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N.º 29

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, os Srs. Almeida Dias e Marianno Prezado mandam para a mesa pareceres de commissões. - Não é reconhecida a urgencia de um assumpto de que o Sr. Carlos Ferreira se quer occupar. - O Sr. Antonio Cabral realiza o seu aviso previo acêrca de isenções de recrutas, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Guerra.- Os Srs. Tavares c Francisco Machado requerem varios documentos. - O Sr. Conde de Castro e Solla apresenta um parecer e o Sr. Santa Rita um projecto de lei - equiparação dos vencimentos d s amanuenses do Instituto Industrial e Commercial de Lisboa aos empregados da mesma, categoria da Escola Polytechnica e Instituto de Agronomia. - Os Srs. Costa Pinto e Francisco Machado declaram haver lançado na caixa respectiva requerimentos de interesse individual. - O Sr. Antonio Centeno annuncia um aviso previo ao Sr. Ministro do Reino.

Na ordem do dia prosegue a discussão do projecto de lei n.° 12 (Orçamento Geral do Estado para o anno de 1902-1903), usando da palavra os Srs Fratel e Luiz José Dias. - Justifica as suas faltas ás sessões o Sr. Frederico Ramirez.

Abertura da sessão - As 3 horas e 1 quarto da tarde.

Presentes - 57 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo. Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Dias, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco José de Medeiros, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Matheus dos Santos, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, Julio Ernesto de Lima Duque, Julio Maria de Andrade e Sousa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio e Matheus Teixeira de Azevedo.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alvaro de Sousa Rego, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Roque da Silveira, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Penha Garcia, Fernando Mattozo Santos; Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Paulo de Barros Pinto Osorio e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Alberto Botelho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Boavida, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Carlos Malheiros Dias, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Eduardo Burnay, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, João Monteiro Vieira de Castro, João de Sousa Tavares, José Caetano de Sousa e Lacerda, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Reriz, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

O Sr. Almeida Dias: - Por parte da commissão do ultramar mando para a mesa o parecer das commissões reunidas do ultramar e saude publica, instrucção especial

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e de fazenda, sobre as emendas ao projecto n.° 10, que tem por fim criar um hospital colonial e o ensino do medicina especial dos climas tropicaes.

foi a imprimir.

O Sr. Marianno Prezado: - Por parte da comissão de guerra mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei, garantindo ao general de brigada Justino Teixeira o direito á reforma por equiparação.

foi a imprimir.

O Sr. Carlos Ferreira: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado a vir á mesa declarar o assumpto do negocio urgente.

O Sr. Carlos Ferreira: - Mando-o para a mesa por escrito.

O Sr. Presidente: - Não tendo a mesa concordado com a urgencia do assumpto de que o Sr. Carlos Ferreira deseja occupar-se, vou mandar ler a nota apresentada pelo Sr. Deputado, para que a Camara resolva.

" Em vista da portaria hoje publicada no Diario do Governo, pelo Sr. Ministro da Fazenda, a respeito da questão dos operarios da Fabrica Real da Marinha Grande, e não se tendo ainda realizado a interpellação que annunciei ao Sr. Ministro, desejo com urgencia tratar d'este assumpto, que alem de tudo affecta os interesses do Estado, dos operarios e tambem a ordem publica. = Carlos Ferreira".

Não foi considerada urgente.

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao Sr. Antonio Cabral para realizar as perguntas do seu aviso previo apresentado na sessão de 15 de janeiro ao Sr. Ministro da Guerra, sobre o procedimento da junta regimental de inspecção em Angra do Heroismo nos mezes de agosto, setembro e novembro de 1901.

O Sr. Antonio Cabral: - Antes de entrar propriamente na materia do aviso previo que tive a honra de mandar para a mesa, permitta-me V. Exa., Sr. Presidente que eu, em duas palavras, me refira a um assumpto para o qual, ha dois meses, venho pedindo a palavra a V. Exa. sem nunca me ter chegado, em virtude da maneira como tem sido interpretado pela maioria o Regimento d'esta Camara.

Quero chamar a attenção do Governo para um assumpto que considero de altissima importancia para o circulo que tenho a honra de representar nesta Camara: o circulo de Angra do Heroismo.

É a ampliação do caes do Porto das Pipas d'aquella cidade.

A cidade de Angra do Heroismo, pelo muito que vale, pelas Duas nobres tradições e pela sua altissima importancia, merece toda a consideração por parte do Governo, e a ampliação do caes do Porto das Pipas é de tal vantagem para aquelle porto da Ilha Terceira, que eu atrevo-me a esperar que o Governo tomará em consideração o meu pedido, pedido que lhe foi tambem feito numa representação da Associação Commercial d'aquella cidade, do que tenho copia e que não leio, para não causar a attenção da Camara.

Um outro pedido desejo fazer ao Governo: é que tome em consideração ao instancias que, repetidas vezes, teem sido feitas para que seja concedida uma pensão a um menor, filho do medico Sousa Proença, que morreu, victima da peste, na India.

Eu já tive a honra, ha dois annos, de pedir ao Governo, que então representava no poder o meu partido, a sua attenção para este assumpto, e o Ministro da Marinha de então, o Sr. Eduardo Villaça, se bem estou lembrado, chegou a trazer á Camara uma proposta de lei nesse sentido.

Hoje peço a algum dos Srs. Ministros presentes a fineza de chamar a attenção do Sr. Ministro da Marinha para este assumpto, de forma que áquella criança, que se encontra na miseria, se dê uma pequena pensão, porque isso me parece e é de toda a justiça.

Agora vou entrar propriamente na materia do aviso previo que dirigi ao Sr. Ministro da Guerra, sobre o procedimento da junta regimental de inspecção de Angra ao Heroismo, que, pela maneira como procedeu no mês de outubro do anno findo, merece, a meu ver, a reprovação de toda a gente que encare a serio os negocios publicos.

Antes, porem, de mais nada, devo fazer uma declaração, que é a seguinte.:

Eu não quero mal algum ao Sr. Ministro da Guerra.

Pessoalmente, desejo mesmo a S. Exa. todas as prosperidades e todas as venturas, mas, politicamente, considero-o o Ministro mais pernicioso e mais incompetente que tem sobraçado a pasta da Guerra.

Eu já aggredi S. Exa. violentamente na imprensa, e não me arrependo de o ter feito; aggredi-o pela campanha irritante que S. Exa. fez e promoveu contra o Ministro da Guerra de então, o Sr. Sebastião Telles, que é uma gloria do partido progressista e um ornamento do nosso exercito. (Apoiados).

Não me arrependo, repito, da maneira como aggredi o Sr. Ministro da Guerra na imprensa, e digo mais, estou resolvido a repetir essa aggressão, se S. Exa. voltar novamente a combater, pela maneira que o fez então, qualquer Ministro do meu partido, seja elle o Sr. Sebastião Telles ou qualquer outro.

Em tudo quanto vou dizer não veja, portanto, o Sr. Ministro da Guerra qualquer má vontade pessoal contra S. Exa., que a não tenho, mas, politicamente, repito o que disse, que o considero o Ministro mais pernicioso o mais incompetente que tem sobraçado a pasta da Guerra, porque, apesar da aureola de disciplinador em que S. Exa. se quer envolver, eu não conheço Ministro que maior mal tenha feito ao nosso valoroso exercito do que o Sr. Conselheiro Pimentel Pinto.

Sr. Presidente: ninguem pode estranhar que, estando no poder o partido regenerador, se pratique toda a casta de escendalos e immoralidades, que o país tem presenciado attonito, e que esta Camara tem ouvido narrar aqui, nos discursos proferidos pelos mais illustres oradores da opposição.

Como V. Exa. sabe, a corrupção e o favoritismo teem sido os processos adoptados dia a dia por este Governo e em especial pelo Sr. Presidente do Conselho.

