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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

29.ª SESSÃO

EM 28 DE ABRIL DE 1909

SUMMARIO.- Lida e approvada a acta da sessão anterior dá-se conta do expediente.- O Sr. Moreira Junior refere-se á situação em que se encontra a região assolada pelo terremoto, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Sebastião Telles).- O Sr. Zeferino Candido realiza o seu aviso previo sobre o tratado do Transvaal. Apresenta uma proposta para a qual requer a urgencia, o que a Camara rejeita.- O Sr. Brito Camacho pede para tratar com urgencia, e a Camara approva, de uma noticia que tem ácerca das 72:000 obrigações. Responde-lhe o Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco).- Varios Srs. Deputados mandam papeis para a mesma.

Ordem do dia, fixação da força naval. - Usam da palavra os Srs. Almeida d'Eça, Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho e João de Menezes.- O Sr. Luís Gama pede a palavra, e a Camara concede, para tratar com urgencia da exhibição de fitas cinematographicas da catastrophe de Benavente. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Sebastião Telles).- Usam depois da palavra os Srs. Moreira de Almeida, Almeida Garrett, Ernesto de Vasconcellos, Archer da Silva, Affonso Costa, Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho) e Augusto Castilho.- O Sr. Caeiro da Matta pede para ficar com a palavra reservada.- Tendo saido da sala alguns Srs. Deputados, é requerida a contagem.- Não havendo numero para proseguirem os trabalhos, é encerrada a sessão.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios os Exmos. Srs,:

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada.- Ás 2 horas da tarde.

Presentes: - 6 Srs. Deputados.

Segunda chamada.- Ás 2 horas e 45 minutos da tarde.

Presentes: - 61 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto Pinheiro Torres, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Centeno, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Correia Mendes, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhaes, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, Jorge Vieira, José de Ascensão Guimarães, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Estevam de Vasconcellos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Julio Vieira Ramos, José Malheiro Reymão, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, Luís da Gama, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Ollivâ, Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Affonso Augusto da Costa, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Augusto de Castro Sampaio Corte Real, Conde da Arrochella, Conde de Castro e Solla, Conde de Mangualde, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Francisco Miranda da Costa Lobo, João Henrique Ulrich, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Pedro Martins, José Augusto Moreira de Almeida, José Caeiro da Matta, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Maria de Queiroz Velloso, José dos Santos Pereira Jardim, Luis Filippe de Castro (D.), Luís Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel de Brito Camacho, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde de Coruche.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beça, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro Rodrigues Valdez Penalva, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio José de Almeida, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Eduardo Burnay, Emygdio Lino da Silva Junior, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Cabral Metello, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João do Cauto e Castro Silva Antunes, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Feliciano Marques Pereira, João José da Silva Ferreira Neto, João de Sousa Tavares, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José Caetano Rebello, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 29 DE 28 DE ABRIL DE 1909

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio do Reino, participando que se acham naquella Secretaria de Estado, á disposição do Sr. Deputado José Ribeiro da Cunha, os documentos pedidos por S. Exa., onde podem ser examinados, por não poderem ser expedidas copias, sem maior dispendio de tempo e constrangimento da regularidade do serviço publico.

Para a secretaria.

Telegramma

Benavente.- Exmo. Presidente da Camara dos Deputados.- Camara de Benavente, tendo mandado ao Governo seguinte telegramma:

"Camara de Benavente deliberou, ouvindo os 40 maiores contribuintes e mais pessoas de representação do concelho, que deram o seu assentimento, contrahir um emprestimo nacional destinado á construcção de Benavente e povoações concelhias; o emprestimo será do juro de 4 1/2 por cento, amortizável em 20 annos, e a construcção far-se-ha por conta dos proprietarios dos predios demolidos, para pagarem em 20 annuidades":

Pede á Camara autorização para contrahir o emprestimo, isento de sêllo ou qualquer encargo sobre as obrigações, do imposto de rendimento, isenção de contribuição predial por 10 annos para predios que se construírem e que se reconstruírem até 31 de dezembro de 1911. Pede mais autorização para que as demais camaras possam subscrever. Espera que o Parlamento approve a urgencia da autorização, que o Governo decerto proporá neste sentido. = Presidente da Camara, Xavier.

Para a secretaria, para a acta e para ser enviado ás commissões de legislação civil, obras publicas e fazenda.

O Sr. Presidente: - Vou mandar o telegramma ás commissões de obras publicas, administração civil e de fazenda.

O Sr. João Ulrich.: - Por parte da commissão do orçamento e do ultramar. Mando para a mesa as seguintes

Propostas

Proponho que sejam aggregados á commissão do ultramar os Srs. Deputados Alvaro Rodrigues Valdez Penalva e Thomás de Aquino de Almeida Garrett. = João Henrique Ulrich.

Proponho que seja aggregado á commissão do orçamento, o Sr. Deputado Antonio José Garcia Guerreiro. = João Henrique Ulrich.

Foram approvadas.

Mando tambem para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que se acha constituída a commissão do ultramar, havendo, escolhido para seu presidente o Sr. Deputado Antonio Duarte Ramada Curto e tendo-me nomeado a mim seu secretario. = O Deputado, João Henrique Ulrich.

O Sr. Moreira Junior: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me dirigir ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra afim de solicitar de S. Exa. que no Diario do Governo se insira um boletim circunstanciado da situação em que se encontra a região assolada pelo terremoto, para que o publico tenha conhecimento completo e exacto de vários incidentes já occorridos e, por desgraça nossa, daquelles que ainda venham a occorrer. (Apoiados).

Numa fase tão grave como esta que nós atravessamos, em que o espirito publico está tão propenso a acceitar todos os boatos terroristas que se espalham, V. Exa. comprebende, Sr. Presidente, que é absolutamente indispensavel dar diariamente o conhecimento completo e preciso da factos que forem occorrendo. (Apoiados).

Pedia tambem ao illustre Presidente do Conselho que fizesse inserir no Diario do Governo, desde que estejam em seu poder os relatorios respectivos, todos aquelles que se refiram quer a questões de ordem sanitaria quer de ordem administrativa, abrigo das povoações e soccorros prestados pelo Governo, como tambem aquelles que foram prestados por varias corporações e officiaes umas e particulares outras.

Era nome, não digo só da maioria parlamentar, mas creio que posso dizer tambem em nome de toda a Camara (Apoiados), não posso deixar de felicitar o Governo pela maneira solicita como immediatamente se desempenhou do seu dever.
(Apoiados). É certo que cumpriu o seu dever, mas não é menos verdadeiro que o cumpriu devotadamente, o que nem sempre é habito na nossa terra. Eu estive na área assolada pelo terremoto, tive ensejo de apreciar a maneira rapida como os soccorros foram prestados, e tenho o vivíssimo prazer neste momento de prestar a minha justa homenagem a todos aquelles que nesta quadra afflictiva, e principalmente no primeiro e segundo dia, evidenciaram os seus intuitos humanitarios. Não foi apenas o Governo, cuja solicitude inquestionavelmente se evidenciou, foram corporações officiaes varias, outras particulares e uma ou outra individualidade isolada que provaram á evidencia que em todos nós, desde que ha um infortúnio a fazer vibrar a alma nacional, ha alguma cousa que resalta, sempre, é a bondade que entre nós existe. (Apoiados). Os soccorros foram rapidamente prestados e foram efficassissimos.

Não ha duvida de que no primeiro dia algumas deficiencias se deram, é possível que algumas deficiencias ainda se manifestem, mas V. Exa. comprehende que numa zona tamanha como aquella em que o terremoto se deu, e sendo difficeis as condicções para essa região, era absolutamente impossível que tudo fosse feito na perfeição. (Apoiados). Com as dificuldades que inquestionavelmente o Governo teve deante de si, como as tiveram varias corporações officiaes e varios indivíduos, os soccorros prestados são inquestionavelmente dignos de louvor. (Apoiados).

No capitulo sanitario, posso afiançar que os medicos que occorreram aquella região foram de uma solicitude e saber dignos de encarecimento; os medicos officiaes, quer os medicos militares, quer civis, medicos municipaes uns, medicos particulares outros, houveram-se com tal carinho, com tal humanidade e com tal sciencia na occasião em que que os accidentes do terremoto mais funestamente se fizeram sentir, que tenho o prazer de dizer a V. Exa. que ao chegar a Benavente reconheci que eram absolutamente dispensaveis quaesquer soccorros individuaes que pudesse prestar.

Merecem bem essas homenagens não só o Governo

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mas todas as corporações e, principalmente, as corporações sanitarias e as dos bombeiros municipaes e voluntarios de varias regiões, que, nos sítios onde se deram os fogos e tremores de terra, prestaram os mais valiosos serviços.

Pedindo, pois, ao Governo que insira no Diario do Governo uma nota circunstanciada dos factos occorridos e dos factos que se forem passando, bem como das providencias que forem tomadas, eu quero assim impedir que o terror que existe em muitos espíritos, se aggrave mais com as noticias alarmantes que a todas as horas são es palhadas.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao illustre Deputado Sr. Moreira Junior e á Camara que estou perfeitamente de acordo com a proposta que S. Exa. acaba de fazer.

Acho de toda a conveniencia que diariamente seja publicado no jornal official um boletim sobre o estado em que se encontram as povoações assoladas e que tambem se indique se houve ou não mais tremores de terra.

S. Exa. tambem propôs que, a par disto, só publiquem os relatórios officiaes relativos a este assunto, como os relatorios de engenheiros, de geologos e autoridades sanitárias, desde, que o Governo não tenha duvida alguma em que sejam publicados no Diario do Governo.

Ora para que não possa haver qualquer censura tenho a dizer que a maneira mais fácil de satisfazer o fim que o illustre Deputado tem em vista é publicando agora um primeiro boletim, no qual deve vir um resumo do estado em que se encontram as povoações; depois, as providencias que foram tomadas naquelle momento, e assim ir successivamente dando todas as noticias que apparecerem.

Porem este boletim não pode já ser publicado amanhã, como S. Exa. desejava, mas apparecera no dia seguinte.

O illustre Deputado felicitou o Governo pela sua acção. O Governo cumpriu simplesmente o seu dever, fez o que pôde, e teve a felicidade de encontrar a seu lado pessoa e corporações que o ajudaram. Por isso essas felicitações não pertencem só ao Governo, mas sim a todos que o coadjuvaram.

Repito, para minorar as difficuldades do desastre não tem havido só a acção do Governo, é preciso não pôr de parte a acção dos particulares, pois que grande parte dessas populações se teem mantido á sua custa, não tendo recebido a alimentação dada pelo Estado.

Ora ao principio quasi impossível era que não se dessem algumas irregularidades, devidas ao estado de confusão em que se encontravam os espíritos da população, e o methodo, a regularidade, não se podia estabelecer; mas estou convencido que agora, depois de montado o serviço nos termos em que o foi, essas difficuldades desapparecerão por completo. Poderá apparecer uma ou outra, de pequena importancia, mas assim mesmo eu desde já vou prevenir à Camara de como o Governo procederá em face de um facto que se pode dar e que é o seguinte: a assistencia publica que se está estabelecendo é destinada absolutamente às classes pobres dos logares assolados pela desgraça; esta assistencia publica pode convidar os indigentes de outras localidades a irem ali procurar os meios de subsistencia, e como isto é contrario á intenção estabelecida pelo Governo e como pode prejudicar a alimentação dos povos daquella região, o Governo deu providencias no sentido de evitar por completo que tal facto succeda.

Desta forma evita se a exploração.

O Governo entende que as classes pobres da região que foi victima do abalo de terra devem ser mantidas pelo Estado, desde que não possam trabalhar, e que o Estado lhes deve construir casas onde se possam abrigar, mas o que de modo nenhum pode consentir é a exploração. É natural que a repressão desta exploração, deste abuso, dê logar a algumas queixas, que não serão justificadas.

