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Discurso do sr. deputado Mendonça Cortez, proferido na sessão de 21 de abril, que deveria ler-se a pag. 367, col. 2.ª

O sr. Mendonça Cortez: — Sr. presidente, tendo assignado o projecto que se discute com declarações pareceria mal se não dissesse em que ellas consistem. Acresce mais, sr. presidente, que tendo eu por varias vezes sustentado doutrina opposta aquella que se deduz do artigo 1.º do projecto, e da elevação das taxas da tabella, eu não seria homem franco e leal se não dissesse os motivos por que me deixei convencer pela doutrina do sr. ministro da fazenda e maioria da commissão, ou porque me conservei firme ás minhas convicções, á minha crença anterior.

Foi a ultima hypothese que se deu, sr. presidente; conservo as mesmas crenças, a mesma convicção em que estava de ha muito; e por isso pedi a palavra para atacar, não o projecto na generalidade, porque o votei, mas o artigo 1.°, em que não concordo. E não concordo, porque me parece que elle vae ferir, apesar das declarações eloquentes e espirituosas do nobre ministro da fazenda, os principios da sciencia, porque contraria os exemplos que a historia financeira e fiscal do nosso paiz nos fornece, e aquelles que nos offerecem os paizes que devemos seguir como modelos n'este assumpto. Não concordo ainda no artigo 1.°, porque me parece que a sua doutrina vae ferir, os principios liberaes; e finalmente porque, a meu ver, contam uma innovação impolitica, e porventura altamente perigosa para o

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governo e damnosa para o thesouro, ameaçando diminuir os rendimentos publicos em vez de os augmentar, como foi intenção e o fim a que mirou o sr. ministro da fazenda nas poucas e breves considerações que veiu fazer. Peço

particularmente ao sr. ministro da fazenda e aos meus colegas, que não queiram ver n'isto o desejo de fazer opposição a s. ex.ª, mas apenas a manifestação sincera de que não posso concordar com os principios economicos do artigo 1.° d'este projecto.

(Áparte que não se percebeu.)

Ouço dizer aos meus collegas que todos nós tivemos o mesmo fim, todos fizemos o mesmo. Exulto com isso, sr. presidente, e estimo que s. ex.ª fizessem o que eu vou agora fazer.

Ha um ponto em que o sr. ministro da fazenda, o illustre relator da commissão, todos os meus collegas n'esta camara, todos os financeiros, todos os publicistas concordam n'estes assumptos fiscaes e tributarios, e é que a contribuição deve ser proporcional á fortuna tributavel do contribuinte.

Mas qual ha de ser o criterio de que se lançará mão, para saber qual a fortuna tributavel do contribuinte? Ahi é que estão as difficuldades.

Ora o sr. ministro da fazenda, substituindo o actual systema de repartição pelo systema de quotidade, porque nenhuma outra modificação importante apresenta o projecto, vem destruir essas difficuldades, vem tornar mais facil o conhecimento da fortuna tributavel? Vem augmentar o rendimento do fisco? Não, sr. presidente.

Eu proponho-me a sustentar que esta substituição não destroe em nada as difficuldades existentes; ao contrario, que o reddito do fisco baixará, e que em vez do mal diminuir se ha de aggravar, pois que o remedio não chegará até onde se pretende que elle deve chegar.

Os economistas desde as classes dos athenienses, de que nos falla Pollux até ás indictiones dos romanos, até ao projecto do sr. ministro da fazenda, não têem ainda achado nenhum outros meios para conhecer qual é esta fortuna tributavel senão a declaração do contribuinte, ou os factos externos independentes da vontade d'elle, e demonstrativos d'aquella fortuna.

Estes factos reduzem se todos á superficie, ao rendimento bruto, ao rendimento liquido e ao valor venal.

Proponho-me demonstrar pois, sr. presidente, que qualquer d'estes criterios não melhora com as bases d'este projecto, e portanto que o projecto mesmo é deficiente e inutil.

