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SESSÃO DE 20 DE FEVEREIRO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos e representações. — Nomeia-se a grande deputação que na real capella da Ajuda deve assistir ás exequias por alma de Sua Santidade o Pontifico Pio IX. — Na ordem do dia entrou em discussão o pertence n.º 6 sobre as propostas offerecidas ao projecto n.º 16 de 1877 (caminho de ferro da Beira Alta) na especialidade.

Presentes á chamada 36 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Telles de Vasconcellos, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Vieira da Mota, Filippe de Carvalho, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Paula Medeiros, Jeronymo Pimentel, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Ferreira Freire, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, Julio de Vilhena, Sampaio e Mello, Luiz de Campos, Camara Leme, Faria e Mello, Pires de Lima, Mello e Simas, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Jacome, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Carlos Testa, Conde da Foz, Eduardo Tavares, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Illidio do Valle, J. M. de Magalhães, Matos Correia, Correia de Oliveira, José Luciano, Luiz de Lencastre, Bivar, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Pedro Franco, Visconde da Arriaga, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Arrobas, Augusto Godinho, Neves Carneiro, Conde de Bertiandos, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Francisco Costa, Pinto Bessa, Palma, J. Perdigão, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Guilherme Pacheco, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Pinto Basto, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Mariano de Carvalho, Miguel Coutinho (D.), Pedro Roberto, Placido de Abreu, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde da Azarujinha, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira.

Abertura — ás duas horas da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando a informação prestada pela junta do credito publico, sobre o requerimento em que D. Gertrudes Barbara Fernandes, por si e pelos interessados na herança de José Tavares dos Santos, pede o pagamento da quantia de 994$400 réis, que por meio de precatorias falsas foram furtados dos cofres da referida junta.

Foi enviado á commissão de fazenda.

2.º Do mesmo ministerio, participando que Sua Magestade El-Rei tem resolvido mandar celebrar na real capella da Ajuda em o dia 22 do corrente mez, pelas onze horas da manhã, exequias solemnes por alma do Summo Pontífice Pio IX.

Foi enviado á secretaria.

Participação

Declaro que não compareci ás sessões da camara nos dias 15, 16 e 18 do corrente por incommodo de saude. — Vieira da Mota.

Representações

1.ª Dos professores em commissão no lyceu nacional do Castello Branco, pedindo ao governo que se adopte uma medida qualquer, que lhes assegure a effectividade no serviço, e que os seus ordenados sejam igualados aos dos professores dos lyceus.

Apresentada pelo sr. deputado Francisco de Albuquerque e enviada á commissão de instrucção publica.

2.ª Dos habitantes da villa e freguezia do Louriçal, pedindo que seja approvado o projecto de lei apresentado no dia 15 do corrente janeiro, pelo sr. deputado Antonio José Teixeira, com relação á conservação do convento do Desaggravo.

Apresentada pelo sr. deputado Teixeira e enviada á commissão ecclesiastica, ouvida a de instrucção publica.

3.ª Dos carteiros da administração central do correio de Lisboa, pedindo augmento de ordenado.

Apresentada pelo sr. deputado Julio de Vilhena e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de obras publicas.

4.ª Dos boletineiros da direcção dos telegraphos e pharoes do reino, pedindo para serem equiparados aos carteiros da direcção geral dos correios.

Apresentada pelo sr. deputado Alves e enviada ás mesmas commissões.

5.ª Da camara municipal do concelho de Barcellos, pedindo que seja adoptada uma medida que possa facilitar a remissão e venda de seus fóros e direitos dominicaos.

Apresentada pelo sr. deputado Jeronymo Pimentel e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Artigo 1.° É fixado em 260$000 réis mensaes o subsidio que deverá vencer o presidente da camara dos deputados da nação, durante as sessões das côrtes geraes.

Art. 2.° É fixado em 100$000 réis mensaes o subsidio que deverá vencer cada deputado da nação, durante as sessões das côrtes geraes.

Art. 3.° Quando se verifique dever conceder-se subsidio por um praso inferior a um mez de duração das sessões das côrtes geraes, será abonado ao presidente da camara dos deputados da nação o subsidio diario de 8$666 réis, e a cada um deputado o subsidio de 3$333 réis.

Art. 4.° Cessa o subsidio dos deputados nos casos previstos no artigo 3.° da lei de 25 de abril de 1845.

Art. 5.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, em 19 de fevereiro de 1878. = Antonio Maria Pereira Carrilho.

Á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Artigo 1.° As disposições do artigo 55.° do decreto com força de lei de 29 de dezembro de 1864, regulando as aposentações e reforma dos empregados do instituto geral de agricultura são extensivas aos directores, secretario e mais empregados do instituto industrial e commercial de Lisboa.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, em 19 de fevereiro de 1878. = O deputado, A. Carrilho.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Á commissão de fazenda, ouvida a de obras publicas.

O sr. A. J. Teixeira: — Mando para a mesa uma representação, que me enviaram alguns povos do circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, pedindo a approvação de um projecto de lei que apresentei em uma das ultimas sessões.

Requeiro que esta representação seja publicada no Diario da camara.

Consultada a camara resolveu que fosse publicada.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Mando para a mesa uma representação de dois professores do lyceu nacional de Castello Branco, em que se dirigem á camara dos deputados, pedindo que tenha em vista a sua situação precaria e provisoria, a fim de lhes ser melhorada a condição em que se acham.

Entendo que independentemente da reforma da instrucção, que de certo lhes ha de ser extensiva, estes empregados são dignos da consideração da camara.

Peço a v. ex.ª a bondade de mandar esta representação á commissão respectiva, para ser considerada devidamente.

O sr. Pires de Lima: — Peço a v. ex.ª que me diga se já está constituida a commissão especial que esta camara se dignou eleger, para examinar um projecto de lei que submetti á consideração d'ella, tendente a melhorar o estado actual da ria de Aveiro.

O sr. Presidente: — Na mesa não consta que esteja já constituida a commissão a que o illustre deputado se refere.

O Orador: — Peço, pois, a v. ex.ª que empenho os seus esforços para que esta commissão encete os seus trabalhos o mais cedo possivel.

Esta sessão já vae muito adiantada; é a ultima da legislatura, não tem havido, nem ha grande abundancia de trabalhos, e eu desejava que este projecto fosse examinado e discutido nesta camara a tempo de poder passar para a camara alta e ser convertido em lei.

Peço, portanto, a v. ex.ª que empenhe todos os seus esforços, a fim de que a commissão se constitua, e quanto antes encete os seus trabalhos.

O sr. Presidente: — A commissão é composta dos srs.:

Jayme Moniz, Antonio José Teixeira, Dias Ferreira, Carlos Testa, Pires de Lima, Cardoso Avelino, Antonio José d'Avila.

Eu já tinha pedido a estes srs. deputados que tivessem a bondade de se constituirem em commissão, e hoje faço o mesmo pedido.

O sr. Julio de Vilhena: — Mando para a mesa uma representação dos carteiros da administração central do correio de Lisboa, em que pedem augmento de vencimento.

Recommendo á commissão competente que tome em consideração este pedido, que me parece justo.

Os carteiros da administração central do correio de Lisboa, quando estão doentes, recebem apenas 165 réis diarios, e quando trabalham vencem apenas 500 réis por dia. E o maior argumento que se pede apresentar em favor d'esta infeliz classe. Com 165 réis não podem elles occorrer ás suas necessidades.

Peço á commissão respectiva que tome na devida attenção este negocio, e que defira a pretensão dos requerentes.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Vi hoje nos jornaes da capital, no extracto das sessões da outra camara, que um digno par do reino tinha annunciado uma interpellação ao governo, ou pelo menos tinha dito n'aquella casa que o vigario geral da Guarda tinha publicado uma pastoral, na qual dizia que ficavam excommungados todos os individuos que entrassem no centro progressista.

Parece-me isto tão extraordinario, e tanto em opposição com o caracter mesmo do individuo, que não posso deixar de vir dizer a v. ex.ª e á camara que, tendo eu recebido a ultima pastoral d'aquelle prelado, não vejo que ella diga similhante cousa, nem cousa que com isso se pareça.