A esses processos vou eu referir-me, narrando o que se passou em Angra do Heroismo com as isenções dos mancebos recenseados para o serviço militar, pondo-se assim os negocios militares ao serviço da galopinagem eleitoral.

Eu nada tenho com o procedimento do governador civil de Angra, como nada tenho com o do commandante militar dos Açores, nem com o de commandante do regimento de infantaria n.° 25: a quem tenho de pedir a responsabilidade do que se praticou, é ao Sr. Ministro da Guerra, porque S. Exa. não só consentiu o que se fez, mas deixou de castigar os que tinham delinquido.

Vou narrar, em duas palavras, os factos, para que toda a Camara tenha conhecimento d'estas vergonhas que se desenrolaram em Angra, antes de se realizarem as ultimas eleições municipaes.

O Governo, Sr. Presidente, via mal paradas as eleições municipaes.

Os concelhos de que se compõe a Ilha Terceira resistiam, por todas as formas e com a mais louvavel firmeza, ás veniagas e violencias que os agentes governamentaes exerciam sobre os eleitores d'esses concelhos para vencerem as eleições.

Apesar da viagem triumphante aos Açores, feita pelo Sr. Hintze Ribeiro, que até teve lapide commemorativa

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e não sei que mais, apesar de tudo isso, os dois concelhos da Terceira mostravam-se adversos á politica governamental e votavam o maior desprezo á maneira por que os agentes assalariados pelo Governo naquella ilha, queriam levar os eleitores a darem os seus votos ás listas regeneradoras.

Chamou então o Sr. Hintze Ribeiro, em seu auxilio, o seu collega da pasta da Guerra e disse-lhe que era necessario que as juntas regimentaes ou districtaes, emfim as juntas de inspecção que funccionam naquella ilha, se pusessem ao serviço dos agentes governamentaes, de forma a vencer assim o Governo as eleições municipaes d'quelles concelhos.

O Sr. Pimentel Pinto, que já se tinha tornado o heroe sublime e glorioso de Trajonce e Alcoitão, quis immortalizar de vez a sua gerencia com as vergonhas de Angra do Heroismo!...

Em Trajouce e Alcoitão, os pobres soldados, victimas infelizes da infinita vaidade do Sr. Pimentel Pinto, revolviam-se na lama, emquanto o Sr. Ministro da Guerra, bem comido e bem dormido, repousava em um dos melhores hoteis de Cintra.

Devem ter amaldiçoado o seu chefe supremo.

Pelo contrario, em Angra do Heroismo, os mancebos que foram á janta, deviam ter abençoado o nome de S. Exa., porque os mandou isentar a todos. É verdade que S. Exa. annullou depois as inspecções feitas pela junta regimental, desfazendo assim os sonhos de ventura dos 133 mancebos isentos; mas, no periodo eleitoral, foi para elles um anjo salvador, pois não teve duvida em os mandar isentar, sem excepção de um só!

É que S. Exa. via mal parados os negocios eleitoraes.

Como a junta districtal de inspecção e o respectivo medico se não prestavam ao que os agentes do Governo queriam, que era isentar todos os mancebos que se apresentavam á inspecção, lançou-se mão do seguinte estratagema: os mancebos apresentavam-se á junta districtal com attestados medicos que os declaravam doentes, para assim não serem inspeccionados por aquella junta, que não se sujeitava ás imposições do Governo ou dos seus agentes, e chegou o descaramento a tal ponto que alguns dos mancebos, muitos até, que tinham de ser inspeccionados, eram os proprios portadores d'esses attestados de doença!

Disse-se então que houve em Angra uma epidemia qualquer.

Eu posso asseverar a V. Exa. e á Camara que não existiu epidemia alguma, assim como posso affirmar que os mancebos eram os proprios portadores dos attestados de doença, com que assim justificavam a sua falta á junta districtal de inspecção.

Acabado o serviço d'esta junta districtal, em Angra, partiu esta, em 10 de outubro, para a Ilha de S. Jorge, ficando na Ilha Terceira o medico respectivo, com 15 dias de licença. Mas, acabando-se essa licença e querendo elle seguir para o exercicio das suas funcções, foi d'aqui, de Lisboa, ordem telegraphica para que elle continuasse gozando mais uma licença de 30 dias, licença que effectivamente continuou a gozar, e nomeou-se, por consequencia, um medico civil ad hoc, para fazer o serviço do regimento.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, até onde se foi!

Concedeu-se licença a um medico vogal da junta que estava funccionando regularmente, na epoca respectiva, unica e simplesmente para nomear um medico civil que se prestasse a tudo quanto os agentes do Governo quisessem!

Isto só se passa com este Governo, quando é Presidente do Conselho o Sr. Hintze Ribeiro (Apoiados), e Ministro da Guerra o Sr. Pimentel Pinto! (Apoiados).

Depois, sophismou se o preceito legal que determina que, emquanto no districto de recrutamento o reserva funccione a junta districtal, não pode funccionar a junta regimental.

Como se sophismou este preceito legal?

Allegando-se que o districto era o administrativo e não o de recrutamento e reserva!

Como no districto de Angra estava funccionando a junta districtal, e a junta regimental não podia funccionar ao mesmo tempo, logo que a junta districtal passou para o districto administrativo da Horta, começou a funccionar em Angra a junta regimental, com o tal medico nomeado ad hoc, isentando todos os recrutas que appareceram para serem inspeccionados!

Já V. Exa. vê a illegalidade que d'aqui resultou: funccionaram conjuntamente duas juntas, a junta districtal e a junta regimental, no mesmo districto de recrutamento e reserva, mas com o sophisma de a junta districtal ter passado para outro districto administrativo! Custa a acreditar, mas é a pura verdade.

Começou, pois, a funccionar em Angra a junta regimental.

A maneira como ella funccionou di-lo a lista que tenho presente.

Todos os mancebos inspeccionados pela junta foram isentos; 133 recrutas apresentaram-se á junta regimental e todos, absolutamente todos, foram isentos! Prova o este documento official que me foi enviado pelo Sr. Ministro da Guerra.

Nem um só recruta deixou de ter um defeito physico que o isentasse do serviço militar! {Apoiados).

Ora, Sr. Presidente, para se fazer isto recorreu-se a todos os estratagemas, e até de alguns mancebos, quando não tinham defeito por onde lhes pegassem, dizia-se que tinham lesão valvular, e com as taes lesões valvulares saíam livres do serviço militar! De outros allegava-se que tinham os dedos dos pés em martello!

E com estas manobras e martelladas isentaram-se todos os mancebos que foram inspeccionados.

D'esta forma, o Governo conseguiu vencer as eleições.

Mas, perguntará V. Exa.: " Como?"

Vou dizê-lo.

É que os agentes do Governo impunham aos recrutas, que tivessem de ser inspeccionados pela junta, a obrigação de arranjar seis votos. Se arranjassem seis votos, eram isentos; não os arranjando, eram ameaçados com serem apurados para o serviço militar.

Claro é que todos conseguiram obter os seis votos exigidos.

Ora, multiplicando 133, o numero de mancebos, por 6, dá 798 votos.

Por esta maneira o Governo arranjou uma enorme votação, e com as suas habilidades politicas e a junta regimental a seu favor, conseguiu que os progressistas não pudessem ir á urna, em virtude do desfalque que soffreram nos seus votos.

De modo que o Governo, por esta forma indigna e illegal, pôde roubar as eleições municipaes ao partido progressista, que as tinha garantidas, pela sua superior votação, nos dois concelhos da Ilha Terceira.

Note V. Exa. e note a Camara, que o Governo e as auctoridades não podiam allegar a ignorancia dos factos, dos escandalos que se estavam para praticar na junta regimental, porque a 2 de setembro, muito antes da junta começar a funccionar, já o Angrense dizia o seguinte.

(Leu).

Isto escrevia-se a 2 de setembro; portanto já se sabia que estava projectado este escandalo.

