eloquente do brilhantismo e formosura do seu pujantissimo talento, se essas qualidades não fossem já de ha muito conhecidas.

Permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu interrompa o meu discurso para prestar a minha homenagem de respeito às altas qualidades de espirito e de coração que exornam o illustre relator d'este projecto, que tão brilhantemente se tem salientado n'esta camara.

Mas dizia eu, sr. presidente, que ao proprio relatorio de s. exa. fui eu buscar os argumentos com que provar esta minha asserção geral de que o projecto é mesquinho e pobre de idéas.

Diz o illustre deputado sr. Queiroz Ribeiro que o codigo penal está eivado do profundissimos erros, que consistem n'uma completa desharmonia e desproporcionalidade entre os crimes a punir e as penas a applicar; qual não é, portanto, o meu espanto quando, depois de ter lido estas palavras de s. exa., eu noto que a essencia geral do projecto em questão é applicar aos delictos de imprensa as penas do direito commum.

Pois se o nobre ministro, o illustre relator e a commissão de legislação criminal estavam convictos de que o codigo penal se acha eivado de profundos erros, para que vão adoptar as desharmonicas e desproporcionaes penas do direito commum para delictos de imprensa, de caracter moral, o que devem ter um juizo superior e uma opinião especial a aprecial-os?

Poderá o illustre relator dizer: é verdade que se applica o direito commum, mas abrevia-se tempo na fórma do processo.

Mas isto póde ser uma regalia especial dos crimes da imprensa? Não deve ser uma regalia geral e commum a todos os delictos?

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E para isto constituir a unica vantagem que o projecto apresenta, entendo que não teria valido a pena legislar n'este sentido, e por assim entender é que eu comecei o meu discurso por dizer, que o projecto era pobre e mesquinho e estreito de idéas.

Mas proseguindo no estudo da these philosophica que constitue a base de que se serve o illustre ministro da justiça n'este projecto, dizia eu, que a responsabilidade referida estava atacada de tres males: o primeiro mal consiste em não ser incidente, os dois restantes em ser imputado inadequadamente e injustamente. Passarei então a demonstrar cada uma das asserções para depois tirar as conclusões que ellas me possam permittir.

Primeiro: não é rigorosamente incidente; sr. presidente, o projecto admitte em todos os delictos, como idéa geral, a simultaneidade e a igualdade do culpa do editor o do auctor.

Sei muito bem, que no acto de imprimir um escripto, qualquer que seja a sua natureza, ha duas acções perfeitamente differentes: a de escrever e a do publicar; mas estas duas acções para mim são consoantes ao mesmo fim e consequentes do mesmo ser: o auctor.

O auctor escreveu para publicar, e dá o seu escripto para ser publicado.

A meu ver, por consequencia, o editor é o intermediario entre a concepção da idéa que o auctor formula e a sua realisação pratica. Sendo assim, mal percebo que se vá imputar simultaneamente responsabilidade ao editor e ao auctor, e muito menos percebo por ser a culpa imputada a um e a outro de igual intensidade. Mas não é este argumento, considerado na generalidade com que o apresento á camara, que serve de base demonstrativa da affirmação que fiz de que a responsabilidade não é rigorosamente incidente. É o mesmo argumento, mas considerado n'um caso especial a que se refere o projecto em questão. Diz o projecto n'uma das suas disposições, que os escriptos, que pela sua natureza não contenham um evidente delicto de imprensa são delinquentes, quando o julgamento posterior assim o determinar; diz-se, pois, no projecto em discussão, que póde haver escripto de imprenso que não seja manifestamente delinquente; mas se o julgamento posterior declarar que existe um delicto de imprenso no escripto em questão, o editor e o auctor soffrem então culpa simultaneo e identico. Mas se o projecto em questão não exige para o editor nenhuma habilitação litterario, qual o argumento de que se póde servir o illustre relator e o nobre ministro para justificar, que se vá attribuir a culpa ao editor, que póde, como a lei o permitte, ter ou não habilitação especial, e por consequencia estar inhibido de apreciar, no seu elevado alcance, se certos escriptos envolvem ou não delictos? Mas ainda n'esse caso especial quando o escripto que originou o delicto da imprensa não é claro, mas o julgamento posterior o julga como delinquente, o editor, que não tem obrigação de possuir habilitações litterarias e póde por esse facto não saber medir, sondar a profundidade, a comprehensão e a extensão das idéas abrangidas pelas palavras d'esse escripto. Mas ainda n'esse caso tem culpa simultanea com o auctor e igual á d'elle!! É uma iniquidade que se póde resumir n'estes termos: a responsabilidade não é rigorosamente incidente. Dizia eu que não era o unico mal de que enfermava a responsabilidade.

O segundo mal consiste em o responsabilidade não ser imputada adequadamente.

Sr. presidente, os argumentos de que ou me sorvi para provar o asserção geral, do que o projecto era mesquinho e pobre de idéas, são os mesmos em que me vou basear para deduzir a affirmação que acabo de expor.

Pois se na são essencia este projecto de lei applica aos delictos de imprensa as penalidades do direito commum, se as penas d'este delicto são reconhecidas pelo proprio relator, como eivadas de profundíssimos erros, de desproporcionabilidades e desharmonia, onde este a adequação da responsabilidade a liberdade transgredida?

A responsabilidade deve, de facto, existir; mas se o crime é punido com pena desproporcional, eu pergunto onde está a adequação?

O codigo penal tem, por exemplo, as seguintes disposições:

O crime de ultrages á moral publica que aos proprios olhos do projecto é gravissimo, pois lhes applica a apprehensão do escripto, é o menos punido de todos os crimes de imprensa!

A provocação ao crime é punida com uma pena approximadamente igual, seja qual for o crime a que se provocou!

Ás injurias á religião nunca póde applicar-se menos de um anno de cadeia e de tres mezes de multa, conjunctamente por mais leve que a injuria for!!!

E não cito muitas outras anomalias, porque não desejo cansar a camara: mas n'estas desharmonias e desproporcionalidade reconhecidas pelo illustre relator, e comprovadas agora por mim, está a prova da asserção, de que a responsabilidade não é rigorosamente adequada.

Ha ainda o terceiro mal: a responsabilidade não é justamente exigida.

Este mal provo-o com a seguinte referencia, escripta, e portanto permanecida, no brilhante relatorio do sr. Queiroz Ribeiro.

«A idéa do legislador é fazer alliar a justiça da solução da questão á brevidade do tempo durante o qual se elabora o processo».

Estas idéas «brevidade do tempo e justiça da solução da causa» não podem ser, em geral homogeneas.