O digno vigario geral fez-me a honra de me enviar a referida pastoral, li-a, e li-a com cuidado, e ella é um formal desmentido ás insinuações lançadas sobre aquelle caracter honesto e honrado. Se esta pastoral não me fosse confiada pelo mesmo sr. vigario geral, mandal-a-ía para a mesa, porém, assim não o posso fazer; entretanto, se algum sr. deputado a quizer ver, tenho-a aqui e está á disposição de toda a camara.

Sinto que o digno par fosse na outra casa do parlamento fazer quaesquer accusações ou insinuações a um funccionario publico, sem que tivesse na sua mão os documentos precisos para as poder provar. (Apoiados.)

Desadoro que um individuo, que tem assento n'esta ou na outra casa do parlamento, venha fazer accusações a um funccionario, grande ou pequeno, sem estar armado de todos os documentos com que possa provar essas accusações.

O governo responde aqui por todos os funccionarios que estão lá fóra; porém, para se fazer uma accusação, e uma accusação de tal ordem, é necessario que se venha munido dos documentos precisos, e que provem a verdade das accusações ou insinuações, porque não é licito manchar a reputação de um homem honesto, honrado e serio com insinuações que o publico possa acreditar.

Sei que não tenho direito de vir aqui tomar contas do que o digno par diz ou póde dizer na outra, camara. Não o posso fazer, nem o venho fazer; venho unicamente dizer á camara e ao paiz que sustenha o seu juizo com relação ás apreciações que o digno par fez a respeito do caracter, da seriedade e dignidade do vigario geral que actualmente está regendo o districto da Guarda.

Creio que esta pastoral é a ultima que elle publicou; não conheço outra, e se ha algum outro documento que diga aquillo ao que se referiu o digno par, não é de certo uma pastoral, será talvez algum officio, de que eu não tenho conhecimento, mas de certo não é pastoral.

Repito, o digno vigario geral da Guarda é um homem respeitavel, serio, instruido, e é homem que gosa de uma certa consideração publica; e ainda que a não tivesse, eu declaro positivamente que não vinha sem documentos comprovativos ao parlamento fazer insinuações de tal ordem, que lançam um certo desfavor sobre o individuo a quem se referem. (Apoiados.)

Admiro-me ás vezes como alguns individuos, como algumas pessoas de alta categoria, como é aquelle digno par, que é já velho no parlamento, é um homem intelligente, que tem servido altos cargos publicos; este homem, que é liberal, segundo elle diz, supponha que uma pastoral de qualquer prelado possa vir destruir a liberdade ou prejudical-a a ponto de se entender, como s. ex.ª entendeu necessario, vir immediatamente em soccorro d'ella.

Ora a apreciação que fez aquelle digno par não seria fóra de proposito quando s. ex.ª tivesse os documentos precisos para accusar, não só o vigario geral, mas o governo, quando porventura soubesse que o governo, não ignorando o facto, não tivesse procurado os meios de o remover como entendesse na sua sabedoria.

Não digo mais nada por esta occasião, porque hei de ter o cuidado de me informar se porventura ha algum outro documento que não seja esta pastoral, que eu ponho á disposição dos srs. deputados que a quizerem ver.

Se ha algum outro documento, não sei; mas se o houver, eu serei o primeiro a estymatisar o acto, sendo verdadeiro; e desde já declaro á camara que o não creio, porque conheço o individuo de quem se trata; honro-me com a sua amisade, e posso asseverar que é um homem verdadeiro, digno e respeitavel. (Apoiados.)

(O sr. deputado não póde rever este discurso.)

O sr. Ferreira Freire: — Não solicitei a palavra, quando hontem se discutiu o parecer da illustre commissão

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de administração publica sobre as emendas apresentadas ao projecto de lei n.º 81, não só por me parecer que não podia haver discussão sobre artigos já approvados, não obstante a illustre commissão propor modificações a esses artigos; mas, principalmente, porque tinha a certeza de que a camara não acceitaria emenda alguma aos artigos do projecto, anciosa, como estava, que terminasse a votação d'elle.

Ainda não tinha a honra de ser membro da camara quando se discutiu o projecto; por isso julgo do meu dever declarar a s. ex.ª e á camara que se então tivesse uma cadeira n'esta casa votaria quasi todos os artigos do codigo; mas que rejeitaria o § 2.° do artigo 123.°

Tendo este paragrapho por fim collectar igualmente o consumidor, quer elle seja comprador, quer productor, o que a muitos parecerá justo, a sua execução é por tal fórma vexatoria, visto que importa o inventario do rendimento com os varejos e todos os vexames que os acompanham, que eu não podia deixar de o rejeitar.

Faço esta declaração, não para armar á popularidade, como hontem insinuou o sr. ministro do reino, mas para manifestar a minha humilissima opinião a este respeito.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Por parte da commissão de legislação civil mando para a mesa um parecer sobre a proposta do governo para a reforma da lei das sociedades anonymas e igualmente sobre o projecto dos srs. Pereira de Miranda e Antonio José de Seixas, e peço que seja enviado á commissão de fazenda para dar tambem o seu parecer.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Barcellos, por onde tenho a honra de fazer parte d'esta assembléa, em que se pede a approvação do projecto n.º 74, que tive a honra de apresentar aqui em 1875.

Reconhecendo a necessidade de uma providencia qualquer, que facilito a remissão e venda dos seus fóros e mais direitos dominicaes, e a ponha a coberto das difficuldades em que se vê para a realisar, pede a camara de Barcellos a approvação d'aquelle projecto, ou qualquer outra providencia que o parlamento julgue conveniente para satisfazer aquelle fim.

Peço a v. ex.ª se digne dar-lhe o destino competente.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda.

(Leu.)

Como s. ex.ª não está presente, reservo me, para quando comparecer, lhe mostrar a absoluta necessidade que ha de que seja reformada a legislação que permitte a livre cultura do tabaco nos Açores e Madeira, pelos inconvenientes que traz comsigo, por isso que muito aggrava a contribuição predial que aquelles povos estão pagando.

Já que estou com a palavra pedia a attenção do illustre membro da commissão de legislação civil, e meu particular amigo, o sr. Lencastre, a quem na sessão passada foi distribuido um projecto, que apresentei, sobre as vantagens que devem ser concedidas aos juizes e delegados que vão para as comarcas dos Açores e Madeira.

A regra geral é que aquellas comarcas estão muito tempo sem juizes, porque os inconvenientes da separação da familia, da passagem do mar e outros, fazem com que as vantagens d'aquelles logares não estejam em harmonia com as que têem os cavalheiros que servem no continente, havendo sempre grande repugnancia na partida de juizes e delegados para as ilhas.

Esta questão é importantissima, porque da boa administração da justiça depende sempre a felicidade dos povos. (Apoiados.)

O meu projecto foi apresentado na sessão passada, e o illustre ministro da justiça, segundo n'essa occasião me informei, não concordava com todas as disposições d'elle; mas o que eu desejo é que venha á camara um parecer, que seja discutido e convertido em lei, ou pela maneira que propuz, ou por meio de concurso, como o sr. Gaspar Pereira da Silva tinha estabelecido em uma proposta do governo.

Aguardo as explicações do illustre membro da commissão de legislação civil, o sr. Lencastre, e peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para depois de s. ex.ª fallar.

O sr. J. J. Alves: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação dos boletineiros da direcção geral dos telegraphos e pharoes do reino, que desejam se lhes melhore a sua situação futura.

Effectivamente, o serviço que esta classe desempenha é bastante penoso; a toda a hora do dia e da noite, debaixo dos rigores dos temporaes, são elles obrigados a servir, e vencem - os effectivos 360 réis, e os auxiliares 320 réis.

Estes funccionarios não têem direito á aposentação, e, quando doentes, apenas vencem metade do seu exiguo ordenado.

Muitos d'estes servidores militaram nas fileiras do exercito, e têem serviços á liberdade.

Solicitam d'esta camara que vote uma medida que lhes proporcione um futuro mais lisonjeiro, porque só assim estarão ao abrigo de pedirem uma esmola.

Peço a v. ex.ª se digne mandar esta representação á commissão respectiva, que espero a tomará na consideração que merece, fazendo inteira justiça aos requerentes.

O sr. A. J. d'Avila: — Participo a v. ex.ª, que está constituida a commissão especial para examinar o projecto relativo a melhoramentos na ria de Aveiro, escolhendo para presidente o sr. Dias Ferreira, para secretario a mim, e reservando-se para nomear um relator em tempo opportuno.