Começou a burla das inspecções em 14 ou 15 de outubro, e no dia 24 do mesmo mês affirmava o mesmo jornal:

(Leu).

Portanto, o Governo e as auctoridades não podiam ter desconhecimento dos escandalos que a junta regimental estava praticando.

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Chegou o descaramento a tal ponto, que da freguezia de Altares vieram 14 mancebos, na idéa de serem inspeccionados. Ao chegarem a Angra, adoeceram todos, e alguns foram os proprios portadores dos attestados de doença.

Houve um rapaz que queria ser apurado, porque sabia ler e escrever e portanto queria seguir a vida militar. Pois até esse foi isento tambem!

Reclamaram logo os mancebos prejudicados, que eram aquelles que tinham sido inspeccionados pela junta districtal, e sabe V. Exa. o que succedeu? Foram ameaçados de que gastariam quantias enormes, sem nada conseguirem, porque se dizia que tudo aquillo que a junta estava fazendo era por ordem do Governo.

Foi assim, por estes meios indignos, que o Governo conseguiu vencer em Angra as eleições municipaes; foi por estes processos de corrupção, por estes processos de verdadeira compra.

Eu já sei que o Sr. Ministro da Guerra me vae dizer que tudo se foz sem seu conhecimento, e que portanto nenhuma responsabilidade tem do que fez a junta. Pois vou provar á Camara que o Sr. Ministro da Guerra era conhecedor do escandalo, e que tudo quanto se fez foi por sua ordem.

Pelo regulamento de 6 do agosto de 1896, V. Exa. sabe, Sr. Presidente, que aos mancebos recenseados eram entregues, em duplicado, as guias modelo n.° 11, ficando elles com um d'esses duplicados, e sendo o outro enviado á junta districtal, a que tinham de se apresentar.

Ora deu-se isto com os 133 mancebos, que receberam da respectiva commissão de recenseamento os duplicados d'essas guias com que tinham de se apresentar á junta districtal; mas esta, quando passou da Ilha Terceira para S. Jorge, levou todas as guias que lhe tinham sido remettidas pela commissão de recenseamento e que diziam respeito aos mancebos que não tinham sido inspeccionados por terem apresentado attestado de doença.

E por que se fez isto? Porque, sendo a sede do districto do recrutamento e reserva na Horta, era ali que deviam estar essas guias.

Mas, alem d'isso, não eram precisas as guias em Angra, porque, emquanto funccionasse a junta districtal, não podia funccionar a junta regimental.

Portanto, o presidente da junta districtal levou as guias d'aquelles mancebos.

Havia, pois, esta difficuldade insuperavel para poder funccionar a junta regimental que os agentes do Governo em Angra inventaram e que o Governo queria que funccionasse.

Como havia de funccionar essa junta sem ter aquellas guias?

Pediram-se então para S. Jorge, ao presidente da junta districtal, os duplicados das guias, mas elle respondeu que não os podia mandar sem ordem superior, porque, sendo a sede do districto de recrutamento e reserva na Horta, lá é que deviam estar as guias. Como se havia de vencer esta difficuldade?

Era um embaraço temeroso, este, para os agentes do Governo, que não podiam assim fazer inspeccionar os 133 mancebos!

Então o que se fez?

Aproveitou se a estada da canhoneira Sado em Angra, e mandou-se, por ordem do commandante militar dos Açores, a S. Jorge, a fim de que o presidente da junta districtal remettesse, por esse navio de guerra, os duplicados das guias para Angra.

Note V. Exa., Sr. Presidente: um navio de guerra posto ao serviço da galopinagem do Governo!

Faz-se descer a nossa valente marinha, os nossos officiaes da armada e os vasos de guerra a esta vergonha, de irem buscar duplicados das guias dos mancebos que se queria isentar do serviço do exercito, para assim se vencerem as eleições, que estavam legalmente vencidas pelo partido opposicionista!

Um navio de guerra não sae de forma alguma do porto em que se encontra sem ordem superior, e o commandante militar dos Açores não dava ordem ao seu subordinado para lhe enviar os duplicados das guias, se para isso não tivesse ordem do Ministerio da Guerra.

Vieram os duplicados das guias para Angra e com elles começou a funccionar a junta regimental, isentando todos os mancebos.

Aqui está o primeiro argumento em que me fundo para affirmar que o Sr. Ministro da Guerra teve conhecimento do facto.

Se assim não fosse, como se comprehendia que o seu collega da marinha mandasse ordem para a canhoneira Sado ir á Ilha de S. Jorge buscar os duplicados das guias dos mancebos que se pretendia isentar?

Quer V. Exa. ainda outra prova?

O jornal intitulado a Terceira, que é o orgão do partido regenerador de Angra do Heroismo, em um artigo furioso contra o partido progressista d'aquella cidade, por elle ter obrigado o Sr. Ministro da Guerra a annullar as inspecções feitas pela junta regimental, escrevia o seguinte:

(Leu).

Portanto, aqui tem V. Exa. o orgão da imprensa do partido regenerador de Angra, affirmando que foi por ordem superior que os illustres officiaes, commandante militar dos Açores e commandante da junta regimental, praticaram todos aquelles actos que eu aqui estou censurando ao Sr. Ministro da Guerra, porque são da sua responsabilidade.

Sejam ou não sejam exactas as minhas conclusões, o que é certo é que S. Exa. não pode fugir a este dilemma: ou todos os escandalos praticados pela junta regimental de Angra do Heroismo foram, feitos com o seu conhecimento, e então eu accuso S. Exa. de pôr o nosso glorioso exercito ao serviço da galopinagem; ou então não foi com o seu conhecimento que tudo aquillo se fez, e eu pergunto então que prestigio, que auctoridade tem oMinistro da Guerra que desconhece que os seus subordinados, durante perto de um mês, praticavam a illegalidade de deixar funccionar uma junta regimental contra as disposições da lei!...

Mas ha mais: Se S. Exa. tinha conhecimento de que essa junta regimental estava commettendo esta serie de escandalos, isentando todos os recrutas, sem excepção de um só, que moralidade é a de S. Exa., que não castiga quem delinque?!... (Apoiados).

E porque concedeu S. Exa. mais 30 dias de licença áquelle medico militar, que d'ella não tinha direito a gozar, porque já tinha gozado 15 dias de licença?! Porque esse medico não se mostrava com disposição para praticar o que era necessario fazer para os agentes do Governo ganharem os votos de que o Governo precisava para as eleições de Angra.

Que grande disciplinador do exercito é o Sr. Pimentel Pinto!...

Inclito Napoleão, que, do alto do seu Austerlitz de Trajouce e Alcoitão, não vê estes escandalos que se commettem!...

O que concluo é que todos estes factos foram praticados por ordens de S. Exa., inspiradas pelo Sr. Ministro do Reino.

Mas eu tenho a propria confissão do Sr. Ministro da Guerra.

Quer a Camara ouvir?

No Summario das sessões da Camara dos Dignos Pares, de 29 de janeiro, vejo eu que, respondendo ao Sr. D. Luiz da Camara Leme, esse respeitavel velho, que nunca foge ao cumprimento do seu dever de legislador, assistindo sempre ás sessões da sua Camara, o Sr. Ministro da Guerra dizia:

(Leu).

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Ora, aqui tem V. Exa. apropria confissão do Sr. Ministro da Guerra: é elle que declara e que affirma "que o pedido se lhe fizera para os recrutas de Angra serem inspeccionados pela junta regimental, e que deferira, como não podia deixar de fazer, mas recommendou - que só depois de terem deixado de funccionar todas as juntas districtaes, funccionasse a junta regimental!"

Mas se, não funccionava a junta distratal, porque fez esta recommendação?!... Fê-la porque sabia qual era o prazo dentro do qual funccionava a junta districtal; e entendia que não devia funccionar a junta regimental emquanto estivesse funccionando a junta districtal. Fez, pois, esta recommendação, pro forma, mas consentiu que a junta regimental, com seu conhecimento, funccionasse contra lei.