Repillo essa asserção; são idéas heterogeneas, porque ligar a brevidade do tempo durante o qual se faz a apreciação de causa, com a justiça da solução da mesma causa em variados casos, e especialmente n'estes delictos de imprensa, de caracter intellectual, de effeitos moraes, em que é necessario sondar a profundidade da intenção, a philologia das palavras impressas no escripto, acho perfeitamente inexequivel.

Para todos os julgamentos, para que elles sejam justos, é necessario que haja uma apreciação complete de todos os elementos que podem contituir factores a ponderar no crime; ora, os elementos que podem influir na apreciação justa d'estes delictos de imprensa são muitas vezes provas moraes que hão de ser apresentadas materialmente no tribunal, na propria occasião do julgamento da causa, e essa apresentação não se compadece com a brevidade de tempo consumido.

A phrase é, portanto, como disse, erronea, pois que n ã são homogeneas as idéas expressas pelas suas palavras.

Eu podia parar por aqui e tirar a conclusão de que a responsabilidade de que se trata no projecto não é imputada com justiça; mas não o faço e vou tratar de outro argumento, que tem sido muito debatido em todas as leis de imprensa e em todos os parlamentos. Refiro-me á questão do jury.

Se o illustre relator da commissão e o nobre ministro da justiça tivessem querido fazer um projecto levantado e digno d'essa poderosa alavanca social, influxo da civilisação e do progresso, a imprensa, teria estabelecido o jury especial para essa mesma imprensa.

N'esta minha predilecção pelo jury especial para os delictos da imprensa, não veja ninguem a mais pequena prova de desconsideração pelo jury commum, que em todos os questões dependentes do seu julgamento, se tem manifestado com uma hombridade de caracter e uma seriedade dignas de todo o elogio; mas sendo em geral constituido por homens que não têem uma certa cultura intellectual, nem sempre poderão comprehender o alcance dos escriptos sobre que se pretende exercer a acção da justiça.

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Sendo assim, digo eu, podem esses homens commetter erros, certissimos do que a sua consciencia não fica melindrada; elles cumprem um dever de consciencia, mas podem errar porque ignoram o alcance largo da questão que julgam.

E para evitar esses erros e fazer com que a responsabilidade seja imputada com toda a justiça, que eu quero para os delictos da imprensa o jury especial, em vez do jury commum, não porque este seja menos serio e digno do que aquelle, mas porque não se lhe exigem os conhecimentos especiaes que é preciso possuir nos julgamentos das questões de imprensa, que são perfeitamente intellectuaes, e cujas consequencias, de ordem perfeitamente moral, não se podem apreciar com o mesmo criterio da vida pratica com que se apreciam as causas communs.

Póde o sr. relator responder-me que o jury commum que aprecia as causas communs mais complicadas, em que muitas vezes está em jogo a liberdade e o futuro dos individuos por longos annos, tambem póde apreciar os casos de imprensa, cuja responsabilidade é relativamente muito mais pequena e as consequencias muito menos funestas. Mas a isso objectarei eu, que no julgamento das causas não se deve attender á quantidade do effeito, mas á sua qualidade.

A qualidade de effeito n'um delicto de imprensa é perfeitamente moral e intellectual; para a sua apreciação exige-se um certo jogo de trabalho intellectual e uma certa illustração de espirito, base de um julgamento recto e imparcial, que nenhum regulamento, nenhuma disposição de lei exige aos membros de um jury commum.

Portanto, se o sr. ministro da justiça desejasse fazer um trabalho alto, levantado e digno do fim que teve em vista, teria estabelecido um jury especial, e s. exa. com o seu formosisssimo talento, saberá melhor do que eu apreciar todos estes argumentos, que tenho apresentado á camara, tendentes a provar as minhas affirmações.

Sr. presidente, demonstrei como pude o terceiro mal da responsabilidade tratada no projecto; comprovei o segundo mal, cujas consequencias percebe v. exa. quão funestos são, porque constituo verdadeiros crimes exigir responsabilidades incompativeis com os delictos imputados, e mostrei ainda a não rigorosa incidencia da responsabilidade, isto é, o primeiro mal que vae ferir indevidamente o editor, que, tal como é hoje, chega muitas vezes a inspirar dó aos julgadores, que lhe vêem sobre a fronte os vestigios da fome, e sobre o seu ser a inculpabilidade do acto.

Propuz-me, ao encetar o meu discurso, demonstrar os tres males de que enferma a responsabilidade tratada no projecto em discussão, e fil-o como pude; portanto, se eu demonstrei que o projecto é pobre e mesquinho de idéas, e v. exa. comprehende que eu não fallaria n'esta questão, se não estivesse realmente convencido, se prover que a responsabilidade tratada no projecto soffre de tres males profundissimos, taes são a não rigorosa incidencia e a sua acção inadequada e injusta, permitia-me v. exa. que eu diga que a responsabilidade exigido não é compativel com a liberdade que se tenta conceder, porque nós somos responsaveis porque somos livres, e somos livres porque somos responsaveis.

Ao tratar d'esta formosissima these philosophica, que s. exa. aproveitou para basear todo o seu edificio, se demonstrei que ella foi atraiçoada no projecto, como, desde que uma base é falsa o edificio deve cair, eu acho do meu dever não descer a apreciações minuciosas, e termino reprovando o projecto, pelas rasões que acabo de expor á camara.

Vozes: - Muito bem.

( O orador foi muito cumprimentado.)

O sr. Queiroz Ribeiro (relator}: - Começa, manifestando a sua estranheza pelo silencio da opposição, silencio que considera injustificado, e a muitos respeitos inconveniente.

Receia, por exemplo, que lá fóra se digo que na camara ha accordo, ou que estão todos feitos.

Alem d'isto, se o partido regenerador, ao qual não vem disputar os suas larguissimas tradições, porque o partido progressista tambem as tem, não conceder duas palavras de discussão á proposta do sr. ministro da justiça e ao projecto da commissão, é de recear que se diga: «se elles não discutem, é porque gostam; é porque o projecto e proposta de lei são tão despoticos como as leis que elles fizeram».

Condemna, em summa, o silencio da opposição, porque o julga deprimente para o parlamento.

Por outro lado, ser esclarecido, ouvir discursos vibrantes, enthusiasticos e levantados, é tão bello e tão agradavel, que ninguem lhe póde levar a mal o desejar ter este prazer.

Pela sua porte não esqueceu que foi uma temeridade dos seus collegas da commissão o confiarem á sua intelligencia o estudo da questão. Sabe que não podia bem corresponder a esta confiança; mas desejava mostrar que tinha empregado todos os seus esforços para se desempenhar o melhor possivel do espinhoso encargo.

Portanto, ainda sob este ponto de vista pessoal, lastima o silencio da opposição.

E em face de tão lamentavel attitude parlamentar, desejaria perguntar se o partido regenerador esqueceu as suas tradições gloriosas.

Não valerá o projecto cousa alguma para a opposição?