O sr. Lopo Vaz: — Mando para a mesa o parecer das commissões de legislação civil e penal sobre o projecto de lei apresentado na sessão de 18 d'este mez pelo illustre deputado o sr. Julio de Vilhena.

O sr. Luiz de Lencastre: — Chamado á autoria pelo meu illustre amigo e collega, o sr. visconde de Sieuve de Menezes, para lhe dar explicações sobre o projecto de lei por s. ex.ª apresentado n'esta camara, tenho a dizer ao illustre deputado, o que aliás me parece que s. ex.ª sabe perfeitamente, que tenho para com elle a maior consideração, assim como pelos projectos que apresenta n'esta camara, especialmente os que dizem respeito á classe da magistratura, á qual tenho a honra de pertencer.

Como s. ex.ª, entendo eu tambem que os juizes são feitos para as comarcas e não as comarcas para os juizes. (Apoiados) E que as comarcas devem estar sempre providas e servidas pelos seus proprietarios, porque são sabidos os inconvenientes que para ellas vem do serviço dos juizes substitutos, que, embora sejam muito dignos e muito zelosos, não têem comtudo a pratica e os conhecimentos de direito que têem os homens que fazem d'isto a sua profissão. (Apoiados.) Mas assim como entendo que os juizes devem servir em qualquer parte para onde forem nomeados, entendo tambem que os juizes e delegados devem ser bem remunerados. (Apoiados.)

Devo dizer a s. ex.ª que tenho em muita consideração o seu projecto de lei; e que, se não dei já parecer ácerca d'elle, não foi por circumstancias dependentes da minha vontade.

S. ex.ª sabe perfeitamente como correm os negocios nas commissões. Não se póde dar um parecer sobre qualquer assumpto sem que seja discutido em commissão; e ás vezes sem que seja ouvido o governo. (Apoiados.)

Como s. ex.ª sabe, o illustre ministro que dignamente occupava a pasta da justiça no ministerio passado não concordava com algumas das disposições do projecto do meu illustre collega, mas depois apresentou uma proposta de lei, que está na commissão de legislação, proposta em que estão adoptadas certas disposições apresentadas pelo sr. visconde de Sieuve de Menezes.

Ainda não tive occasião de ir á commissão de legisla-

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ção, a qual teve hontem uma reunião, á qual não compareci por falta de saude, e por isso ainda não me foi possivel apresentar ali o projecto do illustre deputado.

Quando a commissão se reunir, eu apresentarei o projecto de s. ex.ª, ao qual ligo toda a importancia que elle merece pelo assumpto e pela pessoa que o apresentou n'esta casa.

O sr. Namorado: — Mando para a mesa um requerimento de Alfredo Augusto Schiappa Monteiro, capitão de artilheria, professor commissionado na escola polytechnica, o qual pede que se lhe abone a differença que ha entre uma gratificação que lhe foi provisoriamente abonada e a que depois foi definitivamente estabelecida.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Agradeço a resposta lisonjeira que me deu o illustre relator e meu amigo, o sr. Lencastre, ácerca do projecto que tive a honra de apresentar, e espero que as palavras de s. ex.ª se hão de traduzir em obras, tanto mais quando ainda não ha muitos momentos foi mandado para a mesa, por parte da commissão de legislação, um parecer sobre um projecto de lei apresentado na camara ha poucos dias.

O meu projecto tambem é importante, o diz respeito a uma classe importante da sociedade, qual é a da magistratura.

Emfim, repito, que a palavra do meu illustre. amigo, o sr. Lencastre, ha de ser cumprida, e brevemente virá o parecer sobre o meu projecto, pois que ha extrema necessidade em alterar a legislação actual, com respeito aos despachos dos juizes e delegados para as ilhas.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Passa-se á ordem do dia, que é a discussão do parecer n.º 6 sobre as propostas offerecidas ao projecto n.º 16 de 1877, ácerca da construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

N.º 6

Senhores. — As commissões reunidas de fazenda e obras publicas, a cujo exame e apreciação foram submettidas varias propostas apresentadas por differentes srs. deputados no decurso da discussão do projecto n.º 16 relativo á construcção do caminho de ferro da Beira Alta, vem em resultado apresentar a sua opinião com relação ás mesmas.

Antes de tudo, têem a ponderar, que nenhuma das ditas propostas tende a contrariar o pensamento e fim principal do projecto, qual é o emprehendimento da construcção do caminho de ferro proposto, mas sim são tendentes a estabelecer preferencia no modo de se levar a effeito tal construcção.

Assim é que a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos tem por fim que seja adoptado o systema de adjudicação por concurso e subvenção, como fóra estabelecido no artigo 3.° da carta de lei de 26 de janeiro de 1876, isto no caso que se offereça em condições vantajosas.

A proposta do sr. Albuquerque estabelece uma ampla faculdade ao governo para preferir o systema que as circumstancias aconselharem serem as mais convenientes.

Quanto ás propostas dos srs. Illidio do Valle e Pinheiro Chagas, a primeira tem por fim eliminar o § do artigo 1.° que diz respeito ao ramal de Coimbra; emquanto á segunda tem por objecto consignar na lei a auctorisação para o governo optar por qualquer dos dois systemas, isto é, por conta do estado ou por adjudicação, na construcção do caminho de ferro da Beira Baixa.

Em vista do espirito e letra das referidas propostas, parece ás commissões que a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos, já approvada pela camara, dando ao governo a faculdade de abrir novo concurso por um praso limitado para adjudicação, não tolhe ao governo a possibilidade de recorrer á construcção por conta do estado quando o concurso não der resultado acceitavel, vindo assim a dar uma mais latitudinaria auctorisação no que diz respeito ao modo de proceder na construcção do caminho de ferro proposto, e consequentemente a commissão entendeu redigir o seu projecto, inserindo no seu artigo 1.° o pensamento d'esta proposta, que ipso facto substitue a outra do sr. Albuquerque.

Com relação á proposta do sr. Illidio do Valle, pareceu á commissão, ouvido o governo a tal respeito, que se deve conservar o pensamento primitivo do projecto; e pelo que respeita á proposta do sr. Pinheiro Chagas, as commissões, de accordo com o governo, reconhecendo a conveniencia que ha de se emprehender a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa por adjudicação ou por conta do estado logo que as circumstancias o permittam, julgam todavia que não convem inserir tal disposição no actual projecto relativo ao caminho da Beira Alta, por ser especialmente a este que o governo e as commissões dão a preferencia.

Em vista pois de quanto fica exposto, as commissões reunidas de fazenda e obras publicas têem a honra de vos propor que o projecto de lei n.º 16 seja modificado no sentido de dar n'elle cabimento ás disposições acceitaveis das referidas propostas, e que seja redigido da seguinte fórma para ser submettido á vossa approvação.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado, precedendo concurso de sessenta dias, a adjudicar em hasta publica na fórma estabelecida no artigo 3.° da carta de lei de 26 de janeiro de 1876:

1.° A construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta, o qual, partindo de Pampilhosa na linha do norte, siga por Santa Comba Dão ou suas proximidades e termino na fronteira de Hespanha, ligando-se ao caminho de Salamanca.

2.° A continuação do caminho de ferro desde a actual estação de Coimbra até ao interior da cidade, e a construcção no local que for julgado mais conveniente, de uma estação para passageiros e mercadorias.

§ 1.° O programma do concurso será feito conforme as disposições d'esta lei.

§ 2.° A base da licitação será o quantum de subvenção kilometrica que o estado deve pagar.

§ 3.° Nenhum licitante será admittido a concurso sem ter previamente depositado a quantia de 135:000$000 réis, ou o valor correspondente em titulos de divida fundada portugueza de 3 por cento, segundo o seu valor no mercado.

§ 4.° A construcção e exploração do caminho de ferro será adjudicada á empreza que menor subvenção pedir.

Art. 2.º No programma que o governo publicar para a licitação publica, o praso marcado para a construcção não poderá exceder o periodo de quatro annos. Os trabalhos da construcção devem começar no praso de tres mezes.

Todos estes prasos serão contados e começarão a correr da data do respectivo contrato.

Art. 3.° O deposito definitivo na adjudicação do caminho de ferro da Beira Alta será de 270:000$000 réis, ou respectivamente o valor correspondente em titulos de divida fundada, segundo o seu valor no mercado.