O Sr. Pimentel Pinto annullou, bem sei, os actos da junta regimental anteriores a 6 de novembro, e annullou-os com o fundamento de não poder a junta regimental funccionar conjuntamente com a junta districtal. Mas porque annullou? Annullou depois das isenções terem produzido os seus effeitos, isto é, depois do ganhas pelos agentes do Governo as eleições municipaes. E quem me diz a mim que o Sr. Pimentel Pinto não deu as ordens que deu, premeditando depois annullar os actos da junta?...

Em segundo logar, S. Exa. só annullou as resoluções da junta regimental depois das censuras e reclamações feitas em Lisboa pela imprensa progressista. Quem levantou o promoveu em Lisboa essa campanha jornalistica fui eu; tenho aqui os jornaes em que ella foi iniciada, o Correio da Noite de 14 de novembro de 1890 e o Dia da mesma data, em que foram verberados os escandalos de Angra.

A estes artigos seguiu-se depois uma campanha geral na imprensa. No dia seguinte, 15 de novembro, a Tarde, pretendendo justificar o procedimento do Sr. Ministro da Guerra, affirmou que já antes de a imprensa progressista se ter referido ao facto, o Sr. Ministro da Guerra mandara annullar as decisões da junta regimental.

Ora isto não é exacto, como provo por um documento que eu tenho aqui. Quer dizer, o Sr. Ministro da Guerra enganou a Tarde, o que não admira, porque, como os seus collegas, está habituado a enganar a nação. Pois o Sr. Ministro da Fazenda não fez publicar, antes da viagem aos Açores, que o convenio estava feito e em boas condições para o país?...

Não foi antes da imprensa progressista se ter referido ao assumpto que o Sr. Ministro da Guerra mandou annullar as decisões da junta regimental de inspecção. Di-lo o documento que S. Exa. me mandou, e que eu vou ler á Camara.

(Leu).

Já vê V. Exa. que o Sr. Ministro da Guerra enganou a Tarde, dizendo-lhe que já tinha annullado as decisões d'essa junta antes das reclamações da imprensa progressista, pois a campanha jornalistica, como mostrei, foi iniciada em 14 de novembro e só em 15 é que S. Exa. telegraphava para Angra, dando essa ordem a que se refere este documento.

Mas, repito, não estranho que o Governo engane a sua imprensa, quando illude continuamente a nação, como o fez quando foi da viagem aos Açores, dizendo que estava feito o convenio com os credores externos. O Sr. Hintze Ribeiro queria ir triumphalmente aos Açores inaugurar a sua lapide commemorativa, e então enganou o país.

O Sr. Ministro da Guerra annullou, é certo, as decisões da junta, mas castigou os delinquentes, castigou os seus subordinados, que procederam d'esta forma, mandando constituir a junta regimental illegalmente?

Como havia de S. Exa. castigá-los, se os tinha mandado delinquir? se apenas por ordem do Governo a canhoneira Sado foi a S. Jorge buscar os duplicados das guias? se foi por ordem sua, que tudo isto se fez para ganhar as eleições?

Portanto, S. Exa. não podia castigar aquelles subordinados que tinha mandado delinquir.

É claro que se S. Exa. os tivesse castigado, se isentava das suas responsabilidades e poderia dizer: "É certo que os meus subordinados procederam illegalmente, mas castiguei-os, e portanto aqui estou a assumir as minhas responsabilidades; realmente esses factos deram-se, mas a minha responsabilidade cessou perante o meu procedimento recto e legal".

Emquanto S. Exa. não puder dizer isto, e não pode porque não houve procedimento energico da sua parte, S. Exa, em minha consciencia, é o verdadeiro reu, a quem tomo toda, a responsabilidade.

Sr. Presidente: não tenho ideia de que em Portugal se lançasse assim mão dos serviços militares para estas miseraveis tricas da galopinagem eleitoral.

Eu queria que o nosso exercito, valoroso, ousado, disciplinado e ordeiro, estivesse muito acima d'estas mesquinhas insignificancias em que se occupa o espirito do Sr. Hintze Ribeiro: roubar e annullar eleições, ou seja por estes processos de corrupção e favoritismo, ou pela violencia d'aquelles que, protegidos por forças militares, entram nas assembléas, põem fora os representantes da opposição, e depois lá dentro roubam a esses representantes a sua legal votação. (Apoiados).

Parece-me estar provado que o Sr. Pimentel Pinto obedeceu aos pedidos e exigencias do seu collega do Reino, que pretendeu ganhar as eleições na Ilha Terceira á custa do imposto de sangue, que é o imposto mais sagrado no nosso país e em todo o mundo.

S. Exa., que é o chefe do exercito, em logar de obedecer a estas pequenas cousas em que se occupa o sen collega do Reino, devia negar-se a taes connivencias e a cumplicidade em crimes d'esta natureza.

Isto não fica só mal ao Sr. Pimentel Pinto, porque S. Exa. preza muito a sua farda, que, de todas as fardas que podia vestir, a de general é a que podia envergar com mais honra, - e estou certo que S. Exa. até hoje ainda não deshonrou a sua farda - : fica mal tambem ao Sr. Hintze Ribeiro; mas é Sr. Pinto devia resistir ás exigencias do Sr. Ministro do Reino, que não teve duvida em lhe pedir que pusesse os seus subordinados ao serviço da galopinagem eleitoral.

O Sr. Ministro do Reino devia olhar para os negocios publicos através de outro prisma, muito diverso do d'estas censuraveis tricas politicas.

O Sr. Pimentel Pinto, se queria ser tido como um Ministro disciplinador, não se devia sujeitar a estas mesquinharias.

Pois que hão de responder amanhã os seus subordinados de Angra, a qualquer observação que lhes façam sobre estes escandalos, senão que foi o Sr. Ministro que os mandou?

Como zela S. Exa. o seu bom nome de chefe do exercito, e como quer que lhe prestem o respeito a que tem direito, se procede d'esta maneira?

Não me consta que outro Ministro da Guerra do nosso país, que outro estadista que tenha sobraçado aquella pasta, pusesse o nosso brilhante exercito ao serviço d'estas tricas ridiculas em que se occupa o espirito do Sr. Hintze Ribeiro.

Faz S. Exa. politica com o exercito e não é só neste caso e em outros identicos. Ainda ha poucos dias o Sr. Ministro da Guerra andava negociando, para fins politicos, a collocação de corpos do exercito nesta ou naquella villa. (Apoiados).

O nosso exercito é dos melhores: descende dos gloriosos vencedores do Bussaco, dos victoriosos batalhadores d'essa epopeia de triumphos que se chama a campanha peninsular, e ainda ha pouco, em Chaimite e em Coolella,

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ou nossos soldados se collocaram a par dos primeiros guerreiros do mundo. É por isto que o nosso valente exercito não deve estar ás ordens d'esta mesquinha politica e da mais baixa, como é a politica eleitoral. (Apoiados).

O nosso exercito é dos melhores exercitos do mundo, e mais uma vez repito: deve estar acima d'estes factos que o envergonham. (Apoiados).

O nosso exercito é bom entre os melhores, mas o seu actual chefe é que é mau entre os peores. (Apoiados).

Como quero que o Sr. Ministro da Guerra, se puder, se justifique, por honra sua, d'estas accusações que lhe fiz, o que não conseguirá, termino por aqui as minhas considerações para S. Exa. ter tempo para usar da palavra, se quiser.

Concluo, pois, apesar de ainda ter muito que dizer e que censurar energicamente este procedimento, que não tem nem pode ter justificação, porque S. Exa. deve usar a sua farda honradamente, e não para servir o Sr. Hintze Ribeiro na sua politica escandalosa e de baixos interesses. (Apoiados).