Faço esta prevenção porque entendo que a devo fazer, a fim de evitar qualquer juízo menos verdadeiro que se possa fazer sobre a acção do Governo na direcção desta lamentável questão. O abuso, a exploração á assistência publica, pode dar-se por parte das povoações afastadas e não tem razão de ser, porque a verdade é que na margem direita do Tejo, em Villa Franca, Azambuja, Carregado e Alemquer, não tem havido necessidade de soccorros, porque as classes mais abastadas teem protegido as menos abastadas e os trabalhadores teem continuado nos seus serviços, auferindo desta maneira os meios de subsistencia.

Effectivamente uma parte da povoação foi muito victimada pelos desmoronamentos, mas ha ainda uma outra parte que está de pé, e onde ha casas que podem servir de abrigo aos habitantes das casas que derruíram.

O que de ali se tem pedido é que haja uma vistoria passada por engenheiros às casas abaladas, para que se evitem quaesquer desastres..

Não tem havido pedidos de outra ordem.

Assim o Governo, na margem de lá, estabeleceu postos militares, attendeu á questão da alimentação e á construcção de barracas, mas na margem de cá não se seguiu o mesmo systema, visto que as necessidades são menores e só é necessario que as Obras Publicas satisfaçam as reclamações que se teem feito sobre a necessidade de escorar alguns prédios que ameaçam ruína.

Bom seria que isto assim continuasse, porque é a prova que aquelles povos entendem bem quaes são os deveres do Governo.

Dou estes esclarecimentos á Camara porque me parece que são de interesse geral e devem ser conhecidos.

Quanto á proposta do illustre Deputado Sr. Moreira Júnior, o Governo acceita-a por completo, e ha de tratar de lhe dar execução com a maior rapidez.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Araujo Lima: - Mando para a mesa uma representação da Camara Municipal de Ponte do Lima pedindo o subsidio de 2 contos de réis para poder continuar a manter a escola municipal secundaria d'aquelle concelho.

Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do Governo.

Foi autorizada a publicação.

O Sr. Zeferino Candido: - Verificou bem que a maioria desta Camara não deseja, não quer, que o tratado negociado em Pretória seja discutido. Incommoda-a, verificou perfeitamente esse incommodo apenas o Sr. Presidente hontem annunciou á Camara que elle, orador, desejava tratar do assunto. Pois, queira ou não, o tratado ha de ser largamente discutido.

São ténues, embora existam, as suas ligações partidárias, mas quaesquer que ellas sejam não podem influir nelle para que em qualquer circunstancia elle, orador, negue a alguem a justiça que lhe pertença por ter bem servido o seu país, ou affirme o seu vehemente protesto quando porventura hajam sido esquecidos os interesses e a honra do país. Não é, pois, por espirito de partidarismo, por paixão política, que é contra o tratado, mas porque em- sua consciencia entende que esse tratado, alem das suas condições negativas sobre o que se refere aos interesses materiaes da província de Moçambique, representa um golpe de morte dado na honra, brio e dignidade da nação.

Esse tratado, já o disse, ha de ser largamente discu-

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tido e por outros mais competentes do que elle, orador, ainda que não é inteiramente hospede neste assunto, pois de longe o vem estudando e sobre elle tem manifestado publicamente a sua opinião.

Batalhou em 1903-1904 contra o golpe de morte desferido no modus vivendi de 1901, machadada que foi dada pelo mesmo negociador de agora, o Sr. Garcia Rosado. Tratava-se em 1903 de supprimir no modus vivendi uma clausula da mais alta importancia para a industria e commercio da província de Moçambique.

Pelo tratado de 1875 tinha-se obtido a reciprocidade entre Moçambique e o Transvaal na açceitação nessas duas colónias dos productos das industrias respectivas, quer fossem produzidos com matérias primas extrahidas do solo dessas colonias, quer as materias primas fossem importadas. A sombra desse tratado, que tinha sido negociado por Andrade Corvo, fundaram-se em Moçambique varias industrias importantes,, entre as quaes a das moagens, com trigo importado de fora, industrias que subsistiram porque o modus vivendi de 1901 na sua essência não era mais do que á garantia de tudo quanto estava consignado nesse tratado. Em 1904, porem, o Sr. Garcia Rosado assinou uma aclaração desse modus vivendi em que essa vantagem foi eliminada, por isso que restringiu a reciprocidade unicamente aos productos industriaes cuja materia prima fosse extrahida do solo da colonia. O tratado actual, na sua essencia, nos seus intuitos, manifesta um a intenção que é não só ruinosa aos interesses de Moçambique, mas completamente contraria a todas as garantias de soberania.

Vêem de longe as tendências absorventes, não do Governo do Transvaal, mas de uma poderosa companhia engajadora, cujos lucros são fabulosos e que não pode tolerar o não ter liberdade de acção em Moçambique. O movimento provocado por essa companhia manifestou-se em 1906, tendo tido eco em todos os Parlamentos. Nessa época elle, orador, combateu quanto póde o privilegio que a companhia engajadora pretendia obter na nossa provincia, por isso que as experiencias feitas com os coolies lhe demonstraram que os nossos indígenas eram os unicos que podiam com vantagem trabalhar nas minas do Rand.

No tratado negociado pelo Sr. Rosado não ha a condição de reciprocidade que se encontra em todos os tratados, mas esse assunto e todos os outros serão tratados em occasião opportuna e por pessoas competentes, o que agora deseja é por uma questão previa que tem de ser liquidada desde já, para honra do Parlamento e de todos.

O tratado, bom ou mau, não foi negociado de uma forma legal, pois ao Parlamento foram roubadas as suas prerogativas, e essa questão é que é necessario, como já disse, desde já liquidar.

O negociador do tratado recebeu poderes para assinar esse tratado em 12 de outubro; o Parlamento reuniu em 1 de março; em 9 desse mês teve-se conhecimento por um telegramma de que alguma cousa se passara em Pretoria, interpellou-se o Ministro da Marinha e elle respondeu que as negociações corriam em Pretoria mas que tudo que lá se fizesse viria ao Parlamento; em 1 de abril assina-se o tratado sem referendum.

Occorre naturalmente fazer uma pergunta: desde 9 de março, em que o Sr. Ministro da Marinha fez a declaração que já citou, e o 1.° de abril, em que o tratado foi assinado, não houve tempo para rectificar essa declaração que era manifestamente errada.

Elle, orador, teve o cuidado de verificar nas actas das sessões se o Sr. Castilho que sabia que essa declaração do seu successor era inexacta, tinha comparecido ás sessões, mas a verdade é que nenhuma rectificação foi feita e assim o Parlamento não póde intervir para zelar os seus direitos.

O facto, porem, da declaração feita pelo Sr. Antonio Cabral, Ministro da Marinha, e ainda as diligencias que S. Exa. disse ter depois empregado para obter a clausula ad referendum mostrou cabalmente que S. Exa. pensa igualmente, como a opposição, que esse tratado não podia ser assinado, sem vir ao Parlamento.

Nestas condições é indispensável que o assunto se esclareça devidamente, a fim de que o Parlamento possa ainda, se não salvar os interesses prejudicados pelo tratado, salvar ao menos a honra e integridade da patria.

Nesse sentido manda para a mesa a seguinte

Proposta

Considerando que, em sessão de 9 de marco findo, foi declarado a esta Camara, pelo Sr. Ministro da Marinha de então, que o tratado que se negociava em Pretoria seria assinado ad referendum do Parlamento e elle e todo o processo ao Parlamento viria buscar a sua sancção;

Considerando que semelhante declaração invalidou todos os meios que ao Parlamento cabiam de impedir a celebração definitiva do tratado;

Considerando que nas explicações dadas a esta Camara pelo illustre Deputado Sr. Conselheiro Antonio Cabral se patenteiam a boa fé com que procedeu como Ministro não aclaram e menos dirimem a responsabilidade da errada declaração;

E, emfim, considerando que d'ahi resultou um ataque ás regalias, direitos e deveres parlamentares, que seria grave perigo deixar como precedente:
Proponho que seja eleita uma commissão de onze membros, com representação de todos os agrupamentos políticos desta Camara, com o fim de averiguar, no espaço máximo de trinta dias, a quem cabe a responsabilidade desta errada informação, permittindo ao Parlamento que proceda como seja de seu direito e justiça. = Zeferino Candido.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

Lê-se na mesa a proposta do Sr. Deputado Zeferino Candido.

O Sr. Presidente: - Nos termos do regimento esta proposta devia ficar para segunda leitura, mas, como S. Exa. pediu a urgencia, vou consultar a Camara sobre se concede a requerida urgencia.

Consultada a Camara, negou a urgencia, ficando assim a proposta para segunda leitura.

O Sr. Zeferino Candido: - Ainda não é d'esta!...

O Sr. Egas Mpniz: - O inquerito aos actos do Governo nunca passa!.. .

(Da esquerda levanta-se certo sussurro).

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

Pediu a palavra para um negocio urgente o Sr. Deputado Brito Camacho; convido S. Exa. a vir á mesa dizer qual o assunto que deseja tratar.

(Pausa).

O assunto que S. Exa. quer tratar é o seguinte:

"Desejo tratar em negocio urgente da venda que me consta ter-se feito na praça de Paris de obrigações da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, e que estavam garantindo um credito da Banque Union Parisienne.= Brito Camacho".

Posto á votação, foi approvada a urgencia.

O Sr. Presidente: - Tem, pois, a palavra o Sr. Brito Camacho, mas previno S. Exa. que faltam apenas cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

Porem, se o Sr. Deputado, quando chegar a hora de se

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passar á ordem do dia, desejar que se consulte a Camara ...

Vozes da esquerda: - Já chegou!...

O Sr. Brito Camacho: - Se realmente posso contar com mais alguns minutos depois de se entrar na ordem do dia, então usarei da palavra, de outra forma, não. -

O Sr. Presidente: - Então vou consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. use da palavra até depois da ordem do dia.

Consultada a Camara, resolveu affirmattivamente.

O Sr. Brito Camacho: - Recorda-se V. Exa. Sr. Presidente, e recorda-se tambem a Camara, que, quando falei a respeito do emprestimo dos 4:600 contos de réis e tratando da operação que se tinha realizado com a hypotheca das obrigações dos caminhos de ferro do Estado, eu disse que nos termos desse contrato essas obrigações, segundo me parecia, não tinham uma existencia portuguesa bastante assegurada.

Disse então que desde que o Governo Português faltasse á menor clausula estabelecida nesse contrato a "Banque Union Parisienne" tinha o direito de liquidar essas obrigações, tomando para si o que representava o seu credito e entregando o restante, caso o houvesse, ao Governo Português.

Dada a mínima confiança que me merecia o Sr. Ministro da Fazenda de então, e dados os costumes portugueses em negocios de administração, eu disse, repito, que me parecia que as obrigações dos caminhos de ferro tinham saído de Portugal para não mais voltarem.

Essas obrigações devem ser pagas em outubro, no caso de o não serem serão vendidas por conta da Banque, mediante um officio com uma antecipação de dez dias e por carta registada.

Perguntei nessa occasião, ao Sr. Ministro da Fazenda de então se S. Exa. estava habilitado a resgatar essas obrigações no prazo competente e a resposta que obtive foi absolutamente nenhuma.

Ha dias informaram-me que essas obrigações tinham sido vendidas a descoberto em Paris, tornando-se somente realizavel essa venda em novembro.

Não fui só eu que tive esta informação, outro collega meu d'esta Camara a teve tambem, e eu esperava que S. Exa. tratasse d'esta questão. Mas, como assim não succeder, eu constitui-me na obrigação de provocar da parte do Sr. Ministro da Fazenda explicações claras sobre o assunto.

Eu desejo perguntar ao Sr. Ministro da Fazenda se é effectivamente certo ter-se feito em Paris a venda das obrigações dos caminhos de ferro, sob qualquer forma, ou a contado ou a descoberto.

No caso de ser verdade, V. Exa. Sr.. Presidente, comprehende, como tambem deve comprehender a Camara, que essa questão tem de ser immediatamente liquidada; no caso de não ser verdadeira essa noticia, se o Sr. Ministro da Fazenda nos pode tranquillizar sobre a sorte dessas 72:000 obrigações e se, contrariamente á maneira como procedeu o seu antecessor, S. Exa. nos pode dizer se, findo õ prazo desse contrato com a Banque, essas obrigações serão resgatadas e voltarão para o nosso poder.