§ unico. No levantamento d'este deposito se observarão as regras estabelecidas no contrato approvado pela lei de 5 de maio de 1860.

Art. 4.° O governo não é obrigado a fazer a adjudicação, quando julgar que é prejudicial aos interesses publicos e do thesouro a proposta da menor subvenção das que forem feitas no respectivo concurso.

Art. 5.° No caso previsto no artigo antecedente, ou não havendo concorrentes, fica o governo auctorisado a proceder á construcção do mesmo caminho e ramal por conta do estado, nos termos d'esta lei.

Art. 6.° Na exploração por conta do estado o governo fixará os preços da conducção de passageiros, gado e mercadorias, comtanto que não excedam os marcados nas tarifas geraes das linhas ferreas do Minho e Douro.

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Art. 7.º As condições de construcção e exploração da linha da Beira Alta serão as mesmas que foram estipuladas no contrato approvado pela lei de 5 de maio de 1860, exceptuando aquellas que devem ser modificadas, substituidas ou additadas em virtude dos preceitos d'esta lei.

§ 1.° Este caminho será construido com leito e obras de arte para uma só via, excepto as estações.

§ 2.° Os carris empregados serão de aço, e seu peso não poderá ser inferior a 30 kilogrammas por metro corrente.

§ 3.° A construcção d'este caminho deverá achar-se terminada no periodo maximo de quatro annos, a contar da data da presente lei, e deverá começar dentro de tres mezes, a contar da data da adjudicação, nos termos do artigo 2.°, ou aliás a contar de quando o governo fizer uso da auctorisação contida no artigo 5.° d'esta lei.

Art. 8.º É o governo auctorisado a crear e emittir os titulos necessarios para o pagamento da subvenção ou para a construcção por conta do estado, das linhas de que trata a presente lei.

§ 1.° Estes titulos serão amortisaveis dentro de um periodo que não exceda cincoenta e seis annos, não podendo o encargo de juro e amortisação ser superior a 7 por cento da subvenção concedida, ou do custo das obras, se estas forem construidas por conta do estado.

§ 2.° O governo fará inserir annualmente no orçamento do estado os encargos dos titulos que tiver emittido.

Art. 9.° Não pagarão direitos nas alfandegas os materiaes, machinas e instrumentos importados para a construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta e do ramal e estação de Coimbra.

§ unico No caso de ser construido e explorado por adjudicação, regerá sobre isenção de direitos a lei de 5 de maio de 1860.

Art. 10.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações concedidas n'esta lei.

Art. 11.° Fica revogada a legislação em contrario e designadamente a lei de 26 de janeiro de 1876, na parte que se refere ao caminho da Beira Alta.

Sala das sessões das commissões de fazenda e obras publicas, em 14 de fevereiro de 1878. = Manuel Maria de Mello Simas A. Osorio de Vasconcellos = Joaquim de Matos Correia = João Maria de Magalhães Placido de Abreu = Antonio M. P. Carrilho = Lopo Vaz de Sampaio e Mello Antonio José de Seixas = A. C. Ferreira de Mesquita = Antonio Cardoso Avelino = Custodio José Vieira = João Ferreira Braga = Visconde da Azarujinha = Carlos Testa, relator.

Proponho:

1.° Que para a construção do caminho de ferro da Beira Alta seja adoptado o systema do concurso estabelecido no artigo 3.° da carta de lei de 26 de janeiro de 1876.

2.° Que no caso previsto no artigo 10.° da mesma carta de lei, ou não havendo concorrente, fique o governo auctorisado a proceder á construcção do mesmo caminho de ferro nos termos do projecto que está em discussão.

3.° Que o projecto volte á commissão, approvado que seja na sua generalidade, a fim de ser redigido em conformidade com este projecto. — Osorio de Vasconcellos.

Proponho que seja eliminado o § unico do artigo 1.° e todas as disposições correlativas, e que o projecto volte á commissão, a fim de ser redigido em harmonia com as propostas. = Illidio do Valle.

Proponho que a primeira parte do artigo 1.° seja alterada e redigida do seguinte modo:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar proceder, pela fórma que julgar mais conveniente aos interesses do paiz, á construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta, o qual, etc. = O deputado pelo circulo de Mangualde, Francisco de Albuquerque = Osorio de Vasconcellos.

Proponho que seja inserida na lei uma disposição para que o governo seja auctorisado a construir o caminho de ferro da Beira Baixa por administração directa, no caso de não apparecer á licitação concorrente em condições acceitaveis.

Sala das sessões, 12 de fevereiro de 1878. = Manuel Pinheiro Chagas, deputado pela Covilhã.

O sr. Presidente: — O projecto a que se refere este parecer já foi approvado na sua generalidade: entra-se agora na discussão especial, e para isso vae ler-se o artigo 1.°

(Leu-se.)

O sr. Luiz de Campos: — Não usei da palavra durante a discussão da generalidade d'este projecto, porque tanto v. ex.ª como a camara sabem que eu não o podia combater e sobram os defensores. Folgo de poder louvar o governo por se haver apressado em trazer ao parlamento uma medida que considero de altissimo interesse (Apoiados); e tanto mais quanto o governo não teve duvida, depois de reflectir detidamente, em acceitar, sem excepção alguma, as indicações que eu tive a honra de fazer n'esta casa ha tres ou quatro annos.

Não sendo, por consequencia, o projecto do governo e o parecer da illustre commissão, que entreteve a camara na discussão da generalidade, outra cousa mais que o pensamento inicial do governo, completamente modificado pelo pensamento que eu e a opposição d'aquelle tempo apresentámos sobre este assumpto, é claro que, longe de poder rejeital-o, não posso deixar de o acceitar e approvar plenamente. A não ser esta, outra rasão me impediria de tomar a palavra, o meu mau estado de saude que ultimamente se aggravou, e a não se dar o caso especialissimo que hoje aqui me traz, não me haveria levantado da cama, onde me conservava ha uns poucos de dias e para onde volto.

Um dever de cargo obriga-me ainda hoje a ser menos cuidadoso dos meus interesses pessoaes e a vir desempenhar, como me cumpre, o papel de deputado por Vizeu. Ha dois circulos eleitoraes, o de Vizeu e o de Tondella, que a minha proposta favorece; este ultimo não tem representante aqui, o outro é representado, ainda que indignamente, por mim; urge que uma voz qualquer venha fazer valer o seu direito, direito indiscutivel, n'esta questão do caminho de ferro da Beira Alta. Esse dever cumpre-me a mim n'esta legislatura; para a futura cumprirá a quem tiver a honra de representar Vizeu, e não serei eu de certo.

Desejo que se trate cumulativamente n'este projecto do caminho de ferro da Beira Alta, e do ramal comprehendido entre Vizeu e Santa Comba Dão.

Desejo que se pratique para com Vizeu o que se fez para com Braga, e o que se tem feito n'este paiz para com todos os ramaes em identicas circumstancias.

Não venho pedir ao governo que faça um sacrificio extraordinario, começando desde já simultaneamente, como eu muito desejaria, a construcção do ramal de Vizeu e a grande linha internacional; mas parece-me que o governo não tomará um enorme encargo se quizer adoptar a proposta que vou ter a honra de mandar para a mesa.

A justiça da causa não a discuto, creio que está no animo da camara e de v. ex.ª, e qualquer empenho de que eu precise para favorecer esta mesma causa, não o procuro em mim, espero-o dos bons desejos do governo, e conto principalmente, como principal alliado, com um dos membros do governo, porque estou certo que o sr. Thomás Ribeiro, actual ministro da marinha, me acompanhará, ou antes fará o primeiro papel n'esta minha demanda.

S. ex.ª que por muitos annos representou o circulo de

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Tondella, e de cuja localidade é natural, não por interesse proprio, mas por interesse de localidade, ha de certamente ajudar-me no meu intento, e influir no animo dos seus collegas para que justiça seja feita.

V. ex.ª e a camara vêem que não posso fallar; mal se me percebe a voz, sinto-me extremamente incommodado; e por isso vou concluir, limitando-me a ler a minha proposta, a fim de ser introduzida no artigo 1.° Muito folgarei que o governo a possa ou queira acceitar, mas n'este ou em caso contrario, as minhas relações com o governo ficam as mesmas.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa seguinte

Proposta

Artigo 1.° A construcção do ramal de Vizeu, quando não possa ser simultanea com a de toda a linha da Beira Alta, começará pelo menos desde que seja aberto á exploração o troço comprehendido entre a Pampilhosa e Santa Comba Dão.