O circulo de Angra do Heroismo, que tão mal represento nesta Camara, não podia consentir que se lhe fizesse uma fraude indecorosa e se roubassem as eleições a quem legalmente as devia vencer, sem que nesta Camara se levantasse um protesto energico contra essa torpeza. Esse protesto foi o meu.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - O illustre Deputado, a quem vou ter a honra de responder, foi pouco generoso, depois de tão violento ataque, deixando-me apenas alguns minutos para lhe responder.

Todavia, nesse pouco tempo, julgo ter o sufficiente para dizer ao illustre Deputado que foi completamento illudido nas suas informações.

E dizer é pouco, porque dizer tambem S. Exa. disse; eu, porem, vou demonstrar que o illustre deputado foi, repito, illudido pelas pessoas que o informaram.

S. Exa. disse que tinha sido estranho o procedimento da junta, o que elle merecia a reprovação de toda a gente.

Apoiado, digo eu, e o que fiz foi reprovar de um modo absoluto o procedimento da junta, annullando as suas decisões. (Muitos apoiados).

Não posso ler todos os documentos que aqui tenho, e como não desejo, de modo algum, que S. Exa. fique convencido de que tem razão, nos tres argumentos que apresentou, para suppor a cumplicidade do Governo com a junta, vou responder a cada um d'elles.

Disso S. Exa.: por ordem do Ministro da Guerra concedeu-se licença ao medico com o fim de não fazer parte da junta regimental; deu-se, de Lisboa, licença de 30 dias.

Tenho aqui um documento provando que isto é inexacto.

Não foi por ordem do Ministro da Guerra que foi dada licença no medico militar: essa licença foi concedida polo commandante militar dos Açores sem ordem nem suggestão do Ministro da Guerra. (Apoiados).

O segundo argumento para demonstrar a cumplicidade do Ministro nos actos, realmente maus, praticados pela junta regimental de infantaria n.° 25, é a ida da canhoneira Sado, de Angra do Heroismo para a Ilha do S. Jorge buscar as guias dos mancebos recrutados.

Até este momento desconhecia eu por completo, posso assegurá-lo á Camara este facto, não só porque não dei, nem podia dar, essa ordem, mas até porque nunca ouvi em conselho de Ministrou falar em semelhante cousa.

Mas, emfim, podia talvez ter-se passado d'esse modo, nem que eu o soubesse, por deliberação do Governo. Acabo, porem, agora mesmo de pedir informações ao nobre Presidente do Conselho, e S. Exa. affirma-me que não é verdade que a canhoneira Sado tivesse ido a S. Jorge; e S. Exa., cuja palavra a Camara conhece, e que é um caracter honestissimo (Muitos apoiados), disse-me: "não, não é exacto; não foi".

Vamos ao terceiro argumento.

O Sr. Antonio Cabral: - V. Exa. tem meio de se informar a esse respeito.

É certo que a Sado foi a S. Jorge e ao Faial.

O Orador: - Não sei mais nada.

O Sr. Antonio Cabral: - Parece-me que o Sr. Hintze Ribeiro está illudido. A Sado foi a S. Jorge buscar os duplicados.

O Orador: - É uma questão de facto.

Se ella foi a S. Jorge e trouxe os duplicados não sei, o que sei é que eu perguntei ao Sr. Presidente do Conselho, e elle é incapaz do faltar á verdade (Muitos apoiados), e incapacissimo de enganar um collega. (Muitos apoiados).

O Sr. Antonio Cabral: - O facto deu-se.

O Orador: - Talvez se desse o facto, e talvez se aproveitasse a occasião para o navio trazer os duplicados, que eram necessarios em Angra; mas, não trato d'isso; a accusação não é essa; a accusação é que o navio foi para lá com esse fim, e isso não é exacto. (Muitos apoiados).

Vamos ao terceiro: é que eu não tomei providencias, não annullei as eleições senão depois da campanha feita pela imprensa progressista, e S. Exa. incumbiu-se de nos dizer qual era a data do Correio da Noite em que S. Exa. iniciou essa campanha - 15 de novembro.

O Sr. Antonio Cabral: - Foi no dia 14.

O Orador: - Então é a 14 de novembro e a ordem em que mandei annullar as eleições, diz S. Exa., é de 15; logo o Ministro da Guerra só mandou annullar as eleições depois do iniciada a campanha pelo partido progressista.

Nessa occasião pedi ao illustre Deputado a fineza de tornar a ler a observarão que está no fim da relação.

A Camara toda ouviu, e eu não posso dizer textualmente o que lá está, mas é, mais ou menos, o seguinte: "Por nota de 15 de novembro, em virtude do telegramma de 15".

Nota, quer dizer officio. A nota da secretaria do commando militar dos Açores é de 15 de novembro.

Ora tambem não é exacto que eu só mandasse annullar as decisões da junta regimental depois da campanha, levantada pela imprensa progressista, porque essa campanha, como o illustre deputado affirma foi iniciada em 14 e a ordem foi dada em 13, como se vê de seguinte telegramma. (Muitos e repetidos apoiados).

"Ao commandante militar dos Açores. - Em 13 - 11 - 901.

S. Exa. Ministro determina que V. Exa. mande considerar nullas para todos os effeitos todas as inspecções ultimamente realizadas pela junta regimental de infantaria 25 antes de 6 do corrente, primeiro dia em que ella tinha competencia para funccionar. No telegramma de 2 de outubro, dirigido a V. Exa., e ao qual se refere seu telegramma recebido esta noite, muito expressamente se diz que Ministro só auctorizava inspecção pela junta regimental dos mancebos retardatarios depois terminado prazo fixado para inspecções districtaes, e não da junta de Angra, prazo que pelo n.° 3.º do decreto de 31 de maio de 1900 só termina em 5 de novembro. Com doutrina exposta este decreto concordam artigo 59.°, § 3.°, artigo 70.°, § 4.°, artigo 67.° do decreto de 6 de agosto de 1896, e ainda artigo 3.° do decreto de 10 do setembro de 1896, e portanto só ordem expressa Ministro poderia auctorizar qualquer alteração ao que está determinado. Outrosim determina S. Exa. que junta regimental infantaria 25 não funccione emquanto não estiverem presentes no regimento os dois medicos militares, para o que V. Exa. mandará recolher immediatamente, da licença que lhe concedeu, o tenente-medico do regimento.

"D'este telegramma é hoje dado conhecimento ao Ministerio do Reino. = Ribeiro de Almeida, general".

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Alem d'isso veja o illustre deputado como estou de acordo com a opinião de S. Exa., em que não podiam funccionar as duas juntas no mesmo districto administrativo do recrutamentos reserva. (Muitos apoiados).

Infelizmente em virtude do pouco tempo de que disponho não posso ler todos os documentos.

Mas a referencia que neste telegramma se encontra a um outro de 2 de outubro, é motivada pelo facto de querer o mesmo commandante militar dos Açores justificar com elle o seu procedimento, tendo-o interpretado mal.

Esse telegramma é o seguinte:

"Commandante militar Açores.- 2 - 10 - 901.

S. Exa. Ministro auctorizou que terminado o prazo fixado para as inspecções das juntas districtaes, os mancebos retardatarios de Angra, visto difficuldade ir inspecção Horta, possam ser inspeccionados pela junta regimental, quando assim o requeiram. = Ribeiro de Almeida".

O Sr. Presidente: - Faltam 5 minutos para se passar á ordem do dia.

O Orador: - Antes de 2 de outubro, dizia o commandante militar, grassava nos Açores uma epidemia, variola, me parece, por isso lutava com difficuldades para os mancebos irem á junta districtal, e pedia auctorização para que elles fossem á junta regimental. Respondi com o telegramma que acabei de ler e que não foi, repito, bem interpretado.

Estava no telegramma bem claramente dito. (Apoiados).

O Sr. Antonio Cabral: - De forma que V. Exa. castigou o seu subordinado.

O Orador: - Não castiguei por ser immensamente difficil, quando se trata da apreciação sobre a robustez e mais qualidades necessarias para o serviço militar, intervir e poder conseguir-se que todos os medicos estejam de acordo. (Muitos apoiados).