Quer-lhe parecer que elle não o discute para não ter de reconhecer o valor do brilhante relatorio; com que o sr. ministro da justiça o precede, e do trabalho de collaboração sincero que a commissão de legislação criminal lhe prestou.

Confessa á camara que não o surprehendeu completamente a declaração do sr. Moraes Sarmento, pois que já corria o boato de que a opposição não discutiria o projecto de liberdade de imprensa; mas a rasão allegada pelo sr. Moraes Sarmento é que foi para elle, orador, uma verdadeira decepção.

S. exa. disse que a minoria regeneradora não discutiria o projecto de liberdade de imprenso; por ser essencialmente politico! Mas que politico é essa?

Se é a politico nobre, o politico alevantada que representa o amor do nosso paiz, que representa o nosso coração posto ao serviço da cousa mais nobre, este todos a acceitam; está no projecto como está em tudo, quanto ali se discute em questões economicas.

Ou será politiquice? Mas essa foi repudiado pelo nobre ministro no seu relatorio, como foi pelo commissão.

E se a opposição considero o projecto,, como sendo politico, no sentido mesquinho da palavra, convem recordar-lhe que fui o partido regenerador quem, na suo passada dictadura, promulgara uma lei de imprensa e o celebre reforma constitucional.

O orador, proseguindo n'esta ordem de idéas, apresenta ainda diversas considerações, e por ultimo, depois de enaltecer o discurso do sr. Augusto Ricca, louvando-o ao mesmo tempo pela sua franca altitude, responde a cada um
dos seus argumentos, procurando demostrar que não são justificados os defeitos que s. exa. notou no projecto.

O sr. Arthur Montenegro: - Sr. presidente, é sempre muito desagradavel usar da palavra sobre um assumpto que a opposição parlamentar delibera não discutir; falta naturalmente ao nosso argumento o calor da lucta, sem o qual o mais vigoroso raciocinio não sabe dar energia á phrase que o traduz. E lamento com sinceridade tal attitude: lamento-a por mim, pois fiquei privado d'ouvir discursos em cujo ensinamento eu muito confiava; lamen-

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to-a pelo partido regenerador, que, n'esta occasião, não soube acompanhar o movimento do paiz, interessado vivamente pelo projecto de lei d'imprensa, que, longe de ter passado desapercebido á opinião publica, foi discutido por todos os jornaes, desde o mais importante da capital ao mais modesto da provincia (muitos apoiados).

A despeito, porém, da resolução tomada pela minoria d'esta camara, pedi a v. exa. que me concedesse a palavra, porque, embora d'accordo com a generalidade do projecto, tenho alguns reparos a fazer a certas das soas disposições. Não quero, todavia, proseguir sem felicitar, pelos seus trabalhos, o sr. ministro da justiça e o illustre relator da commissão de legislação criminal: da proposta farei o melhor elogio, affirmando que a julgo em todo o ponto digna do auctor do codigo commercial portuguez (apoiados); do projecto direi, sem sombra de lisonja, que poucas vezes me tem sido dado ler um estudo tão proficientemente desenvolvido (apoiados).

A liberdade d'imprensa não é questão que ainda hoje se debata, - pertencem antecipadamente á historia todos os discursos bordados sobre esse velho thema, que a Europa continental olha, desde 1789, como uma gloriosa conquista, ganha definitivamente pela moderna orientação da politica.

Reconhecido, porém, o principio, resta-nos ainda a regulamentação da sua pratica, resta-nos o estabelecimento da serie de disposições á custa da qual se hão de evitar possiveis abusos e punir os crimes por tal meio commettidos. E a mesma complexidade do problema, que fez da liberdade d'imprensa um direito tão tardio, - posterior ao exercicio da soberania, a conquista da igualdade, ao exclusivismo da prisão em nome da lei, - vem ainda agora difficultar deveras a demarcação dos limites, dentro dos quaes o principio ha de mover-se, do modo a ficar assegurado que o seu exercicio não irá offender outros direitos, analogamente respeitaveis. É certo que a sociedade ganha sempre com as discussões publicas: quanto mais em face se collocarem as doutrinas oppostas, mais o contraste salientará, o erro e dará brilho á verdade; é certo que a imprensa livre não tem tornado mais frequentes as revoluções do que as prepotencias do absolutismo o haviam feito, e que representa sempre uma poderosa garantia contra os abusos de poderes do estudo, garantia á custa da qual todos podem emittir opiniões e denunciar irregularidades. Mas liberdade não quer dizer irresponsabilidade: equiparar os dois termos não seria uma utopia, seria um absurdo. Da liberdade d'imprensa póde abusar-se, como de qualquer outra; não deve existir o direito de escrever tudo, como não existe o do tudo dizer ou tudo fazer.

É este tambem o ponto de vista do projecto em discussão que, propondo-se resolver apenas uma questão de limites, toca, apesar d'isso, um dos mais delicados problemas do direito publico contemporaneo.

Haverá, porém, delictos especiaes d'imprensa?

Certos pareceres extremos vão mesmo até animar que é impossivel delinquir por meio da imprensa; com a imprensa, dizem, manifestam-se apenas pensamentos e opiniões; estabelecer delictos d'imprensa vale, assim, tanto como punir opiniões!

Ha n'este argumentar manifesto equivoco. Quando se pratica um delicio d'imprensa, exprimo-se, é certo, uma opinião, (quando não se faz tal? o ladrão e o assassino não podem tambem pensar que o respeito pela vida e pela propriedade alheias é um preconceito, e não attestam sempre com o seu acto uma opinião de conveniencia?), mas algum outro elemento se encontra ainda n'esse caso. O pensamento propago-se; exerce influencio sobre a intelligencia humana, determinando-a á pratica de certas acções; tanto basta para mostrar que com a imprenso póde perturbar-se tanto a ordem social como com ama revolução.

Não se pune o auctor d'um escripto por elle ter tal opinião, pune-se sim por a querer impor aos outros, e pela perturbação que d'ahi póde resultar.

Nem se pense que esta doutrina leva o legislador a arrogar-se a apreciação do valor das idéas emittidas: em primeiro logar, o direito penal põe de parte o juizo sobre a verdade ou falsidade d'uma idéa, para tomar como criterio immediato apenas o interesse publico da sua expansão; em segundo logar, aquelle direito só se occupa da acção, não do pensamento, deixando assim fóra da sua alçada todos os escriptos que, como os scientificos, procuram mais exprimir a opinião do auctor que crear adeptos a determinada causa.

Allega-se que os beneficios occasionados pela lei d'imprensa não compensam os damnos que ella produz; o temor fará com que a repressão do mal impeça tambem a expansão do bem. É facil de comprehender o exaggero d'esta consideração: ao uma lei odiosa poderia motivar taes resultados; do resto, toda a sociedade civil é uma sociedade de liberdade limitada, e, entretanto, nas outras espheras d'acção, a actividade humana não encontrou ainda, n'essa regulamentação, pelas que obstassem ao seu justo desenvolvimento.