Sala das sessões, 20 de fevereiro de 1878. = O deputado por Vizeu, Luiz de Campos.

Foi admittida.

O sr. Luiz de Lencastre: — Pedindo a palavra sobre a ordem, e cumprindo as prescripções do regimento, começo por ler a minha moção de ordem.

(Leu.)

Está moção está assignada tambem pelos srs. Ferreira Freire, Julio de Vilhena, Luiz de Campos e Francisco de Albuquerque, e diz o que pretendo.

Não venho defender apenas os interesses do meu circulo, e quando assim fosse, não fazia mais do que cumprir o meu dever; (Apoiados.) venho apresentar uma proposta, que a muitos entendidos tenho ouvido dizer que é de interesse do meu paiz. (Apoiados.)

O que peço na minha proposta, é o que pede a associação commercial da Figueira da Foz, que é composta de cavalheiros, muito intelligentes e muito conhecedores dos interesses da villa da Figueira, e do commercio do paiz.

Peço um caminho de ferro que parta da villa da Figueira da Foz, a villa mais importante do paiz, e que vá entroncar em Alfarellos ou qualquer ponto nas suas proximidades.

São 19 kilometros de construcção facil, que podem custar 400:000$000 réis, mas que darão para o estado um rendimento sufficiente para compensar os sacrificios que o estado fizer. É linha que terá futuro. (Apoiados.)

Poucas pessoas estarão n'esta camara que não conheçam o desenvolvimento que tem tido a villa da Figueira, e a importancia que ella tem.

Fallo perante v. ex.ª que conhece perfeitamente a villa da Figueira, e perante o sr. ministro das obras publicas, que a conhece igualmente, e de certo não duvidarão que, apesar das circumstancias especiaes e difficuldades com que luta a Figueira, o desenvolvimento do commercio e da riqueza publica n'aquella villa vae augmentando consideravelmente de dia para dia, e é o centro do consumo das duas Beiras. (Apoiados.)

Tratando-se de caminho de ferro da Beira Alta, parece-me que se devia completar, fazendo estes poucos kilometros, que serão de grande vantagem para aquelles povos (Apoiados.), não só da Figueira, mas das Beiras. (Apoiados.)

Mando para a mesa a minha proposta. Não quero fazer discursos, como já aqui disse em outra occasião. A minha proposta diz o que preterido, e creio que a sua adopção será um beneficio ao meu circulo em especial, e ao paiz em geral (Apoiados.)

Sr. presidente, eu quero e desejo caminhos de ferro feitos pela fórma mais conveniente para o estado, sem me importar que sejam feitos por subvenção, arrematação ou por conta do estado. Não posso dizer qual dos systemas seja o preferirei, porque ainda hoje parece-me (e fallo diante de pessoas muito competentes), que não está assentado qual a melhor fórma e a mais conveniente para construir caminhos de ferro. (Apoiados.)

Parece-me que a melhor fórma para construir caminhos de ferro é aquella que for mais conveniente para o paiz. (Apoiados.)

Mando a representação da associação commercial da Figueira, que faço minha. Ella diz melhor, do que eu podia dizer em abono da proposta que mandei para a mesa, tudo quanto ha a dizer ácerca do assumpto. Repetil o, seria ocioso, e pura perda de tempo.

O meu amigo, o sr. ministro das obras publicas, cujo zêlo pelo serviço, cuja intelligencia e cuja capacidade me comprazo em reconhecer n'este momento, (Apoiados.) estou certo que vendo na minha proposta (como eu espero que veja) algum bem para o paiz, a acceitará, e será na commissão o seu primeiro defensor; o que será mais um motivo para me confirmar na muita confiança que tenho nos dotes e nos meritos de s. ex.ª, os quaes toda a camara reconhece. (Apoiados.)

Aos meus collegas das commissões peço benevolencia para a minha proposta, e do seu zêlo e rectidão espero que os povos que tenho a honra de representar n'esta casa terão justiça.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

A proposta é a seguinte:

Proposta

Fica o governo auctorisado a estudar e construir pela mesma fórma um caminho de ferro, que parta da Villa da Figueira da Foz e entronque em Alfanho ou qualquer outro ponto nas suas proximidades no caminho de ferro do norte.

Sala das sessões, 20 de fevereiro de 1878. = Luiz de Lencastre = José L. Ferreira Freire = Julio de Vilhena Luiz de Campos = Francisco de Albuquerque.

Foi admittida.

O sr. Pinheiro Chagas (sobre a ordem): — Mando para a mesa o seguinte additamento.

(Leu.)

Não julgue a illustre commissão que eu, apresentando este additamento, tenho por fim obrigal-a a reconsiderar o parecer que apresentou. Mas não me tendo chegado a palavra quando se discutiu este projecto na sua generalidade, não tendo podido, por conseguinte, sustentar a minha proposta, foi julgado sem ser ouvido.

É possivel que as explicações que tenho de dar elucidem a illustre commissão a respeito do alcance da minha proposta e dos motivos que a dictaram. Supponho isso possivel por uma rasão muito simples; porque tendo ou, antes de a apresentar, communicado particularmente ao illustre ministro das obras publicas o meu amigo, o sr. Lourenço de Carvalho, a proposta que ía fazer e os motivos que a dictavam, s. ex.ª teve a bondade de me dizer que não tinha duvida em a acceitar; e acrescentou desde logo que ía tratar antes de tudo da construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

Respondi que não vinha n'este momento disputar preferencias, nem querer de fórma alguma prejudicar a construcção do caminho de ferro que se trata. Não tenho a minima intenção de exercer a menor pressão no governo ou na maioria. Deixo-lhes as suas preferencias, embora não as considere acceitaveis, e procuro apenas prevenir uma hypothese, que talvez só se possa realisar n'um futuro remoto, e assentar o principio de que fazendo o caminho de ferro da Beira Baixa parte escencial da rede dos caminhos de ferro portuguezes, não póde estar a sua construcção ao arbitrio de eventualidade da concorrencia das companhias, e que o governo esteja auctorisado a fazel-a se não houver outro meio de se construir. A commissão rejeitou este principio? Não regei-

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tou. Acceitou-o; teve a bondade de dizer que se conformava com o principio da minha proposta, mas continuando a considerar o caminho de ferro do valle do Tejo como caminho de ferro essencial para o acabamento da rede dos caminhos de ferro portuguezes, declarando que não tinha duvida em acceitar a sua construcção por administração directa, desde o momento em que não apparecesse companhia habilitada para o construir, apesar d'isso não quiz transformar esta sua idéa n’uma disposição, n'um artigo da lei, allegando que este projecto era especialmente do caminho de ferro da Beira Alta, e que era o caminho de ferro da Beira Alta que o governo preferia.

Mas perdão! esta lei não é do caminho de ferro da Beira Alta, porque essa lei já existe; já ha dois annos que está decretada a construcção d'este caminho, e esta lei que hoje a camara discute vem simplesmente modificar a lei anterior em dois pontos: primeiro, quanto á directriz do caminho de ferro da Beira Alta; segundo, no que diz respeito ao modo de construcção das linhas decretadas na lei de 1876.

Esta lei para a construcção das duas linhas determinava um só systema, o de adjudicação ás companhias; a lei de 1878 estabelece o de adjudicação e o de administração directa; entende a commissão que a construcção directa só póde ser applicada á Beira Alta? Não, porque diz que concorda com a minha proposta.

Se ella entende que na lei de 1876 ha duas modificações a introduzir, uma com relação á directriz da linha da Beira Alta, e outra quanto ao modo da construcção, qual é o motivo por que não transporta para esta lei as idéas que lançou no relatorio?

Se o motivo é porque temo que o caminho de ferro da Beira Alta seja prejudicado pela vizinhança do caminho de ferro da Beira Baixa, permitta-me a commissão que lhe diga que esta preoccupação é infantil.

Não vê a camara que em 1876 se decretou que fossem postas a concurso as duas linhas ferreas da Beira Alta e Beira Baixa, e não poz o governo duas vezes a concurso a linha de ferro da Beira Alta, e nenhuma a da Beira Baixa?