Já o tentei uma vez; foi o anno passado. Eu canto á Camara. Depois de entrados os recrutas nos corpos, passado um mês ou mês e meio, vieram cento e tantas notas dos hospitaes, julgando incapazes outros tantos mancebos. Quis intervir por me parecer que não era possivel, que cento e tantos mancebos dados em novembro capazes para o serviço militar já estivessem incapazes em janeiro ou fevereiro, mas depois demonstrou-se, um a um, que elles estavam incapazes. Ora eu, depois d'esta prova, fiquei com pouca vontade de me metter nessas questões, porque, francamente, não sou d'aquelles que gostam de ser vencidos. (Apoiados).

Alem d'isso quem fez a inspecção foi o medico civil, porque ao militar havia sido dada licença e sobre aquelle não tinha eu jurisdicção alguma. (Apoiados).

O Sr. Antonio Cabral: - É um motivo para castigo.

O Orador: - Eu digo, se quem julgava era um medico só e um medico civil, não podia evidentemente senão impor a responsabilidade ao commandante do regimento, mas eu é que não tenho competencia para dizer ao medico: "Isso que o senhor diz não é exacto". (Apoiados).

O Sr. Antonio Cabral: - Do que eu me queixo é do medico funccionar illegalmente.

O Orador: - Em segundo logar o commandante do regimento tinha recebido ordens do commandante militar dos Açores, e eu já mostrei que este interpretou mal o meu telegramma de 2 de outubro.

Não podia impor responsabilidades ao commandante do regimento, por isso que cumpria ordens superiores, e não podia julgar das resoluções da janta porque era profano.

Eu posso dizer, com a verdade com que costumo falar, que o commandante do regimento, apparentemente, não tinha a menor culpa, porque tinha a informação do medico.

Agora devo dizer a S. Exa. que ha muito tempo que todos os Ministros da Guerra, que teem tido a honra de se sentar nestas cadeiras, envidam todos os esforços para afastar as operações do recrutamento, da politica; todos se unem nessa mesma orientação; mas em 1901 succedeu exactamente que essas operações coincidiram com as eleições municipaes e com as de deputados.

Comprehende, portanto, S. Exa. e a Camara que foi necessaria alguma energia da parte do Ministro da Guerra para resistir ás suggestões de correligionarios e até de adversarios. (Muitos apoiados).

Um dos districtos administrativos que, no meio de tudo isto, me dava menos cuidado era exactamente o districto de Angra do Heroismo. E quer V. Exa. saber porquê? Porque sabia que ali se havia de ferir uma luta accesa, que os dois partidos se haviam de fiscalizar um ao outro, e que na junta de inspecção estavam representados os dois partidos.

Termino por aqui as minhas considerações. (Muitos apoiados).

Vozes. - Muito bom, muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a V. Exa. a fineza de me dizer se já vieram os documentos que pedi.

O Sr. Presidente: - Os documentos que S. Exa. pediu ainda não vieram, mas vou instar pela sua remessa.

O Sr. Tavares Festas: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me sejam enviadas, com urgencia, copias:

1.° Da sentença do auditor administrativo do districto de Viseu, que julgou da eleição municipal do concelho de Santa Comba Dão;

2.° Da informação do administrador do mesmo concelho de Santa Comba Dão, e bem assim de todos os documentos juntos ao processo eleitoral. = Tavares Festas.

Mandou-se expedir.

O Sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, me sejam enviadas notas:

1.° Da verba que se gastou com os subsidios de residencia e de marcha nos annos de 1890 a 1900.

2.° De qual a verba que se gastou com os transportes nos mesmos annos de 1890 a 1900.

3.° De qual a verba que se tem gasto com mobilia e utensilios nos referidos annos. = .F. J. Machado.

Mando tambem para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que vou mandar lançar na caixa um requerimento dos amanuenses do Instituto Industrial e Commercial de Lisboa, em que vêem pedir a esta Camara para que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos seus collegas do Instituto de Agronomia e Veterinaria e de outras escolas.

Os signatarios teem toda a justiça no seu pedido e por isso não tenho duvida em pedir á Camara que os attenda. = F. J. Machado.

O requerimento mandou-se expedir.

O Sr. Conde de Castro e Solla: - Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação criminal sobre as propostas de emenda ao projecto n.° 13, Casa de Detenção e Correcção de Menores, no Porto.

O Sr. Guilherme Santa Rita: - Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim equiparar os venci-

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icentos dos amanuenses do Instituto Industrial e Commercial de Lisboa aos empregados da mesma categoria em exercicio na Escola Polytechnica e Instituto de Agronomia.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Antonio Centeno: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Tenho a honra de participar a V. Exa. que desejava Interrogar S. Exa. o Sr. Ministro do Reino sobre a dissolução da Misericordia de Estromoz. = Antonio Centeno.

Mandou-se expedir.

O Sr. Costa Pinto: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que deitei na caixa um requerimento de Augusta Eugenia dos Santos de Carvalho, viuva do official da Armada, Manuel Maria Dias de Carvalho, auctor do torpedo Lenticular de contacto, pedindo uma pensão. = Jayme Arthur da Costa Pinto.

Para a acta.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 12 (Orçamento Geral do Estado para o anno de 1902-1903)

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o sr. Manuel Fratel.

O Sr. Manuel Fratel (na sessão do dia 4): - O discurso do sr. Queiroz Ribeiro pode synthetisar-se nas seguintes affirmações:

Lamentou S. Exa. a cumplicidade da maioria naquillo a que chamou influencias nefastas do Governo na administração publica.

Deplorou a pessima situação financeira em que nos encontramos, attribuindo-a ao actual Governo

Censurou ainda que o Governo fizesse despesas e aumentasse o deficit, pelo desenvolvimento dos serviços; e, por ultimo, animou, mas sem demonstrar, que o Orçamento era um documento falso, uma irrisão.

São outras tantas affirmações com que elle, orador, não pode concordar, porque, no seu entender, o actual Governo tem praticado actos tão meritorios como os dos seus antecessores, alguns, mesmo, que ainda não foram igualados, nem excedidos.

Má será, sem duvida, a situação financeira do país, mas não é, com certeza, do actual Governo, a responsabilidade d'ella.

Uma situação financeira é má, quando ha desproporção entre as receitas e as despesas publicas e d'ahi resulta em deficit permanente, constante. Comparando-se, porem, a acção do actual Governo, em absoluto, com a dos anteriores, vê-se que ella está longo de ser nociva, como aspera demonstrar, comparando a situação financeira, quando o Governo subiu ao poder, com o estado em que ella se encontra actualmente; e fará isso percorrendo as paginas; do relatorio do Sr. Hintze Ribeiro, em 1896, do Sr. Ressano Garcia no anno immediato, os dois relatorios do Sr. Espregueira, ou relatorios do Sr. Mattozo Santos, as estatisticas do commercio e navegação, etc.

É accusado o Governo de ter augmentado as desposas publicas; mas espera elle, orador, demonstrar o que, de resto, é desnecessario que não é d'esse augmento, que resultou a pessima situação em que nos encontramos.

O augmento de despesas é digno de censura; concorre para avolumar o deficit. Não foi, porem, o actual Governo quem o inventou; encontrou-o já e, por signal, bem nutrido!

Lembra ao illustre Deputado que o Orçamento não é um documento de rigores mathematicos. O Orçamento é uma previsão. O regulamento de contabilidade não estabelece regras fixas. D'ahi resulta que, umas vezes as receitas são avaliadas pelo ultimo anno economico, outras vezes são apreciadas pelo termo medio dos ultimos tres annos; e o Sr. Queiroz Ribeiro deve lembrar-se de que não vão muito longe o tempo em que uma situação progressista avaliou as receitas pelos ultimos cinco annos.

A primeira consideração do discurso do Sr. Queiroz Ribeiro foi no sentido de lamentar a connivencia da maioria parlamentar na influencia funesta da obra do Governo.