Depois hei de demonstrar, segundo a minha ordem de idéas, que o projecto é prejudicial, pois que tem contra si a experiencia mesmo n'este paiz, e portanto que o governo, enganando-se nos seus intuitos, em vez de dotar o thesouro com uma boa instituição financeira que lhe augmente as receitas, receio muito que o dote com uma que lh'as vá diminuir (apoiados).

O illustre ministro da fazenda, o sr. relator, e muitos dos meus collegas, que usaram da palavra n'este assumpto, referiram-se por vezes ás falsas declarações dos contribuintes n'este paiz, como se fosse vicio privativo d'elle.

Esta apreciação, sr. presidente, é menos conforme com a verdade, que resulta das estatisticas que temos entre nós, e com a dos povos que foram citados como antithese ao nosso.

(Áparte do sr. ministro da fazenda, que se não ouviu.)

S. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, diz-nos que as declarações dos contribuintes não são meios seguros de chegar á verdade, e que o systema do projecto corrige as imperfeições actuaes.

Mas, sr presidente, se a sciencia não tem outros meios, para saber qual é a fortuna collectavel sobre que tem de recaír a contribuição, senão aquelles que apontei e que s. ex.ª não contestam; se o systema do nobre ministro os não corrige, é evidente que o projecto pelo menos é inutil, mas é mais, é prejudicial. As declarações dos contribuintes são o meio mais simples, singelo e directo de conhecer a fortuna tributavel. Ninguem o negará, mas falla-se das declarações falsas!

Sr. presidente, as declarações falsas dos contribuintes não são de agora, nem só d'este paiz. Se o nobre ministro se desse ao trabalho de examinar o alvará de 26 de setembro de 1762, havia de ver que já o marquez de Pombal ali dizia na declaração 3.ª, que era necessario que o povo portuguez se convencesse de que cada contribuinte devia pagar a decima que lhe competia, e que não continuasse o abuso de haver proprietarios de predios rusticos e urbanos, que, tendo 200$000 e 300$000 réis de renda, pagavam apenas 2$000 e 3$000 réis de decima: quer dizer, 1 por cento; e negociantes que, maneiando com 50:000 e 100:000 cruzados que lhes rendiam 20 por cento e mais, pagavam sómente de decima 1$200 e 1$600 réis, quer dizer, tres ou quatro decimas milesimas por cento! Veja v. ex.ª até que ponto as declarações de então satisfaziam á verdade: eram tão falsas ou mais ainda do que as de hoje! (Apoiados).

Desgraçadamente é uma realidade que as falsas declarações dos contribuintes produzem tristes e injustissimos resultados, porque verdade é que se ha quem pague duas ou tres decimas milessimas, devendo aliás contribuir com muito mais, quinhentas, trezentas vezes mais, fatalmente ha de acontecer que outros contribuintes hão de pagar muito mais do que deviam, e estes são os contribuintes pobres, para quem a lei não tem favores nem os seus fiscaes privilegios! (Apoiados.)

Mas este mal das declarações falsas, sr. presidente, não é só proprio do nosso paiz; e fazendo esta observação, refiro-me aos exemplos que da Inglaterra e da Allemanha aqui citavam alguns dos meus illustres collegas para provar, segundo s. ex.ªs, que o exemplo d'aquelles paizes seguidores da repartição não poderia aproveitar ao nosso, menos moral n'esta parte.

Sinto não poder acompanhar a s. ex.ªs n'essa opinião, mais phantasiosa do que real.

As falsas declarações dos contribuintes não são uma planta indigena, desgraçada ou felizmente, d'este paiz; e eu, respeitando muito a proficiencia dos nobres deputados e do sr. relator da commissão, que é um dos mancebos mais eruditos que conheço n'estes assumptos, não posso todavia acatar n'esse ponto a opinião de s. ex.ªs, porque todas as cousas tem o seu limite, e contra a verdade não é possivel que prevaleçam auctoridades scientificas.

