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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 12 DE FEVEREIRO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 63 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Vidal, Abilio, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Quaresma, Eleuterio Dias, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazzioti, Pinheiro Osorio, Zeferino Rodrigues, Barão de Santos, Barão do Vallado, Beato de Freitas, Almeida e Azevedo, Ferreri, Almeida Pessanha, Cesario, Claudio Nunes, Conde da Torre, Domingos de Barros, Fortunato de Mello, Bivar, Coelho do Amaral, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Coita, F. M. da Cunha, Guilhermino de Barros, Henrique de Castro, Medeiros, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Alves Chaves, Costa e Silva, Sieuve, de Menezes, Silveira e Menezes, Menezes Toste, Julio do Carvalhal, Camara Leme, Alves do Rio Manuel Firmino, Mendes Leite, Murta, Pereira Dias, Pinto de Araujo, Miguel Osorio, Modesto Borges, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, Fernandes Thomás, Thomás Ribeiro e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, A. B. Ferreira, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Correia Caldeira, Gonçalves de Freitas, Fontes Pereira de Mello, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, A. de Serpa, Palmeirim, Barão das Lages, Barão do Rio Zezere, Garcez, Albuquerque e Amaral, Abranches, Beirão, Carlos Bento, Cyrillo Machado, Fernando de Magalhães, Barroso, Izidoro Vianna, Gaspar Pereira, Blanc, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, J. A. de Sousa, J. da Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Calça e Pina, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Lobo d'Avila, José da Gama, Silva Cabral, Sette, José Guedes, J. M. de Abreu, Casal Ribeiro, Frasão, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Batalhós, Mendes Leal, Camara Falcão, Levy M. Jordão, Rocha Peixoto, Sousa Junior, Vaz Preto e Monteiro Castello Branco.

Não compareceram — Os srs. Ferreira Ponte, Seixas, Arrobas, Breyner; Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, David, Peixoto, Barão da Torre, Oliveira e Castro, Pinto Coelho, Conde de Azambuja, Cypriano da Costa, Poças Falcão, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Fernandes Costa, Ignacio Lopes, Gavicho, Bicudo, Pulido, Chamiço, Cadabal, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Mendes de Carvalho, Nepomuceno de Macedo, Albuquerque Caldeira, Ferreira de Mello, Simas, Faria Guimarães, Veiga, Infante Pessanha, Figueiredo Faria, D. José de Alarcão, Latino Coelho, Alvares da Guerra, Rojão, José de Moraes, Freitas Branco, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Sousa Feio, Charters, Simão de Almeida, Teixeira Pinto e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Sobre ella:

O sr. Frederico de Mello: — Na sessão do dia 6 do corrente, por occasião de se discutir o projecto de lei sobre celleiros communs, mandei para a mesa uma proposta, que tem por fim conceder aos delegados do procurador regio, nas commissões dos celleiros communs promovidas por estes, as percentagens que pelos direitos fiscaes lhes são concedidas, bem como aos outros mais empregados de justiça.

Não mandei aquella minha proposta a artigo algum do referido projecto, e desejando que ella se inserisse no projecto de lei então em discussão, por me parecer de toda a justiça, pedi á illustre commissão a quizesse inserir no mesmo projecto no logar que julgasse mais conveniente. O illustre relator da commissão, o meu nobre amigo e collega o sr. Rojão, declarou que aceitava aquella proposta, e que fosse á respectiva commissão para se inserir no projecto a que alludo.

Lendo porém o extracto da sessão do dia 6, no Diario de Lisboa, vejo o seguinte (leu).

Parece-me que esta não é a verdadeira historia do que se passou na referida sessão, e entendo que esta resposta do sr. Rojão foi em referencia a uma outra proposta apresentada pelo sr. Ferreri, e não em relação á minha proposta porque sendo a minha idéa aceita pelo illustre relator da commissão, como já disse, e como consta da acta da mesma sessão do dia 6, e mesmo do extracto da sessão no Diario de Lisboa em outra parte, não se pôde presumir que o mesmo sr. relator dissesse que = se não podia votar a minha proposta, porque se achava prejudicada com a votação do artigo 5.° =.

O que entendo é que a resposta do sr. Rojão á proposta do sr. Ferrari não está collocada no competente logar. Segue-se a mesma resposta alminha proposta, e d'este modo deprehende-se que a minha idéa não foi aceita, o que não é exacto, porque foi admittida pelo illustre relator dá commissão, como já disse, para que fosse á respectiva cora missão e se inserisse no logar competente. Para evitar pois quaesquer duvidas que se possam dar, e mesmo para que fique bem claro de tudo que se passou na referida sessão na discussão do mencionado projecto, eu peço a v. ex.ª que queira mandar ler a parte da outra, que se refere aquella minha proposta, e ao sr. secretario que tenha a bondade de declarar se ella foi ou não aceita pelo illustre relator da commissão.

O sr. Secretario (Menezes Toste): — A acta está exacta. Tenho toda a certeza de que effectivamente a proposta feita pelo sr. deputado foi aceita pelo illustre relator da commissão, e a acta diz isso mesmo. Portanto foi talvez engano dos srs. tachygraphos, mas fique certo o illustre deputado de que a acta está exacta e que a sua proposta foi enviada á commissão.

Foi approvada a acta.

O sr. Frederico de Mello: — Agradeço muito a v. ex.ª as explicações que se dignou de dar-me, e que me satisfazem completamente. Por ellas se conhece que foi aceita pelo illustre relator da commissão a minha idéa, para que fosse inserida no fim do projecto.

EXPEDIENTE

1.º Não tendo podido comparecer na sessão de hontem, declaro que te estivesse presente teria reconhecido como herdeiro da corôa a Sua Alteza Real o Principe Real D. Carlos.

Sala das sessões, 12 de fevereiro de 1864. = Joaquim Coelho de Carvalho, deputado pelo circulo de Lagos = D. Luiz da Camara Leme, deputado pelo circulo da Calheta.

Mandou-se lançar na acta.

2.º Uma declaração do sr. Ayres de Gouveia, participando que o sr. José de Moraes não comparece á sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

3.º Um officio do sr. Mello Breyner, participando que, por doente, não pôde comparecer á sessão das côrtes geraes que teve logar hontem; e que se estivesse presente, daria o seu voto de reconhecimento ao Principe Real D. Carlos.

— Mandou-se lançar na acta.

4.º Do ministerio do reino, acompanhando copia do decreto de 6 do corrente, pelo qual Sua Magestade houve por bem determinar quaes as demonstrações que devem haver no dia 11 do corrente, pela fausta occasião das côrtes reconhecerem Sua Alteza Real o Principe D. Carlos como successor do reino; e participando que n'esse dia á hora e meia da tardo haverá recepção em grande gala no paço da Ajuda. — Inteirada.

5.º Do mesmo ministerio, acompanhando, para satisfazer a um requerimento do sr. José de Moraes, uma relação no minai de todos os srs. deputados, que por este ministerio foram despachados para algum emprego, mercê ou commissão subsidiada desde 1 de junho de 1863 até hoje. — Para a secretaria.

6.º Do mesmo ministerio, participando que é pelo ministerio da justiça que podem ser dados os esclarecimentos pedidos pelo sr. Bernardo Francisco de Abranches sobre a importancia fraudulentamente levantada do deposito publico de Lisboa. — Para a secretaria.

7.º Do mesmo ministerio, acompanhando os quatro processos das eleições supplementares de deputados, a que ultimamente se procedeu nos circuitos de Villa Nova de Gaia, Felgueiras, Guarda e Leiria. — Á commissão de verificação de poderes.

8.º Do ministerio da fazenda, acompanhando a copia, pedida pelo sr. A. J. Pinto de Magalhães, do accordão do tribunal de contas, que julgou a conta da responsabilidade da camara municipal de Alijó do anno economico de 1862-1863.

— Para a secretaria.

9.º Do ministerio da guerra, acompanhando os documentos pedidos pelo sr. Sieuve de Menezes, relativos á execução e suspensão da ordem do exercito, que modificou a organisação do exercito. — Para a secretaria.

10.° Do mesmo ministerio, acompanhando o autographo das contas d'este ministerio relativas á gerencia de 1862-1863 e ao exercicio de 1861-1862. — Á commissão de fazenda.

11.º Uma representação dos parochos de Alcacer do Sal, Grandola e S. Thiago do Cacem, pedindo providencias legislativas que melhorem a sua sorte, e apontando algumas idéas para este fim. — Á commissão ecclesiastica, e mandada publicar no Diario de Lisboa.

12.° Dos aspirantes da 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Bragança, pedindo augmento de vencimento. — Á commissão de fazenda.

13.° Dos empregados da alfandega municipal de Lisboa, pedindo que se torne, mais equitativa para elles a divisão dos emolumentos. — Á mesma commissão.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos a esta camara, e com a brevidade possivel, os seguintes documentos:

I O alvará do governador civil de Vizeu, que dissolveu a mesa da santa casa da misericordia de Lamego, com data de 12 de janeiro ultimo;

II Toda a correspondencia official entre o governador civil de Vizeu e o administrador do concelho de Lamego relativo á dissolução da mesa;

III O officio de 10 de dezembro proximo passado que a mesa da misericordia de Lamego dirigiu ao governador civil de Vizeu bem como o officio d'esta auctoridade que motivou aquelle da mesa da misericordia;

IV A representação que uma grande maioria da irmandade dirigiu ao governador civil de Vizeu contra a dissolução da mesa;

V O protesto que a maioria da mesa dissolvida fez contra o acto da dissolução.

Camara dos deputados, 30 de janeiro de 1864. = Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio.

2.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos com urgencia a esta camara os documentos relativos aos acontecimentos eleitoraes do districto de Villa Real, que já pedi na sessão de 7 de janeiro, passado. = Joaquim Pinto de Magalhães.

3.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, se remetta a esta camara copia do decreto ou portaria, pela qual foi nomeado um dos conservadores da bibliotheca nacional para servir no impedimento do bibliothecario, nos termos do artigo 7.° do decreto de 31 de dezembro de 1863. = Sieuve de Menezes.

Foram remettidos ao governo.

NOTAS DE INTERPELLAÇÃO

1.ª Pretendo tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado Mártens Ferrão ao sr. ministro da justiça, sobre o negocio da resignação do sr. bispo conde. — José Maria de Abreu.

2.ª Pretendemos interpellar o sr. ministro dos negocios do reino sobre o decreto de 14 de janeiro, que approvou o regulamento sanitario. = José Maria de Abreu = Antonio Correia Caldeira.

Mandaram-se fazer as communicações respectivas.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É ampliado aos segundos sargentos, que serviram na junta do Porto, o disposto na carta de lei que ultimamente regulou a reforma dos primeiros sargentos da mesma junta.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 12 de fevereiro de 1864. = J. A. de Sant'Anna e Vasconcellos = F. Coelho do Amaral = Visconde de Pindella = A. Ayres de Gouveia = Albino Garcia de Lima = João Antonio Gomes de Castro = João Antonio de Sousa.

Foi admittido e enviado á commissão de guerra.

Foram mandados para a mesa e remettidos á commissão de verificação de poderes os diplomas dos srs. deputados eleitos pelos circulos de Villa Nova de Gaia, Felgueiras e Leiria.

O sr. Silva Cabral: — Na sessão passada tive a honra de mandar para a mesa vinte e nove representações dos empregados telegraphicos, e por essa occasião pedi toda a solicitude da parte da commissão de fazenda para que, em attenção á justiça do pedido, houvesse por bem dar um parecer sobre esse objecto.

Não foi de certo por menos solicitude da parte da commissão, mas sim pelos muitos affazeres, que não deu um parecer sobre aquelle objecto, que entendo de toda a justiça.

Este anno uma commissão mandou-me a repetição d'este mesmo pedido, e em vez de vinte e nove representações vem trinta e tres, de todos os empregados telegraphicos. Mando-as para a mesa, e espero que a commissão de fazenda, com o zêlo de que os seus membros são caracterisados, não entregue ao esquecimento um negocio que, se bem que não é do interesse publico, comtudo é do interesse da justiça, e os interesses de justiça tambem têem alguma cousa de interesse geral.

Peço portanto á illustre commissão que tome em consideração um objecto d'esta natureza, porque nós estamos aqui para fazermos justiça ás partes.