Como a Camara vê, eu não ponho nesta questão a mais pequena nota política, é uma questão de alto interesse e que deve merecer a attenção de todos nós.

O Sr. Ministro da Fazenda está ha pouco tempo nos Conselhos da Coroa, mas S. Exa. necessariamente ha de ter informações a este respeito e pode confirmar, o que seria commentavel, ou desmentir esta informação, o que seria motivo de satisfação para todos nós.

Terminando, Sr. Presidente, as minhas considerações eu formulo ainda uma pergunta: se o Sr. Ministro da Fazenda em recursos para, ao findar o prazo desse contrato, resgatar as obrigações.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco): - Sr. Presidente: vou fazer a diligencia de responder no menor numero de palavras às perguntas feitas pelo illustre Deputado Sr. Brito Camacho.

Disse. S. Exa. que um outro collega de S. Exa. tivera informação identica á que o illustre Deputado teve.

Effectivamente eu fui procurado não sei se pela mesma pessoa a que alludiu o Sr. Brito Camacho, que me perguntou se era verdadeira a informação de que tinham sido vendidas em Paris as obrigações dos caminhos de ferro que estavam empenhadas á Banque Union Parisienne como caução do empréstimo de cerca de vinte milhões de francos.

Ha dias alguem me procurou no meu gabinete para me dizer que um seu correspondente de Paris lhe havia perguntado se o Governo Português tinha autorizado que se fizesse a venda dos referidos títulos, que haviam sido dados por deposito.

Respondi que era isso falso e que o Governo não faltaria às clausulas do contrato.

Suppondo que no Parlamento alguem me faria quaesquer perguntas sobre o assunto, disse ao director geral da thesouraria do meu Ministerio que enviasse ao nosso agente financial em Paris o seguinte telegramma que vou ler á Camara.

(Leu).

De Paris foi enviado como resposta o seguinte telegramma.

(Leu).

Não me satisfez esta resposta do agente financial e foi mandado outro telegramma, para que respondesse em termos precisos, e dizendo que desejava uma resposta dada pela propria casa Banque Parisienne e estou esperando novo telegramma.

Creio que a minha resposta satisfará o illustre Deputado e quanto ao que se refere ao pagamento de outubro, só tenho a dizer a S. Exa. que não sei se nesse tempo ainda estarei neste logar, mas o que posso garantir á Camara é que o Governo terá nessa occasião recursos para fazer face a esses encargos.

O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - Desejava que V. Exa. accentuasse bem as respostas às minhas perguntas, que foram: se o Governo Português está autorizado a affirmar que nenhuma venda das obrigações de 3 por cento foi feita em Paris, reputando fidedignas as suas informações; se o Governo garante, pela boca do Sr. Ministro da Fazenda, que até hoje nenhuma clausula do contrato deixou de ser cumprida, e por ultimo se o Governo conta ter recursos em outubro para satisfazer o seu compromisso.

O Orador: - Já respondi ao illustre Deputado sobre esses pontos e julgo que o Governo em outubro ha de ter os recursos necessarios.

O Sr. Egas Moniz: - V. Exa. não poderia dizer o numero dos títulos depositados na casa Banque Parisienne?

O Orador: - Os numeros estão aqui.

O Sr. Antonio Centeno: - V. Exa. pode estar seguro que o telegramma que vier de Paris ha de ser semelhante a esse.

V. Exa. tem duvida que eu vá á Caixa Geral de Depósitos ver os documentos que necessito?

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SESSÃO N.° 29 DE 28 DE ABRIL DE 1909 7

O Orador: - Já ha dias, quando S. Exa. disse que necessitava ver na Caixa Geral de Depositos alguns documentos para estudar o projecto que vae ser discutido, dei ordem para que fossem postos ao exame de S. Exa. todos os documentos que pedisse, que tambem ficam ao dispor de qualquer outro Sr. Deputado que os queira examinar.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Visconde de Villa Moura: -Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que a commissão de saúde reuna durante a sessão.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que autorizam que a commissão de saude se reuna durante a sessão tenham a bondade de se levantar.

Foi autorizado.

O Sr. Presidente:- Vae ler-se para entrar em discussão o parecer n.° 5 (fixação da força da armada).

Lê-se na mesa.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 5

Senhores. - A commissão de marinha examinou a proposta de lei n.° 1-Q referente á fixação da força naval para o anno economico de 1909-1910.

O numero de praças que a proposta fixa é de 5:639 e é applicavel para composição das guarnições dos navios da nossa armada.

Esse numero ha annos que se mantém sensivelmente o mesmo para ser distribuido pelas diversas unidades de serviço, que igualmente são proximamente as mesmas.

Acha a vossa commissão que a proposta está nos casos de merecer a approvação, e, de acordo com o Governo, ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A força naval para o anno económico de 1909-1910 é fixada em 5:639 praças, distribuidas por 1 yatch, 6 cruzadores, 1 corveta, 16 canhoneiras, 3 torpedeiros, 4 lanchas-canhoneiras, 3 lanchas, 3 transportes, 2 rebocadores, 3 navios-escolas, 1 navio deposito e 1 navio deposito enfermaria.

§ unico. No total de praças proposto é incluído o pessoal indígena que faz parte das lotações das lanchas-canhoneiras e outros navios em serviço nas colonias, bem como o pessoal do serviço e escola pratica de torpedos e electricidade.

Art. 2.° O numero e qualidade dos navios armados poderão variar segundo o exigirem as conveniências do serviço, comtanto que a despesa não exceda a que for votada para a força que se autorize.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 23 de março de 1909. -Manuel Antonio Moreira Junior = Manuel Telles de Vasconcellos = Antonio Hintze Ribeiro = Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo = Lourenço Cayolla = Antonio Rodrigues Nogueira = Ernesto de Vasconcellos.

N.º 1-Q

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1909-1910 é fixada em 5:639 praças, distribuidas por:

1 hiate, 6 cruzadores, 1 corveta, 16 canhoneiras, 3 torpedeiros, 4 lanchas-canhoneiraa, 3 lanchas, 3 transportes, 2 rebocadores, 3 navios escolas, 1 navio deposito e 1 navio deposito enfermaria.

§ unico. No total de praças proposto é incluído o pessoal indígena que faz parte das lotações das lanchas-canhoneiras e outros navios em serviço nas colonias, bem como o pessoal do serviço e escola pratica de torpedos e electricidade.

Art. 2.° O numero e a qualidade dos navios armados poderão variar secundo o exigirem as conveniências do serviço, comtanto que a despesa não exceda a que for votada para a força que se autoriza.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, 3 de março de 1909.= Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral.

O Sr. Almeida d'Eça: - Sr. Presidente: a elevada intelligencia de V. Exa. e a sua muita pratica das assembleias políticas (e sejam estas palavras a expressão, breve mas leal, do cumprimento de obrigação para aquelle que pela primeira vez fala a um novo Presidente), dizia eu que a sua elevada intelligencia e muita pratica das assembleias políticas hão-de ter mostrado a V. Exa. que frequentes vezes nestas assembleias, sobre o mesmo assunto e a respeito da mesma doutrina havendo communidade de opiniões, uns se manifestam de uma maneira e outros de outra.

Resulta isto da diversidade de situações em que os membros dessas assembleias se encontram e sobretudo da variedade dos seus temperamentos e compleições, de tal sorte que o mesmo assunto, tratado por uns de uma maneira enthusiastica, é versado por outros menos apaixonadamente, na apparencia, mas sem que por isso deixem de ter a respeito d'elle o necessario conhecimento.

Careço de dizer isto, para que fique, bem accentuado que se eu, no decurso das ultimas sessões em que as opposições se manifestaram sobre a marcha do Governo e sobre alguns dos seus actos, por uma maneira ruidosa, não me tornei saliente nessas manifestações, nem por isso deixei de as acompanhar com toda a intensidade do meu sentir no seu significado de repulsão para com a marcha do Governo. (Apoiados).

Careço de dizer isto para me declarar pronto a responder pela minha quota parte nessas manifestações de reprovação, protestando deste modo contra o que se diz fora desta casa e porventura dentro della: a opposição só tem feito barulho, não se occupando dos assuntos que interessam á prosperidade da nação. (Apoiados).

Não me salientei nas manifestações ruidosas da opposição d'esta Camara, porque o meu temperamento é normalmente calmo, mas tenho o mesmo modo de pensar que ellas teem, que devem ter todos os bons patriotas, ácerca da marcha do Governo. (Apoiados).

Político sou e sem valia, mas em todo o caso declaro-a minha convicção absoluta de que os assuntos que mais interessam ao país teem que ser considerados quanto antes. Político sou e sem valor, do que neste momento estou dando provas, mas entendo que é indispensável fazer-se política, boa política, e que é portanto erro gravíssimo lançar aos políticos as culpas dos males que vem soffrendo a nação. A política boa é indispensável; a má política é certamente condemnavel.

Simplesmente ha uma cousa a definir. Quem é que neste momento faz má política?

São as opposições, manifestando-se ruidosamente contra a marcha dos Governos, ou são estes, persistindo na sua orientação, ou falta de orientação, em menoscabo dos mais legítimos interesses do país?

Ah! Sr. Presidente, V. Exa. o está vendo: se habitualmente as minhas manifestações são sobrias e moderadas, quando me chega a occasião de falar, faço-o espontaneamente, sem discursos estudados, e por isso as minhas palavras são pouco ataviadas, mas em todo o caso manifesto claramente a minha opinião.

Por isso digo eu que mal vae ao Governo e á maioria em tudo quanto teem feito para difficultar a apreciação

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dos negocios publicos, designadamente para impedir o conhecimento e a apreciação desse momentoso assunto que nos assoberba e afflige a todos nós; e muito mal vae sobretudo á maioria persistindo no caminho de negar, pela força do seu numero, o esclarecimento de tão grave questão. (Apoiados).

Não cuide o Governo nem a maioria que a demora em discutir este importantíssimo assunto possa apaziguar a nossa exaltação, a nossa justa indignação. Pelo contrario, quanto mais dificuldades pretenderem levantar-nos, quanto mais quiserem adiar essa discussão, mais tempo nos dão para investigar as numerosas irregularidades commettidas, e maior será o nosso triunfo ao demonstrá-los, quando discutirmos o tratado. (Apoiados), porque essa discussão ha de vir e então demonstraremos com abundância de argumentos incontestaveis que o tratado foi erradamente negociado e que é prejudicial nas suas clausulas e condições. (Muitos apoiados).

Uma unica circunstancia poderia ter impedido o Governo e a sua maioria de admittirem que esse assunto fosse versado, e essa circunstancia seria que a discussão d'elle pudesse provocar algum inconveniente de ordem internacional.

Pois bem! Para esse perigo o Governo tinha um remédio que nós acceitariamos, era discutir o assunto em sessão secreta. (Apoiados). Mas o verdade é esta - e triste verdade - é que, se em voz alta se proclama que só por política fazemos esta critica apaixonada do tratado, o Governo e a sua maioria demoram quanto possível a discussão d'elle, porque em sua consciência (assim estou convencido) reconhecem como nós que elle foi erradamente negociado e é incontestavelmente prejudicial nas suas consequencias. (Muitos apoiados).

E assim justifico eu as minhas considerações ao começar hoje a falar. Na obscuridade da minha situação dentro d'esta casa, nem por isso deixo de tomar para mim todas as responsabilidades de ser político, com todos os exageros e com todos os defeitos de que possa ser accusado juntamente com os meus companheiros, aqui e lá fora. Entendo assim e sigo o meu caminho. (Apoiados).

E posto isto, vou entrar directamente na apreciação do projecto que está em discussão.

Sr. Presidente: V. Exa., conforme o regimento determina, convidou-me a declarar se me inscrevia a favor ou contra. Inscrivi-me contra e vou explicar o que significa esta minha inscrição. Mas antes disso eu quero dar uma explicação a um illustre membro desta casa, o Sr. Deputado João de Menezes, que não está presente, mas a quem certamente algum dos seus correligionários fará o favor de a communicar.