Por fim, diz-se que a imprensa sem lei se corrigirá a si propria. Não se sabe, porém, porque motivo melhorará a imprensa, não havendo lei que a inhiba de peorar, nem, se a imprensa é capaz de se corrigir a si propria, que obstaculo a existencia d'uma lei poderá occasionar a essa salutar aceito.

Outros publicistas, menos radicaes, entendem que os delictos d'imprensa devem ser reconhecidos pela lei, bastando, no emtanto, para a sua punição, o direito commum.

E ainda ha poucos annos, no parlamento francez, Floquet poz o vigor da sua intelligencia ao serviço da defeza uma emenda ao projecto de lei d'imprensa, nosso momento em discussão, que tudo resumia n'este simples preceito: «Não ha delictos especiaes d'imprensa. Quem quer que usar da imprensa, os de qualquer outro meio de publicação, é responsavel nos termos do direito commum.»

N'esta ordem d'idéas, observa-se que os delictos commettidos por meio da imprensa são substancialmente identicos aos commettidos por meio da palavra ou do escripto: ha só differença no meio empregado, a tal differença não póde bastar para justificar o privilegio d'uma legislação especial. Porque ha de ser punido, conforme o codigo penal, quem divulga mil copias d'um manuscripto diffamatorio, e, conforme lei especial, quem pratica facto analogo por meio da imprensa? A liberdade d'imprensa ficará melhor garantida no direito commun, fóra das luctas politicas, que facilmente e poderão arrastar, já para arbitrarias repressões, já para excessos de licença; e, no codigo penal, encontrará ella garantidas outras liberdades politicas: a pessoal, o religiosa, a de exercicio dos direitos eleitoraes, etc.

Julgo, porém, inacceitavel tal doutrina. Em toda a sua extensão, a questão reduz-se, em theoria, a examinar se os delictos d'imprensa são delictos especiaes, se communs; na pratica, o decidir se devera fazer parte do codigo penal, d'uma lei que conjunctamente trate da abusos de liberdade da palavra e do escripto, ou d'uma lei exclusiva d'imprensa.

A conformidade da lei d'imprensa com os principios do direito commum representa, sem duvida, manifesto progresso: todavia, para que exista essa conformidade, não é preciso incluir os delictos d'imprensa nos artigos do codigo penal, - boato não lhes applicar uma regulamentação excepcional, mas sómente especial, respeitados sempre os principios juridicos fundamentaes que instruem a doutrina do respectivo codigo.

Regulamentação especial é, comtudo, a meu ver, indis-

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pensavel: em primeiro logar, a missão educadora da imprensa e a força de que ella dispõe dão aos delictos commettidos por tal meio um caracter particular: póde dizer-se afoitamente que o meio empregado imprime tal alcance ao acto e o torna apto para taes fins, que lhe dá, na verdade, uma natureza particular, pedindo assim disposições legaes dictadas tambem por particulares conceitos. E muitas vezes é até o abuso da publicidade que exclusivamente determina a definição do crime: assim, quando se prohibem o punem as noticias dos suicidios, dos attentados anarchistas, dos nomes dos jurados, etc., declaram se delictuosos actos que, praticados por outro meio, seriam perfeitamente inoffensivos; a natureza dos delictos d'imprensa, caracterisada pelo abuso da publicidade, sobresáe aqui em plena evidencia.

Depois, devendo ser a efficacia uma das condições das penas, bem podemos entender que aos debates d'imprensa devem corresponder penas especiaes, particularmente as multas e uma incapacidade de publicação por certo tempo.

Por ultimo, a regulamentação da imprensa constituo, na verdade, um toda organico, em que as disposições penaes hão de harmonisar-se com as administrativas e com as fórmas do processo; ora, se póde ter alguma unidade uma reforma comprehensiva de todas estas partes, não será facil encontrar essa imprescindivel qualidade em reformas parciaes e isoladas.

Distinguindo-se, pois, os delictos d'imprensa de todos os outros, por caracteres differenciaes, e constituindo a regulamentação da imprensa um todo organico, composto de disposições administrativas, penaes e de processo, nem deve a lei d'imprensa vir d'envolta com outra sobre a liberdade da palavra e escripta, nem formar um capitulo especial do codigo penal.

É, porém, tempo, sr. presidente, d'entrar na critica do projecto em discussão; vou, por conseguinte, examinar seguidamente as suas diversas disposições.

Com a phrase publicação graphica, que se encontra no § unico do artigo 1.°, abrange-se só o que é dirigido ao publico, mas tudo o que, com esse fim, emprega qualquer fórma graphica.

O caracter de publicidade resulta do facto do escripto poder pertencer a quem o queira adquirir, não do numero de pessoas a quem o escripto fôr distribuido; assim, serão excluidos do preceito legal: as etiquetas, os bilhetes de visita, as circulares, as listas, etc. É claro que, com taes escriptos, tambem se podem offender direitos, mas, para punir essas offensas, basta a legislação commum. Em face da expressão referida julgo, pois, excluidos da lei d'imprensa os impressos mencionados no § unico do artigo 8.°

Sendo, porém, assim, a que vem esse paragrapho? Serão taes impressos excluidos da lei d'imprensa, só pelo que respeita á formalidade da indicação do estabelecimento? De certo não; seria absurdo sujeitar o que calumnia alguem n'uma carta impressa, por exemplo, ao fôro especial da imprensa. N'estes termos, entendo que o § unico do artigo 8.° deve passar para um artigo geral em que se definam os limites da lei d'imprensa.

Por outro lado, julgo que o conceito expresso pela phrase alludida precisa de restricções.

Não devem, a meu ver, ser incluidos na lei d'imprensa as publicações musicaes, os emblemas, medalhas e productos similhantes da arte plastica, as publicações officiaes.

É certo que, por todos estes meios, podem ser offendidos direitos de terceiros; mas, não offerecendo n'elles o abuso de publicidade perigos iguaes aos que offerece na restante imprensa, basta para salvaguarda o direito commum.

Em face do artigo 1.° do projecto, do artigo 145.° § 3.° da carta, e do artigo 363.° do codigo civil, julgo desnecessario o preceito do artigo 2,° De facto, o artigo 1.º diz que o projecto vem regulamentar o direito d'expressão o pensamento pela imprensa, garantido pela carta e pelo codigo civil, e, declarando estes dois diplomas livre tal direito, é claro que a posterior regulamentação não póde deixar de respeitar essa liberdade. A expressa declaração de que o delinquente fica sujeito á respectiva responsabilidade civil e criminal é tambem desnecessaria, por ficar expressamente consignada nos artigos 3.° e 18.° § unico.