Ora eu contesto o acerto d'esta deliberação, mas não contesto o direito do governo a proceder assim, direito que lhe dava a auctorisação, concedida pelo parlamento, de preferir a linha que mais lhe agradasse.

N'esta occasião a linha do valle do Tejo estava em circumstancias melhores do que o está actualmente; n'essa occasião esta linha tinha illustres affeições; o governo tinha-lhe feito a honra de a collocar em igualdade de circumstancias com o caminho de ferro da Beira Alta.

O sr. ministro das obras publicas d'esse tempo, o sr. Cardoso Avelino, esforçou-se sempre por manter a mais rigorosa imparcialidade.

Lembro-me ainda da discussão d'esse tempo.

Os defensores d'estas linhas pleiteavam aqui ardentemente a preferencia.

O sr. Thomás Ribeiro contava aqui a riqueza dos vinhos do Dão, e imaginava para a provincia de ahi um grande rendimento; o sr. dr. Teixeira defendia com ardor o caminho de ferro da Beira Baixa, por causa das fabricas da Covilhã, e tratava com grande desdém os vinhos do Dão. O sr. Francisco de Albuquerque até nos accusava de termos inventado a Beira Baixa, e não nos gabava a invenção; eu não sei já o que alleguei, mas supponho que disse á Beira Alta cousas ferozes; mas o sr. Avelino mantinha no meio d'este debate acalorado a mais serena imparcialidade; nenhum dos contendores era capaz de lhe arrancar uma palavra, um gesto, uma inflexão denunciando que fosse mais favoravel a uma linha do que a outra; tinha para todas a mesma ternura, o mesmo sorriso amavel, e o segredo das suas predilecções, se as havia, levou-as comsigo para a sua cadeira de deputado; disse-o talvez ao seu confessor, (Riso.) mas á camara nunca.

Mais ainda porém. O meu antigo e nobre amigo, o sr. Lourenço de Carvalho, actual ministro das obras publicas, não se magoa de certo que eu lhe recorde, sem o minimo azedume, a affeição que s. ex.ª votava então ao caminho de ferro da Beira Baixa, affeição que passou como passam outras. A Beira Baixa não censura o seu antigo galanteador; foi como um juramento de amor eterno que no outro dia se esquece. (Riso.)

A Beira Baixa guarda apenas como prenda amorosa esse ramo de flores de eloquencia que s. ex.ª lhe atirou n'um momento de enthusiasmo, e deixou-o ir voando a novos amores como o legendario Barba Azul. (Riso.) E por aqui verá o meu amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey, que não sei se está presente, que mais uma vez tem a sua opereta favorita applicação á politica portugueza.

Pois apesar das affeições e predilecções do sr. Lourenço de Carvalho pela linha da Beira Baixa, não foi ella a preferida, mas sim a da Beira Alta; e hoje ainda que fiquem as duas linhas em igualdade de circumstancias; hoje que a illustre commissão affirma, a proposito e até a desproposito de tudo, as suas predilecções pelo caminho de ferro da Beira Alta; hoje que o governo confia a cada instante aos echos do parlamento a sua preferencia pelo caminho de ferro da Beira Alta, entende a camara que possa haver a mais leve suspeita de que seja preferido o caminho de ferro da Beira Baixa não tendo sido preferido quando todos o applaudiam?

Pois se assim é, se a sua preferencia se não contesta, se ninguem a discute, se não póde ser de maneira nenhuma prejudicada, seja ao menos considerada a linha da Beira Baixa nas mesmas condições em que estava em 1876, quero dizer, em certas condições de igualdade legal.

O caminho de ferro da Beira Alta ha de ser construido; a preferencia que o governo lhe concede não a posso eu impedir; eu venho simplesmente pedir que seja inserida de novo n'esta lei uma emenda que o sr. Thomás Ribeiro propoz aqui em 1875, nem mais nem menos, e cujo principio foi acceito agora.

Repito mais uma vez, que esta lei não é uma lei de construcção do caminho de ferro da Beira Alta; essa está votada ha dois annos. Não é tambem uma lei de construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, que tambem já está votada; é simplesmente uma emenda á lei de 1876.

E essa emenda entendeu a commissão que devia dividir-se em duas. A primeira diz respeito á directriz do caminho de ferro da Beira Alta, e essa já está consignada no projecto, a segunda diz respeito ao modo de construcção das linhas ferreas, que em 1876 se entendia que devia ser simplesmente por adjudicação ás companhias, e hoje se entende que deve ser por adjudicação a companhias, e em ultimo recurso por conta do estado.

É esta emenda que a commissão entende que se deve fazer, e que está inserida em parte da lei, que eu peço que se insira em toda ella.

E repito á camara com a maior sinceridade, e desejo que as minhas palavras sejam consignadas no Diario da camara, que fazendo esta proposta não tenho por modo algum a pretensão de levar o governo e a camara a desmentirem a sua preferencia, que n'este momento não discuto, pelo caminho da Beira Alta.

Creio que não se póde ser menos ambicioso e mais conciliador.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Artigo 10.° No caso de não apparecer proposta em condições acceitaveis no concurso para a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, quando esse concurso se abrir, poderá o governo construil-o por administração directa, seguindo-se para a construcção e exploração d'esse caminho de ferro as regras estabelecidas n'esta lei para a construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta.

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O artigo 10.º do projecto passa a ser o 11.º

O 11.º passa a ser 12.°, e acrescentam-se as seguintes palavras «e na parte que diz respeito ao modo de construcção no caminho de ferro da Beira Baixa».

Sala das sessões, 20 de fevereiro de 1878. = Manuel Pinheiro Chagas, deputado pela Covilhã.

Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): —...(S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)

O sr. Telles de Vasconcellos: — V. ex.ª sabe, e a camara, que eu, tendo pedido a palavra quando se discutiu este projecto de lei na generalidade, por ir longo o debate, e não ter sido combatido o projecto, desisti da palavra, para que se votasse, reservando-me para dar explicações á camara e ao paiz na occasião em que se discutisse na especialidade, respeito a umas apparentes contradicções, que alguem alcunhou de reaes.

Chegou a occasião. Não vou fazer um discurso, porque não me parece que seja esta a occasião opportuna para discursos largos sobre uma materia tão discutida; mas vou dizer franca e lealmente que nem eu, nem os deputados da maioria, nem os da opposição, nem o governo, estamos em contradicção. (Apoiados.)

O sr. Pinheiro Chagas, que me tratou com tanta benevolencia e amisade, sentimentos a que eu correspondo como devo, fez-me a honra de citar o meu nome, dizendo que eu estava em contradicção. É sempre agradavel para um homem que se senta numa d'estas cadeiras, ver o seu nome citado, em qualquuer occasião, por homens da intelligencia do sr. Pinheiro Chagas, e a este cavalheiro, que me honra desde muito tempo com a sua amisade, não posso deixar de agradecer o haver-se, no seu discurso, servido do meu nome para mostrar que eu estava em contradicção, tendo assignado o projecto de lei que se discute e tendo defendido o que foi apresentado em 1875.

E verdade que o sr. Cardoso Avelino apresentou n'esta casa um projecto de lei com relação aos caminhos de ferro da Beira Alta e da Beira Baixa, em que se declarava que seriam feitos por adjudicação os caminhos de ferro a que o mesmo projecto se referia, e eu, n'essa occasião, sustentei n'esta camara o projecto contra a opinião dos meus amigos o sr. Luiz de Campos e outros srs. deputados que tomaram parte n'esse debate, e sustentei-o com a mesma convicção que tenho hoje; e mais tarde, pertencendo á commissão de obras publicas, vim assignar o projecto que se discutia em tantos de março do anno passado, que não é o mesmo que se discute hoje.

Assignei-o por uma rasão. O illustre deputado não se recordou de que duas vezes tinha sido posto a concurso o caminho de ferro da Beira Alta, e que as propostas que tinham sido apresentadas, não direi o que significavam, direi só que eram inacceitaveis; e não podendo construir-se o caminho de ferro por aquelle meio, entendi eu que devia adoptar-se um outro, porque a principal questão era a construção do caminho.

Mas se tivesse attendido ás palavras dos discursos que proferi aqui, em 1875, e que o illustre deputado citou, não me achava em contradicção.