Quando o anno passado, logo no começo da sessão parlamentar, se apresentou por parte desse illustre Deputado a necessidade de se fazer um inquerito á situação da marinha de guerra, pronunciei-me com alguma vivacidade contra a urgencia requerida para esse inquerito, reservando-me para em occasião opportuna explicar a razão do meu modo de pensar.

Deriva ella do meu conceito de então a respeito da missão que incumbia ao Governo do Sr. Ferreira do Amaral; sendo essa missão muito especial e exigindo uma acção rapida e decisiva, entendia eu que não era então o momento de se tratar da restauração do nosso material naval, e que, mais que um inquerito para nos revelar males, aliás de todos conhecidos, se tornava necessario, logo que isso fosse possível, procurar os remedios para esses males.

A opportunidade de affirmar estas opiniões não me chegou na outra sessão, mas chegou agora.

Sr. Presidente: o inquerito á situação da marinha de guerra está neste projecto de lei. É a maio lastima que todos os annos haja de se apresentar um projecto assim redigido para a fixação da força armada em navios de nenhum valor militar e a maior parte d'elles .

Sr. Presidente: se V. Exa. me dá licença, visto já estar presente o Sr. João de Menezes, eu repito as palavras que ha pouco pronunciei:

Dizia eu que, no anno passado, sobre uma proposta de urgencia d'aquelle illustre Deputado, pedindo um inquerito á situação da marinha de guerra, eu me tinha manifestado com alguma vivacidade contra a urgência de se fazer esse inquerito e que, quando me chegasse a opportunidade, eu explicaria as razões do meu proceder. Essa opportunidade não chegou na sessão transacta, mas chegara hoje; e ia eu dizendo que esse inquérito é desnecessário, por isso que elle está feito neste projecto de lei, que mostra a desgraça, a miséria e a fraqueza do nosso material naval. (Apoiados).

Dizia eu tambem que na sessão transacta, quando o Sr. João de Menezes apresentou a sua proposta, estava essa sessão quasi no seu começo, e entendia eu, como ainda hoje. entendo, que o Governo que então existia, presidido pelo Sr. Ferreira do Amaral, tinha uma acção restricta que lhe não permittia entrar em desenvolvimentos sobre assuntos da ordem d'aquelle que este projecto representa. Entendia então que esse Gabinete tinha principalmente duas missões a cumprir: uma era a acalmação, a outra era fazer votar um certo numero de leis que a opinião publica reclamava como indispensáveis para se poder voltar á normalidade da vida nacional.

Mas o Ministério Ferreira do Amaral caiu; outro lhe succedeu, organizado pela forma que neste momento me abstenho de apreciar. Suppunha esse novo Governo ter deante de si uma larga vida; deveria então ter abordado o importante problema do nosso material naval; não o soube fazer, ou para isso não teve tempo, porque no vicio de origem da sua organização estava o gérmen da sua morte a breve trecho.

Um novíssimo Gabinete succedeu a esse, é o actual Gabinete, com o mesmo vicio de origem, é certo, e por isso com igual probabilidade de duração. Mas pensaram deste modo os seus illustres membros, antes estavam convencidos de que teem deante de si uma larguíssima vida.

Pois, se isto é assim, se esperam manter-se no Governo por muito tempo, razão é para que nós, que nos interessamos pelas cousas navaes, saibamos quaes os seus processos para remediar o péssimo estado a que chegou o material naval.

Sr. Presidente: eu bem sei que, infelizmente, na defesa do material naval de que me vou occupar em brevíssimas palavras, tenho duas circunstancias a contrariar o meu esforço: a primeira é o pouco brilho da minha palavra;, a segunda é, não direi a pouca attenção, nem á pouca estima, mas a menor importância que, em geral, o Parlamento e sobretudo a maioria ligam a estes assuntos. E não vae nisto, Sr. Presidente, uma accusação ao Parlamento e á maioria, porque a maioria não representa senão no que se passa no publico e a verdade é que Portugal, que se diz, e é, um pais marítimo e colonial, da marinha só quer saber para tropos e discursos inflammados.

Exemplo bem frisante do meu asserto é o que se está passando neste momento com a convenção de Pretoria, assunto este que apenas faz enthusiasmar os que se interessam e conhecem alguma cousa do que está succedendo em Lourenço Marques, mas passa despercebido na grande imprensa e mesmo nos grandes centros scientificos, para os quaes é mais importante saber pormenores do terremoto, que foi uma desgraça nacional que passou, emquanto o tratado de Pretoria não passou e ha de acarretar maiores prejuízos do que o terremoto. (Apoiados).

Sem offensa para ninguem, permitta-me V. Exa. que observe que o terremoto tem servido para fazer largas narrativas nos jornaes e tambem tem servido n'esta casa

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para longos discursas, que se podiam reduzir a meia duzia de palavras. (Apoiados).

A verdade é que as reclamações, os pedidos que a marinha faz para ser attendida como merece, não escutadas com certa sympathia, mas não teem bastante força para obterem resultado efficiente.

E aqui noto um contraste importante que peço licença para frisar entre o que se passa com as reclamações da marinha (e quando digo reclamações não quero significar que ellas representem actos contrarios á disciplina) e os do exercito. Este é muito mais attendido do que a marinha. Porquê?

Pela sua superioridade numérica ? Pela importancia dos seus serviços? Não sei.

O que sei é que com o exercito se teem gasto dezenas de milhares de contos de réis sem nunca se regatear o que é necessario para as fortificações do porto de Lisboa, para a renovação do armamento portatil e para outros serviços. Mas. quando se trata de pedidos de material naval todos dizem que assim deve ,ser, que é necessario melhorar esse material, mas que elle é muito caro e que não ha dinheiro.

É justamente contra isto que eu protesto. Não direi que lavro o meu protesto em nome da corporação de marinha, porque daquellas portas para dentro sou -simplesmente Deputado e nada mais.

Também não o faço por interesse directo ou pessoal, pois que pela lei vigente já cheguei ao mais alto posto que podia attingir, "já tenho mais de, trinta e cinco annos de serviço, o que significa que estou nas condições de passar á reserva. Mas, se não posso falar em nome d.ºessa corporação, o que posso e devo é falar em nome do país e affirmar mais uma vez que emquanto um Governo, seja elle qual for, o actual ou outro, e muito estimaria que fosse o actual, não olhar com olhos de ver e não der toda a attenção a este problema do material naval, nunca a política portuguesa internacional ha de representar o papel que deve e merece ter. (Apoiados).

Sr. Presidente : eu creio que já me tenho alongado muito nas considerações, e supponho mesmo que estou fatigando a Gamara; entretanto peço licença para ler alguns excerptos de um trabalho recente em que vou fundamentar esta minha opinião.

Antes disso, porem, é preciso que V. Exa., o Governo e a Camara saibam que este movimento a favor do material naval não é tão insignificante como parece. Nos ultimos annos e sobretudo em 1907 e 1908 teem-se publicado memórias, teem-se feito conferencias, teem-se pronunciado discursos na Liga Naval e em outros centros, por officiaes de maranha, quasi iodos novos, que, tendo deante de si um longo futuro, vêem com profunda tristeza que não teem maneira de applicar a sua boa vontade por falta de material.

Memorias, conferencias, discursos, artigos de propaganda nos jornaes, em toda a parte e por todos os modos se tem mostrado a necessidade indispensavel de que o material naval se melhore.

Mas ha propabilidades de que isto se faça ?

Tenho aqui cinco ou seis d'essas memorias, e o Sr. Ministro da Marinha conhece-as certamente.

Apenas lerei alguns trechos da mais recente, porque nella por tal forma se resume aquillo que pode dizer e affirmar a este respeito, que me parece que, mais do que a palavra oral, a palavra lida levará a todos a convicção sobre o assunto.

Diz o Sr. Pereira da Silva, no final do seu estudo intitulado O nosso plano naval:

"Não nos cega o espirito da corporação, e se defendemos a constituição de uma marinha de guerra de valor militar apreciavel, é porque estamos convencidos que, sem ella, Portugal nunca poderá occupar no mundo político a situação a que tem direito pelas suas tradições, pela importancia do seu império colonial e pelas aspirações e caracter do seu povo.

No mundo político, e entre as nações de segunda ordem, Portugal deve occupar, se não o primeiro legar, pelo menos um dos primeiros entre elles; é este ideal verdadeiramente patriotico, que a muitos parecerá uma chimera, é, quanto a nós, absolutamente justificavel e facilmente attingivel, dadas as condições naturaes da nossa existencia, não só como país colonizador, como pela importância dos seus territorios continentaes e insulares.

Que todos se compenetrem desta verdade, e que dentro da sua esfera de -acção procurem concorrer, com O maximo esforço, para a resolução dos problemas que melhor possam contribuir para a affirmação da nossa nacionalidade; e nós veremos surgir uma patria nova, capaz de honrar as brilhantes tradições de factos historicos, do que tanto nos ufanamos, e que tanto contribuíram para o progresso dos povos e desenvolvimento da civilização ... Foi por termos descurado, de forma bastante censurável r durante largo período de tempo, todos os assuntos que dizem respeito ao estudo ido problema naval português, que hoje não possuímos marinha de guerra".

Sr. Presidente, hoje não possuímos marinha de guerra. Esses pobres navios para cuja situação de armamento se pede autorização á Camara podem apenas servir para policia, mas nenhum para acção efficiente militar, e poucos, ou talvez nenhum até, para uma simples demonstração naval ou para uma simples representação da bandeira. (Apoiados).

Como disse o illustre official cujas palavras eu acabo de ler, e creio quê ninguém poderá negar, nós precisamos de ter uma marinha correspondente á nossa situação de uma das primeiras, se não a primeira potencia marítima de segunda ordem, pela nossa situação continental e insular e pelas nossas colonias.

Com effeito, Sr. Presidente, não é necessario demonstrá-lo, nem esta seria a opportunidade, mas é facto assente por todos os tratadistas que a defesa das colónias-não se faz nos portos ou nas costas de cada uma d'ellas mas no mar e mesmo a defesa do continente ha de fazer-se principalmente no mar, sobretudo quando se considera a situação muito particular e extraordinariamente vantajosa que nos deu a natureza de dispormos dos portos de Lisboa e de Lagos - e do quadrilátero estratégico formado entre esses portos e as ilhas dos Açores e de Cabo Verde. Portanto, Sr. Presidente, repito, ninguem pode pôr em duvida que nós devemos ser, temos direito a ser, se não a primeira, uma das primeiras potencias navaes de segunda ordem. Para isso é necessario que, em vez d'este triste projecto, contra o qual me inscrevi, mas ao qual a Camara não terá senão que dar o seu voto, porque outra cousa não pode fazer neste momento, é necessario, digo que o Governo actual, que pensa contar com uma larga vida, nos traga, não direi desde já,- mas no anno proximo, um projecto completo de reorganização da nossa marinha de guerra.

Sr. Presidente: se assim como somos uma potencia colonial da importancia que todos sabem, fossemos ao mesmo tempo uma potencia naval de correspondente importancia, quando se discutia em Pretoria a convenção celebrada no corrente anno, e se propunha que nella fossem inseridas essas desgraçadas condições que Dalgum dia se ha de demonstrar aqui que são o começo do fim para a nossa colonia de Moçambique, dizia eu que, se quando se discutiam essas condições uma boa divisão naval pudesse estar no porto de Lourenço Marques, não para metter medo a alguém, mas para se mostrar que se houvesse tentativa de qualquer violencia essa violencia poderia ser repellida, talvez as exigências que então se fizeram não fossem tão fortes e não tivessem levado o negociador a sujeitar-se a ter de acceitá-las. (Apoiados).

Vou dar por findas as minhas considerações. Peço des-

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culpa á Camara do modo singelo que empreguei ao expô-las ; quero, porem, affirmar que são sinceras.

Inscrevendo-me contra o projecto entendo eu que o Governo neste momento não pode fazer outra cousa senão dar cumprimento ao que a Camara vae votar, mas, patriota como deve ser, tem obrigação de apresentar na proxima sessão um projecto completo de reorganização do nosso material naval. Em quaesquer circunstancias isto seria necessario, mas agora torna-se um dever de consciencia desde o momento em que á frente da pasta da Marinha está um distincto official da armada. (Apoiados).