O sr. Ayres de Gouveia: — Mando para a mesa uma declaração de que o meu amigo, o illustre deputado pelo circulo eleitoral de Arganil, não pôde comparecer na sessão de hoje por incommodo de saude.

Com receio de que pela ordem da inscripção só muito tarde me chegue a palavra, aproveito desde já a occasião de enviar tambem para a mesa varias representações que tenho em meu poder. É a primeira da camara municipal do concelho de Santo Thyrso, na qual se pede a livre importação de cereaes estrangeiros. Já de toda esta camara são por certo conhecidas as varias outras representações sobre este mesmo objecto, e nomeadamente as da illustre camara municipal e digna associação commercial do Porto. Assim parece-me inutil reproduzir agora os fundamentos que se allegam para a adopção d'esta medida. Todavia, devo lembrar que a larga secca, tão prejudicial á agricultura, que tem havido durante este inverno e já no inverno passado, deve ser um motivo de grave consideração n'este importante assumpto. Alem d'este, não o deverão talvez ser menos a desgraçada guerra que principia no norte da Europa, d'onde podem surgir complicações que talvez tragam em resultado a impossibilidade de importarmos cereaes de Odessa e de outros pontos, onde poderiamos abastecer-nos em caso de necessidade; e as recentes noticias de que a producção de milho, tanto na America do norte como na Barberia, foi excessivamente escassa.

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De tudo isto póde vir a resultar que as classes pobres, e sobretudo as industriaes, não possam alcançar o primeiro e mais indispensavel alimento, o pão, a não ser por preços muito subidos, o que será de certo um grave mal. Cumpre-me porém advertir que, como não sou sectario do commercio livre, antes pelo contrario me prezo de seguir, em relação ás industrias manufactoras do nosso paiz, as boas doutrinas proteccionistas, não entro por agora na apreciação dos motivos em que se fundam as representações. Apresento esta, porque desejo que todas as opiniões se façam ouvir perante os poderes publicos para serem devidamente attendidas, e contribuírem efficazmente para esclarecer as commissões que tiverem de dar parecer no assumpto.

Mando tambem uma representação do cidadão José Marques de Oliveira, em que pede que seja ouvida a illustre commissão de fazenda d'esta camara, ácerca da contribuição industrial, para ser dividida em duas cathegorias a classe dos padeiros. Parece-me que as rasões em que se funda o pedido são muito dignas de serem attendidas, e espero que a illustre commissão as pesará com a sua costumada justiça.

Apresento outra do cidadão Ricardo José Mendes, empregado na intendencia da marinha do Porto, pedindo que se attenda aos seus longos serviços e aos quasi nenhuns lucros que aufere do seu emprego. É a segunda vez que vem representar perante esta camara, e creio que sómente algum involuntario descaminho da primeira representação obstou a que até hoje se lhe tenha feito justiça.

Finalmente, mando para a mesa uma nota de interpellação, a respeito dos estabelecimentos de instrucção publica do Porto (leu).

Não devo por ora arguir o nobre ministro do reino, visto que ainda ha muito pouco tempo tomou conta da respectiva pasta. Sei que o illustre ex-Ministro, o sr. Anselmo José Braamcamp, tinha tomado em consideração estes importantissimos objectos, e estava na vespera de apresentar ao parlamento algumas propostas tendentes a melhorar este censuravel desleixo. Espero que o nobre ministro actual aproveite e amplie o que deve estar na secretaria. Como s. ex.ª não está presente, limito-me a pedir que lhe seja communicada a minha nota.

O sr. Guilhermino de Barros: — Pedi a palavra por parte da commissão de administração publica, a que tenho a honra de pertencer, para dar ao sr. Almeida Azevedo algumas explicações relativamente a um projecto a que s. ex.ª te referiu.

Mas antes d'isso, como o illustre deputado, o sr. Silva Cabral, se referiu a algumas representações que se acham na commissão de fazenda, nas quaes os empregados do corpo telegraphico pedem augmento de ordenado, cumpre-me dar algumas explicações a este respeito.

A commissão de fazenda tem tratado por diversas vezes d'esse assumpto; e ainda a penultima sessão que teve, o sr. ministro das obras publicas declarou que se estava elaborando, no ministerio a seu cargo, um projecto em que se tratava não só de attender ao pedido d'aquelles funccionarios, mas até de fazer uma reducção importante nas taxas dos telegrammas (apoiados), e de outros assumptos relativos ao mesmo objecto.

Por consequencia já vê s. ex.ª que a commissão não tem descurado o objecto a que se referiu. Repetidas vezes se tem occupado d'elle, e espera que brevemente se tomará uma resolução a esse respeito.

Pedi a palavra por parte da commissão de administração publica, a que igualmente tenho a honra de pertencer, para responder a um illustre deputado que, n'uma das ultimas sessões, se referiu a um objecto que está affecto ao exame d'esta commissão.

É relativo ao projecto de lei para que a camara municipal da villa de S. Pedro do Sul administre um estabelecimento de aguas sulphureas que existem na mesma villa.

A commissão da administração publica mandou pedir in formações ao ministerio do reino a este respeito, e estou persuadido de que virão brevemente; e logo que venham, a commissão se occupará definitivamente d'este assumpto.

Aproveito tambem a occasião para mandar para a mesa uma representação que dirigem a esta camara os aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Villa Real, em que pedem ser equiparados em ordenado aos antigos aspirantes de 1.ª classe.

Parece-me de toda a justiça este pedido, e espero que o governo e a camara o attenderá como sempre.

Mando tambem para a mesa um requerimento de sete officiaes do corpo n.° 13 de infanteria estacionado em Chaves, em que pedem ser considerados na preterição que soffreram, de que lhes resultou não só diminuição de soldos, mas tambem de annos de serviço.

Pedem que esses annos de serviço, que deixaram de se lhes contar, se contem, a fim de que possam gosar das vantagens que deveriam ter se não fosse essa preterição.

Mando para a mesa dois requerimentos.

O primeiro é pedindo ao governo que mande á camara todos os documentos que ha relativos ás eleições municipaes do districto de Villa Real.

Eu sou o primeiro que desejo, que tenho vontade de que todos os documentos que ha relativos á eleição sejam enviados á camara (apoiados); mas não me satisfaço só com isso; e portanto mando outro requerimento para que esses documentos sejam impressos no Diario de Lisboa.

Desejo que a camara e que o paiz tenha o mais completo e inteiro conhecimento d'aquelles acontecimentos. Desejo que se rasguem os mysterios que envolvem esses gravissimos acontecimentos, e que se patenteie a verdade que houve em todos os factos, que dizem respeito a essas eleições.

Parece-me ser até procedimento mais rasoavel do que andar a segredar aos ouvidos aqui, alem, n'este, n'aquelle sitio, factos relativos aquelles acontecimentos; factos que me parece se deviam referir aqui e só aqui, e em mais parte alguma.

Portanto para que a verdade chegue do conhecimento de todos, e para que a camara aprecie taes acontecimentos, mando para a mesa os seguintes requerimentos (leu). Vão assignados por dois srs. deputados e por mim.

Por esta occasião não posso deixar de dizer, ainda que ligeiramente, alguma cousa relativamente ao que um illustre deputado, que muito respeito, expoz á camara n'uma das ultimas sessões, e serei breve, porque não quero abusar da palavra que v. ex.ª me concedeu.

Direi a v. ex.ª que já não é a primeira vez que me refiro a este objecto. Da primeira vez que tomei a palavra ácerca d'elle dois illustres deputados perguntaram-me se se tratava d'esta questão, e como não se tratava d'ella julguei do meu dever remetter-me ao silencio, e nunca mais fallar em similhante questão emquanto não fosse dada para a discussão. Quando porém o illustre deputado veiu á camara, a proposito de pedido de documentos, apresentar algumas reflexões ácerca do objecto a que me refiro, parece-me que tenho igual direito de tambem dizer alguma cousa na occasião em que tambem peço documentos.

Respondo d'esta maneira ao illustre deputado — eu não quero só os que foram pedidos pelo illustre deputado, quero todos, e não quero só que venham á camara, quero tambem que sejam publicados no Diario de Lisboa.

Mas o que disse em primeiro logar o illustre deputado (leu).

Primeiro que tudo acho o facto da dissolução da camara de Alijó muito ordinaria, porque é uma cousa que se tem repetido muitas vezes. É um acto feito nos termos do codigo administrativo e fundado nas leis.

Alem d'isso julgo tambem que o facto é muito simples, e como tal, não se póde deduzir d'elle a rasão que apresentou o illustre deputado — de que foi um meio de aterrar os eleitores. Eu não comprehendo realmente como, pelo facto de se dissolver uma camara, se aterrem eleitores e se afugentem da uma. Poder-se-hão afugentar, como muito bem disse o illustre deputado, por meio de violencias; mas pelos meios empregados, de certo o não foram.

Esse acto foi praticado segundo a lei, porque o governador civil podia propor a dissolução da camara em vista dos factos que se deram.

Quanto á apreciação moral d'esses factos, quando o illustre deputado apresentar as suas rasões, eu terei tambem occasião de dizer, o que entendo que deu em resultado esses acontecimentos. Depois, disse o illustre deputado que = se deram por suspeitos todos os membros do conselho de districto, que suppunham ser da opposição = (leu).

A suspeição dos membros do conselho de districto está nos termos da lei, como se prova claramente n'uma portaria do governo.

O mesmo direito que assiste a uns, assiste aos outros; e se são suspeitos os individuos, que representam certa parcialidade, tambem se podem dar por suspeitos aquelles que suspeitaram dos primeiros. N'esse caso impõe-se lhes a mesma suspeição. O que porém é verdade é que a maneira por que os primeiros procederam é que deu logar a que os outros se vissem na necessidade de lançar mão d'aquelle recurso legal.

Se a camara de Villa Real não transtornasse o que estava estabelecido ha dez annos, estou convencido de que não haveria motivo para a suspeição da mesma camara, nem se seguiriam os factos escandalosos que se diz terem succedido.

A camara municipal de Villa Real, no acto de distribuir as assembléas para a eleição, foi a primeira que alterou o que estava em pratica ha cinco biennios, e estabelecido em epochas em que havia paixões politicas tão exaltadas, que era preciso quasi obrigar os vereadores a servirem. A camara entendeu ser da sua conveniencia politica cortar o numero de assembléas, alterando d'esta fórma o que durante tanto tempo se tinha praticado. E o resultado foi que aquelles que militavam em campo opposto trataram de lançar mão do meio legal de que podiam dispor.

Quando tratarmos esta questão, veremos que os primeiros têem tambem um ponto da nossa legislação em sua defeza.

Já se vê pois que eu não faço censura ao illustre deputado nem a ninguem; mas na qualidade de deputado, segundo a rainha consciencia, e conforme é proprio do meu caracter, hei do defender, da maneira que souber, os actos dos meus amigos, quando se lhes fizer injustiça.

O illustre deputado referiu-se tambem ás commissões de Villa Real, que foram ao Porto, e vieram ultimamente a Lisboa.

Todo o cidadão tem o direito de representar aos poderes publicos; eu acato os cavalheiros que representaram; respeito-os muito, e apesar das nossas differenças politicas, conservo relações de amisade com muitos d'elles. Mas quando se diz commissionado, deve dizer-se por quem, e eu não vejo o diploma d'aquelles representantes. Qualquer parcialidade podia congregar trinta de seus membros, e representar ao governo. Não acho n'isto inconveniente algum; e nós teremos occasião de examinar o requerimento feito a Sua Magestade, e o outro feito ao sr. duque de Loulé.

Mas coto se unia cousa, e vem a ser — que me parece ser uma especie de espectaculo de scena, uma manifestação publica um pouco despropositada, o virem d'aquella fórma de distancias tamanhas, quando tinham tão distinctos deputados no parlamento, que podiam expor todas as rasões que tive: sem contra o~i escandalos que se dizem praticados n'aquellas eleições.

O sr. Freitas Soares: — Apoiado, apoiado.

O Orador: — Isto parecia-lhe mais natural e mais rasoavel.

Ouvi ha pouco um apoiado de um illustre deputado, e esse apoiado vejo eu que se liga de alguma fórma com outro apoiado que ouvi em relação á eleição do illustre deputado, que me apoiou agora, quando se discutiu a eleição do illustre deputado, e se fallou de tantos escandalos que houve, e dos quaes nunca me persuadi então, nem me persuado ainda hoje...