Elle, orador, porem, tem muita honra em collaborar na obra do Governo. De onde resulta esta differença de criterios? Será porque S. Exa. esteja na opposição, e elle, orador, na maioria? Talvez; mas é tambem porque, ao contrario de S. Exa., vê o valor de muitas das reformas d'esse Governo. É porque vê a reforma sanitaria, que mereceu os elogios de toda a classe commercial e das auctoridades technicas, não só de Lisboa, como de outras cidades cultas; é porque vê a reforma dos serviços de justiça, que sem augmentar as despesas, suppre as lacunas, e remedeia os defeitos.

Para elle, orador, o actual Governo, acoimado de levar vida airada e despreoccupada, é o mesmo que tem, na sua gerencia, actos do valor incontestavel, desde a criação do hospital e ensino coloniaes, até á permuta de encommendas postaes para Moçambique; desde o regime bancario ultramarino, que é, sem duvida alguma, superior ao anterior, até á organização das forças militares para o ultramar; desde a delimitação das fronteiras da Guiné, até á organização de uma missão scientifica para o estudo da doença do somno, missão essa que nobilita não só a sciencia portuguesa, como o Ministro que a nomeou.

O actual Governo é o mesmo que, tendo encontrado um orçamento para as provincias ultramarinas com um deficit de 1:600 contos, tem hoje um orçamento em que o deficit é quasi nullo.

Tudo isto se tem feito, substituindo a anarchia pelo cumprimento rigoroso da lei.

É ainda o actual Governo que não tem aggravado os impostos nem sequer com um addicional de 5 por cento, a titulo de provisorio, como outros Governos que conhecemos e tem empregado todos os esforços para melhorar a receita publica.

É, ainda durante a sua gerencia, que os cambios teem melhorado e o credito publico se tem assegurado.

Foi, tambem, esse Governo que trouxe ao Parlamento uma lei de contribuição predial, que muito havia de concorrer para a melhoria do país.

Para elle orador, esse Governo, que já foi accusado de traidor, é o mesmo que em todas as circunstancias tem mostrado o seu zelo e o ardor do seu patriotismo como no caso da commissão sanitaria da Beira e quando, ha pouco, a South Africa publicou cartas geographicas incluindo nos seus, territorios que nos pertencem. Tambem o outro Governo da presidencia do Sr. Hintze era acusado de cousas pavorosas e era elle que deixava no seu activo quatro factos de importancia capital:

1.° Fez um contrato com os credores externos, que até hoje tem vigorado;

2.° Tendo rebentado uma das mais serias revoltas na nossa Africa Oriental, elle, sem recorrer ao credito do país, organizou uma expedição, cujos bons resultados são de todos conhecidos;

3.° Tirou do Banco de Portugal as 9:000 obrigações dos Tabacos para reconstituição da marinha de guerra;

4." Deixou aos seus successores as 72:000 obrigações, religiosamente guardadas para pagar a indemnização de Berne.

São factos d'esta natureza que marcam um periodo na historia dos povos; e é por ellos que se ha de aferir a historia de um Governo, e não por uma ou outra nomeação de empregados, justificada pelas necessidades publicas.

Antes de proseguir nas suas considerações, pergunta o

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SESSÃO N.º 29 DE 5 DE MARÇO DE 1902 9

orador ao Sr. Presidente quanto tempo falta para se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - Faltam sete minutos.

O Orador: - Como já disse, a situação financeira é má, mesmo pessima; não a louva; mas não se segue d'ahi que a responsabilidade pertença ao actual Governo; tanto mais que este a encontrou, ao subir ao poder, em circumstancias verdadeiramente deploraveis.

Se é verdade que o Governo tem aggravado a situação, o resultado devia ser que as receitas publicas diminuissem, que as despesas augmentassem, de uma maneira assombrosa; que o deficit crescesse, que os encargos da divida publica augmentassem, assim como a divida fluctuante, que os cambios estivessem arrasados e o credito publico tivesse diminuido extraordinariamente.

Ora, se elle, orador, demonstrar, que nada d'isto acontece, e provar que a situação de hoje é muito superior á de 30 de junho de 1900, em que o gabinete progressista deixou o poder, terá provado que a influencia do Governo, na administração publica, longe de ser nociva, é, pelo contrario, vantajosa.

Attendendo, porem, ao adeantado da hora, requer que seja consultada a Camara sobre se lhe permitte reservar para a proxima sessão essa sua demonstração.

(Na sessão de hoje): - Continuando as suas considerações, em resposta ao Sr. Queiroz Ribeiro, diz que deve ser breve, não só para não roubar o tempo necessario a outros oradores, mas porque tendo-se S. Exa. referido a differentes assumptos, os cinco quartos de hora do Regimento foram insufficientes para entrar na analyse do orçamento.

Acrescia ainda a estes motivos que S. Exa., depois de julgar de pé toda a argumentação do Sr. Espregueira e de dizer que as considerações do Sr. Ministro da Fazenda tinham sido balas de algodão em rama, accreacentou que voltaria a sua attenção para outros assumptos muito mais graves, e sobre elles faria as suas reflexões.

O que é certo, porem, é que essas considerações não appareceram, e desde que não foram formuladas, nada lhes pode responder.

Recorda se tambem de que S. Exa. se referiu a supprimentos e á divida fluctuante, e passando depois ao exame de algumas verbas orçamentaes tocou, muito de leve, numa verba do Ministerio da Marinha e noutra do Ministerio das Obras Publicas.

Mas S. Exa. foi infeliz na escolha d'esses Ministerios, como já hontem teve occasião de demonstrar, não se demorando, portanto, agora em mais largas considerações.

Quer todavia dizer que, apesar de todos os golpes vibrados ás nossas colonias pelas outras nações desde 1898 com a abertura do caminho de ferro do Congo, em 1899 com a celebre conferenciar de Bruxellas, 1901 com a alliança da França e do Estado Independente do Congo, o Governo tem conseguido, com muita intelligencia e patriotismo, assegurar a vida economica de Angola e, pelo que respeita a Moçambique, realizar um modus vivendi, que mereceu o applauso de toda a cidade, Lourenço Marques.

Alem d'isso o augmento de despesa que S. Exa. encontrou na Direcção de Marinha é perfeitamente justificado, pela modificação do couraçado Vasco da Gama.

Pelo que respeita ao ultramar necessario se torna o aproveitamento de todos os elementos numa nação que é uma das primeiras potencias coloniaes.

Em relação ao Ministerio das Obras Publicas criticou S. Exa. duas verbas, uma de despesa ordinaria e outra extraordinaria, mas a primeira relativa á conservação de estradas lá figura e muito bem; quanto á segunda foi supprimida, porque as grandes repações e a construcção de estradas passa a ser feita por meio de um emprestimo auctorizado por uma lei de 1887 visto que a verba que custuma ser inscripta é insufficientissima.

O que se conclue, portanto, é que o Governo augmenta as despesas, mas, em geral, bem justificadamente; augmenta as despesas mas é em favor de um regime sanitario que merece os applausos de toda a gente; em beneficio da instrucção, cujas deficiencias todos apontavam; em proveito da vida e da saude dos funccionarios civis e militares do ultramar por meio de uma proposta de lei, applaudida até pela opposição, o que não é pouco.

O Governo é ainda digno do reconhecimento do país, porque trata de melhorar as condições moraes do seu povo, e não perde de vista o seu desenvolvimento intellectual.

E não fez só isto; pensou tambem na arrecadação conveniente das receitas decretadas por lei e em encurtar a distancia que vae das despesas as receitas.

O mal, todavia, não está propriamente no augmento da despesa publica; está no facto que já hontem apontou de haver grande desproporção entre as despesas publicas e a riqueza nacional.