Eu sei que os creditos ganhos por S. Exa. o foram principalmente pelos seus actos como militar em terra, nessas brilhantes campanhas ultramarinas, que aliás muito seria para desejar que não houvesse necessidade de se repetirem.

Foi nessas operações militares em terras de Africa que S. Exa. principalmente ganhou os seus foros de militar valente, mas estou convencido que S. Exa., official de marinha como é, quando tiver alcançado os mais altos postos da sua classe, muito desejará poder dispor de navios, de divisões navaes, para no commando d'elles applicar as altas faculdades militares que o illustram.

Tenho dito. - (Vozes: Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (João de Azevedo Coutinho): - Cabe-me a honra de responder ao Sr. Almeida d'Eça que, apesar de ter declarado que aqui dentro era somente Deputado da nação, não pode libertar-se da qualidade de official da armada.

S. Ex.a, que é um distincto official da armada e lente da Escola Naval, disse o que eu tinha a dizer; S. Exa. limitou-se a dizer, quanto ao projecto que está em discussão, que tinha de o votar, porque-a constituição da nossa esquadra assim o exigia; e indicou alem d'isso que era preciso, por todas as razões, que em Portugal se cuidasse a serio da organização da marinha de guerra.

Quanto á parte do projecto em discussão, eu direi que estudo com todo o amor, com gosto e com orgulho de official de marinha, uma renovação dos serviços e do material naval.

Conseguirei alguma cousa?

Se não conseguir, a minha consciencia ficará tranquilla e a minha honra de official de marinha ficará salva.

Creia o illustre Deputado, que todas as considerações que fez calaram no meu animo.

S. Exa. citou memorias e escritos de camaradas nossos que todos, una você, justificam e reclamam a reorganização da marinha nacional, a fim de poder servir perfeitamente os interesses do pais. Ninguem mais do que eu anhela essa reorganização, e procura conseguir alguma cousa para a armada, que S. Exa. serve tão distinctamente e que eu procuro servir. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Moreira de Almeida: - Não ha numero.

O, Sr. João de Menezes: - Requeiro a contagem. (Procede-se á contagem).

O Sr. Presidente: - Estão presentes 57 Srs. Deputados, podendo, portanto, continuar a sessão.

O Sr. João de Menezes: - Pouco tem que dizer sobre o projecto em discussão.

A Camara acabou de ouvir o Sr. Almeida d'Eça, e ambos foram concordes em que Portugal não possue marinha de guerra.

Logo, não vale a pena estar a discutir o presente projecto, porque, entre muitas mentiras, a mentira naval é uma das mais conhecidas, chegando a ser um crime de lesa-patriotismo.

É necessario pôr de parte tudo quanto sejam hypocrisias e mystificações.

Cita em seguida o orador o que se passou ha annos em. França, na Camara dos Deputados, quando se ordenou um inquerito á marinha de guerra francesa; e quem ler esse inquerito tem occasião de verificar que, desde o almirante até o simples operario, todos são contemplados sem a menor reserva.

Entre nós, porem, parece que só se vive de hypocrisias, o que não impede que se gaste dinheiro com o yacht D. Amélia e se diga que não havmarinha.

Nestas condições, renova a iniciativa de um inquerito que propôs em 1899.
Não ignora a sorte que tal proposta terá; mas quando chegar a discussão do orçamento do Ministerio da Marinha ha de provar que, se se fizerem as contas, as guardas municipaes e fiscal gastam 14:000 contos, ao passo que a armada nada tem.

(O discurso será publicado na integra quando o orador enviar as notas tachygrapoicas).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Almeida Garrett.

O Sr. Luis Gama: - O Sr. Presidente, eu pedi a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Tem S. Exa. razão, não posso, portanto, dar agora a palavra ao Sr. Almeida Garrett.

O Sr. Luis Gama pediu a palavra para um negocio urgente, que é o seguinte: "Lembrar ao Governo a prohibição de fitas cinematographicas allusivas aos desastres no Ribatejo".

O Sr. Brito Camacho: - V. Exa. dá-me licença. É para dizer que o Sr. Luis Gama tem obrigação de ir á mesa declarar qual é o assunto urgente que deseja tratar.
(Risos).

Vozes: - Já foi, já foi.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que entendem que se deve dar a palavra ao Sr. Luis Gama tenham a bondade de se levantar.

Vozes: - Qual é o assunto?

O Sr. Presidente: - Vae ler-se.

Lembrar ao Governo a conveniencia de prohibir a exhibição de fitas animatographicas allusivas aos desastres do Ribatejo. = Luis Grama.

Foi approvado.

Vozes: - Apoiado, apoiado.

O Sr. Afibnso Costa: - Eu approvo, mas não posso deixar de dizer que a questão do Transvaal ainda é mais urgente do que esta. (Apoiados).

O Sr. Luis Gama: - Sr. Presidente: eu se pedi a palavra para um negocio urgente é porque entendi que este assunto é da máxima urgencia.

São apenas duas ou tres palavras que eu vou dizer e que se limitam num pedido que vou fazer ao Governo.

Vi hoje annunciado em varios cartazes exhibição de fitas cinematographicas, allusivas aos desastres do Ribatejo.

Parece-me que, andando ainda toda a gente apavorada com os ultimos acontecimentos, tal exhibição aumentará o pavor que ainda existe (Apoiados) e por isso pedia ao Governo que prohibisse a exhibição d'essas fitas.

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Desejava tambem que o Governo prohibisse as noticias nos placaras que não tenham caracter official (Muitos apoiados), pois que algumas que ultimamente teem apparecido não são absolutamente exactas.

Para este ponto appello para a imprensa, para que ella tenha todo o cuidado na affixação d'essas noticias. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: é uma questão um pouco delicada aquella que acaba de apresentar o illustre Deputado Sr. Luis Gama.

Effectivamente prohibir o exercicio de qualquer industria ou mesmo as noticias em quaesquer jornaes são cousas a que o Governo se não pode abalançar de animo leve.

Em todo o caso, em vista da manifestação da Camara, eu não tenho duvida nenhuma em restringir as exhibições dos cinematographos, nas condições que S. Exa. referiu, e direi ao governador civil que trate de evitar essa exhibição.

Com respeito á questão da publicação de noticias menos exactas, o illustre Deputado sabe perfeitamente que o Governo não tem na sua mão meios de evitar isso, e não pode exercer essa acção com a facilidade com que se diz.

No entanto, eu empregarei os esforços possiveis para que essas noticias se possam restringir o mais que puder ser um dos meios mais efficazes para esse fim é o que propôs o Sr. Dr. Moreira Junior: a publicação de um boletim official no Diario do Governo, dizendo só o que é verdadeiro.

O Sr. Brito Camacho: - Note V. Exa. que ninguem lê esse boletim.

Era melhor que V. Exa. fizesse a distribuição das noticias verdadeiras por todos os jornaes, qualquer que seja a sua feição politica.

O Orador: - Eu ponho á disposição de todos os jornaes, na repartição que para este effeito se montar no Ministerio do Reino ou no da Guerra, todas as noticias antes de publicadas.

O Sr. Affonso Costa: - Eu lembrava que uma repartição publica annunciasse em todos os jornaes que quem quisesse noticias verdadeiras se dirigisse a ella.

Collocar, por exemplo, todos os telegrammas officiaes numa das salas do Governo Civil, para todos poderem ler, porque a parte que mais provoca o estado de alarme é a que se affixa. Os jornaes, embora tragam num sitio noticias que alarmam, trazem no outro outras noticias desmentindo. O que faz mal é o placard.

Hontem, no Rocio, a população estava tão a alarmada como no dia do abalo de terra, porque num placard estava uma noticia menos verdadeira.

O Orador: - Estou de acordo.

A confecção do boletim será feita por uma repartição que enviará as noticias para o Governo Civil, onde poderão, ser examinadas por quem quiser.

E melhor systema que o placard. Ficam ali á disposição de todos os jornalistas e de todos.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: eu não abusarei da paciencia da Camara. Pedi a palavra porque em minha consciencia entendi ser meu restricto dever, como Deputado e como official da armada, o lavrar o mais vehemente, o mais solemne protesto contra a verdadeira mentira, contra a inqualificavel burla que este projecto representa, O que aqui se diz é falso. Nos não temos navios de guerra, o nosso material naval não serve nem pode servir para cousa alguma porque, dos nossos pseudo-navios de guerra, nem mesmo o cruzador D. Carlos é, em face dos principios de guerra moderna, um navio de combate.

Não representam estas minhas palavras, Sr. Presidente, a mais pequena opposição ao Governo, porque elle não tem nem pode ter culpa alguma deste estado de cousas; a culpa tem-na todos os Governos d'este país, culpa temo-la nos tambem que temos permittido que uma marinha de guerra, que devia ser um penhor da nossa independencia, chegasse ao estado a que chegou, que é uma vergonha para todos os portugueses e um escarneo para quem tem a honra de vestir uma farda. Eu tenho esperança que este estado de cousas mude porque vejo na pasta da Marinha um homem cujo nome me habituei de há muito a respeitar como o de um português de lei, que tem sabido sempre cumprir o seu dever. Eu tenho esperança que S. Exa. ha de envidar todos os esforços para melhorar a situação da nossa marinha de guerra.

Tem-se, Sr. Presidente, tomado como pretexto de nos a não termos o facto de, em varias commissões de officiaes da armada nomeados para estudar este assunto, se não ter nunca chegado a um acordo. Eu preciso de levantar esta accusação, porque a verdade é que, se esses officiaes não teem chegado a uma conclusão, tem sido isso devido unicamente á falta de elementos indispensaveis ao seu estudo. Assim nos nem sequer sabemos qual a nossa situação internacional, e tendo, segundo se apregoa, tratados definidos com a Inglaterra, a essas commissões nunca se forneceu nenhumanota delles, unico modo de se poder estudar pois esta questão.
Existem esses tratados? Não sei.

Não quero admittir que não exista cousa alguma, embora a favor desta opinião eu tenha a palavra autorizada do Sr. Ferreira do Amaral no seu livro sobre a defesa nacional; não quero admittir que para nada tenha servido até hoje o nosso representante em Londres, apesar de na outra Camara o Sr. João Arroyo lhe ter chamado uma illustre nullidade.

Sr. Presidente: estou doente, não posso alongar mais as minhas considerações, mas sempre queria saber se num momento angustioso para a nossa nacionalidade, num momento em que ella esteja em perigo, a marinha de guerra podia prestar qualquer serviço ao pais. E nesta occasião não é só ao Ministro da Marinha que me dirijo, mas muito principalmente ao Sr. João Coutinho, a esse João Coutinho tão nobre e tão altivo, que em 1890 repelliu a affronta a Portugal de um modo que só por si bastaria para aifirmar o seu nome de português de lei, é a S. Exa. que eu peço, que supplico que envide todos os esforços para que acabe com isto que é uma verdadeira vergonha.

Sr. Presidente: vou terminar, dando o meu voto a este projecto, como o daria ao outro que hontem se votou, fixando o contigente de recrutas do exercito e da armada, não por outro motivo, mas unica e simplesmente porque desejo que se conserve no seu maximo da força, compativel com as condições da Fazenda Publica, esse exercito e essa marinha gloriosos a cuja honra e dignidade está entregue a honra e dignidade da patria portuguesa, porque ainda tenho segurança de que, num futuro bem proximo, elles se imponham e digam á politicagem mesquinha e torpe que basta de tripudiar sobre esta terra, basta de fazer de um país que podia ser prospero e rico a tabua rasa de tantas ambições desmarcadas que eu nem sei como d'ellas elle ainda poderá salvar-se; ainda tenho esperança de que o exercito e armada nacionaes se levantem e tornem outra vez rico e feliz este pobre Portugal, que hoje é só um motivo de gargalhada, um alvo de constantes injurias.