O sr. Freitas Soares: — A eleição não era a minha.

O Orador: — Era a eleição da Povoa de Varzim.

O sr. Freitas Soares: — Mas eu não sou deputado pela Povoa de Varzim.

O Orador: — O facto é que o illustre deputado defendeu a eleição da Povoa de Varzim (muitos apoiados), e que se insurgiram aqui muitos deputados contra os escandalos que se dizia terem havido, escandalos que s. ex.ª defendeu.

Digo isto para responder ao apoiado que o illustre deputado deu quando eu fallei dos escandalos. Pelo facto de se fallar em escandalos, não se segue que elles se dessem, porque d'aqui podia tirar-se a conclusão de que tambem os tinha havido quando o illustre deputado defendeu a eleição da Povoa de Varzim.

O sr. Freitas Soares: — Estou no meu direito, assim como v. ex.ª, em dar apoiados (apoiadas).

O Orador: — Está no seu direito; com a differença que eu então não apoiei o que chamavam escandalos, e que o illustre deputado defendeu; e s. ex.ª agora apoiou o que eu chamo escandalos.

Isto não quer dizer que eu não respeite muito o nobre deputado, mas de certo lhe mereço ao menos a consideração de me não dar um apoiado ironico (muitos apoiados).

Agora continuarei nas minhas observações. Disse mais o sr. Pinto de Magalhães: «O governo não respondeu a esta representação, e a junta geral do districto constituiu-se, de uma maneira insolita e revolucionaria, contra o que dispõe o codigo administrativo».

Eu acho que n'esta parte os srs. tachygraphos erraram certamente, porque ouviram mal o illustre deputado.

S. ex.ª, á vista d'isto, póde pedir ao governo que mande metter em processo a junta geral do districto, por se ter constituido contra o disposto no codigo administrativo.

Porém eu não peço contra a junta geral todo o rigor das leis nem contra ninguem. Nós temos tido muitas vezes lutas politicas, e o resultado é apparecerem sempre estes attentados contra as garantias dos cidadãos; as paixões exacerbam os espiritos, mas depois desapparece isto, e da mesma fórma ha de acontecer agora. As paixões politicas alteraram-se em Villa Real, mas hão de brevemente serenar.

Por consequencia eu não peço ao governo que processe a junta geral do districto, apesar do illustre deputado dizer que = ella se reuniu de uma maneira insolita e revolucionaria, e contra o que dispõe o codigo administrativo =. Depois o illustre deputado pediu que se mantivesse a liberdade da uma, e que se garantisse o direito ao cidadão de exprimir o seu voto; e todas as cousas que tenho ouvido repetir aqui, a que me associo de boa vontade. Associo me emquanto ao principio, mas não me associo emquanto á fórma; e não me associo n'este ponto, porque estou convencido de que, se porventura houve excessos durante as eleições municipaes do districto de Villa Real, houve os tanto de uma como de outra parcialidade; e se da parte de uma d'ellas tivesse havido mais algum comedimento, estou persuadido de que a auctoridade não se tinha visto obrigada a empregar a força, nem mesmo aquella que a lei lhe faculta.

Não quero referir me a acontecimentos bem tristes que o deram, não ha muito tempo, no districto de Villa Real, em que figuraram muitos dos caracteres que hoje vem representar a Sua Magestade (apoiados), e que depois vieram apresentar ao sr. duque de Loulé uma representação.

Sinto me sempre pouco animado quando entro n'estas lutas; vejo uma transformação de cousas, vejo de um lado uns, e de outro lado outros, e logo os que estavam de um lado passarem para o outro, e assim successivamente.

O sr. Pinto de Magalhães (Antonio): — Apoiado.

O Orador: — Podia tambem responder ao apoiado do illustre deputado, mas concluo. Não quero que v. ex.ª diga que pretendo abusar da palavra n'este objecto; pedi-a para negocios relativos a commissões, mas não podia tolher a minha voz, depois de se ter fallado aqui tantas vezes n'esta questão, e deixar de me occupar d'ella de uma maneira transitoria.

Digo a v. ex.ª, e ao illustre deputado, que eu muito respeito, que havemos de tratar repetidas vezes d'este objecto; e tratarei sempre de me conservar dentro dos limites que me prescreve o meu caracter e a minha obrigação como deputado, e espero que o illustre deputado a quem me refiro, que é o sr. Pinto de Magalhães (Antonio), se conservará dentro d'elles; conheço a benevolencia do seu caracter...

O sr. Pinto de Magalhães (Antonio): — Se este incidente está era discussão, peço a palavra.

O Orador: — Já em outra occasião o illustre deputado perguntou se esta questão estava em discussão, e eu calei-me então. Depois d'isso veiu o illustre deputado e discutiu, e agora extranha que eu discuta tambem!

Concluo aqui, e peço a v. ex.ª que me inscreva para quando se tratar das eleições municipaes do districto de Villa Real, logo que ellas façam objecto da discussão, ou antes da ordem do dia, ou na ordem do dia.

O sr. Faria Blanc: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre a proposta de lei do governo, que tem por fim fixar a dotação do Principe Real D. Carlos Fernando.

Peço a v. ex.ª que consulte a camara se quer dispensar a impressão, e permitte que desde já entre em discussão.

Foi dispensada a impressão para entrar já em discussão.

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Leu-se na mesa, e é a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda a proposta n.° 15-A, que tem por fim fixar a dotação de Sua Alteza Real o. Serenissimo Senhor D. Carlos Fernando, Principe, Real; e considerando a commissão que, nos termos do artigo 81.° da carta constitucional da monarchia, compete ás côrtes assignar alimentos ao Principe Real desde que nasceu, tendo sido estabelecida esta dotação annual pela quantia de 20:000$000 réis na carta de lei de 23 de abril de 1845, é de parecer que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A dotação de Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor D. Carlos Fernando, Principe Real, é fixada na somma annual de 20:000$000 réis, pagos pelo thesouro publico.

Art. 2.° A referida dotação será contada desde o auspicioso nascimento do mesmo Serenissimo Senhor, que teve logar a 28 de setembro do anno proximo findo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 12 de fevereiro de 1864. = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = B. J. Garcez = Placido de Abreu = C. J. Nunes = A. V. Peixoto = Gomes de Castro = Torres e Almeida = Guilhermino de Barros = Hermenegildo A. F. Blanc, relator.

Foi logo approvado.

O sr. Pinto de Araujo: — Pedi a palavra para um requerimento, e tem por fim lembrar a v. ex.ª que te acha na mesa uma moção que diz respeito aos acontecimentos de Villa Real, a qual deve ter segunda leitura. Depois que acaba de fallar o meu illustre collega, o sr. Guilhermino de Barros, julgo haver...

O sr. Presidente: — Peço licença para dizer ao illustre deputado, que está sobre a mesa uma moção do illustre deputado, a qual fazia tenção de mandar ler depois de ter dado a palavra aos srs. deputados que a tinham pedido para requerimentos e por parte das commissões.

O sr. Pinto de Araujo: — Mas se v. ex.ª me dá licença eu concluo o meu requerimento.

O sr. Presidente: — Mande o seu requerimento por escripto.

O sr. Pinto de Araujo: — Eu faço-o vocal, e depois mando-o por escripto.

Depois que acabou de fallar o sr. Guilhermino de Barros, julgo de immensa necessidade que a camara resolva se quer entrar já na questão, para não estarmos aqui incidentemente a trata la sem ordem, e mesmo para a camara formar o seu juizo a este respeito.

Em virtude d'isso abstenho me de dizer cousa alguma em resposta ao illustre deputado; aguardo me para quando esta proposta for admittida e seja aberta a discussão da questão, para então entrar n'ella e desenvolve-la como entender, o como se deve desenvolver, á vista dos documentos que eu hei de apresentar á camara, e que me parecem sufficientes para ella se pronunciar n'esta questão.

Requeiro pois que tenha segunda leitura a moção que está sobre a mesa, para a camara tomar uma resolução.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Respondo com um requerimento ao requerimento do illustre deputado.

Requeiro o adiamento d'esta discussão até que esteja presente o sr. ministro do reino, e que venham os documentos relativos a esta questão (apoiados).

O sr. Quaresma: — Mando para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes relativo á eleição do circulo 106, Leiria.

É um parecer simplicissisimo; não ha irregularidade alguma na eleição; está tudo conforme a lei; e portanto peço a v. ex.ª que consulte a camara se quer que, dispensando a impressão e o regimento, se entre agora na sua discussão.

O sr. Pinto de Araujo: — Visto que estou com a palavra, e se esperava pela presença do sr. ministro do reino, como s. ex.ª está presente, o meu requerimento é o seguinte:

«Como o sr. ministro do reino está presente, requeiro o andamento da minha proposta.»

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — Na mesa ha dois requerimentos: um, do sr. Pinto de Araujo para se dar andamento á sua proposta logo que esteja presente o sr. ministro do reino, e este requerimento caducou, visto s. ex.ª estar presente; e ha outro do sr. Sant'Anna, que é concebido assim:

REQUERIMENTO

Requeiro o adiamento d'esta discussão até que esteja presente o sr. ministro do reino, e tenham chegado á camara os documentos que lhe dizem respeito. = A. Sant'Anna e Vasconcellos.

O sr. Ministro do Reino (Duque de Loulé): — Os acontecimentos de Villa Real não se póde deixar de reconhecer que tem uma certa gravidade, porque se trata do averiguar se a auctoridade cumpriu, ou não, com o seu dever.

O governo é o primeiro a desejar que as suas auctoridades não exorbitem, não só das leis, mas mesmo das instrucções que tiverem a respeito de qualquer objecto de serviço publico; mas devo observar que do que se trata agora é de examinar o que na realidade se passou, e portanto parece-me que a urgencia não é tão grande, que se deva proceder desde já a uma discussão, a meu ver esteril, emquanto não tivermos todos os esclarecimentos necessarios (apoiados).

O governo já ha bastantes dias nomeou, para ir syndicar d'estes factos, o governador civil de Braga, e escolheu este funccionario por o julgar insuspeito a todos os respeitos, e com a capacidade necessaria (apoiados) para dar conta d'esta commissão, e informar o governo do que a este res, peito se passou. No entanto se a camara entender que se proceda já a alguma discussão a este respeito, não tenho duvida n'isso; comtudo não me parece que esteja completamente habilitado para satisfazer os desejos da camara.

O sr. Pinto de Araujo: — Para poder usar da palavra pedia a v. ex.ª que me esclarecesse sobre o que está era discussão; se já está em discussão a moção que estava sobre a mesa com o adiamento mandado para a mesa...

O sr. Presidente: — O sr. deputado Pinto de Araujo pede esclarecimentos á mesa sobre o que está em discussão. O que deve estar em discussão é o requerimento que acaba de fazer o sr. deputado e o requerimento do sr. Sant'Anna...

O sr. Pinto de Araujo: — Se v. ex.ª me dá licença parece-me que não pôde haver discussão sobre esses requerimentos senão depois da proposta ser admittida á discussão. Parece-me isto mais regular. Depois se discutirá a urgencia de se tratar, ou não, da questão á vista da proposta.

Parece-me que era isto o mais regular, e creio mesmo que é o que indica o regimento; por isso é que eu perguntava o que estava em discussão, para assim poder fazer uso da palavra.

O sr. Presidente: — O sr. deputado fez um requerimento para se entrar na discussão, ácerca da moção que está sobre a mesa, quando estiveste presente o sr. ministro do reino; e o sr. Sant'Anna e Vasconcellos fez um requerimento para se suspender esta discussão emquanto não estivessem colligidos na mesa todos os documentos que houver a este respeito.

Agora vou pôr á votação estes dois requerimentos.

O sr. Pinto de Araujo: — Perdoe-me v. ex.ª Eu quero fazer uso da palavra, quero combater o adiamento, quero mostrar a desnecessidade d'elle; mas tenho receio de que da presidencia se me diga que não estou na ordem, tratando de apreciar a moção que mandei para a mesa, e de apresentar as rasões que tenho para a fundamentar.