Se, entretanto, se quizer conservar a repetição, parece-me que, com economia de palavras, o que é sempre vantajoso n'uma lei, poderão os dois artigos ser reunidos no seguinte:

«O direito d'expressão do pensamento; pela imprensa, garantido na carta constitucional da monarchia e no codigo civil, será exercido de conformidade com as disposições da presente lei, e o que d'elle abusar em prejuizo da sociedade ou d'outrem ficará sujeito á respectiva responsabilidade civil e criminal.»

No artigo 3.° occupa-se o projecto da enumeração dos delictos d'imprensa, e a doutrina ahi exalada marca, sem duvida, um assignalado progresso sobre a estabelecida pelo decreto de 1890 (apoiadas).

O § 1.°, definindo a offensa, é complemento indispensavel dos artigos 159.°, 160.° e 169.° do codigo penal, que se referem a este crime, sem comtudo o definirem; procura-se, assim, precisar tal termo. Não é, de certo necessario justificar com largas considerações a regulamentação especial, referente às pessoas visadas no citado § 1.° Quem offende o rei offende tambem, e sobretudo, a nação que elle representa. E, por isso mesmo que o rei, no regimen constitucional, deve estar fóra das luctas politicas, consignou a carta o preceito do artigo 72.° e o 2.° acto addicional o do artigo 7.°, declarando-o inviolavel e irresponsavel: d'estes artigos é consequencia o preceito do projecto. Offensa é a palavra d'ordinario escolhida para designar estes delictos de lesa veneração: empregam-na a lei franceza (artigos 26.° e 36.°), a italiana (artigos 19.°, 20.º e 25.°), a austriaca (artigo 63.°), etc.: é um termo generico que se extende desde a diffamação até á injuria ligeira. O projecto em discussão, precisando-lhe o sentido, redu-la a tres categorias de actos: falta de respeito; excitação d'odio ou desprezo; censura por actos do governo.

Pela elevada e melindrosa posição do chefe d'estado, devem ser consideradas, em relação a elle, como offensivas, certas apreciações que, para com simples particulares, podiam passar desapercebidas: em face do direito publico d'uma monarchia constitucional, tudo deve concorrer para collocar o rei fóra de discussões.

O mesmo principio se extende aos membros da familia real, pois todas as criticas de que forem objecto hão de recair sobre o rei; e aos soberanos e chefes de nações estrangeiras, por uma natural deferencia d'alta valia, que muito poderá concorrer para a manutenção das boas relações diplomaticas.

É certo que a expressão falta de respeito, com que o projecto quer explicar o termo offensa, não é d'uma absoluta precisão: dependerá do julgador decidir, na pratica, se no escripto em questão ha ou não falta de respeito; de resto, a expressão offensa está, como disse, consagrada pela tradição, e explicada pela jurisprudencia internacional. Parece-me, pois, que se poderá reconhecer falta de respeito quando haja insinuações que, embora sob fórma apparentemente delicada, não deixem menos transparecer, no fundo, a perfidia que contêem, ou logo que as referencias se transformem em grosserias; tal julgo ser o limite entre o escripto legitimo e o offensivo.

Não se encontra no projecto disposição alguma relativa á salvaguarda dos segredos d'estado: parece-me, entretanto, indispensavel estabelecê-la.

Como se vê, esse preceito impõe-se por si mesmo. Uma unica difficuldade póde oppor-se-lhe: a de determinar o

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que sejam "segredos que postem comprometter a segurança ao estado."

Não é possivel definir a priori o que deva entender-se por segredo; depende isso essencialmente dos factos em questão, porque é da propria essencia dos delictos politicos poderem apenas ser definidos nas suas linhas geraes.

Igualmente é delicada a apreciação do alcance da revolução, para a poder declarar perigosa para a segurança do estado. Aqui, como em muitas outras materias, temos que confiar um pouco na prudencia do julgador: não confiâmos, porém, tambem n´ella, a proposito da offensa, da diffamação, da boa ou má fé, do caso fortuito e de força maior?

Sendo, todavia, impossivel a precisão, tudo se reduz a ver se uma rasão d´estado não vale o risco d´um certo poder discricionario. Sob pretexto do que é impossivel tal precioso, deverão pôr-se em cheque os mais preciosos interesses, a propria vida d´um estado ?

É omisso o projecto ácerca dos crimes de rebellião, incitamento e publicação de phrasos subversivas, expressamente previstos no decreto de 1890, e julgo o seu silencio harmonico com a boa doutrina (apoiados).

Na verdade é, em rigor, impossivel haver crimes d´imprensa nos casos dos artigos 170.° e 171.° do codigo penal: os artigos 170.º e 171.° n.º 1.° referem-se á tentativa, o que exige um começo d´execução; os n.°s 2.° e 3.° requerem que os que excitarem se devam considerar como auctores, e isto reclama que, sem a instigação, o crime não se tivesse commettido, o que será sempre impossivel de provar ácerca da influencia indirecta da imprensa; por ultimo, o n.º 4,° visa "os actos de violencia".

Em todo o caso, creio que a imprensa, a respeito de nenhuns dos factos referidos, offerece perigos serios, em circumstancias normaes; ora para perigos effectivos e que se fazem as leis penaes, e em circumstancias anormaes suspendam-se garantias. É claro que uma campanha prolongada contra certa ordem do factos póde provocar uma rebellião; que durante essa campanha póde apparecer um incitamento ou uma phrase subversiva: mas a campanha em si não ha meio de a evitar, senão supprimindo a propria imprensa; o incitamento ou a phrase subversiva que influencia directa podem ter? Se um grupo de revolucionarios quiser incitar os funccionarios do estado a não cumprirem os seus deveres, não é de certo á imprensa que recorre; a imprensa póde ter preparado o terreno, mas o incitamento perigoso não é o feito às claros: tal recurso, quando se lançar mão d´elle, representará simples manifestação do pensamento individual, censuravel porventura, mas inoffensivo no fundo.

Depois, é absurdo punir uma phrase subversiva, e deixar impune um longo artigo em que, sem expressões revolucionarias, se advoguem as idéas que essa phrase traduza. A menos que uma phrase seja injuriosa, não comprehendo qual possa ser o poder das palavras, abstrahindo as idéas (apoiados).

De resto, vê-se o que ha de vago nas palavras incitamento a que infrinjam as leis e phrases subversivas, empregadas pelo decreto de 1890; póde dizer-se, sem exagero, que, com preceitos de tal natureza, toda a liberdade d´imprensa fica á mercê do ministerio publico (apoiados). Para conhecer o arbitrio a que a expressão phrases subversiva se presta, basta ler a definição que d´ella procura dar Barbier, o mais auctorisado commentador da lei d´imprensa franceza: "historica e juridicamente, dia elle, grito sedicioso é o inspirado por espirito politico, o tendente a provocar a queda do governo, por ataques dirigidos contra a sua fórma, principio, ou contra a pessoa ou pessoas d´aquelles que representam a sua mais alta expressão."

