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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tou. Acceitou-o; teve a bondade de dizer que se conformava com o principio da minha proposta, mas continuando a considerar o caminho de ferro do valle do Tejo como caminho de ferro essencial para o acabamento da rede dos caminhos de ferro portuguezes, declarando que não tinha duvida em acceitar a sua construcção por administração directa, desde o momento em que não apparecesse companhia habilitada para o construir, apesar d'isso não quiz transformar esta sua idéa n’uma disposição, n'um artigo da lei, allegando que este projecto era especialmente do caminho de ferro da Beira Alta, e que era o caminho de ferro da Beira Alta que o governo preferia.

Mas perdão! esta lei não é do caminho de ferro da Beira Alta, porque essa lei já existe; já ha dois annos que está decretada a construcção d'este caminho, e esta lei que hoje a camara discute vem simplesmente modificar a lei anterior em dois pontos: primeiro, quanto á directriz do caminho de ferro da Beira Alta; segundo, no que diz respeito ao modo de construcção das linhas decretadas na lei de 1876.

Esta lei para a construcção das duas linhas determinava um só systema, o de adjudicação ás companhias; a lei de 1878 estabelece o de adjudicação e o de administração directa; entende a commissão que a construcção directa só póde ser applicada á Beira Alta? Não, porque diz que concorda com a minha proposta.

Se ella entende que na lei de 1876 ha duas modificações a introduzir, uma com relação á directriz da linha da Beira Alta, e outra quanto ao modo da construcção, qual é o motivo por que não transporta para esta lei as idéas que lançou no relatorio?

Se o motivo é porque temo que o caminho de ferro da Beira Alta seja prejudicado pela vizinhança do caminho de ferro da Beira Baixa, permitta-me a commissão que lhe diga que esta preoccupação é infantil.

Não vê a camara que em 1876 se decretou que fossem postas a concurso as duas linhas ferreas da Beira Alta e Beira Baixa, e não poz o governo duas vezes a concurso a linha de ferro da Beira Alta, e nenhuma a da Beira Baixa?

Ora eu contesto o acerto d'esta deliberação, mas não contesto o direito do governo a proceder assim, direito que lhe dava a auctorisação, concedida pelo parlamento, de preferir a linha que mais lhe agradasse.

N'esta occasião a linha do valle do Tejo estava em circumstancias melhores do que o está actualmente; n'essa occasião esta linha tinha illustres affeições; o governo tinha-lhe feito a honra de a collocar em igualdade de circumstancias com o caminho de ferro da Beira Alta.

O sr. ministro das obras publicas d'esse tempo, o sr. Cardoso Avelino, esforçou-se sempre por manter a mais rigorosa imparcialidade.

Lembro-me ainda da discussão d'esse tempo.

Os defensores d'estas linhas pleiteavam aqui ardentemente a preferencia.

O sr. Thomás Ribeiro contava aqui a riqueza dos vinhos do Dão, e imaginava para a provincia de ahi um grande rendimento; o sr. dr. Teixeira defendia com ardor o caminho de ferro da Beira Baixa, por causa das fabricas da Covilhã, e tratava com grande desdém os vinhos do Dão. O sr. Francisco de Albuquerque até nos accusava de termos inventado a Beira Baixa, e não nos gabava a invenção; eu não sei já o que alleguei, mas supponho que disse á Beira Alta cousas ferozes; mas o sr. Avelino mantinha no meio d'este debate acalorado a mais serena imparcialidade; nenhum dos contendores era capaz de lhe arrancar uma palavra, um gesto, uma inflexão denunciando que fosse mais favoravel a uma linha do que a outra; tinha para todas a mesma ternura, o mesmo sorriso amavel, e o segredo das suas predilecções, se as havia, levou-as comsigo para a sua cadeira de deputado; disse-o talvez ao seu confessor, (Riso.) mas á camara nunca.

Mais ainda porém. O meu antigo e nobre amigo, o sr. Lourenço de Carvalho, actual ministro das obras publicas, não se magoa de certo que eu lhe recorde, sem o minimo azedume, a affeição que s. ex.ª votava então ao caminho de ferro da Beira Baixa, affeição que passou como passam outras. A Beira Baixa não censura o seu antigo galanteador; foi como um juramento de amor eterno que no outro dia se esquece. (Riso.)

A Beira Baixa guarda apenas como prenda amorosa esse ramo de flores de eloquencia que s. ex.ª lhe atirou n'um momento de enthusiasmo, e deixou-o ir voando a novos amores como o legendario Barba Azul. (Riso.) E por aqui verá o meu amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey, que não sei se está presente, que mais uma vez tem a sua opereta favorita applicação á politica portugueza.

Pois apesar das affeições e predilecções do sr. Lourenço de Carvalho pela linha da Beira Baixa, não foi ella a preferida, mas sim a da Beira Alta; e hoje ainda que fiquem as duas linhas em igualdade de circumstancias; hoje que a illustre commissão affirma, a proposito e até a desproposito de tudo, as suas predilecções pelo caminho de ferro da Beira Alta; hoje que o governo confia a cada instante aos echos do parlamento a sua preferencia pelo caminho de ferro da Beira Alta, entende a camara que possa haver a mais leve suspeita de que seja preferido o caminho de ferro da Beira Baixa não tendo sido preferido quando todos o applaudiam?

Pois se assim é, se a sua preferencia se não contesta, se ninguem a discute, se não póde ser de maneira nenhuma prejudicada, seja ao menos considerada a linha da Beira Baixa nas mesmas condições em que estava em 1876, quero dizer, em certas condições de igualdade legal.

O caminho de ferro da Beira Alta ha de ser construido; a preferencia que o governo lhe concede não a posso eu impedir; eu venho simplesmente pedir que seja inserida de novo n'esta lei uma emenda que o sr. Thomás Ribeiro propoz aqui em 1875, nem mais nem menos, e cujo principio foi acceito agora.

Repito mais uma vez, que esta lei não é uma lei de construcção do caminho de ferro da Beira Alta; essa está votada ha dois annos. Não é tambem uma lei de construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, que tambem já está votada; é simplesmente uma emenda á lei de 1876.

E essa emenda entendeu a commissão que devia dividir-se em duas. A primeira diz respeito á directriz do caminho de ferro da Beira Alta, e essa já está consignada no projecto, a segunda diz respeito ao modo de construcção das linhas ferreas, que em 1876 se entendia que devia ser simplesmente por adjudicação ás companhias, e hoje se entende que deve ser por adjudicação a companhias, e em ultimo recurso por conta do estado.

É esta emenda que a commissão entende que se deve fazer, e que está inserida em parte da lei, que eu peço que se insira em toda ella.

E repito á camara com a maior sinceridade, e desejo que as minhas palavras sejam consignadas no Diario da camara, que fazendo esta proposta não tenho por modo algum a pretensão de levar o governo e a camara a desmentirem a sua preferencia, que n'este momento não discuto, pelo caminho da Beira Alta.

Creio que não se póde ser menos ambicioso e mais conciliador.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Artigo 10.° No caso de não apparecer proposta em condições acceitaveis no concurso para a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, quando esse concurso se abrir, poderá o governo construil-o por administração directa, seguindo-se para a construcção e exploração d'esse caminho de ferro as regras estabelecidas n'esta lei para a construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta.

Sessão de 20 de fevereiro de 1878