Para evitar isto, e para eu saber o modo como hei de fallar, como me hei de dirigir na discussão, se hei de só combater o adiamento, ou se hei de ao mesmo tempo mostrar as rasões que tenho para fundamentar a proposta que está sobre a mesa, a fim de ter logar a discussão sobre os acontecimentos eleitoraes de Villa Real, é que eu pedia a v. ex.ª que me esclarecesse; porque quero fazer uso da palavra, mas da palavra, já se entende, na ordem; e não quero, começando a fallar na questão, que se ponha em duvida o que está em discussão, se é só o requerimento, se é só a proposta, se eu me não posso referir á proposta, ou se a posso discutir.

Esta é a rasão da minha duvida, e para evitar isto, o que me parece regular é que v. ex.ª ponha á votação da camara — se admitte ou não á discussão a moção que está sobre a mesa; porque, sendo ella admittida, é então que tem logar a discussão dos outros requerimentos que foram mandados para a mesa.

Reservo-me para depois d'isso fazer uso da palavra, porque não sei por ora o modo por que hei de usar d'ella.

O sr. Presidente: — Creio que nada está em discussão.

Vae ler-se a moção que está sobre a mesa, para consultar a camara sobre a sua admissão.

Indo a votar-se...

Vozes: — Nada, nada.

(Susurro.)

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Peço a palavra sobre o modo de propor.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Fontes Pereira de Mello: — O nosso regimento estabelece regras e disposições, como v. ex.ª e a camara sabem, que se devem seguir em todos os assumptos que vierem a esta camara, e principalmente se é um objecto de tanto alcance e de tanta gravidade como este.

Apresenta se uma proposta. A proposta fica para segunda leitura, e no dia immediato, segundo o nosso regimento, de pois de lida a correspondencia, a primeira cousa a fazer é ler-se a proposta. Lida a proposta, V. ex.ª, como agora acaba de annunciar, pergunta se a camara admitte esta proposta á discussão, mas não para ser discutida agora, para este ou aquelle dia. Se a camara não admitte a proposta á discussão, acaba completamente o objecto, que só pôde resuscitar debaixo de outra fórma. Se a camara porém admitte a proposta á discussão, está no livre direito de qualquer dos nobres deputados propor o seu adiamento, ou fazer qualquer proposta ou moção sobre ella. Primeiro que tudo deve se admittir a proposta á discussão, mas sem designação de ser para agora, ou para ámanhã, ou para qualquer dia em especial, a sua discussão.

Não tenho a pretensão de indicar á mesa os tramites que se devem seguir n'este negocio, mas parece-me que devia apresentar a minha opinião, visto que appareciam duvidas sobre qual o caminho que se devia seguir.

O sr. Presidente: — Devo declarar que a intenção que tinha, era fazer a segunda leitura d'esta moção logo depois que os srs. deputados apresentassem requerimentos eu representações, ou que por parte das commissões se apresentassem os pareceres, para o que alguns srs. deputados haviam pedido a palavra. Depois seguiam-se as segundas leituras, e eu cumpro o regimento pondo á discussão a moção dos illustres deputados (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos (sobre o modo de propor): — Creio que ninguem se oppõe á admissão da proposta á discussão; mas o que me parece é que, tendo eu feito um requerimento adiando a discussão da proposta, por não estar presente o sr. ministro do reino, e em segundo logar por não terem ainda chegado á camara os documentos que se haviam pedido, se se tivesse proposto o meu requerimento e se a camara o approvasse, se havia evitado toda esta discussão. Se a camara aceitasse o meu adiamento, ficava adiada a proposta; mas a admissão da proposta á discussão, é uma questão de fórma, e eu voto essa admissão como creio que a votam todos, entendendo se que isto não prejudica a discussão do meu adiamento, pelo qual insto (apoiados).

O sr. Casal Ribeiro (sobre o modo de propor): — Creio que estamos felizmente chegados a um accordo sobre esta questão de ordem. O adiamento não pôde ser discutido antes de haver a materia que se pretende adiar (apoiados). Esta é a ordem regular.

Ha uma moção dos srs. Pinto de Araujo e Joaquim Pinto de Magalhães sobre os acontecimentos de Villa Real; o que é natural é V. ex.ª perguntar á camara se a admitte á discussão, e admittida ella, pôde o illustre deputado, auctor do adiamento, ou qualquer sr. deputado apresentar a moção de adiamento que entender (apoiados); e se ella for apoiada entra em discussão immediatamente.

A primeira parte da proposta do illustre deputado, o sr. Sant'Anna, parece-me ter caducado, porque era para se esperar pela presença do sr. ministro do reino, e o. ex.ª acha-se presente; mas se quizer pôde propor a segunda parte do seu (adiamento, e apoiado este adiamento entra em discussão.

Portanto parece-me ter se chegado a um accordo, e que não ha agora senão a votar sobre a admissão á discussão, da proposta dos illustres deputados (apoiados).

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se admitte a proposta do sr. Pinto de Araujo á discussão. Vae ler-se.

É a seguinte:

PROPOSTA

Tendo occorrido graves acontecimentos no districto de Villa Real, por occasião das ultimas eleições municipaes, a ponto de se praticarem violencias e abusos de poder, por parte das auctoridades administrativas, que comprometteram inteiramente a liberdade do suffragio, a segurança individual dos eleitores e a tranquillidade publica, e não podendo os deputados da nação ter indifferentes na presença de attentados, que destroem pela base o systema representativo o estabelecem um precedente que ameaça de subverter as coisas instituições; a camara dos deputados convida o governo a apresentar se nesta casa, com a brevidade que o caso pede, a fim de dar explicações categoricas ácerca dos factos alludidos, e declarar as providencias que tem tomado para manter illeso o mais precioso direito dos cidadãos portuguezes, o de escolherem livremente os seus legitimos representantes. = Os deputados, Joaquim Pinto de Magalhães = Manuel Pinto da Araujo.

Foi admittida á discussão.

O sr. Sant'Anna o Vasconcellos — Torno a fazer o requerimento que fiz para que esta questão seja adiada até que cheguem á camara os documentos por ella pedidos, e isto corroborado agora com a declaração que fez o sr. ministro do reino, de que foi nomeado um alto funccionario, que para a maioria da camara é de toda a confiança pela sua respeitabilidade de caracter e por todos os titulos que o acompanham (apoiados). Em vista d'isto não podemos prejudicar quaesquer esclarecimentos importantes que nos possam chegar.

Parece-me portanto extemporanea e importuna esta discussão na presente occasião, e tanto mais quanto é de esperar que brevemente cheguem estes documentos (apoiados).

O sr. Presidente: — Os senhores que apoiam o adiamento proposto pelo sr. Sant'Anna e Vasconcellos tenham a bondade de se levantar.

Foi apoiado.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Pinto de Araujo contra o adiamento.

O sr. Pinto de Araujo: — Sr. presidente, as palavras ha pouco proferidas n'esta casa pelo meu collega, o sr. Guilhermino de Barros, deputado por Villa Real, vieram-me convencer da necessidade imperiosa que eu tinha, como deputado por aquelle districto, e como tendo tomado parte, o que não nego, nas lutas eleitoraes que ali tiveram logar no mez de novembro findo, de tomar a palavra para tratar de tão importante questão, principalmente desde que s. ex.ª disse que = em vez de se mandarem commissões e deputações, sem auctorisação alguma, mais do que a vontade manifestada pelos individuos que as compunham, a representar perante os poderes publicos contra os acontecimentos eleitoraes do districto que tambem represento, melhor fôra que a opposição se tivesse dirigido aos seus representantes, quando os tinha n'esta casa, para elles fazerem ver á camara e ao paiz quaes as violencias que ali se commetteram, quaes as infracções de lei, quaes as arbitrariedades, porque este era o meio regular e util =.

Aceito o repto, e desde já declaro á camara que o aceito sem hesitar um só momento, e no fim da questão verá a camara qual dos dois fica em peior posição. Veremos se a opposição manifestada no districto de Villa Real, por occasião dos ultimos acontecimentos, é que foi desordeira e provocadora; ou se, pelo contrario, foi da parte das auctoridades que partiram todas as violencias, que se praticaram todas as arbitrariedades (apoiados), e se commetteram todas as infracções de lei (apoiados) que a imprensa tem annunciado e que já são do dominio publico.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Isto é adiamento?

O Orador: — Combatendo o adiamento, não posso omittir as rasões por que o faço (muitos apoiados). Para combater o adiamento, e para fazer ver á camara a opportunidade e, direi mesmo, a necessidade que ha de tratar d'esta questão, e não a protelar por mais tempo, preciso dizer as rasões que tenho para isso (apoiados). Pois que quer dizer levantar se um deputado, e proclamar que a opposição em vez de mandar deputações aos poderes publicos, em vez de se fazer representar perante elles por aquella fórma, em vez de praticar actos de certa ordem, que devia commissionar os seus representantes n'esta casa para levantarem a questão, para a tratarem aqui, o quando isto se faz acudirem logo — é o adiamento que está em discussão? (Apoiados.) É cousa que não posso comprehender. Ou se quer tratar a

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questão, ou não quer. Se se quer tratar a questão; trate-se;.mão se adie; se se não quer tratar, então diga-se francamente não queremos trata-la, não queremos saber o que se passou no districto de Villa Real, adie-se indefinidamente (apoiados). E digo adie-se indefinidamente, porque ha quatro sessões que sou deputado e ainda hoje espero por documentos que pedi em primeira sessão!

Folgo immenso de ver presente o illustre ministro do reino que foi e o nobre presidente do conselho, actual ministro do reino, porque a una quero fazer ver manifestamente quaes os actos de violencia, de arbitrariedade o de infracção de lei que foram praticados pela auctoridade que existia no districto de Villa Real, e que era delegado de s. ex.ª, durante a luta eleitoral, cuja questão nos occupa; ao outro quero pedir remedio para todos esses males; quero pedir justiça e um justo desaggravo; Para o fazer appello para as palavras que o nobre presidente do conselho acabou de proferir que = o governo não consentirá nunca que as suas auctoridades exorbitem, que commettam abusos de poder e que vão alem daquillo que a lei permitte =. (Apoiados.)

Chamo a attenção de s. ex.ª para a exposição que vou fazer da questão. E desde já previno a camara de que não vou entrar em apreciações graves da questão; apenas farei aquellas que o momento pedir quando tratar da confrontação dos documentos uns com os outros; reservarei para depois, se me chegar a palavra, as apreciações geraes de que a questão se torna digna porque ellas da mais alta importancia, e prende pela base com o systema que nos rege (apoiados).

Ou nós queremos ser liberaes só em theoria e não nos factos, ou queremos ser liberaes unicamente na theoria e absolutistas nos factos (muitos apoiados da opposição). Permitta-me a camara que eu solte esta phrase, porque hei do justifica-la e justifica-la até á saciedade, pondo em relevo as violencias, as prepotencias praticadas pelo chefe do districto de Villa Real, e direi mesmo os actos criminosos que ali se praticaram (apoiados).

Os documentos que vou apresentar á camara e que ha pouco provocaram certa hilaridade da parte de alguns dos meus collegas, creiam esses que se riram e creia a camara que elles hão de fazer corar de pejo todo o homem que se preza de ser liberal, todo homem que de coração alimenta esta crença (apoiados). É necessario que nos convençamos de uma vez para sempre que a palavra liberdade representa uma idéa vã (apoiados). A palavra liberal representa um principio que está n'ella encarnado e para podermos fazer vingar esse principio, para elle se radicar nos animos, no coração de todos, e formar convicções é necessario que no modo de fazer a propaganda liberal correspondamos aos fins que tem em vista o principio que essa palavra representa (apoiados). Os documentos que vou apresentar á camara são documentos officiaes, são documentos extrahidos dos registos publicos, dos archivos do governo civil de Villa Real; são certidões authenticas mandadas passar pelo actual governador civil e rubricadas pelo seu secretario geral; são documentos d'esta natureza. Não são documentos particulares, não são documentos forjados ad hoc.

Tem-se pretendido inculcar e provar, mesmo não sei com que fundamentos, que as maiores violencias e os maiores attentados partiram do lado dos individuos que guerreavam n'aquelle districto a lista camararia governamental, e dou-lhe este nome, porque elle está dado em documentos officiaes. Quando do lado da opposição houvesse abusos, que os não houve, não eram de ordem nem de natureza tal, que auctorisassem os excessos praticados pela auctoridade (apoiados); mas quando o fossem, perguntarei á camara, perguntarei mesmo ao governo se um abuso auctorisa outro, e se a auctoridade devia collocar-se fóra da lei, e n'um estado excepcional e anormal para reprimir esses abusos? (Apoiados.) Isto é que me parece que a lei não permitte, isto é que me parece que a auctoridade superior d'aquelle districto, nem por si, nem pelos seus agentes podia fazer, e para isto é que me parece que devia ter olhado o sr. ministro do reino d'aquella epocha, a fim de pôr cobro ás demasias e excessos do chefe do districto de Villa Real (apoiados).