Só assim poderemos conservar integro e forte o nosso

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bom nome, o prestigio das instituições e o prestigio do Rei.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Moreira de Almeida: - Sr. Presidente: quasi que vou fazer uma simples declaração por parte dos Deputados da minoria dissidente d'esta Camara.

Nos votamos contra este projecto, sem larga discussão, depois de mostrarmos que a favor ainda não vi que se inscrevesse qualquer Deputado da maioria; votamos contra porque entendemos que assim prestamos melhor a nossa homenagem á marinha de guerra, que tem sido tão maltratada por todos os partidos e por todos os Governos.

Reservamo-nos para tratar esta questão quando se discutir o orçamento do Ministerio da Marinha, porque nos parece esse momento mais opportuno do que o actual.

A marinha de guerra está num estado deploravel que se não compadece com a nossa situação de potencia naval e colonial, a não ser que estejamos sujeitos a fazer tratados ou convenções, sem os submetter á consideração da Camara. (Apoiados).

A Camara ouviu ha pouco o illustre Deputado Sr. Almeida Garrett, que pela sua capacidade intellectual é uma honra da oficialidade da armada, descrever o estado da marinha de guerra, salientando a situação ingloria que ella está atravessando (Apoiados) e o Sr. Ministro da Marinha na resposta que deu ás talentosas palavras do Sr: Almeida de Eça, sobre a parte que diz respeito ao material naval guardou o mais discreto silencio. (Apoiados).

Registo este facto e o desejo manifesto de evitar uma discussão a que o Governo e a maioria não podem fugir com toda a largueza. (Apoiados).

Não sei para que serve fixar por uma forma empirica o numero de 5:639 praças da armada e dizer que essas praças hão de ser distribuidas por um yacht, que se não sabe a quem pertence (Apoiados), por seis cruzadores, uma corveta, dezaseis canhoneiras, tres torpedeiros, quatro lanchas-canhoneiras, três lanchas, 3 transportes, dois rebocadores, 3 navio escolas, um navio deposito e um navio deposito enfermaria, quando na verdade não existe tal material de guerra, porque nem sequer temos navios em condições de fazer as honras do porto de Lisboa e os cruzadores D. Carlos e D. Amelia estão em circunstancias tão deficientes que mal podem desempenhar os serviços que lhes são destinados. (Apoiados).

De modo que nenhum de nos pode dizer que esses navios sejam mais do que simples unidades de representação e não unidades de combate, prontas a secundar os nossos esforços contra as ambições estranhas e isto é tanto mais lamentavel quanto á certo que quando todas as nossas energias se abatem cada vez mais, e é profundo o desalento que nos invade, são os oificiaes de marinha que desempenham as funcções mais arriscadas, precisamente os que mais desejariam que a marinha de guerra pudesse desempenhar a missão que lhe está confiada. (Apoiados).

A marinha de guerra, que tem officiaes como o Sr. Ministro da Marinha, que tão bellos exemplos tem dado nas nossas colonias e nos serviços maritimos e as melhores provas do seu valor e heroicidade, que tem officiaes d'esta natureza e praças da armada como aquellas que eram dirigidas pelo Sr. tenente Sepulveda, que affirma num livro o seu alto valor, não tem o material necessario. (Apoiados).

Um país que é hoje a segunda potencia colonial não tem navios de guerra, possuindo apenas para o defender aquelles chavecos que demandam despesas enormes e que não servem nas occasiões em que mais precisos são. (Apoiados).

Digo como o Sr. Almeida Garrett: o que vamos votar é uma mentira. Disse bem. Effectivamente o que está no projecto de lei em discussão é uma mentira. Nada disso é verdade. (Apoiados).

Essas praças hão de ser licenceadas, porque os orçamentos não permittem que estejam no serviço effectivo esse numero de praças, de maneira que essas praças deixarão o serviço activo sem a instrucção final, pois sabe-se bem que a bordo desses navios a instrucção d'essas praças é mais do que insufficiente, e absolutamente deficiente.

Não quero desenvolver este thema, falta-me a competencia para o tratar; mas quando se discutir o orçamento do Ministerio da Marinha a minoria dissidente largamente se occupará da organização da armada, que não merece o tratamento de desfavor que lhe teem dado os Ministerios que se teem succedido no poder. E tempo d'ella ter o consideração que merece.

Por agora, Sr. Presidente, quero simplesmente dizer que votamos contra o projecto.

Sr. Presidente: ha um ponto neste projecto que não percebi bem e que desejava que me esclarecessem. E a que se refere ao yacht real, de que trata o artigo 1.° do projecto.

Annullada a liquidação dos adeantamentos, que fora feita pelo decreto ditatorial de 30 de agosto e pela qual o Estado- adquiriu o yacht, decerto elle voltou a ser propriedade de quem o entregava em pagamento desses adeantamentos. Portanto, se o Estado deixou de ter como seu esse navio, como continua figurando entre os navios da nossa armada? E do Estado? Se o é, por que razão tem elle mais officiaes e praças do que competem á sua lotação. É um privilegio, é uma excepção?

Em que lei se funda o Sr. Ministro da Marinha para manter esse privilegio ou essa excepção?

Destina-se o yacht a serviços da armada. Julgo que só assim poderá ser, quando o Estado tiver titulos da propriedade d'esse navio.

Eram estas as considerações que tinha a fazer sobre o projecto em discussão.
Tenho dito. (Vozes:-Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ernesto de Vasooncellos: - Sr. Presidente: começarei por lembrar a V. Exa. e á Camara o velho aforismo que diz: "Casa onde não ha pão todos ralham e ninguem tem razão". Aqui todos ralham e todos teem razão.

Poderia desenvolver a minha these sobre a Marinha de Guerra, sobre a vastidão das nossas costas e a situação dos nossos portos, tanto na metropole como nas colonias e sobre as relações que devemos manter com os países de de immigração, que são aquelles em que nos podem surgir difficuldades e que por isso nos dão a ideia de que precisamos manter uma força naval propria para apoiar, pelo menos, as reclamações diplomáticas que junto desses paises tivéssemos de, fazer.

É um ponto que não tenho visto considerado por nenhum dos meus collegas, porque a verdade é que nos precisamos ter uma marinha adequada em relação á nossa situação internacional, de harmonia com as circunstancias financeiras e economicas do país.

Não é uma utopia dizer-se que nos países de immigração portuguesa, se nos podem levantar complicações. Nós possuimos colonias d'este genero no Atlantico, no norte da America, em Boston, em Providence, em New Bedford e New-York. Tambem as temos em Demerara, e ao longo da costa da California em S. Francisco, San Diego, e Los Angeles, etc., onde estão muitos compatriotas que se empregam no arduo serviço da pesca e outros misteres; algumas cidades, como Providence, são verdadeiras terra" portuguesas, e eu não vejo que se trate de promover que hajam relações maritimas portuguesas com estas colonias, e, no entanto, cada um desses portugueses, dos que exis-

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tem dissiminados por esses estados, podia ser um consumidor quanto mais não fosse dos nossos vinhos. (Apoiados).

Eu não vou alargar-me em considerações sob este ponto de vista, que deixo apenas ennunciado, falando ainda do Brasil onde a colonia portuguesa é enorme, e que bem poderiamos aproveitar para mais intimo e proveitoso estreitamento de relações. Nos Estados Unidos deixamos desnacionalizar as nossas colonias, porque não mostramos ali a nossa bandeira. (Apoiados): Não me lembro de que um nado de guerra português tenha ido visitar essas nossas colonias e a das ilhas de Sandwich, por exemplo. Isto vem á proposito para dizer a V. Exa. que todas as razões que se possam apresentar em reforço da manutenção e aumento da nossa marinha, são bem vindas é recebidas por todos, e o Governo não pode deixar de as perfilhar tambem, mas no momento presente e por agora, do que nós tratamos é de simplesmente discutir e votar este projecto que representa uma necessidade de serviço e que todos V. Exas., eu qu&si todos, disseram que approvavam, visto, de pronto, não estarmos habilitados a adquirir o material de que carecemos.

O meu collega, o Sr. Moreira de Almeida atacou o projecto pelo facto de não representar realmente a verdade, porque, diz S. Exa., o numero de praças fixado é illusorio.

Não é, o calculo está feito não só com relação ás lotações de todos os nossos navios da armada, como se pode ver da respectiva lista, como tambem em harmonia com o orçamento, por onde V. Exa. poderá observar que corresponde exactamente ao numero que aqui está fixado. E o numero necessario.

Não desejo alargar-me em considerações sobre o effectivo da nossa armada, mas, a respeito da fixação desse effectivo, eu tenho uma opinião contraria á de alguns dos meus camaradas; pois não acceito a immobilização de praças de marinha em terra, formando um corpo de marinheiros; não sei bem para que serve, os marinheiros são para estarem a bordo dos navios, cujos destinos devem, tanto quanto possivel, seguir.

Se entrássemos na analyse do que deve ser a nossa marinha, nos teriamos de descer a minudencias importantes e uma d'ellas, sem duvida, é aquella de que estamos sempre a falar: a illustração e conhecimentos dos nossos, officiaes que sou o primeiro a reconhecer. Não quer isto dizer que não precisamos de educar todo o pessoal da nossa marinha, principalmente o pessoal de machinas e de fogo, a que é indispensavel dar uma solida instrucção pratica.

Tambem estou de acordo de que necessitamos de nos occuparmos da preparação dos nossos officiaes da armada, fazendo uma completa reforma da Escola Naval, adoptando o internato e mandando-a estabelecer por exemplo em Paço de Aroos, no local onde estão installados os torpedos fixos que urge reunir aos torpedos moveis, conforme era pensamento do actual Presidente do Conselho quando em 1905 geriu a pasta da Guerra, tendo chegado a nomear uma commissão para tratar do assunto, suppohdo eu que S. Exa. ainda terá a mesma opinião. O local, com a ampla enseada de Paço de Arcos, onde estaria ancorado o navio annexo para treno dos alumnos e habituando-os á vida de bordo, podendo mesmo o navio sair repetidas vezes a barra em curtos exercicios, habilitando e familiarizando os aspirantes com a entrada do Tejo que ficariam conhecendo optimamente tornando-se práticos da barra, o que não é indifferente.

Vê portanto V. Exa. e vê a Camara que temos local onde pode muito bem ficar installada a Escola Naval, com vantagem do ensino dos diversos ramos das sciencias navaes:

Iriamos assim preparando, como disse, a futura oficialidade da nossa armada, que mais apta ficaria para o serviço e manejo do material naval, que a nossa situação de nação colonial e a nossa alliança nos impõe.

Ainda agora o meu illustre amigo Sr. Almeida d'Eça, referiu-se á deficiencia da nossa armada. Realmente assim é, mas por que ella é deficiente não devemos negar ao Governo os meios que o habilitam a utilizar esse mesmo material.

Não me refiro já á maioria dos cruzadores, porque esses navios quanto a mim não merecem mesmo a artilharia com que estão armados e não teem efficiencia, mas quero alludir aos navios empregados no serviço colonial, dos quaes muito precisamos e podemos conservar e aproveitar ainda bastantes dos que possuimos para esse serviço, que é mais de policia e fiscalização do que, propriamente serviço militar naval.

Sou, pois, de opinião que a Camara deve votar este projecto, porque elle satisfaz até certo ponto ás necessidades do serviço.

O Sr. Brito Camacho (interrompe): - Para perguntar se o Sr. Presidente do Conselho e Ministro da Guerra ainda terá a mesma opinião a respeito da juncção do serviço de torpedos fixos e moveis.

O Orador: - Eu não chamei para isso a attenção do Sr. Ministro da Guerra porque não sei se S. Exa. ainda mantem a opinião de que se devem reunir estes dois serviços.

S. Exa. já em 1905 pensou nisso e nomeou como disse a V. Exa. uma commissão para estudar o assunto, mas não sei qual o resultado desses estudos. Os torpedos já estiveram reunidos.

É preciso que voltemos á primeira forma. A minha opinião pode ter discussão entre os technicos; não me julgo com competencia para entrar na analyse do assunto.

O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - Não se ouviu.

O Orador: - Não sei, nem aqui falo em nome do Governo, porque não tenho procuração para isso.