Eu disse, que todos os systemas para fazer caminhos de ferro eram bons, segundo as circumstancias em que se achava o paiz onde se queriam construir, e citei até a Belgica. Disse que quando um paiz entendia que estava em circumstancias de construir os seus caminhos de ferro procurava construil-os no mais curto espaço de tempo. Disso que os paizes onde existiam deficits nos orçamentos deviam continuar com a construcção dos seus caminhos de ferro, para desenvolver todas as forças vivas do paiz. (Apoiados.)

Quando se pensa assim e se diz a um parlamento que para regularisar as finanças e matar o deficit é necessario construir os caminhos de ferro; quando se diz que todas as vezes que uma nação entendeu dever empenhar-se na realisação d'estes emprehendimentos deve procurar a sua realisação no mais curto espaço de tempo, é claro que tem de adoptar se um ou outro dos systemas conhecidos, ou todos, e nunca se está em contradicção.

A Belgica construiu caminhos de ferro por conta do estado, construiu caminhos de ferro por adjudicação e para contratar seguiu differentes systemas, adjudicou, por subvenção e annuidade, pelo minimo de juro, pelo producto bruto, e a verdade é que hoje tem comprado ás companhias os caminhos de ferro, que hoje estão quasi todos na posse do estado.

Em França aconteceu o mesmo.

Não conheço paiz nenhum onde os caminhos de ferro tenham sido construidos só e unicamente por um systema.

Penso e estou convencido que todos os systemas são bons e acceitaveis, segundo as circumstancias e a occasião em que se pretende construir, e quem pensa assim não póde estar nunca em contradicção.

Mas o illustre deputado ainda naturalmente me ha de achar em outra contradicção.

Acceitei a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos, bem como o illustre deputado o sr. Dias Ferreira, porém a verdade é que não apparecem n'este parecer nem uma nem outra assignatura! Qual a rasão não a sei, nem procuro saber.

E acceitei a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos, não só porque tenho plena confiança no governo, mas porque para mim a questão principal e vital é que o caminho de ferro se faça, deixando-se ao governo a liberdade de acceitar o systema que julgar mais acceitavel, segundo as circumstancias, ou a adjudicação, ou a construcção directa.

Esta é a quarta ou a quinta vez, creio eu, que discutimos o caminho de ferro da Beira Alta; e permitta-me o illustre deputado e meu amigo, o sr. Thomás Ribeiro, que lhe diga que a elle pertence o ter fallado a primeira vez n'esta casa a respeito do caminho de ferro da Beira Alta.

Quando o sr. Andrade Corvo pediu auctorisação para a construcção dos caminhos de ferro do Douro e Minho, s. ex.ª levantou-se, e pediu que o governo ficasse tambem auctorisado a construir o caminho de ferro da Beira Alta. (Vozes: — É verdade.)

Temos discutido diversos projectos a respeito d'este assumpto, temos feito differentes modificações, filhas das circumstancias, e o que desejo n'esta occasião é que discutamos agora pela ultima vez o caminho de ferro da Beira Alta, e que se passe á sua realisação. (Apoiados.).

Estas considerações, creio eu, mostram o grande desejo que tenho de que este grande emprehendimento se chegue a realisar, e este meu desejo é que fez com que assignasse este parecer, dando ao governo a faculdade de adjudicar ou construir, como julgar mais conveniente.

Mas ha uma cousa que me fez impressão, e foi a proposta do meu amigo, o sr. Pinheiro Chagas, que tinha vindo aqui combater o projecto apresentado pelo sr. Lourenço de Carvalho em março do anno passado, dizendo-nos que a construcção directa dava taes resultados, que em presença d'elles julgava impossivel que a camara vetasse a construcção do caminho por administração directa do governo!

S. ex.ª combateu franca e lealmente que se fizesse o caminho por este systema, e hoje vem propor e pedir que o governo fique auctorisado a construir o caminho de ferro da Beira Baixa tambem por construcção directa!!

O illustre deputado disse-nos o seguinte.

(Leu.)

Já vê a camara, e v. ex.ª, sr. presidente, que se o illustre deputado combatia a construcção directa, porque eu tinha dito que a experiencia nos demonstrava que os caminhos eram mais caros, e combatia em nome das circumstancias e do estado das nossas finanças, como é que póde, rasoavelmente, justificar a sua proposta, em que deseja que se construa por conta do estado o caminho de ferro da Beira Baixa?

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Pois mudaram as circumstancias financeiras?

Pois mesmo que mudassem, o illustre deputado, que julgava perigoso hontem o construir-se um caminho de ferro por conta do estado, vem propor hoje, e quer que se construam dois?!

Ora, sr. presidente, o sr. deputado entendo que o paiz que tem deficit não póde entrar franca e desassombradamente na construcção dos seus caminhos de ferro; s. ex.ª julga em sua alta intelligencia que o paiz não podia, sem grave risco, juntar esse encargo aos outros que já tem, e hoje quer que imponhamos ao governo a obrigação de fazer dois caminhos ao mesmo tempo e por construcção directa?!

Isto é perfeitamente contra a sua opinião, e fallo a verdade, não esperava que o illustre deputado, que tem lançado tantas suspeitas de contradictorios sobre nós e sobre o governo, viesse apresentar similhante proposta, que é uma verdadeira contradicção, salvo se o illustre deputado me vier provar que as circumstancias financeiras, que elle discutiu largamente, com a intelligencia que Deus lhe deu, são hoje incomparavelmente melhores do que eram n'aquella epocha; mas desde o momento em que s. ex.ª me não possa demonstrar que o deficit acabou, e existindo de pé a doutrina que s. ex.ª apresentou n'aquella occasião, de que havendo deficit se não póde entrar desassombradamente na construcção de caminhos de ferro, nem contrahir novos encargos, s. ex.ª não póde sustentar a sua proposta. (Apoiados.)

O que achava curial é que s. ex.ª combatesse o projecto, visto que existem as mesmas rasões que o illustre deputado apresentava para a não construcção, e que o deficit ainda não está extincto.

Parece-me que me estou alongando de mais; estas questões são sempre aridas, e como taes custa a conciliar a attenção da camara, nem mesmo eu com os meus fracos recursos podia ter essa pretensão, e por isso tanto mais agradeço a benevolencia e attenção com que tenho sido escutado, mas desejava simplesmente dizer uma cousa, para a qual peço a attenção do sr. ministro das obras publicas.

S. ex.ª sabe que não estive na commissão quando se discutiram estas propostas, mas que lendo na camara o projecto, e vendo que apenas se me offerecia uma pequena difficuldade, assignei-o, reservando-me para na sua discussão ouvir as explicações de s. ex.ª a esse respeito, e depois d'ellas insistirei, ou deixarei de insistir, por uma proposta que tenho a honra de mandar para a mesa.

Eu desejo que no n.º 1.° do artigo 1.° se acrescentem ás palavras «Santa Comba Dão» «Celorico e Guarda».

Não vejo que haja rasão nenhuma, ou, pelo menos, não se apresenta ella ao meu espirito, para que no projecto se não faça menção d'estas duas localidades, que julgo serem dois pontos muito importantes.

Talvez que a rasão d'isto seja porque, estando estudado o caminho de ferro com os differentes traçados com relação a estes pontos, se chegasse á conclusão de que o ultimo que se estudou era o melhor, e, portanto, que estas duas povoações são pontos forçados para o caminho construir ou por um ou por outro dos traçados.

Creio que a não ser esta a rasão, não ha nenhuma outra para que o governo ou a camara se possa oppôr á redacção que eu apresento.

O sr. ministro dirá quaes são as rasões que lhe assistem para acceitar ou não a minha proposta, fazendo esta modificação na redacção do projecto; declarando eu desde já que se s. ex.ª porventura disser que a rasão por que a não acceita é porque seria prolixo que estas palavras se inserissem no artigo, por isso que o traçado não póde desviar-se por fórma alguma d'estes dois pontos, não posso insistir pela minha proposta.

Não quero cansar a camara, e vou concluir dizendo apenas que estou ainda hoje convencido de que os paizes que têem deficit precisam emprehender em larga escala a construcção de caminhos de ferro para chegar a matar esse deficit. Esta é a minha opinião; póde ser que seja errada, porém estou d'isto convencido.