Mas como se diz que as violencias partiram do lado da opposição, permitta-me a camara que eu comece a exposição dos factos, referindo o que se fez muito anteriormente á epocha da eleição.

No mez de agosto appareceu no jornal Commercio do Porto uma correspondencia de Villa Real, datada de 20 do mesmo mez, na qual entre outras cousas se dizia: «No sabbado pela manhã espalhou-se que os governamentaes...» E peço a attenção da camara para tudo quanto ler, porque creia a camara que não hei de avançar um só facto, uma só proposição que não apresente logo os documentos que a provam.

N'essa correspondencia de 20 de agosto lê-se o seguinte: «No sabbado pela manhã espalhou-se que os governamentaes se reuniam de tarde para resolverem sobre a organisação dos trabalhos da eleição camararia, e effectivamente ás cinco horas da tarde o salão de entrada, o das sessões e outro proximo, no magnifico edificio do hospital d'esta villa, se achavam apinhados completamente. Entre a multidão notavam-se os principaes cavalheiros da situação, todo o corpo commercial, quasi todo o clero e muitos cidadãos d'este municipio, cujos nomes, por difficil, não mencionámos n'esta pequena carta.

«O sr. deputado Guilhermino de Barros tomou então a palavra para fazer sentir a necessidade que todos os corpos collectivos têem de eleger um centro, que os dirija nos seus trabalhos, e propoz para presidente d'aquella assembléa o sr. Dr. Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro, o qual, sendo enthusiasticamente approvado passou a occupar o logar da presidencia; e nomeou para secretarios os bachareis Leonardo de Sousa Magalhães e José Ayres Lopes.

«Constituida assim a mesa, o sr. Guilhermino de Barros obteve a palavra e agradeceu com expressões de cordeal reconhecimento a demonstração festiva com que este circulo o penhorara por occasião da sua entrada n'esta villa; em seguida fez o sympathico deputado uma proposta Complexa e que, se bem notámos, consta dos capitulos seguintes:

«1.° Que a assembléa nomeio uma commissão que a represente, para promover a eleição da futura camara municipal, cuja lista proporá opportunamente.

«2.° Que os cidadãos que compozerem essa lista estejam de accordo com o governo a quem este municipio em especial e o districto em geral devem tantos a tão importantes melhoramentos.

«3.° Que os cidadãos que compozerem a lista da futura camara entendam: primo, que devem diligenciar o fazer todas as despezas necessarias, a fim de termos o quartel capaz de n'elle poder ser collocado um batalhão do exercito; secundo, promover a construcção de caminhos que liguem Villa Real com as freguezias que a rodeiam; tertiò, que empreguem todos os meios para bem administrar e para melhorar o concelho de Villa Real.

«Consta que o sr. Torres tenciona conservar-se n'esta pugna como indifferente; nem outra cousa era de esperar de tão honrado cavalheiro, porque não julgâmos s. ex.ª capaz de guerrear quem tanto se empenha pelo nosso engrandecimento; todavia, dizem-nos que na quinta ou sexta-feira passada se dirigiram em deputação a s. ex.ª os srs. Perdigão, Jeronymo Bartholino, Mourão e Luiz Pinto Machado, chefes da opposição na eleição da futura camara municipal!»

O sr. Guilhermino de Barros: — E eu estou prompto para testemunhar tudo aquillo que for verdade: não creia que eu me retire nem recue diante da verdade dos factos (apoiados).

O Orador: — Nem eu tão pouco creio isso. E é por essa rasão que antes do continuar na leitura que estou fazendo do que se encontra n'este jornal, notei ao illustre deputado a necessidade que tenho de invocar o testemunho de s. ex.ª para prova d'estes factos.

Já vê a camara, pela leitura d'este documento; que antes de no districto se fallar em eleições municipaes, antes de no districto se haver dado um só passo sequer para essas eleições, como confirma um trecho que hei de ler logo um pouco mais tarde, já o illustre deputado, o sr. Guilhermino de Barros, promovia na capital do districto trabalhos para essas eleições; o que eu não censuro, nem ninguem pôde censurar, aprecio unicamente o facto, para mais tarde deduzir d'elle as suas legitimas consequencias.

Aqui apparece já a idéa politica na eleição municipal, levantada sem duvida por quem convocou a reunião de que acabo de dar conhecimento á camara.

O sr. Guilhermino de Barros: — Eu pedia a continuação da leitura, que lesse tudo, ou então eu lerei.

O Orador: — É isto o que diz a correspondencia relativamente á reunião. Já li tudo.

Ternos portanto que antes do no districto se fallar em eleições municipaes, que antes mesmo de ter havido demonstrações ou reuniões de qualidade alguma a tal respeito no districto de Villa Real, na capital do districto promovia-se uma reunião em agosto para se eleger uma camara que fosse composta de individuos amigos do governo que tivessem as suas idéas, e que representassem a sua politica.

Dizia-se ao mesmo tempo, por essa occasião, que = um cavalheiro d'aquelle districto, cujo nome já referi, a quem se dava o titulo de honrado cavalheiro, note a camara, e logo direi a rasão por que noto esta expressão, era indifferente a estas pugnas =.

Mais tarde apparece transferido para Villa Real o actual governador civil. A sua transferencia foi logo mal recebida por quasi todo o districto. E nem podia deixar de ser assim, porque era certo, era inevitavel para todos os que viam as cousas sem ser pelo prisma da paixão politica, que um individuo que tinha como particular soffrido duas derrotas eleitoraes nos concelhos da sua naturalidade, uma em seguida á outra, havia de vir necessariamente levantar uma luta, não politica, não de partido, mas uma luta de guerras pessoaes, de intrigas, e promover discordias que haviam de dar em resultado o pôr-se o districto em uma anarchia completa, como está actualmente. Isto era uma cousa vista; só o não via quem não queria pensar madura e reflectidamente no estado das cousas do districto e na posição politica em que vinha encontrar-se o governador civil do districto pelos factos anteriormente praticados, pelos resultados das lutas eleitoraes que anteriormente tinha havido á saída de s. ex.ª, e quando nomeado para governador civil de Bragança.

Aconteceu effectivamente o que se tinha previsto, e não tardou muito que os factos praticados pela auctoridade e pelos seus amigos viessem mostrar o grande desacerto que tinha havido na transferencia do ar. Barbosa para governador civil do districto de Villa Real.

No mesmo jornal Commercio do Porto, e quando já estava em Villa Real o governador civil, lê se em uma outra correspondencia, datada d'aquella villa, o seguinte:

«Em Villa Real e sul do districto tem á sua frente o sr. deputado Guilhermino do Barros, e o sobrinho e representante do barão da Ribeira de Sabrosa, os quaes não se poupam a trabalhos e fadigas.»

Nesta correspondencia, depois de se fazer a descripção do estado bellico eleitoral, tratava-se de apresentar ás turbas os chefes governamentaes que dirigiam todo aquelle movimento; e apparecem como chefes ao sul do districto os srs. Guilhermino de Barros e Sebastião Maria da Nobrega.

Em seguida a esta correspondencia appareceu outra, na qual se diz o seguinte:

«Agora mesmo vem dizer-me que se affirma pela bôca pequena que o sr. governador, civil vae adoptar algumas medidas energicas, reclamadas pelo estado do districto, e que, sem saírem da orbita legal tenderão a desarmar fraudes e desordens, que se preparam adrede para o desconcertar nos seus planos.»

Note a camara as expressões – o governador civil vae adoptar medidas energicas sem sair da orbita legal; este é sempre o thema obrigado n'estes casos.

Escrevia-se isto em 16 de outubro. Peço ao nobre deputado que, até á data em que se escreviam aquellas correspondencias, me diga quaes os factos praticados pelos individuos que tomavam parte na luta eleitoral contra a, auctoridade.

Espero, e peço ao nobre deputado, que me note os factos praticados por esses individuos que determinaram o emprego de medidas energicas da parte, da auctoridade para desconcertar as fraudes adrede preparadas, para a desconcertar nos seus plano, e quaes eram elles; O periodo porém da correspondencia que li ultimamente encerra uma grande Verdade. As medidas energicas de que n'elle se falla não Refizeram tardar, muito. Essas medidas foram tão energicas, que Vieram promover uma grande agitação em todo o districto, e vieram fazer com que individuos que nunca, desde que ha systema representativo entre nós, se tinham envolvido em lutas eleitoraes, saírem a campo a trabalhar contra as prepotencias e Violencias, praticadas pela auctoridade (apoiados). E quer a camara saber qual foi a primeira medida energica tomada pelo governador civil do districto de Villa Real? E a dissolução da camara municipal do concelho de Alijó!!! Esta foi a primeira medida que appareceu.

Vi ha pouco o meu illustre collega, o sr. Guilhermino de Barros, apresentar olfacto da dissolução da camara por tal fórma, que nos quiz fazer persuadir de que era uma cousa regular e natural a dissolução de uma camara municipal; de accordo, quando haja para isso justos motivos. Segundo se lê no codigo administrativo, no artigo 106.°, o governo tem a faculdade de dissolver uma camara municipal e faze-la substituir por uma commissão quando as necessidades do municipio assim o exigem; e ao governo unicamente compete, como se vê de varias portarias e diversos pareceres de procuradores geraes da corôa, o conhecer dos motivos que podem dar causa á dissolução de uma camara municipal. Pôde portanto o governo dissolver uma camara municipal, mas é necessario que se tenha em vista a doutrina expendida, e que o governo seja cauteloso na sua applicação, para não ir de encontro aos principios consignados na lei, aliás o transtorno da administração publica é uma consequencia inevitavel.

Deve pois a dissolução de uma camara municipal ter por base factos por ella praticados, que vão de encontro á livre administração do municipio, que ponham em completo transtorno a gerencia do mesmo, ou que importem abuso de poder, e mereçam severa punição.

Já vê o nobre deputado que no espirito do codigo administrativo, das portarias que servem de intelligencia a este paragrapho e nos pareceres dos procuradores geraes da corôa, que vem mencionados na nota ao artigo 106.° do codigo, quaes os casos em que o governo póde dissolver uma camara.

Mas poderá o governo dissolver uma camara municipal por conveniencia do serviço publico? Pois saiba a camara e o paiz, que foi este o motivo allegado para a dissolução da camara de Alijó! De maneira que uma camara municipal, que é de eleição popular, é elevada á categoria de funccionario publico, e póde ser dissolvida, quando não mereça a confiança do governo! (Vozes: — Ouçam, ouçam.) Similhante facto mostra evidentemente que está transtornada toda a ordem administrativa; revela uma violação completa de todos os principios de publica administração; e que uma aberração completa dos bons principios constitucionaes deu causa a uma invasão saliente e palpitante, que fez com que se não respeitasse a independencia dos poderes politicos do estado (apoiados).

Pois como é que um corpo, que é de eleição popular, em quem o municipio deposita a sua confiança, póde ser dissolvido por conveniencia do serviço publico? Se fosse dissolvido por conveniencia do serviço municipal entendia-se, porque a formula abrangia os limites, dentro dos quaes esse corpo funccionava, mas por conveniencia do serviço publico é uma cousa que não posso conceber, que ninguem conceberá, nem póde satisfactoriamente explicasse.

Esta formula do decreto já por si era bastante para mostrar que a dissolução daquella camara tinha tido um fim especial, especialissimo, qual era o que muito bem disse o meu illustre collega, o sr. Pinto de Magalhães, de introduzir a anarchia, a desordem e o terror no concelho de Alijó; e virá a occasião em que eu hei de ler á camara um documento, que se publicou já em varios jornaes, escripto pelo irmão do governador civil, no qual estão descriptos todos os planos, todos os tramas e violencias que se queriam praticar n'aquelle concelho.

Já ouvi dizer a alguem que não é conveniente trazer para a discussão certos factos, quando constam de documentos particulares; não penso assim, quando os factos já são do dominio publico, ou constam de documentos que, embora particulares, se referem sómente a cousas publicas, caso era que está a combinação feita entre o governador civil e seu irmão para afastar da urna á mocada os eleitores de Alijó (apoiados).