Mas supponho que, na mente do Sr. Ministro da Marinha, como official distincto que é, estará a ideia dê promover que o Governo resolva esse problema, por que d'ahi resultaria uma situação magnifica para se estabelecer a escola naval. Estando na tnesa um projecto do Sr. Antonio Cabral que trata da transferencia do Arsenal da Marinha para a margem esquerda do Tejo, parece-me que era momento opportuno para se tratar do assunto que ao ensino naval importa.

O local que indico parece que está propositadamente feito para ahi se estabelecer a escola naval.

V. Exa. tem visto o desenvolvimento da bahia de Paço de Arcos e comprehende a conveniencia do que acabo de expor.

Portanto, e voltando ao projecto em si, parece-me que elle deve ser approvado por attender á situação em que actualmente se encontra a marinha de guerra portuguesa e que não pode desenvolver-se sem gastarmos muito dinheiro.

O Sr. Moreira de Almeida: - Que não esqueça a pergunta sobre o yacht.

O Orador: - O yacht está encorporado na armada, mas não faz parte da marinha de guerra propriamente dita como unidade de serviço militar visto estar, á semelhança do que succede em quasi todas as nações maritimas, ás ordens e para serviço do Chefe do Estado.

O yacht tem assim sido sempre encorporado na marinha de guerra e, por consequencia, é do Estado e tanto que, desde muito, vem designado nos anteriores projectos de fixação da força naval.

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O Sr. Moreira de Almeida: - Isso não pode ser. Qual foi o decreto pelo qual o Estado adquiriu esse yacht? (Apoiados).

O Orador: - Os navios da armada não se adquirem por decretos.

Trocam-se apartes.

O Sr. Presidente: - Eu peço ao orador que se volte para a presidencia e que dirija a esta as suas considerações.

O Orador: - Eu embora esteja voltado para qualquer dos lados da Camara, dirijo sempre as minhas considerações para V. Exa.

O yacht considera-se encorporado na nossa armada e a sua lotação, como S. Exa. sabe, é realmente anomala.

É tripulado por officiaes da marinha de guerra e commandado por um official com um posto superior ao que teem de ordinario os navios da sua tonelagem, embora pela ordenança possa ser commandado por um capitão de mar e guerra.

O Sr. Affonso Costa: - Quer dizer, tem adeantamentos de pessoal.

O Orador: - Este navio tem sido empregado em estudos oceanographicos, estudos que se fazem em todas as marinhas do mundo e que, no proximo anno economico, hão de ser feitos por esse yachl na nossa costa.

E o que eu posso dizer, por emquanto, a V. Exa. e á Camara; mas o que me parece é que o projecto, na sua essencia, não foi impugnado e por conseguinte pode ser approvado.

O Sr. Correia Mendes: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra,- ouvida a de fazenda, sobre a proposta n.° 2-D, destinada a introduzir na legislação vigente sobre a organização do exercito e promoção dos officiaes algumas alterações aconselhadas pela experiencia e reclamadas pelas necessidades do serviço.

Foi mandada imprimir.

O Sr. Archer da Silva: - Sr. Presidente: Não tencionava usar da palavra a respeito deste assunto, mas as declarações do Sr. Ernesto de Vasconcellos a isso me obrigaram.

É preciso que nos saibamos o que votamos para que esta questão fique bem estudada e nos possamos votar com consciencia. (Apoiados).

Pelas declarações do Sr. relator nos não sabemos o que votamos.

Diz S. Exa.

(Leu).

É preciso saber se o yacht pertence ou não ao Estado. Se pertence está muito bem. Se não pertence, não pode de maneira alguma figurar neste projecto. É indispensavel que o Sr. relator ou o Sr. Ministro da Marinha declare a propriedade do yacht. Se pertence ao Estado, é preciso que nos diga qual o motivo por que a sua lotação não corresponde ás dos outros navios de guerra. É uma questão simples. De resto todos nos estamos de acordo sobre o que é a nossa marinha de guerra.

Pela lei de 30 de agosto dizia-se que o yacht D. Amelia passava á posse do Estado, mas esse decreto foi derogado e não foi acceite pelo Sr. Ferreira do Amaral. Hoje vem-se declarar que elle pertence ao Estado. Então em que ficamos?! Pertence ou não pertence ao Estado?

O Sr. Ernesto de Vasconcellos, relator d'este projecto, com a sua alta competencia, fez varios projectos de reforma sobre a marinha de guerra, Escola Naval, etc. Cousas bellissimas, mas que não são postas em pratica.

A verdade é que nos como potencia colonial valemos muito, mas como potencia naval não valemos absolutamente nada e a prova d'isto é o que se está passando com a questão do Transvaal. A maioria e o Governo não a querem discutir e não querem que nos sobre ella digamos o que pensamos. Mas essa questão ha de se liquidar, mesmo quando não seja aqui, na praça publica, que é um bom logar. (Apoiados).

Quando nos não pudermos exercer livremente o nosso mandato, quando nos quiserem pôr peias á forma como o devemos executar, nos não temos duvida em vir aqui e rasgá-lo.

A questão do Transvaal é uma questão de dignidade e é preciso que o Parlamento, por sua propria honra, tome d'ella conhecimento.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscrito vae ler-se, o artigo 1.° para ser votado.

O Sr. Afibnso Costa: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Já não posso dar a palavra a V. Exa. Esperei durante algum tempo para ver se algum dos Srs. Deputados se queria inscrever. Como tal não succedesse, annunciei que a inscrição estava esgotada e que se ia passar á leitura do artigo para ser votado. Vae ler-se.

(Leu-se).

Foi approvado.

O Sr. Ministro da Marinha (Antonio Cabral): - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.° do projecto para ser posto á discussão.

É lido e posto á discussão.

O Sr. Affonso Costa: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Affonso Costa.

O Sr. Affonso Costa: - Consinta-se-lhe, antes de entrar no assunto proprio do artigo 2.° do projecto, que lastime a situação que ao Parlamento português está dando a pertinacia, a obstinada pertinacia da maioria, não discutindo o assunto que antes de tudo devia ser liquidado pelo povo pertuguês para podermos ter uma attitude honrada perante o país e o estrangeiro desde que se discute a legitimidade da assinatura do representante do Governo.

Vozes da direita: - Está fora da ordem!

Vozes na esquerda: - Não está tal, está na ordem!

O Orador: - Não está a dar lição de meninos, ha de discutir todos os assuntos. Acima de tudo é Deputado da nação.

Vozes na esquerda: - A maioria é que anda fora da ordem!

O Sr. Presidente: - Diz que o Sr. Affonso Costa effectivamente divagou para considerações de um assunto differente do da ordem. Entretanto, espera que S. Exa. entrará immediatamente na materia.

O Sr. Eduardo Schwalbach: - É que ninguem assuma o papel de Presidente naquelle lado!

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O Sr. Presidente: - Declara que é só elle, Presidente, quem dirige as discussões.

Uma voz: - Os correctivos não podem ser só p.ara a opposição!

O Sr. Presidente: - Pela muita consideração que tem para com o Sr. Deputado Affonso Costa pede-lhe o favor de se restringir á materia.

O Orador: - Isto aqui não é aula de meninos. Aqui na Camara ha garantias, ha direitos. Basta ler-se os artigos 161.° e 128.° do regimento.

Só com prolongadas divagações é que elle, orador, podia ser chamado á questão e não á ordem. No entanto, acatará as deliberações da Presidencia.

Continuando a sua ordem de ideias, o orador declara que a maioria devia ser a primeira a desejar a discussão do tratado do Transvaal, e a mesma maioria é que devia pedir ao Sr. Ministro da Marinha as explicações que no uso e no cumprimento do dever qualquer Deputado pode pedir.

Suppor-se-ha que a pergunta do Sr. Archer da Silva é inteiramente sem fundamento. Talvez. Tem elle, orador, ouvido fazer referencias de todos os lados da Camara ao Sr. Azevedo Coutinho. S. Exa. certamente que não deixará de cumprir o seu dever.

Nenhum outro serviço maior do que o que estamos fazendo podemos prestar ao pais, fiscalizando os actos do Governo e pedindo esclarecimentos aos Ministros sobre assuntos que correm pelas suas pastas.

A questão é clara e simples. O artigo 1.° do projecto, que acaba de ser votado por maioria, menciona entre os elementos ou unidades da força naval, portuguesa um yacht que pelo decreto de 30 de agosto passou a ser do Estado. O yacht era do fallecido Rei D. Carlos, e não passou para o Estado porque o decreto foi annullado.

O Sr. relator do projecto disse que este yacht é e não é do Estado. Isto não pode ser. Ou é ou não é.

O projecto não pode ser votado sem que o Sr. Ministro da Marinha, em nome do Governo, diga que o yacht é nosso, que pertence ao Estado, ou que é particular.

Não faz elle, orador, da desgraçada questão do yatch o que podia fazer. Ha questões que só se liquidam com as pessoas a que directamente respeitam. Não faz a historia do yacht desde a sua origem por respeito e por circunstancias que succederam em Portugal e que fizeram perder o maior valor da questão.

Pede elle, orador, ao Sr. Ministro da Marinha que lhe diga, qualquer que seja o diploma ou o acto de natureza juridica, se o yacht é de Portugal ou da Familia Real. Por que legitimo acto passou o yacht da Familia Real, da sua propriedade particular, para a propriedade do Estado?

Como compensação da divida da Familia Real ao país o yacht passou para o Estado. Um representante do poder executivo affirmou, então, que o yacht pertencia ao fallecido Rei D. Carlos. Até 30 de agosto de 1907, antes de ser assinado o decreto de ponta e mola, o direito pertencia á Familia Real. O yatch foi avaliado em trezentos e tantos contos de réis, três vezes mais do que o dinheiro para acudir á desgraça de uma povoação inteira, victima do tremor de terra, e desde aquella data ficou pertencendo ao Estado. O decreto foi considerado caduco e abominavel e por direito passou outra vez para a Casa Real.

Conhece o Sr. Ministro da Marinha algum acto de natureza civil ou juridica, ou mesmo do natureza politica, e já elle, orador, não diz lei, diploma, projecto, mas uma resolução em Conselho de Ministros, pela qual se passasse para o Estado o yacht D. Amelia?

O codigo prescreve tres condições essenciaes para se realizar um contrato: capacidade dos contratantes, mutuo consenso e objecto possivel. Não ha duvida que um yacht se pode vender ou dar; os herdeiros do fallecido Rei D. Carlos teem capacidade para contratar e o Estado tambem; mas é preciso provar que houve um momento em que as duas vontades, da Familia Real, o Estado, assentaram em passar o yacht famoso da Casa Real para o Estado.

Se não pertence ao Estado é necessario que o Governo debite a conta da Familia Real para esta pagar os dourados e mais brilhantes que povoam até á saturação esses famosos barcos de guerra. É indispensavel que se não arranque mais, com sarcasmo á miseria publica, o dinheiro para alimentar um barco que não é nosso, e que a Familia Real quer manter para continuar uma vida de fausto e de luxo que faz mal e mal fará se continuar em persistir nella.

(O discurso será publicado na integra guando o orador enviar as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho): - Tenho a declarar ao Sr. Deputado Affonso Costa que tinha pedido a palavra para explicações para antes de se encerrar a sessão.

Não estando no meu animo ter menos consideração por qualquer dos Srs. Deputados, limitarei as minhas considerações em duas palavras.

Começo por declarar a S. Exa. que a questão da propriedade do yacht D. Amélia está ainda por resolver, é uma questão que está affecta á commissão do bill e á commissão de inquerito.

Quanto á questão de ser considerado o yacht como navio de guerra, tenho a dizer que já o anno passado assim figurou sem protesto da Camara, e assim foi considerado navio de guerra.

Relativamente á lotação de officiaes que elle tem, devo dizer que é a mais economica do que seria se fosse por officiaes que não desempenhassem outras commissões.

Estes officiaes não percebem soldo por ali estarem, apenas percebem o subsidio de embarque.

O resultado é mais economico para o país.