Essa desproporção é evidentissima, em face dos dados que elle, orador, consultou e que vai ler; relativamente a outros paises, taes como a Hollanda, a França, a Belgica, a Suissa, a Dinamarca, a Italia e a Allemanha a questão tem outro aspecto.

Não é, porem, o Governo o responsavel por esta desproporção, que resulta de factores de ordem diversa e que são, até certo ponto, communs a todos os paises.

Em seguida, o orador, para provar que não cabe ao Governo actual a responsabilidade do augmento das despesas, lê a nota detalhada das receitas e despesas publicas, desde 1890-1901, tomando como base os orçamentos de exercicio e só recorrendo ás contas de gerencia, na falta d'aquelles.

Passa depois, em relação ao mesmo periodo, á analyse do movimento da dividas consolidada e fluctuante e ao exame das differenças de cambios, divida ao Banco de Portugal e cotações de fundos, tratando de demonstrar que não cabem ao Governo as accusações que lhe são dirigidas.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que decorreu a hora regimental. Resta lhe, portanto, um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Refere se ainda á situação economica do país, e accentua depois que, devendo agora entrar no exame das verbas do Orçamento em discussão, tanto da receita como da despesa, não o fará nesta occasião porque a hora está prestes a terminar, como já lhe foi annunciado, e ainda porque a justeza d'essas verbas não foi impugnada, senão nos pontos a que já se referiu.

Comprehende que o Governo tenha praticado actos que não agradem á opposição, o que não quer dizer que tenham desagradado ao país; acredita que o Governo não tenha dado aos varios problemas soluções tão completas quanto desejaria e, como a paixão partidaria o não cega, não tem duvida em reconhecer que o Governo alguma vez tenha errado, porque todos erram. Acha, portanto, justas as palavras do Sr. Hintze Ribeiro, quando em relação ao Governo, diz que assume a responsabilidade de todos os seus actos, querendo significar que elles não precisam de ser occultados e que não se arreceia nem de que o país os examine, nem de que a opposição lhe peça contas d'elles.

Dito isto, dá por findas as suas considerações.

(O discurso será publicado na integra quando o orador o restituir).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra sobre a ordem, o Sr. Queiroz Ribeiro.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Parece-me que o Sr. Luiz José Dias pediu a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Luiz José Dias está inscripto a seguir.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Nesse caso cedo a palavra ao meu illustre collega, e reservo para mais tarde as considerações que tinha a fazer.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Luiz José Dias.

O Sr. Luiz José Dias: - Não obstante estar o Governo muito bem representado, cumpro um dever de justiça, felicitando o orador precedente pelo discurso que acaba de fazer, pois que não sabe que mais louvar: se o seu brilhante discurso, se a benevolencia que teve para com o Governo.

A seu ver, porem, a opposição parlamentar não deve deixar-se emballar no canto da sereia, ouvindo o discurso de S. Exa., e de outros illustres Deputados; porque, no fim, o país ha de formar o mesmo juizo que se costuma formar da innocencia ou criminalidade do réu, depois do discurso da defesa e da accusação.

O assumpto que está em discussão é sempre importante, e constitue a funcção mais importante do Parlamento. No momento actual, porem, reveste elle um caracter especial de gravidade, pelas circumstancias em que nos encontramos.

O Parlamento, na presente conjuntura, assume, perante o mundo inteiro uma responsabilidade tremenda, se approvar uma proposta orçamental tal como o Governo a apresentou, quando o país está a braços com uma questão que deve, sobre todas, preoccupar mais: o acordo com os credores externos.

Esse acordo, para ser serio e honesto, é necessario que assente em bases solidas, que não se faça nada á toa.

Chame-se para isso a attenção do país, emquanto é tempo.

Alem d'isso, para poder bem apreciar o Orçamento, a Camara necessita de relatorios, mappas, boletins e outros documentos, emanados das estações officiaes, a fim de poder fazer um balanço serio, consciencioso, das nossas receitas e despesas; mas nada d'isso aparece.

Onde estão esses documentos? O Governo, em logar de os fornecer, furta-se, como muito bem disso o Sr. Espregueira, á cooperação com o Parlamento.

O Orçamento constitue um assumpto vasto, complicado e complexo; por isso, para o seu estudo, é necessario que, com a devida antecipação, sejam entregues aos membros da Camara todos os documentos necessarios para poderem examiná-los.

Este anno, porem, mais razão havia para que o Governo se apressasse em apresentar o Orçamento com todos os documentos devidos, porquanto: reformou todos os serviços, criou outros novos; fez nomeações e transferencias, e praticou muitos outros actos de que não deu conta ao Parlamento.

Todos estes factos mostram que o Governo pouca importancia liga ao Parlamento.

Pelo que respeita ás despesas, já se tem dito nesta Camara como o Governo as avultou, pondo positivamente o país a saque.

Pelo que respeita ás receitas, criou o Governo, é verdade, impostos, mas tarde e mal.

Em primeiro logar, porque é este o recurso de que todos os Governos lançam mão; em segundo logar, lançou impostos, não para diminuir o deficit, mas para criar adeptos, e por ultimo, mimoseou o país com um Orçamento, cujos resultados são contrarios ao que manifestamente consta dos documentos officiaes.

A Camara é, pois, chamada, a discutir um Orçamento que não é verdadeiro. Ora, em todas as hypotheses, o uso de documentos falsos é caso muito serio; mas, tratando se de documentos apresentados ao Parlamento, o crime é muito maior. E, quando se trata do Orçamento, esse crime sobe de intensidade.

Nestas condições, qual o verdadeiro caminho a seguir?

O de apresentar-se um balanço consciencioso, que pudesse servir de base para se discutir e apreciar as condições do convenio, que vae ser feito. Só assim se poderia defender bem a honra, a dignidade e o brio do país.

O que fez, porem, o Governo? Attendeu, só, ás suas conveniencias politicas; arredou, sempre, deante de si, os interesses mais importantes da patria, para apresentar, agora, um Orçamento, que será o inicio da nossa desgraça, se, porventura, a Camara não o corrigir, como deve.

Nas circumstancias em que o país se encontra, actualmente, elle, orador, entende que, o que se discute, não é um Orçamento de previsão, porquanto as despesas não estão nelle bem calculadas. Pode, mesmo, affirmar que, se houvesse, no nosso país, uma lei de responsabilidade ministerial, com effectividade judicial; se houvesse uma lei de contabilidade séria, o Governo não se abalançaria a apresentar um documento d'esta ordem e, alem d'isso, a administração superior do país ver-se-hia limpa de muitos elementos que a compromettem.

Examinando o Orçamento, que se discute, elle, orador, é levado á conclusão de que a nossa situação é peor do que a do Egypto.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora, tendo S. Exa. mais quinze minutos para concluir o seu discurso.

O Orador: - Resumirá, quanto possivel, as suas considerações.

Tendo verificado todas as receitas, cuja descripção está feita no Orçamento, encontrou, entre ellas, uma verba de 700 contos, que, a seu ver, não corresponde á realidade dos factos.

Expõe em seguida as razões em que se funda para assim o entender, concluindo por dizer que essa verba deve ser riscada do Orçamento desde que ali foi subrepticiamente introduzida.

E como esta muitas outras ha; sendo por isso bem justificada a sua affirmação de que o Orçamento está cheio de embustes.

O orador refere-se ainda ao modo por que foram calculadas as despesas pelos Ministerios da Marinha e dos Negocios Estrangeiros, e termina repetindo que está longe de ser verdadeiro o Orçamento em discussão, não obstante ser um documento de grande importancia, especialmente na presente conjuntura, por que por elle é que tem de ser avaliadas as circumstancias do país, servindo de base ás exigencias dos credores externos.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Anselmo Vieira.

O Sr. Anselmo Vieira: - Como a hora está muito adeantada, peço a V. Exa. que consulte a Camara se permitte que me fique reservada a palavra para a sessão seguinte.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - A primeira sessão é na sexta feira, á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e meia da tarde.

O redactor interino = Albano da Cunha.

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