Ha porém documentos officiaes que mostram bem claramente as rasões por que foi dissolvida a camara de Alijó.

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Sr. presidente, a v. ex.ª liberal antigo e encanecido nesses trabalhos de outras epochas para, com os martyres que combateram a seu lado, implantar entre nós a liberdade, peço que me escute. É um appello sincero o que faço para v. ex.ª e dar-me-hei por satisfeito se for attendido.

A camara municipal do concelho de Alijó, eleita em novembro de 1861 para funccionar no biennio de 1862-1863, foi uma camara tão desleixada no cumprimento dos seus deveres, foi uma camara eleita tão contra a vontade dos povos, era uma camara tão contraria aos interesses do municipio que representava, que não podia nem devia por mais tempo ser tolerada á frente da gerencia do municipio que a elegêra, e que tinha dado sobejas provas das poucas sympathias de que ella gosava entre os seus conterraneos. Era pois absolutamente necessaria a sua dissolução; assim o exigiam todas as conveniencias municipaes, visto que aquella, camara em concertos de pontes, de caminhos e outras obras de não pequena importancia despendeu no anno economico de 1862 quatro contos trezentos e tantos mil réis, como se prova por este mappa que tenho presente; e deixou orçadas outras obras, já approvadas pelo conselho de districto para o anno de 1863, e que hoje devem estar em construcção, no valor de tres contos novecentos e tantos mil réis, tendo para isso os fundos necessarios.

Quando uma camara no biennio da sua gerencia faz uma administração tão pessima que, sem violencias, sem queixumes dos povos, como ha em quasi todos os municipios, faz applicar dos dinheiros publicos para obras do mesmo 8:000$000 réis não podia deixar de ser dissolvida.

Era uma camara tão desleixada, tão inimiga do cumprimento dos seus deveres e obrigações que na data de 14 de abril de 1863, mereceu ser elogiada pelo governador civil do districto de Villa Real da seguinte maneira:

«Copia. — Governo civil de Villa Real. — 1.ª repartição. — N.° 49. — Ill.mo sr. — S. ex.ª o governador civil d'este districto, tendo conhecimento de que foi entregue ao thesoureiro do asylo villarealense de primeira infancia desvalida a quantia de 100$000 réis, com que a camara, a que v. s.ª preside, subscreveu em favor d'aquelle caritativo estabelecimento, para por este modo demonstrar o jubilo pelo faustissimo consorcio de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I, encarrega-me de agradecer a v. s.ª e á dita camara, tão avultado donativo, com o qual deram mais uma prova da sua philanthropia e decidida affeição aos nossos augustos monarchas.

«Deus guarde a v. s.ª Villa Real, 14 de abril de 1863. = Ill.mo sr. presidente da camara municipal do concelho de Alijó. = O secretario geral, A. L. Barbosa de Albuquerque.

«Está conforme. = O escrivão da camara, José Maria Leitão.»

Era uma camara que acabava ha poucos dias de solemnisar o consorcio do nosso monarcha, praticando um acto tão caritativo, que merecia ser dissolvidas.

Houve na freguezia de Villar de Maçada, do concelho de Alijó, uma epidemia, que ahi grassou por muito tempo, a qual deu causa a estabelecer-se um terror panico n'aquella localidade, e por fórma tal que os habitantes trataram de procurar locaes aonde se fossem estabelecer por não querer ali residir. O governador civil do districto, o sr. Heredia, mandou como seu delegado o secretario geral áquella localidade para, de accordo com o presidente da camara, tomar medidas que fizessem com que os habitantes daquella freguezia não abandonassem as suas habitações, e se dissipasse o terror causado por essa epidemia, empregando-se ao mesmo tempo todos os recursos e os meios mais efficazes para lhe pôr termo, e evitar a desolação que ella produziria. O secretario geral do governador civil, de accordo com o presidente da camara, cumpriu a missão de que foi encarregado pelo governador civil; e depois do presidente da camara enviar um relatorio ao governo civil do que se tinha feito n'aquella localidade, dos meios que se tinham adoptado para evitar a desolação e os prejuizos causados pela epidemia, o governador civil responde ao presidente da camara pela seguinte fórma:

«Copia. — Governo civil de Villa Real. — 1.ª repartição. — N.° 25. — Ill.mo sr. — Com o officio de 3 do corrente, em que v. s.ª me participa ter a camara da sua presidencia resolvido gratificar o pharmaceutico que foi a Villar de Maçada, tem a mesma camara mostrado que cumpriu religiosamente a promessa que me havia feito de coadjuvar o governo prestando, como effectivamente prestou, os soccorros necessarios aos habitantes d'aquella freguezia durante a epidemia que os affligiu, e que felizmente se acha extincta. Por tão caridoso e relevante serviço torna se a camara credora das sympathias d'aquelles povos, e em seu nome venho agradecer á camara esta prova de philanthropia, e com especialidade a v. s.ª, pelo zêlo, dedicação e interesse inexcediveis com que de motu proprio me acompanhou na visita dos doentes, já consolando-os; já prescrevendo, de accordo com o digno facultativo Almeida Lucena, o tratamento necessario, já secundando os mais esforços para que fossem removidos da povoação todos os fócos de infecção. Queira v. s.ª transmittir os meus agradecimentos á camara, cujos serviços terei a satisfação de levar ao conhecimento do governo de Sua Magestade. Aproveito esta occasião para declarar a v. s.ª, a fim de o fazer presente á camara, que n'esta data dou conta ao delegado de saude do modo como a camara procedeu n'esta conjunctura, e estou certo que elle, melhor informado, lhe dará todas as explicações que a satisfaçam.

«Deus guarde a v. s.ª Villa Real, 16 de julho de 1863. = Ill.mo sr. presidente da camara municipal do concelho de Alijó. = O secretario geral, servindo de governador civil, A. L. Barbosa de Albuquerque.

«Está conforme. = O escrivão da camara, José Maria Leitão.»

Isto era em 16 de julho de 1863. Em 30 do mesmo mez, em outro officio dirigido á camara, dizia o governador civil o seguinte:

«Copia. — Governo civil de Villa Real. — 1.ª repartição. — N.° 139. – Ill.mo sr. – Com o officio de v. s.ª, n.° 125, de 28 do corrente, foi recebido o mappa das obras mandadas fazer por essa camara no ultimo anno economico para melhoramento de algumas estradas e outras obras de reconhecido interesse publico. Sendo estas obras uma prova indubitavel do zêlo que essa camara tem pelo bem estar e commodidade dos povos que com tanto acerto a escolheram para os representar, não posso por isso deixar de manifestar a v. s.ª e á camara, a que dignamente, preside, o quanto me apraz em ter motivo para louvar o interesse que tem tomado pelos melhoramentos d'esse concelho.

«Deus guarde a v. s.ª Villa Real, 30 de julho de 1863. = Ill.mo sr. presidente da camara municipal de Alijó. = O secretario geral, servindo de governador civil, A. L. Barbosa de Albuquerque.

«Está conforme. = O escrivão da camara, José Maria Leitão.»

Em 30 de julho de 1863 a camara merecia do governador civil de Villa Real todos estes encomios. Em 8 de novembro de 1863, note bem, a camara, sendo governador civil, não o sr. Heredia, homem extranho áquella localidade, pessoa extranha a todas as questões pessoaes que se moviam no districto; mas o sr. Barbosa, natural d'aquelle districto, filho do concelho de Alijó, julgou necessario, para bem do serviço publico, dissolver a camara da sua naturalidade (apoiados). Este facto escusa de commentarios, diz tudo (apoiados). É o governador civil do districto de Villa Real, filho do concelho de Alijó, que despreza a consideração dada áquella camara, pelos actos de philanthropia, de caridade e de boa administração que tinha praticado, consideração aliás bem cabida e bem merecida, e que ex cathedra, julga conveniente, para bem da administração do municipio, dissolver aquella camara. E querem saber para quê? Para nomear, contra a expressa disposição do artigo 108.° do codigo administrativo, uma commissão municipal, na qual figuraram só dois individuos que tinham sido membros das vereações anteriores, quando o codigo expressamente determina que = no caso de dissolução de qualquer camara, o governador civil designará d'entre os vogaes das vereações anteriores os que hão de preencher os logares vagos até á nova eleição (apoiados).

Mas ainda a camara não ouviu tudo. O governador civil procedeu assim, porque não teve pejo de nomear, para fazer parte d'essa commissão, a seu proprio pae (apoiados). Ahi está explicada a rasão da dissolução da camara (apoiados). Agora pergunto ao illustre deputado, o sr. Guilhermino de Barros, se não dizia bem o nosso illustre collega, o sr. Joaquim Pinto de Magalhães que = a camara municipal do concelho de Alijó tinha sido dissolvida não por bem do serviço do municipio, porque se mostra que ella serviu sempre bem; mas para espalhar o terror, para semear a zizania, para introduzir a discordia n'aquelle concelho, e para violentamente arrancar das mãos do povo a escolha que queria livremente fazer dos individuos que os haviam representar na administração do concelho =.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Pois o que quer dizer nomear o governador civil uma commissão, em que figuram só dois individuos que tinham sido vereadores, contra a expressa determinação do codigo? (Apoiados.) Em que paiz estamos nós, a lei já não é lei? Não era lei, nem nunca foi lei em Villa Real; mas ha de ser lei aqui e em toda a parte (apoiados). E quando se viu que um governador civil dissolvesse uma camara, e introduzisse na commissão municipal a seu proprio pae? (Apoiados.) Bem sei que se me póde responder — que não ha lei alguma que o prohiba (apoiados). Mas se não ha disposição de lei escripta que o prohiba, ha a lei do decoro, da decencia e da honestidade (apoiados). E essa lei tem, para quem a sabe comprehender, tanta senão mais força do que a dei escripta. E a camara municipal de Alijó dissolveu-se porquê? Porque o governador civil, sendo natural d'ali, tinha sido derrotado na eleição de deputados em 1861, quando elle trabalhou phreneticamente pela eleição do Sr. Alves Martins, hoje bispo de Vizeu. O governador civil dissolveu, a camara de Alijó, porque foi derrotado, elle e o sr. Alves Martins, na eleição municipal de 1862, e não queria soffrer terceira derrota. Esta é a verdade dos factos. É a fiel historia dos successos passados.

Os srs. Barbosa e Alves Martins foram derrotados pelos meus amigos n'aquellas eleições, não em consequencia de meios violentos que se empregassem, os quaes ficam mal a certa ordem de gente, e principalmente a um homem que empunha o baculo episcopal; mas porque havia uma auctoridade no districto que se não prestava a commetter toda a qualidade de vexames, e desacatos á lei, e que pelo contrario dizia: «Trabalhe cada um como poder; promova cada um a eleição pelos meios que entender licitos; e o resultado será a manifestação do que cada um póde e vale».

Assim entende-se que se façam eleições; a luta d'este modo é gloriosa, honrada e constitucional; e tudo quanto não for isto, é desgraçadamente levar-nos aquelles tempos deploraveis que já lá vão, e que seria para desejar se não repetissem (apoiados). Infelizmente na epocha actual e com um governo rasgadamente progressista á frente dos negocios publicos, com um governo que combateu todos estes excessos (apoiados), vê se hoje praticar ainda peior (apoiados). Os factos d'essa epocha estão santificados pelo que tem feito o actual ministerio (apoiados).

Mas a camara municipal de Alijó dissolveu-se, porque se queriam fazer as eleições por modo novo, nunca visto e usado entre nós, que era á mocada (apoiados e riso). O systema de fazer eleições com fuzilamentos já existiu em algum tempo, mas á mocada é a primeira vez, porque nunca me recordo de que se tivessem feito eleições por este systema (apoiados). Estava isso reservado para ser posto em pratica pelas auctoridades, sendo ministro do reino o sr. Anselmo José Braamcamp (muitos apoiados); estava isso reservado para as auctoridades, sendo ministro s. ex.ª (apoiados).