Em todos os países, quer sejam monarchias ou republicas, existem embarcações destinadas ao Chefe do Estado.

O Sr. Affonso Costa: - Em França não succede isso.

O Orador: - Vae agora construir-se um navio para esse fim.

Um navio guarnecido como este é mais economico do que guarnecido por officiaes, como acontece nos outros países.

O Sr. Moreira de Almeida: - Pedi a palavra para fazer umas reflexões ás considerações que ouvi ao Sr. Ministro da Marinha.

S. Exa. disse, a respeito da propriedade do yacht real, que era uma questão dependente de resolução.

Em primeiro logar esta razão é contraditoria com o que disse o illustre relator do projecto, que ha pouco declarou que o yacht era do Estado e com o proprio texto do projecto.

O Sr. Ministro da Marinha disse que essa questão da propriedade do yacht estava dependente da commissão do bill e da commissão do inquerito.

Divirjo d'essa opinião: a commissão do bill está encarregada de dar parecer sobre actos ditatoriaes que estão em vigor e o decreto de 30 de agosto foi annullado.

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O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho): - Da commissão de inquerito.

O Orador: - Aqui ouviu-se que S. Exa. se tinha referido á commissão do bill.

A commissão de inquerito está encarregada de investigar os erros praticados durante o anterior reinado, não o, portanto, da commissão de inquerito que ha de vir o titulo de propriedade do navio de guerra; a commissão de inquerito ha de trazer o relatorio sobre quaes foram os erros de administração praticados no interregno. É uma razão á falta de outra; não ha jurisconsulto nesta Camara que seja capaz de dizer que a commissão de inquerito ha de apresentar parecer sobre a propriedade do yacht; tem outra missão e oxalá que quanto antes essa commissão de inquerito acabe os seus trabalhos.

A questão do yacht prende-se com a questão dos adeantamentos e era convenientissimo que essa questão viesse á Camara.

A verdade é que estamos no fim dos dois primeiros meses da sessão legislativa e é indispensavel que essa commissão traga os seus trabalhos á Camara. (Apoiados).

Esta questão, como disseram os Srs. Affonso Costa e Archer da Silva, não é posta com caracter essencialmente politico e aggressivo, seja para quem for; o que é preciso é que mudemos de norma.

Se nos estamos habituados a votar até aqui este projecto como tarifa, é preciso que nos deixemos desse processo, é preciso que quando passe sobre os nossos olhos um projecto d'esta natureza indaguemos quaes são as unidades de combate a que se refere, visto que é um tributo de sangue que se vae pedir, e quaes são os navios de guerra que possuimos, éxpreciso que não continuemos levianamente nesta decadencia em que vamos votar o projecto, porque ha vinte annos se vota sem discussão. (Apoiados).

Nos estamos sempre a dizer á boca cheia que queremos ser uma potencia naval de 2,a ordem, que devemos ter uma grande marinha, más quando se trata deste assunto votamos o que ha vinte annos se votava já.

O que é certo é que eu continuo a não saber se o yacht é ou não do Estado, porque o Sr. Ministro da Marinha acaba de declarar que não sabe se sim ou não elle pertence á nossa marinha de guerra.

Parecia no começo da discussão que este incidente não tinha importancia alguma e, no entanto, levantou-se uma questão que é realmente importante. (Apoiados).

Portanto, o que eu pergunto é se o yacht é ou não do Estado?

A minha conclusão é de que não é, porque elle foi adquirido pelo Estado, em virtude do decreto ditatorial de 30 de agosto, que foi considerado irrito e nullo. (Apoiados).

E a este respeito eu não posso deixar de affirmar que o Governo, que o fez desapparecer da lista dos navios de guerra, praticou um acto de toda a justiça.

Por consequencia, desde que elle desappareceu d'essa lista, foi, por assim dizer, restituido a quem era o seu legitimo possuidor.

Effectivamente a opinião do illustre relator deste projecto não podia ser outra do que a que S. Exa. expendeu, mas o que eu notei é que o Sr. Ministro da Marinha diz que não sabe se o yacht é do Estado e o Sr. relator diz que é.

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho): - V. Exa. dá-me licença?

Eu declarei que o navio está na posse do Estado.

O Sr. Affonso Costa: - Isso é já uma habilidade juridica.

Trocam-se ápartes.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: V. Exa. e a Camara comprehendem decerto que eu não pedi a palavra para entrar na discussão deste projecto, nem para dar explicações que digam respeito ao Ministerio da Marinha, mesmo porque por mim não podia passar a ideia de me antepor ao respectivo Ministro, que em questões de marinha é incontestavelmente superior; uso da palavra unicamente para dar uma explicação sobre uma questão de facto.

E não admira que o queira fazer, por isso que, tendo já sido Ministro durante muitos annos, tenho ouvido tratar muitas vezes d'esta questão, assim como as explicações que se teem dado a este respeito, e tenho a declarar que essas explicações estão em opposição com as que os illustres Deputados aqui apresentaram.

A verdade é, e isto são factos que se podem apurar, que o yacht Amelia foi comprado por El-Rei D. Carlos e cedido á marinha de guerra.

Cruzam-se ápartes.

O Orador: - Os documentos estão na commissão de inquerito. Todos os podem ver.

É necessario que acabem os mysterios e que venha tudo á luz e para todos. Não seja só para quem tem a paciencia, a habilidade, a coragem de colligir documentos; quero que elles sejam para todos.

O Sr. João de Menezes: - Mas por emquanto navega com os faroes apagados.

O Orador: - Mas eu quero que todos tenham os faroes accesos para evitar abalroamentos.

O Sr. Affonso Costa: - V. Exa. pode affirmar á Camara que teem sido mandados á commissão deinquerito todos os documentos que ella tem pedido?

O Orador: - Pelo que diz respeito á minha pasta affirmo ao illustre Deputado que sim; quanto aos outros Ministerios devo declarar que sempre ouvi a todos os meus collegas fazer igual affirmação.

O Sr. Ferreira do Amaral, cujo Gabinete foi o que mais tratou da questão dos adeantamentos, disse sempre que queria luz e completa sobre esta questão. Pois eu sou da. mesma opinião.

A illustre opposição pode pensar talvez que o Governo tenha conveniencia em protelar esta questão, mas está absolutamente enganada.

O meu desejo é esclarecer por completo esta questão, sem encobrir cousa alguma, porque acho que numa questão como esta deve a responsabilidade cair sobre quem a tenha. (Apoiados).

O Sr. Affonso Costa (interrompendo): - Peço a S. Exa. que sejam deferidos todos os pedidos da commissão do inquerito.

O Orador: - Com a maxima franqueza, eu direi ao Sr. relator da commissão de inquerito que eu farei com que sejam enviados á commissão todos os documentos pedidos e que não foram ainda satisfeitos (Muitos apoiados). O que não posso é fazer um inquerito pelos Ministerios.

O yacht tinha sido comprado por quantia que vem numa factura que existe e que a commissão do inquerito julgo que a tem, ficando na posse de El-Rei até que veio a questão dos adeantamentos e appareceu o decreto de 30 de agosto de 1907, pelo qual o yacht ficou pertencendo ao Estado.

Depois veio o decreto de 5 de fevereiro de 1908, que annullou aquelle, e assim ficou a questão como estava.

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SESSÃO N.° 29 DE 28 DE ABRIL DE 1909 17

Agora pertence isto á commissão do inquerito.

Como ella vae resolver esta questão não sei; resolve-a pelo mesmo systema por que a resolveu o Sr. João Franco? Resolve-a por outra forma? Ignoro; a questão é que, quando ella vier ao Parlamento, nos convença (Apoiados), não sob o ponto de vista partidario, porque isto francamente não é uma questão de partidos (Apoiados), mas pelo lado da justiça.

Então, se os republicanos fizerem borborinho e quiserem lançar responsabilidades que não são justas, então ...

O Sr; João de Menezes: - Então o que? ...

O Orador: -Então o systema não 33 acredita. Disse. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Augusto de Castilho: - Sr. Presidente: pedi a palavra a V. Exa. para fazer algumas rectificações e explicar certos pontos que acabam de ser verberados por alguns Deputados.

O yacht real Amelia, que serve de apanagio á Familia Real, não é uma excepção condemnavel ou um esbanjamento que só em Portugal seja observado.

Na maior parte dos paises e pequenas monarchias existem yachst ao serviço dos monarchas e Familias Reaes, ao pé dos quaes o nosso yacht Amélia é bem modesto.

O Imperador da Austria tem tambem um yacht luxuoso, bem como o Imperador da Russia, que possue o Estreita Polar e o Standard, o Rei de Inglaterra, que tem ao seu serviço o Victoria and Albert, o Enchantress e outros.

O proprio Rei dos belgas, que não tem marinha de guerra, tem um yacht.

Que estranheza pode haver, pois, em que exista em Portugal, tambem, um modesto yacht?

El-Rei D. Carlos emquanto viveu deu muito serviço ao yacht; tinha a paixão do mar e preoccupava-se com estudos oceanographicos e da fauna maritima, chegando a publicar, alguns livros muito interessantes.

O emprego d'esse yacht no serviço do. Senhor D. Carlos era, pois, muito justificado e util.

Depois do desapparecimento de El-Rei D. Carlos, era naturalissimo que o yacht continuasse ao serviço do novo Monarcha para seu recreio e distracção.

Mas como El-Rei D. Manuel não tem tempo para ocios d'esta ordem, dedica-se de preferencia, e por exigencias do seu alto cargo, aos ingratos negocios do Estado, que teem sido desde o começo do reinado de uma gravidade excepcional; não tem pois o Rei podido empregar o navio em seu serviço senão uma vez, creio eu.

Mas devo dizer a V. Exa. com toda a satisfação, que El:Rei, espontaneamente, quando eu era Ministro da Marinha, tinha resolvido que o yacht Amelia, durante as folgas do serviço da Casa Real, que são longas, fosse empregado em outros serviços cujo programma estava sendo estudado e que não puderam ser postos em execução nem completamente concluido o seu estudo.

O yacht seria empregado no serviço da hydrographia nas costas de Portugal, que está vergonhoso; mas ainda não pode ser empregado nisso.

No entanto, essa ideia não adormeceu não morreu; e espero, que sob a administração do Sr. Ministro da Marinha actual, seja possivel dar um impulso ao estudo da hydrographia nas costas de Portugal.

Por consequencia, em qualquer occasião que se empregue o yacht nesse serviço, será sempre util.

Emquanto á outra accusação que o Sr. Dr. Affonso Costa fez, de ser o navio tripulado por officiaes de alta patente, isso não é nada para estranhar, porque eu já vi o yacht da Rainha de Inglaterra commandado por um almirante, emquanto o nosso é sempre commandado por um capitão de mar e guerra.

Alem disso é naturalissimo que quando El-Rei se utilize do yacht se faça acompanhar do pessoal da sua casa, que ao mesmo tempo desempenha o serviço de guarnição do yacht. Não vejo que isto tenha absolutamente nada de estranhavel.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Caeiro da Matta.

O Sr. Caeiro da Matta: - Como a hora vae adeantada e eu desejo fazer largas considerações sobre o assunto, peço a V. Exa. que consulte a Camara sob se permitte que eu fique com a palavra reservada para a proxima.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

Vozes da opposição: - Então a maioria sae?!... Nunca mais ha sessão!

O Sr. Presidente: - Eu já tinha dito que o Sr. Caeiro da Matta ficava com a palavra reservada.

Vozes da opposição: - Não ha numero. Requeremos a contagem.

O Sr. Presidente: - Estão apenas 34 Srs. Deputados dentro da sala, numero insufficiente para a sessão poder continuar.

A proxima sessão é na sexta feira, 29, á hora regimental.

A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 40 minutos da tarde.

Documento mandado para a mesa nesta sessão

Representação

Da Camara Municipal de Ponte do Lima, pedindo o subsidio de 2:000$000 réis para poder continuar a manter a escola municipal secundaria d'aquella camara.

Apresentada pelo Sr. Deputado Araujo Lima e mandada publicar no "Diario do Governo".

O REDACTOR = Gaspar de Abreu de Lima.

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