Tambem o projecto não falla na falsificação d´escriptos; e parece-me igualmente desnecessaria a punição d´este facto, como delicto d´imprensa.

Acerescenta-lhe a publicidade algum novo elemento? Se accrescenta, sejamos consequentes, e punamos todas as noticias falsos, ou pelo menos as d´uma certa gravidade; não é rasoavel punir o facto d´attribuir falsamente certo escripto a certa pessoa, o deixar impunes outras noticias falsas, porventura bem mais graves (apoiados).

Mas a verdade é que, conforme a actual organisação da imprensa, não ha em rigor noticias falsas para a lei penal, porque as não ha perigosas: de facto, os jornaes da tarde encarregam-se do corrigir os da manhã, e vice-versa; passadas algumas horas, o effeito da falsidade é nenhum.

Por ultimo, considero ainda acceitavel o partido seguido pelo projecto, pondo de parte a reproducção descriptos que, em meu entender, carece d´um elemento essencial para poder ser considerada delicto d´imprensa, a publicidade. Não se torna publico o que já o é; a noticia reproduzida passa talvez a ser conhecida de maior numero de pessoas, mas tal numero não é criterio que possamos aproveitar para a punição, - de contrario, pedia a logica que se estabelecessem penas de gravidade proporcional ao numero de jornaes vendidos.

Acerca do § 3.° do artigo 4.° do projecto, offerece-se-me esta observação: se o notificado se recusar a fazer qualquer declaração, perda o queixoso o direito á acção penal? Isto é absurdo; é, entretanto, o que poderá deduzirão a contrario do disposto no paragrapho.

Parecia-mo, assim, preferivel a redacção do § 2.° do artigo 13.° da lei de 1866, que dizia:

"Seja qual for a declaração feita nos termos d´este artigo, ou na falta d´ella, fica salvo ao queixoso o direito á aceito penal."

A justificação da extensão dada pelo artigo 6.° ao artigo 408.° do codigo penal está na necessidade de facultar á imprensa uma fiscalisação desassombrada, comtanto que verdadeira, sobre os sociedades que tenham recorrido a subscripções publicas para a emissão d´acções ou obrigações, sociedades de tão vital interesse para a economia social.

A lei franceza vae mais longe que o projectei sujeitando a esta fiscalisação todas as emprezas que foçam appello publicamente á economia e ao credito, embora o não façam por intermedio da omissão d´acções ou d´obrigações.

No artigo 9.° impõe-se aos periodicos a obrigação de terem um editor, e enumeram-se as qualidades que n´este devem concorrer. Debaixo de tal ponto de vista, ha entre a proposta e o projecto uma diferença sensivel: aquella, alem dos requesitos n´este mencionados, exigia que o editor proposto estivesse inscripto na matriz da contribuição predial ou industrial.

O pensamento do ministro foi visivelmente rehabilitar o desacreditado editor, requerendo-lhe condições que assegurassem não ser elle um mero testa de ferro, já pelas garantias de situação que offerecia (§ 1.°), já por não fazer do cargo uma profissão ($ 2.°).

O mesmo proposito animou a commissão, ao acolher a disposição da proposta, segundo a qual ninguem póde ser simultaneamente editor de mais d´um periodico politico.

Não me parece, comtudo, que o alvitre adoptado pelo governo, ou o approvado pela commissão, satisfaçam, o fim visado: que garantias reaes offerece um individuo nas condições do artigo 9.°? Não se encontrarão, entre elles, dezenas dispostos a desempenhar o vergonhoso papel de figurantes?

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Melhor me parecia, pois, pôr de lado a instituição, já desacreditada pela pratica. Reservar-me-hei, porém, para sobre este assumpto fazer mais largas considerações, a proposito da determinação dos agentes do crime.

No artigo 16.° da proposta, exigia-se que a cada uma das bibliotecas de Lisboa, Porto e Coimbra fosse enviado um exemplar das diversas publicações. Entendeu, porém, a illustre commissão parlamentar que tal encargo devia ser dispensado. Ao contrario, julgo eu que, com ligeiro onus para os editores, representava esse expediente um meio de grande alcance para o enriquecimento das collecções nacionaes, que o aperto dos orçamentos tão pobres torna; não receiou a lei franceza impôr tal obrigação, e, no emtanto, o movimento litterario da França nem sequer póde comparar-se com o nosso.

Procurando determinar os agentes dos delictos d´imprensa, estabelece o projecto no artigo 17.° que se considerem taes: 1.° o editor e o auctor; 2.° todos os que porventura tenham sido agentes segundo as regras do direito commum; 3.° na falta d´editor, o dono ou administrador da typographia.

Segue, assim, o projecto, ao mesmo tempo, o systema da responsabilidade cumulativa, emquanto declara responsaveis o editor, o auctor, e eventualmente todos os que devam considerar-se agentes, segundo o direito commum, e o systema da responsabilidade successiva, emquanto, na falta d´editor, o substitue pelo dono ou administrador da typographia.

Não entendo, todavia, que a projectada determinação legal dos agentes fique conforme á realidade dos factos.

O projecto começa por incriminar o editor, e, pelo logar em que o colloca, parece até considerá-lo o principal agente do delicto: de contrario, muito mais natural seria dizer, em vez de editor e auctor, auctor e editor, pois, ao mesmo chronologicamente, a intervenção d´aquelle no delicio é anterior á d´este.

Tal partido, e, de uma maneira geral, a imputabilidade do editor, funda-se na doutrina consagrada n´esta formula tradicional: " em materia de delicto d´imprensa ou de palavra, é a publicidade que faz o delicto".

Ha aqui manifestamente alguma cousa de verdade, mas eu desconfio sempre do absolutismo das formulas que pretendem resumir em duas palavras uma questão complexa.

É indiscutivel que o pensamento, emquanto não se manifesta exteriormente, fica fóra da alçada do direito positivo; é ainda indubitavel que a palavra e o escripto, limitados a um circulo meramente particular, escapam, em regra, á sancção da lei penal; é, como consequencia d´estas premissas, resulta que é a publicidade que caracterisa d´uma maneira categorica a intenção dolosa e o damno social, factos d´onde ha de derivar-se o direito de punir.

Mas de ser a publicidade uma condição necessaria do delicto não póde concluir-se que constitua a essencial d´elle.

A culpabilidade está essencialmente no escripto; a publicação é um simples facto externo, embora depende d´elle a panibilidade; o escripto não é o instrumento, é o proprio corpo do delicto, sem o qual a publicidade é incomprehensivel.