Se s. ex.ªs se quizessem dar ao incommodo de examinar os excellentes trabalhos de Dudley Baxter sobre o income-tax inglez de 1867, haviam de ver que a conclusão a que chega aquelle excellente financeiro é — que as declarações dos contribuintes inglezes estão para o rendimento real em Inglaterra como um está para dois, dois e meio e tres; precisamente a mesma relação entre o rendimento collectavel das nossas matrizes e o rendimento real que se presuppõe corresponder-lhe.

Mas não é só este grande trabalho estatistico, como disse, de 1867, sobre o income-tax; podia citar outros e entre elles o relatorio official ao governo inglez, tambem sobre o income-tax, do sr. Lowes, em 1861. Esse chega ao mesmo resultado, e affirma mais que a declaração do contribuinte inglez não tem outra garantia solida e verdadeira senão a sua consciencia. Todos sabem o que valerá a consciencia n'um estado, que sonega dois terços da sua fortuna e que se penitenceia apenas com as insignificantes sommas de que aqui nos fallou o meu amigo, talentoso e incansavel investigador de factos economicos, o sr. Barros e Cunha, quando s. ex.ª nos citou o rendimento do conscience-money de Inglaterra. Citou-se tambem o exemplo da Allemanha. Peço licença ao nobre deputado, que se soccorreu a esse exemplo, para dizer a s. ex.ª, que ninguem é mais respeitador, mais enthusiasta do que eu pela Allemanha scientifica, industrial e litteraria, mas todas as cousas têem o seu senão, e aqui dá-se

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precisamente o aphorismo cá elá más fadas ha. Apenas citarei ao meu illustre collega, para corroborar o que digo, os excellentes trabalhos estatisticos de Engel, director da repartição de estatistica na Prussia, conselheiro intimo, e director do magnifico trabalho Zeitschrift, onde, comparando o rendimento collectavel, manifestado pelas associações agricolas no cadastro prussiano corrigido, com o rendimento collectavel declarado pelas mesmas associações ao landes aeconomie-colleginna, apparece aquelle nos terrenos que andam de trigo 1/3 d'este, e nos de aveia, centeio, etc. 1/7 por morgen. Quer dizer, em uns os contribuintes occultaram na Prussia 2/3 do seu rendimento collectavel, em outros 6/7. A fonte não é suspeita, é o Iahrbuch de Engel, de 1863.

D'estes, e muitos outros exemplos, que poderia citar, deduzo, sr. presidente, que as falsas declarações são um crime, são um roubo; mas não são privativas d'este paiz, e por isso não fornecem argumento solido aos que d'ahi pretendem deduzir a necessidade da qualidade, pois que ellas dão-se com a quotidade e com a repartição.

O mal das falsas declarações é congenito, infelizmente, em todos os estados; é o mesmo mal profundo, incuravel, fatal, que no mundo religioso produz o atheismo, nos costumes e na moral o cynismo, na politica a instabilidade de convicções e a variabilidade de crenças, no mundo fiscal as falsas declarações!

É por isso que os legisladores de ha muito tempo procuram corrigir as declarações dos contribuintes por meio da critica e sciencia cadastral; mas se o cadastro é o melhor correctivo ás falsas declarações, como nos ensinam Rau e os mais financeiros, é inquestionavel tambem que é o correctivo mais caro, mais difficil e mais moroso. Todos sabem que o cadastro francez custou approximadamente 150.000:000 francos, isto é, 1:600$000 réis por milha quadrada, approximadamente tanto quanto custou o cadastro da Prussia ou da Austria. A Inglaterra, que até 1648 teve um cadastro, que lhe não serve hoje para nada, gastou approximadamente com elle 1.982:000 libras. A Hespanha, que tambem em 1846 quiz ter um cadastro, destinou para esse trabalho, no decreto de 18 de dezembro, a enorme quantia de 4.600:000$000 réis, isto apenas para o começar; para o concluir teria de gastar muito mais, porque a primeira somma que votou não lhe chegaria nem para a terça parte.

Já se vê, portanto, que similhante systema, porque é despendiosissimo, não póde servir-nos; e o proprio sr. ministro da fazenda, pelas considerações que fez, mostrou que não póde contar com similhante elemento, que aliás falha na pratica, como a experiencia tem mostrado na França, na Prussia, na Italia, na Hollanda, etc.