Não quero com isto dizer que s. ex.ª, como ministro do reino, fosse connivente em todos os attentados que se commetteram no districto de Villa Real, não tenho muitos dados para o asseverar; tenho comtudo alguns que me levam a crer isso, como o farei ver á camara. Realmente tem causado grande admiração não só a mim, mas a toda a gente sensata que está completamente alheia a estas lutas politicas, que o governo, não sei porquê, porque considerações esteja de braços cruzados, e não tenha tomado uma resolução sobre este negocio (apoiados). O governo mesmo não sabe que de um momento para outro póde haver uma conflagração geral no districto de Villa Real? Ignora porventura que os animos ali estão, completamente agitados? Não sabe o governo, ou não lh'o dizem as suas auctoridades, que as freguezias de quasi todos os concelhos do districto de Villa Real estão em opposição umas com outras, e que diariamente se travam desordens entre umas e outras? O governo não tem auctoridade que o informem do estado anarchico em que se acha, todo o districto? Mas se não tem auctoridades que o informem com lealdade, tem tido amigos que o previnam. E o governo que tem feito? Que providencias, tem tomado? Nenhumas (apoiados). Que tem tenção de fazer? Esperar pela syndicancia?! Qual syndicancia? Pois não se sabe já, não se diz publicamente que o governador civil do districto de Braga não aceitou essa commissão? Ignora o governo o que todos sabem? Parece que o governo é quem sabe sempre menos, quando devia ser o primeiro (apoiados) a quem cumpria ter conhecimento de certos factos.

E fez muito bem o chefe d'aquelle districto em não aceitar uma commissão de similhante natureza, se é que a não aceitou. Ou os factos a syndicar são de pura administração, ou não. Se são de pura administração, o governo tem feita a syndicancia nos registos que existem nos archivos do governo civil de Villa Real; se é de factos crimes, que se tenham praticado, que se quer syndicar o meio não é este — é expedir ordem ao procurador geral da corôa, para este a transmittir aos seus delegados, a fim de se instaurarem os processos contra as pessoas que commettessem taes factos. Mas syndicar de actos de pura administração de empregados de confiança, cuja syndicancia está feita nos archivos do governo civil, d'onde são tirados estes documentos que tenho aqui, não sei a que proposito venha a esperar-se por ella, para o governo tomar uma resolução.

Mas voltando á dissolução da camara municipal de Alijó, direi que aquella camara foi dissolvida no dia 8 de novembro de 1863, quando o dia da eleição tinha sido designado para o dia 22. E note bem a camara que era tal a necessidade de acudir á administração do municipio, de pôr termo aos desvarios commettidos por aquella camara, que tendo ella apenas de funccionar dois mezes ou menos de dois mezes (porque a nova camara havia de tomar posse no dia 2 de janeiro), isto se fez quinze dias antes da eleição ordinaria. Mas dissolveu-se, porque assim convinha pelas rasões que já expendi; dissolveu-se, porque o governador civil do districto queria que seu pae fosse vice-presidente da commissão municipal; dissolveu-se, porque o governador civil não podia vencer a eleição de outra maneira; dissolveu-se, porque o governador civil nem ali, apesar de ser a terra da sua naturalidade, tinha a influencia que se queria inculcar, e se alguma influencia tem, estou convencido que estará hoje bem arrependido quem lh'a adquiriu.

A camara municipal de Alijó foi dissolvida, porque se queria fazer uma divisão de assembléas contra a letra expressa do codigo administrativo, e contra todos os principios de administração, como se fez. E a este respeito permitta-me a camara que eu narre os factos que vem em confirmação de tudo quanto acabo de dizer.

Correndo como certa a noticia de que era dissolvida a camara municipal de Alijó, e esperando se a apresentação do decreto de momento a momento, o presidente da camara convocou os seus collegas e deu principio aos trabalhos eleitoraes, começando por designar as assembléas, e dar parte á commissão do recenseamento d'esta sua deliberação para preparar regularmente os cadernos como lhe cumpria na fórma determinada no codigo administrativo e no decreto de 30 de setembro de 1852 na parte applicavel a estes trabalhos. Assim se fez, e direi que o presidente da camara municipal de Alijó foi tão escrupuloso n'estes trabalhos, e no modo de regular as assembléas, que quer v. ex.ª e a camara saber o que elle fez? Foi ao biennio de 1858-1859, no qual era presidente da camara municipal de Alijó o actual governador civil de Villa Real, e adoptou com a camara da sua presidencia as assembléas eleitoraes feitas por elle actual governador civil, e fez isto não só em attenção a elle ser o chefe do districto, mas mesmo porque entendeu que não poderia por este facto ser taxado de parcial (apoiados); adoptou pois a camara dissolvida uma divisão de assembléas que, se era má, elle governador civil a tinha feito como presidente da camara municipal de Alijó (apoiados); e se era boa elle governador civil, na qualidade de presidente da camara, a tinha achado boa (apoiados). Uma camara que assim procede revela rigorosa imparcialidade nas suas deliberações.

Isto não obstante, apenas a commissão municipal tomou posse, a primeira cousa de que se occupou foi de fazer a designação das assembléas, não se conformando com os trabalhos da camara municipal dissolvida. A commissão porém não seguiu as pisadas da camara, e fez uma assembléa

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eleitoral em Villa Verde, que tinha cento e cincoenta e seis eleitores, e isto contra o que determina o codigo administrativo, que manda que as assembléas não tenham menos de duzentos eleitores — primeira arbitrariedade. Segunda arbitrariedade: Villar de Maçada, séde do extincto concelho d'aquelle nome e hoje encorporado no de Alijó, e que sempre foi cabeça de assembléa eleitoral, mandou-se votar a 10 kilometros de distancia, passando pelas duas assembléas de Sanfins e Favaios! Fez-se uma assembléa eleitoral na freguezia de Cartão, que fica confinante com o concelho de Murça e na extrema do concelho de Alijó, aonde se fizeram votar, entre outras freguezias, a de Villa Chã, que é séde de assentada eleitoral para as eleições de deputados; nem se respeitou sequer a lei n'este ponto, e obrigou-se a freguezia de Villa Chã, que é sede de assentada eleitoral para eleições de deputados, a ir votar ao fim do concelho de Alijó, a uma freguezia a confinar com o concelho de Murça. As freguezias de Villarinho de Cotas, e Cotas, que estão ao nascente, mandaram-se para o poente; e as freguezias de Casal de Loivos e Val de Mendiz, que estão ao poente, mandaram-se para o nascente. Emfim houve um encruzamento de raças (riso), que se tornou necessario para apurar a eleição á mocada (apoiados — riso). Era necessario tudo isto, era necessario este encruzamento para vencer as eleições. Aqui está por que se dissolveu a camara municipal de Alijó. Foi para isto, e mais nada (apoiados).

Ora, se tudo isto que tenho dito não é ainda bastante para a camara formar um juizo seguro sobre as causas que actuaram no governador civil para solicitar a dissolução da camara municipal de Alijó, vou ler á camara a carta da eleição á mócada, é o proprio original legalisado competentemente. A carta revela perfeitamente todos os planos politicos, todos os concertos e accordos que se tinham feito, todos estão aqui bem patentes. E parece-me que nenhum outro documento mais será necessario produzir, para fazer ver que a eleição municipal n'aquelle concelho foi feita contra todos os principios de legalidade e de moralidade (apoiados).

A carta diz assim:

«Amigo e mano Jeronymo. — Pelo nosso prezado pae respondo eu á tua carta de hoje que trouxe o José Carneiro, que me foi entregue á uma hora da tarde; estando nós na casa da camara por occasião da commissão estar para tomar posse. Não se aproveitou nada em o alvará da dissolução vir por proprio, pois que vindo pelo correio viria ao mesmo tempo, porque na noite que chegou, eu e o administrador estamos em Pegarinhos, aonde fomos chamados para recolhermos, chegando ás onze horas do dia, occasião em que mandámos officios para a camara e commissão, e só ás dez horas do dia de hoje é que se podia fazer a dissolução da camara. Não estamos prevenidos para o meeting que a opposição tinha preparado com cem ou mais fidalgarrões que se juntaram na casa da camara com a musica de Sabrosa, com o fim de se opporem á dissolução como oppozeram com o pretexto de não largarem a commissão por não estarem no caso de terem sido vereadores, e outras mais cousas; e no fim de obterem isto saír a tocar a musica com elles para casa dos Pintos. Apesar de assim o contarem, nós em continente mandámos a Prezendaes e Granja convidar gente, assim como aqui, e juntou se gente com que lhe mettemos a falla no bucho, fizemos larga-los, e não consentimos que a musica tocasse nas ruas, nem que apparecesse o Araujo, senão tudo se escangalhava; e com isto os homens tomaram medo, e assim o fizeram com medo ó lombo, porque a nossa gente queria o barulho. Nada houve, e só a musica tocou dentro da casa dos Pintos, mas pouco tempo, e pelo quintal a impontaram. Dinheiro dá-se ás rasas a quem o quer, dando o voto, mas nem assim fazem nada. As assembléas formaram-se como dizes. Os empregados da camara são muito maus, mas parece que com muita maldade se prestam a cumprirem, mas comtudo é preciso tudo desconfiar d'elles, e bom será talvez mudar-se de empregados, ou vir alguem d'aí, mas com segunda ordem. Os homens trabalham como damnados, e são muitos, mas as difficuldades não as vencem, e este cheque matou-os de todo. Vejo o bispo ir para ministro da justiça, mas bom era que fosse já. Direi o mais que occorrer, mas as difficuldades são muitas, pois que tudo contra, foi a camara fóra, mas ficaram os escrivães e a commissão; mas, se preciso for, dá-se-lhe mócada.

«Visitas de todos e adeus — 8 de novembro. = Mano amigo certo, Barbosa Junior.

É do mano Antonio para o mano Jeronymo. O mano Antonio é recebedor no concelho de Alijó.

E note bem a camara que havia tanta pressa na dissolução da camara municipal, que nem se mandou o alvará pelo correio, mandou-se por um proprio.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — É uma carta particular.

O Orador: — É sobre um negocio publico (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Isso é indecente.

O Orador: — Indecente é fazer-se o que a carta diz (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — E como se apanhou essa carta?

O Orador: — Eu vou dizer ao illustre deputado como se apanhou.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Foi tambem á mócada que se apanhou a carta?

O Orador: — Não foi. Eu digo como a carta, enviada á redacção de um jornal e ahi publicada, e nunca reclamada, foi encontrada. Esta carta era levada por um homem, segundo me consta, para Villa Real, pelo mesmo que tinha sido portador do alvará de dissolução da camara municipal. Este homem encontrando-se com um outro á saída de Favaios, foi pouco depois e proximo a S. Jorge accommettido por um cão, e para se defender teve de fugir arremessando-lhe pedras, deixando caír varios papeis que levava, e entre elles a carta alludida.

Uma voz: — E abriu-a?...

O Orador: — Não sei se ía aberta ou fechada; mas seja como for a carta existe e é o necessario para a questão (apoiados). Esta carta contém unicamente factos politicos que dizem respeito a uma questão que se ventilava n'aquelle concelho, e apresenta os detalhes de um plano importante e concertado entre as auctoridades (apoiados). É um documento publico, e como tal póde ser apreciado, visto que já é do dominio da imprensa. A camara, depois de ouvir os documentos a que acabo de me referir, formará o seu juizo e decidirá se a camara municipal de Alijó foi dissolvida por motivos eleitoraes ou por qualquer falta por ella commettida; a camara não deixará de certo de considerar a dissolução da camara municipal de Alijó uma flagrante arbitrariedade, na qual tomaram parte o chefe do districto e o sr. ministro do reino (apoiados), que a dissolveu, porque não havia motivo para a dissolver (apoiados); e se o havia, declarasse-o o ministro no decreto da dissolução (apoiados).

Mas nada d'isto se fez. Dissolveu-se a camara, saltou-se por cima de todas as considerações, e o governador civil do districto conseguiu o seu fim, que foi fazer a eleição á mócada.

Ha tambem um facto não menos importante, que é o que diz respeito ás alterações das assembléas em quasi todos os concelhos do districto, porque, note a camara, que não se dissolveu unicamente a camara de Alijó para se alterarem as assembléas para a eleição municipal n'aquelle concelho; havia um systema combinado um plano concertado; e em ponto muito grande.

Em todos os concelhos do districto onde a eleição era disputada, onde a auctoridade tinha com quem lutar, as assembléas eleitoraes foram anomalamente combinadas, como logo farei ver, contra todos os principios do codigo administrativo, e contra todas as leis existentes.