Isto basta para, a meu ver, collocar desde já em primeiro logar, ao menos debaixo do ponto de vista moral, o escriptor.

E, que estas conclusões doutrinarias correspondem á realidade das cousas, está no animo de toda a gente: todos attribuem espontaneamente ao escriptor o valor do escripto, o merito ou demerito das suas consequencias. Em França, o proprio relator do projecto, que depois veiu a transformar-se na lei de 29 de julho de 1881, adversario, entretanto, da doutrina que eu tenho por verdadeira, viu-se obrigado a escrever no seu relatorio: "a responsabilidade moral cáe inteiramente sobre o escriptor, todo o mundo o sento"; e acrescenta depois: "mas debaixo do ponto de vista dos principios da legislação, as cousas mudam d´aspecto". Extraordinarios principios, serão esses, que vão imputar quem fica moralmente illeso!

Diz-se, porém: mesmo que no escripto esteja a essencia do delicio, o editor, satisfazendo uma condição essencial para a sua perpetração, toma parte directa na execução, e fica assim comprehendido no artigo 20.° n.° 1.° do codigo penal.

Vejâmos até que ponto é verdadeira está affirmação, e até que ponto é logico punir, em nome d´ella, apenas o editor.

Para que qualquer pessoa possa ser considerada agente d´um crime, é preciso que haja voluntariedade e intencionalidade na acção, salvo os casos especiaes da punição da negligencia; n´estes termos, o editor nunca póde ser visado pelo n.° 1.° do artigo 20.° do codigo penal.

O editor, quando a sua profissão representa a realidade das cousas, é um simples industrial, que procura tirar lucro das suas edições; a probabilidade de tal lucro avalia-a pelo nome do auctor, ou quando muito pelo assumpto tratado, mas não faz a edição com intenção de commetter um delicto: só quem nunca tiver tido occasião de tratar d´este genero de negocios póde ignorar que o editor não lê sequer a obra, - quantas vezes compra elle uma obra sem estar ainda escripta? - e que, na maioria dos casos, quando mesmo a queira ler, carece de criterio para a apreciar; de resto, a vida inteira d´um homem seria insuficiente para a leitura rapida das obras que algumas grandes casas editoras têem publicado!

Não se lhe póde, pois, attribuir responsabilidade moral, e, sem esta, a legal será sempre uma ficção: a responsabilidade não se impõe, constata-se. O editor publica, mas publica materialmente; quem publica intencionalmente é o auctor, exceptuado o caso, regido por outra ordem de principios, da publicação ser feita sem se sua auctorisação.

Se, porém, a lei quer entrar n´um caminho errado, entre embora, mas seja, ao monos, coherente. Para que o pensamento seja publicado, são precisas tres ordens de factos distinctos: a redacção, a impressão e a publicidade; em cada uma d´ellas, intervêem, d´ordinario, pessoas tambem distinctas: o auctor, o impressor, o editor, os distribuidores, os livreiros, etc. Se se pune o editor, por tomar parte directa na execução, visto dar publicidade ao delicto, punam-se tambem os typographos, distribuidores, livreiros, etc., que tomam uma parte analega na execução, e promovem igualmente essa publicidade. - tão verdade, isto é, que a acção criminal não será até julgada procedente sem a distribuição a mais do seis pessoas, affixação, exposição ou venda da publicação incriminada. O absurdo da logica bem mostra o absurdo do principio.

Depois, a imputabilidade do editor traz como consequencia a censura por elle exercida; só até hoje tal não tem succedido, é porque os editores não têem feito caso do preceito que lhes imputa a responsabilidade, - de contrario, torna-se inevitavel a censura: ou o editor é um censor ou uma mentira. Em todo o caso, o systema do projecto deixará frequentemente escapar á acção penal o mais criminoso, porque o editor, transformado em testa de ferro, ainda por cima assumirá a responsabilidade do auctor, - a sua dignidade já não terá mais a perder, e a sua bolsa terá mau a ganhar.

E permitta-me a camara que eu feche este exame da instituição do editor, lendo-lhe o que a, tal respeito escreveu o sr. Trindade Coelho. Pela illustração do auctor e pela sua pratica profissional, estas palavras não podem deixar de calar no animo de quem as ouve :

"Em principio, diz o distincto escriptor, eu sou contra o editor, porque o reputo, alem d´uma inutilidade, uma immoralidade. Tal como hoje existe é editor, em geral, não passa de um mercenario analphabeto, alugado, como

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uma cousa, para o repugnante papel d´ir para a cadeia. Esta é a verdade da factos; e a experiencia quotidiana d´alguns annos tem-me demonstrado, que não só o mesmo homem é editor de muitos jornaes, e que esse mister, portanto, passou a ser um modo de vida, mas, o que é peior, que esse homem é recrutado, em regra, ou entre os ingenuos e dependentes, que acceitam essa qualidade por mero obsequio ou subserviencias, sem lhe medirem ou comprehenderem sequer o alcance e a responsabilidade, ou entre homens sem respeitabilidade e sem caracter, aos quaes, por uma perversão do senso moral, que os torna verdadeiramente inferiores, não se lhes dá, - por dinheiro, alugando se, e alugando a sua liberdade, como se fôra um animal de carga, - irem para a cadeia durante dias, durante mezes, e até, se a felicidade os protege, durante annos.

"E digo se a felicidade os protege, porque sendo aquelle o seu modo de vida, e o seu ganha-pão, consisto precisamente em serem condemnados muitas vezes, e em o serem a penas demoradas, o lucro da sua industria, e, portanto, embora na cadeia, o seu bem estar!

"D´um já eu recebi o pedido, na minha qualidade de representante do ministerio publico ante o segundo districto criminal de Lisboa, com a fiscalisação obrigatoria de quasi toda a imprensa da capital, - de lhe aggravar, quanto possivel, a situação, solicitando-m´o, note-se, como uma esmola, em nome da mulher e dos filhos!"

A parte do artigo 17.° do projecto, em que se consigna a responsabilidade successiva do editor para o dono ou administrador da typographia, tambem me parece inacceitavel. O dono da typographia, haja editor ou não, pratica sempre os meamos factos: conseguintemente, ou é sempre agente ou não é nunca.

Por que ha de ser responsavel o dono da typographia que imprime por conta do auctor, e não o que o faz por conta do editor?

Quererá a responsabilidade do administrador ter só o fim pratico de tornar conhecido o editor? Imponha-se-lhe então a obrigação de declarar o nome d´este, e estabeleça-se, como sancção a esse dever, a pena de contravenção: é isto o que está d´harmonia com a natureza das cousas.

Observar-me-hão que, na falta d´editor, é justo suppor tal o administrador da typographia? Responderei que, mesmo como presumpção, a doutrina é inacceitavel, pois todos sabem que, na pratica, quando não ha um editor especial, a edição é, d´ordinario, feita pelo auctor e não pelo impressor; considerá-lo, porém, agente do crime, só por elle não saber indicar os agentes legaes, afigura-se-me absurdo.