Mas se este elemento entre nós não póde corrigir as falsas declarações, vamos ver se os outros a que me referi, que são os indirectos, podem utilisar ao systema proposto pelo sr. ministro da fazenda, ou se s. ex.ª póde prescindir de uns e de outro para augmentar o imposto, corrigindo-lhe as desigualdades.

Entre os indirectos o primeiro que eu encontro, ou, antes, o primeiro que a sciencia me fornece é a superficie; mas s. ex.ª sabe que a superficie é um criterio que é proprio das sociedades infantis, digno dos tempos de Affonso X de Leão, de Innocencio IV de Roma, ou de Affonso III de Portugal; proprio para, com os fossados, annuduvas, martinega, almocreveria, avolumar os magnificos repositorios da antiguidade, a monumenta de Pertz, A. Herculano, Cibrario, Mamo, Schmul, etc. ou os mais modestos de J. P. Ribeiro, Bzowio ou Raynaldo. Embora usado na Austria, Mecklemburgo e Baviera, a superficie não póde servir a este systema de contribuição, é inteiramente impossivel a sua applicação á hypothese da contribuição pessoal. Ainda que o sr. ministro da fazenda se deixasse deslumbrar pela auctorisada opinião de Rand, Reden e Lang, que o apresentam como excellente base para a distribuição do imposto, s. ex.ª não o poderia applicar á contribuição pessoal.

Por consequencia a superficie não póde dar ao nobre ministro elemento algum de apreciação, nem de correcção para este caso.

Será o rendimento bruto? Mas esse, desde a sua mais simples e grosseira fórma por que foi usado na peninsula e na igreja catholica, desde os tentamens nas primeiras dynastias portuguezas até á fórma mais completa e perfeita que entre nós tomou desde 1640 até 1852, e que ainda hoje se conserva em alguns estados da Europa, como a Austria, etc. de pouco serve, quando não auxiliado pelas declarações dos contribuintes ou corrigido pela critica cadastral.

Ainda mesmo que o nobre ministro se quizesse consubstanciar com o systema de Vauban ou Curnier ainda que s. ex.ª se tornasse apostolo fervoroso dos principios economicos aqui proclamados pelo nosso distincto collega o sr. dr. Affonseca, o rendimento bruto nem encheria as arcas do thesouro, nem desfaria as desigualdades tributarias de que s. ex.ª aqui se nos queixou. O novo systema do nobre ministro será esteril para uns e outros effeitos. O meio de combater o mal não é este, sr. presidente, é muito diverso.

Os outros criterios, o rendimento liquido e o valor venal, que alguns economistas menos eruditos julgaram que eram invenção dos tempos modernos, mas que já encontramos usados pelos romanos, da mesma fórma não destroem o mal com só lhes adaptar o systema de quotidade. Pelo contrario, precisam das declarações dos contribuintes, da critica cadastral corrigida e garantida pelo elemento democratico, liberal e justo, que só póde fornecer a repartição.

Portanto, repito, comparando a proposta do sr. ministro com os principios da sciencia, não vejo que possa auctorisar-se com os preceitos economicos.

Vejamos se a proposta tem alguma outra vantagem que se deduza deste debate, ou que elle já tenha vindo demonstrar.

Isto leva-me a dizer summariamente as rasões por que não voto o artigo 1.°

Não o voto, porque no meu espirito não faz impressão nenhuma a consideração, aliás importante para muitos, de que n'um paiz pequeno é melhor o systema de quotidade do que o de repartição.

O nosso paiz é pequeno, mas não é tanto que se lhe possa applicar o preceito economico, se aliás o é. E se me argumentam com o exemplo de Bade, eu responderei com o de Wurtemberg. (Vozes: — Deu a hora.)

Sr. presidente, como desse a hora, e eu tenha algumas observações ainda a fazer, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para ámanhã.

Vozes: — Muito bem.

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