Em 19 de novembro foram alteradas as assembléas eleitoraes de Sabrosa e de Villa Pouca de Aguiar.

Em 18 de novembro, quatro dias antes da eleição, foram alteradas as assembléas eleitoraes no concelho de Peso da Regua. Em outra sessão do conselho de districto, celebrada no mesmo dia 18 de novembro, foi confirmada a divisão que a commissão municipal de Alijó tinha feito das assembléas, e de que se tinha recorrido para o conselho de districto.

Vê-se pois que houve alteração de assembléas feita á ultima hora contra a expressa determinação da lei, contra o que determina o codigo administrativo no artigo 49.° e seus paragraphos (apoiados).

E dirá alguem que tambem isto foi um acto illegal? Haverá ainda alguem que diga, que o chefe superior do districto se conservou sempre dentro da orbita da lei em tudo quanto fez?

É de crer que venham basear a defeza da auctoridade n'uma disposição que se encontra no codigo, se bem me recordo no artigo 254.°, que estabelece que o governador civil de um districto, em casos extraordinarios, póde extraordinariamente providenciar sobre quaesquer negocios que demandem prompta resolução. Mas estaria n'este caso o governador civil de Villa Real, com relação ao facto de que estou tratando? Parece-me que não, e para o demonstrar, antes de ir mais diante, preciso de tratar de uma outra questão — a das suspeições do conselho de districto.

Deu-se tambem n'esta desgraçada luta uma cousa nova, nunca vista — fallo das suspeições politicas. Em publicista nenhum se encontra o caso das suspeições politicas (apoiados). Suspeições politicas! Eu declaro desde já á camara que se ella sanccionar tal doutrina, na primeira questão que sete vante n'esta casa, como deputado da opposição, hei de oppor uma suspeição politica á maioria, julgando a incompetente para intervir n'ella, porque apoia o actual ministerio, e em politica faz causa commum com elle. A sanccionar-se o principio não ha de ser só para Villa Real; se elle for sanccionado, ha de levar-se até ás ultimas consequencias que d'elle possam derivar-se (apoiados).

E eu chamo para isto a attenção da camara, porque n'um negocio similhante e de tanta gravidade mal parece que depois de trinta annos de systema constitucional haja alguem que entenda que possam pôr se suspeições politicas (apoiados); haja alguem tão leviano que, ou como particular ou como funccionario publico, queira oppor-se ao artigo da carta que permitte a todos os individuos a manifestação dos seus pensamentos por palavras ou escriptos (apoiados), e que se queira coarctar não só a tolerancia politica que deve haver em taes casos, mas estabelecer o terrivel principio de que a qualquer individuo que pertence a uma corporação, que tem de julgar negocios de publica administração, está vedado ter opiniões politicas! (Apoiados.)

Contra esta theoria me revolto eu, e contra esta doutrina espero tambem que a camara se ha de pronunciar, porque é uma doutrina que só tem precedente, e felizmente que é o unico, na desgraçada historia da luta eleitoral de Villa Real (apoiados).

Eu bem sei que se ha de invocar uma portaria, que me parece que tem a data de 1845, para justificar este acto. Mas a esse respeito não digo nada, porque a data da portaria é bastante para mostrar que não é de aceitar a doutrina que n'ella estabelece. Recommendo a data da portaria, e não digo mais cousa alguma sobre este ponto. Mas vamos á questão da suspeição.

O conselho de districto póde considerar-se debaixo de tres pontos de vista. Ou como corpo consultivo, ou como corpo deliberante, ou como tribunal administrativo. Como corpo consultivo, não ha necessidade de suspeições, porque o chefe do districto ouve unicamente o seu voto e não é obrigado a segui-lo. Como corpo deliberante e mesmo como tribunal administrativo, o conselho de districto póde dar-se a suspeito, mas só quando trate de negocios que dizem respeito a interesses particulares ou do estado. É esta a boa doutrina, é a que se acha consignada no artigo, parece-me que é 280.º, do codigo administrativo, e a que se encontra em diversas portarias mencionadas, e tambem no repertório administrativo do sr. Gama Barros.

Não ha portanto duvida de que os membros do conselho de districto podem averbar-se de suspeitos em casos que são submettidos á sua decisão, como corpo deliberante ou tribunal administrativo, quando elles digam unicamente respeito a interesses particulares ou interesses do estado em que seja interessado o fisco ou fazenda publica; mas em negocios de publica administração, em negocios que devem considerar-se n'uma area muito differente, na area da administração politica, n'esses negocios nem os vogaes do conselho de districto nem os membros de tribunal algum podem ser dados de suspeitos.

Mas d'esta questão é corollario uma outra, e é — qual a formula para averbar de suspeito um vogal do conselho de districto. Eu combato o principio de que se podessem dar de suspeitos os vogaes do conselho de districto na hypothese de que se trata; uma vez porém que isto se fez, forçoso é tratar a questão.

Nos requerimentos que foram apresentados ao chefe do districto, para dar por suspeitos os membros do conselho Bessa Correia, Pinto Carneiro e Ferreira de Carvalho, existe em cada um d'elles um despacho do governador civil, que é o seguinte.

Antes de o ler direi que este documento é uma certidão requerida no governo civil de Villa Real, mandada passar pelo governador civil, a qual contém os requerimentos apresentados para as suspeições dos tres conselheiros de districto tidos por suspeitos, as provas em que se basearam essas suspeições, os motivos allegados para ellas, e a base tomada para essas mesmas suspeições. A formula do despacho é a que se segue: «Sejam convocados para a sessão de 17 do corrente, ás onze horas da manhã, os competentes substitutos dos conselheiros suspeitos, para ser julgada a opposta suspeição e o proprio recurso, attenta a urgencia, quando aquella seja julgada procedente, nos termos da portaria de 14 de agosto de 1840.»

Nos outros requerimentos encontra-se o mesmo despacho. Vê-se portanto que o fundamento tomado para o processo a seguir nas suspeições oppostas aos tres conselheiros de districto já nomeados, foi a portaria de 14 de agosto de 1840. A essa portaria deu origem um officio do administrador geral do districto da Horta, que encontrando-se em difficuldades para resolver certos negocios que ali estavam pendentes e affectos ao conselho de districto, por falta de membros para os decidir, por se terem dado por suspeitos alguns dos seus membros, e não havendo nada providenciado no codigo a este respeito, aquelle magistrado consultou o governo sobre o que devia fazer em tal caso; o governo por uma portaria, que é esta de 14 de agosto de 1840, providenciou pela seguinte fórma:

«Que aos membros dos corpos administrativos se podiam oppor suspeições, as quaes seriam decididas por aquelles corpos a que os suspeitados pertencessem, decidindo-as summariamente pela verdade sabida e constante dos documentos com que fossem instruidas, sem nenhuma fórma ou figura, de juizo, pois que as formulas estrictas do processo não são em geral applicaveis aos corpos administrativos.»

Ha portanto a examinar como devem entender-se as expressões da portaria que acabo de ler, e que diz — que as suspeições devem ser julgadas pelos corpos a que pertenceram os suspeitados sem fórma de juizo, julgando se pela verdade sabida e sem se seguirem as formulas estrictas do processo.

Concluiu d'estas palavras o governador civil de Villa Real que um simples requerimento apresentado em conselho de districto, uma simples allegação escripta era bastante para suspeitar os membros do conselho, sem mais prova de qualidade alguma; e entendeu-o assim, baseado nas expressões da portaria: «Julgando pela verdade sabida e sem as formalidades estrictas do processo».

Mas é principio corrente em direito — que quando um ponto é duvidoso, ou sobre elle não ha disposição de lei, mas ha legislação que póde applicar-se por identidade de rasão, essa legislação se applique. Não só é isto principio de hermeneutica juridica, mas principio legal, porque é auctorisado pela lei de 18 de agosto de 1769. Cumpria portanto ao governador civil de Villa Real saber os termos em que podia suspeitar os membros do conselho de districto, tratando primeiramente de ver quaes as disposições de direito que havia, com relação a corpos identicos ao do conselho de districto, e se eram ou não applicaveis, e sendo-o interpretar por estas disposições as palavras da portaria de 14 de agosto de 1840.

Haverá entre nós legislação que possa applicar-se a esta hypothese? Ha. Temos o regulamento do conselho distado, o qual, não só por disposição legal, mas por todos os principios de direito, é applicavel, sempre que o poder ser, aos corpos administrativos, como os conselhos de districto; e isto mesmo se acha estabelecido nas instituições de direito administrativo do sr. Justino de Freitas, o qual, tratando do conselho de districto, diz em um dos paragraphos do final da sessão (leu).

Vejamos pois se a disposição do conselho d'estado, na parte que diz respeito a suspeições, póde ou não ser applicavel ao conselho de districto? Encontra-se a doutrina que diz respeito ás suspeições no artigo 88.° Diz este artigo (leu).

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Aqui temos portanto estabelecida a fórma do processo para os casos de suspeição dos membros do conselho de districto. E esta fórma de processo aqui estabelecida já se desvia das formulas do direito estricto, porque é só ouvido o suspeitado sem outra fórma de processo, salvas as provas offerecidas. Mas a verdade sabida, consta n'este caso dos documentos e provas, ou declarações do suspeitado, e não póde nunca determinar-se pela voz publica, por aquillo que o individuo ouve como particular, e que não póde ser do dominio dos tribunaes nem dos julgadores. A verdade sabida portanto é só a que resulta dos documentos ou das provas que instruem o processo.

Assim o codigo commercial permitte que os tribunaes commerciaes se afastem do direito estricto e julguem ex-aequo et bono pela verdade sabida; mas o julgamento pela verdade sabida não exclue nem póde excluir a verdade dos factos sobre que tem de recaír a sentença. O mesmo principio se acha consignado no direito commum. Quando pois a portaria de 14 de agosto de 1840 manda julgar as suspeições pela verdade sabida, não exclue a necessidade da prova, a qual o direito não dispensa em caso algum. E quando se quizesse duvidar das palavras da portaria n'este ponto, bastava olhar para o nome do ministro que a referendou, Rodrigo da Fonseca Magalhães, homem eminentemente liberal e respeitador das formulas constitucionaes, para não duvidarmos um momento de que elle de maneira nenhuma tinha em vista n'esta portaria estabelecer a terrivel doutrina de que da simples allegação se podia concluir para a suspeição sem o suspeitado ser ouvido (apoiados). Pois foi o modo cerebrino por que o governador civil de Villa Real e os seus amigos entenderam a portaria, e foi baseados em tal doutrina que decidiram que deviam dar por suspeitos tres membros do conselho de districto. para julgarem de negocios de administração politica, cousa que nunca se viu, nem se ha de ver, e mal de nós se factos d'esta ordem se repetiam, porque caso isso acontecesse, n'esse momento podiamos dizer — o systema representativo acabou (apoiados).

Mas para se conhecer que o regulamento do conselho de estado se desviou do direito estricto na materia de suspeições, basta confrontar o já indicado artigo 88.° com o que se acha estabelecido Da reforma judiciaria nos artigos 319.° e 364.° e seguintes.

Prescreve se o processo a seguir nas suspeições oppostas aos juizes e mais empregados judiciaes.

Para estes ha artigos de suspeição, que não confessados se tornam contenciosos, sendo decididos por juizes arbitros nomeados á avença das partes contendoras, instaurando-se um processo que dá em resultado um julgamento com fórma de juizo, no qual se não dispensam as formulas do direito estricto, sob pena de nullidade.

Nada d'isto se encontra no regulamento do conselho distado, porque o processo é outro; não tem a fórma de juizo, nem é propriamente contencioso.

Se o governador civil de Villa Real não ignorasse estes principios de direito, teria procedido de outra maneira, e não averbaria de suspeitos tres vogaes do conselho de districto por uma fórma tão irregular e tumultuaria, como a que consta dos documentos de que já dei conhecimento á camara.

Não podiam por consequencia ser averbados de suspeitos os conselheiros Bessa Pinto Carneiro e Ferreira de Carvalho sem serem ouvidos e convencidos dos motivos que determinavam a suspeição que lhes era opposta.

Deu a hora; peço a v. ex.ª me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Mando para a mesa seis propostas de lei.

Ficaram para segunda leitura.

O sr. Presidente: — Fica reservada a palavra ao sr. deputado.

A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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