"Digam-me, antes de mais nada, advertia o sr. Baptista de Sousa na discussão do decreto de 18190, se parte ser consistente uma doutrina que admitte ou cria supplentes ou substitutos de criminosos, como se se tratasse de cargos, como vereadores ou jurados?! Digam-me se não é por os delictos serem exclusivamente actos pessoaes que a constituição determina, entre as garantias dos direitos civis e politicos, que a pena nunca passará da pessoa do delinquente?"

Quaes são, porém, as pessoas que devem ser consideradas como os verdadeiros responsaveis pelos delictos d´imprensa, postos do lado o editor e o dono da typographia?

Entendo que, em primeiro logar, é necessario distinguir a imprensa ordinaria da periodica. Esta distincção provém da propria natureza das cousas: a imprensa periodica, ao contrario da ordinaria, é obra essencialmente collectiva, que não póde subsistir sem uma direcção e uma representação que dêem unidade a esse conjuncto.

Relativamente á imprensa ordinaria, é o que fica dito sufficiente para justificar a imposição da responsabilidade principal ao auctor do escripto. A elle lhe attribue a consciencia universal o merito ou de merito da obra: todos os outros, pelo caracter das suas funcções têem apenas intervenção material, resultante simplesmente do desenvolvimento da sociabilidade humana, que faz com que a acção d´um só individuo seja quasi sempre ineficaz. Exceptuam-se, é claro, os casos em que essas pessoas se tenham tornado agentes segundo as regras do direito commum, mas então a sua culpabilidade resulta do papel que assumem, não das suas funcções profissionaes.

Sendo, porém, assim, a lei deve munir-se dos meios adequados para o conhecimento do auctor: a essa prova deve ser obrigado o editor ou o dono da typographia, mediante uma pena de contravenção e respectiva responsabilidade civil. D´este modo, não se desconhece ao editor e ao typographo o caracter d´industriaes: imputa-se-lhes apenas responsabilidade pela sua verdadeira culpa, qual é a de não se terem acautelado devidamente, para fornecerem aos tribunaes o nome do agente imputavel, o a de terem, por esse motivo, causado um damno ao offendido.

Por outro lado, ao contrario do que succede pelo projecto, os editores, não sendo co-auctores, terão interesse em declarar o nome do verdadeiro auctor, porque declinarão assim a sua responsabilidade.

Do resto, os deveres impostos ao editor e ao dono da typographia podem ser perfeitamente desempenhados por elles, pois são elles quem trata directamente com os auctores, sem intervenção de qualquer intermediario.

Na imprensa periodica, porém, apparece-nos um elemento novo: o director. A este póde impor-se uma verdadeira responsabilidade, por todos os artigos publicados no jornal, pois, pelo seu proprio cargo, deve ter conhecimento do que ao publica, e competencia para o apreciar.

Não é isto uma ficção: apesar da lei portugueza não reconhecer essa instituição, todos sabem que entre noa não ha jornal que não tenha director, e, em regra, todo o mundo o conhece.

A posição modesta d´editor não é cobiçada por ninguem; a situação do director d´um jornal, pela sua proeminencia, dá honra a quem a desfructa, e quasi todos gostam de tornar conhecido do publico o que satisfaz a vaidade propria, - não é assim tanto para temer que o director se encubra, sob o nome emprestado d´um testa de ferro.

Por outro lado, o facil conhecimento que na imprensa ordinaria o editor e typographo podem ter do auctor, não o podem já ter na imprensa periodica, em que o auctor se dirige directamente ao director: é, pois, necessario isentá-los aqui de todos os encargos e correlativas responsabilidades, sempre exceptuado o caso de poderem ser classificados como agentes, segundo as regras do direito commum.

Resalvo, entretanto, o director da referida imputabilidade, quando a publicação tiver tido logar por sua negligencia. Isto, á primeira vista, parece uma anomalia, pois a diligencia é sempre mais louvavel que a negligencia; mas, por um lado, a diligencia aqui foi para querer um delicto, o que logo a torna peior que a negligencia; por outro lado, todos sabem que, na pressa com que se faz um jornal, bem póde escapar á critica do director algum artigo. Mesmo n´este caso o colloco, porém, na obrigação de declarar o auctor, pois ser-lhe-ha sempre facil proceder a tal averiguação no corpo da redacção; se o não fizer, póde dizer-se, tanto quanto moralmente é permittido fazer uma affirmação, que ha da sua parte auctoria ou fraude.

Em conclusão, proponho a eliminação do editor, e, para a imprensa periodica, o reconhecimento do director do jornal.

Acabo assim de vez com uma instituição já desacreditada; a novo, ao menos, será uma experiencia. E não estará tão facilmente sujeita a fraudes, não só porque ao corpo do redacção não ha de ser agradavel a sujeição.

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embora nominal, á direcção d´um individuo sem auctoridade, mas ainda porque as proprias funcções de director exigem competencia facil de determinar na pratica, ao passo que tal não succede com as d´editor.

omo ouço dar a hora, peço a v. exa. sr. presidente, o favor de me reservar a palavra para a proxima sessão.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Como ámanhã ha assignatura regia, e na sexta feira funcciona a camara dos dignos pares, a primeira sessão é no sabbado, e a ordem do dia é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Documentos mandados para a mesa n´esta sessão.

Propostas de lei apresentadas pelo sr. ministro da guerra

Proposta de lei n.° 12-C

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado no anno de 1898 em 16:700 recrutas, sendo 15:000 destinados ao serviço activo do exercito, 200 á armada, 500 às guardas municipaes e 1:000 á guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 1:500 recrutas para as guardas municipaes e fiscal será previamente encorporado no exercito, sendo transferidos para as referidas guardas até ao numero necessario para preencher aquelle contingente as praças que se acharem nas condições exigidas para aquelles serviços, preferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d´estado dos negocios da guerra, em 9 de março de 1898. = José Luciano de Castro = Frederico Ressano Garcia = Francisco Maria da Cunha = Francisco Felisberto Dias Costa.

Proposta de lei n.º 12-D

Artigo 1.° A força do exercito em pé de é fixada praças de
no anno economico de 1898-1899 em pret de todas as armas.

§ unico. Será licenciada, nos termos da legislação em vigor, toda a força que poder ser dispensada sem prejuizo do serviço e da instrucção militar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d´estado dos negocios da guerra, em 9 de março de 1898.= Francisco Maria da Cunha.

Justificação de feitas

Participo a v. exa. e á camara que por motivo justificado tenho faltado a algumas sessões. = O deputado, Jacinto Simões Ferreira da Cunha.

Para a secretaria.

O redactor = Lopes Vieira.

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