Sr. presidente, disse um homem notavel em um dos seus livros que por vezes tenho consultado. «Felizes os dias de Portugal quando a rica bacia do Tejo se abrir livre e franca aos productos estrangeiros, e quando as industrias em Portugal chegarem a ponto que possam fazer barreira á concorrencia estrangeira». Pois eu digo que feliz de Portugal quando chegar esse dia, mas digo tambem que elle não virá senão quando a locomotiva, atravessando os valles, e rasgando os montes, levar a civilisação e o progresso a toda a parte. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, eu vejo em frente de mim um governo, que é composto de cavalheiros que estimo e prezo, e que pelas opiniões que lhes conheço me dão todos completa garantia do seu amor á liberdade, e ao mesmo tempo me dão a garantia do que hão de empregar e envidar todos os seus esforços para desenvolver o mais que for possivel, não só a construcção dos nossos caminhos de ferro, mas das nossas estradas, e não só se ha de empenhar no desenvolvimento material, mas tambem no desenvolvimento moral. Não obstante, e para concluir, recommendarei a s. ex.ªs que se lembrem sempre de que governar é caminhar, é andar, é conciliar e é progredir, e que ao mesmo tempo se lembrem sempre de que parar é morrer. (Apoiados.)

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado.)

(O sr. deputado não pôde rever este discurso.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que ás palavras do artigo 1.°, n.º 1.° «Santa Comba Dão» se acrescente «Celorico e Guarda». = Telles de Vasconcellos.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Vae-se ler um officio que chegou da secretaria do reino.

Leu-se um officio participando que Sua Magestade El-Rei tem resolvido mandar celebrar na real capella da Ajuda, no dia 22 do corrente mez, pelas onze horas da manhã, exequias solemnes por alma do Summo Pontífice Pio IX.

O sr. Presidente (continuando): — Já hontem declarei que havia de nomear uma grande deputação para ir assistir ás exequias por alma de Sua Santidade o Pontifice Pio IX. Vou nomear a grande deputação.

(Leu.)

E alem d'estes senhores todos aquelles que quizerem concorrer.

Esta deputação, é recebida na sexta feira ás onze horas da manhã.

E a deputação, que ha de ir comprimentar Sua Magestade a Rainha e Sua Alteza o Principe Real, pelo seu feliz regresso ao reino, é recebida ámanhã ás duas horas da tarde.

Os srs. deputados que compõem a grande deputação, são os seguintes:

Carlos Testa.

José Correia de Oliveira.

José Joaquim Figueiredo de Faria.

José Luciano de Castro.

Lopo Vaz de Sampaio e Mello.

Pires de Lima.

Boavida.

D. Luiz da Camara Leme.

Pedro Correia.

Visconde de Sieuve de Menezes.

Pedro Jacome Correia.

Visconde de Villa Nova da Rainha.

José Maria dos Santos.

Augusto Godinho.

Visconde da Arriaga.

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O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Mando para a mesa a seguinte proposta. (Leu.)

Quando outro dia tomei a palavra na generalidade do projecto que se discute, mostrei-me preoccupado com relação aos meios de que o governo podia dispor para a construcção de uma obra tão importante e dispendiosa, como é a linha da Beira Alta.

Declarei benevola mas terminantemente ao governo quanto me intimidava a situação financeira que se prepara por este systema da agglomeração exagerada de juros, compondo um encargo enorme que virá caír sobre o orçamento em epocha, que se não está immediata, não se póde considerar tambem muito distante.

Vi que as minhas observações a este respeito não preoccuparam muito o nobre ministro das obras publicas.

O governo está com certeza muito mais habilitado do que eu para fazer idéa exacta dos recursos do paiz e dos meios com que o governo conta para obter a receita indispensavel para o equilibrio orçamental, e para fazer face a estas despezas, que são realmente extraordinarias, e como taes consideradas em todos os paizes que construem caminhos de ferro, ou emprehendem melhoramentos de primeira ordem pela sua importancia e tambem pelo preço que custam.

Sem querer insistir agora n'este ponto, e desejando especialmente referir-me ao objecto da proposta que mandei para a mesa, preciso recordar as declarações do nobre ministro das obras publicas e meu amigo, na resposta que deu ás observações que fiz sobre a generalidade do projecto.

S. ex.ª disse que «ninguem era mais interessado do que elle na conclusão do caminho de ferro do Douro».

(Áparte do sr. ministro das obras publicas.)

Perfeitamente de accordo. Quando digo interessado, quero dizer, que ninguem pede estar em melhores disposições a este respeito; que ninguem tem mais vontade ou melhores desejos de ver concluida a linha do Douro. O nobre ministro póde dizel-o com honra sua, e eu, longe de pretender disputar preferencias com o nobre ministro a este respeito, reconheço que a s. ex.ª, como auctor e constructor d'aquella linha, pertence de certo mais do que a ninguem o desejo de promover a sua conclusão, que ha de ser a melhor prova da grande utilidade que d'esta obra vem para este paiz.

Disse tambem s. ex.ª que «se tinha procedido aos estudos do prolongamento desde o Pinhão até á foz do Tua, e que pelos reconhecimentos feitos d'ali até á Barca d’Alva se podia affirmar que as difficuldades da construcção d'este caminho de ferro, muito longe de serem invencíveis, nem mesmo eram iguaes ás que primeiro se presumiam e podiam receiar».

Tambem ou eu entendi mal as declarações de s. ex.ª, ou s. ex.ª declarou que apenas tivesse promptos e completos os estudos até á foz do Tua, e successivamente os outros em relação ás outras secções até á fronteira, apresentaria immediatamente as propostas de lei para não interromper, até a concluir, a construcção d'este caminho de ferro.

Se eu não interpretei mal as declarações do nobre ministro das obras pubicas, s. ex.ª quer o mesmo que eu quero, e em tal caso, creio que a proposta que tenho a honra de mandar para a mesa não póde encontrar da parte de s. ex.ª a menor opposição, nem s. ex.ª poderá descobrir-lhe o menor inconveniente.

Em todo o caso é do meu dever mostrar á camara quaes são as rasões em que me fundo para insistir pela proposta que tenho a honra de mandar para a mesa; e se depois d'isso a camara se pronunciar pela rejeição ou não admissão d'esta proposta, eu não me conformarei sem um protesto solemne, e sem deixar completamente sobre as commissões reunidas, ou sobre os membros d'esta casa que a queiram rejeitar, a responsabilidade de um systema, que me parece summamente inconveniente e muito prejudicial aos interesses publicos.

É para mim incontestavel que a linha do Douro, apesar do preço elevado que tem custado, é uma linha cuja construcção foi bem comprehendida, porque tem dado e deve dar bons resultados para este paiz.

É um sacrificio, talvez caro, mas de que a nação deve tirar, n'um periodo breve, os beneficios que tem direito a esperar, e que excederão de certo toda a espectativa. Mas para isto é igualmente inquestionavel que a linha ferrea do Douro, logo que seja construida até ao Pinhão, não póde ali ficar entaipada e presa nas mesmas circumstancias em que ficaria qualquer bêco sem saída. Emquanto assim estiver, é da primeira evidencia que a linha ferrea não póde produzir o rendimento que necessariamente ha de produzir logo que por Salamanca esteja ligada a rede europea.

Portanto toda a demora no Pinhão ou em territorio portuguez; toda a hesitação em ligar a linha ferrea já construida com a rede europea, significa para mim, alem do grande sacrificio que fizemos para a construcção, privar o paiz voluntariamente não só dos beneficios do transporte, que da conclusão da linha necessariamente resultam, mas prival-o tambem da receita resultante do augmento de rendimento kilometrico que essa linha ha de ter depois de concluida, e não tem antes de ligada na fronteira, rendimento que para nós representa alliviar o orçamento do encargo pesado, que actualmente soffre, e que é indispensavel para satisfazer os juros e amortisação dos capitaes que ali estão empregados.

Portanto, entendamo-nos bem. Eu não me opponho em absoluto a que o paiz vá contrahir sacrificios e sujeitar-se a encargos onerosos para construir caminhos de ferro de primeira necessidade, instrumentos de progresso, de riqueza e de civilisação, sem os quaes eu sei que uma nação culta não póde hoje existir.

Opponho-me, porém, e opponho-me muito solemnemente, a que se lancem sobre o paiz encargos pesadissimos para principiar caminhos de ferro que se não terminam; (Apoiados.) e que, incompletos, representam um sacrificio enorme pelo que se paga, o enormissimo por que se deixa voluntariamente de receber o rendimento que, como compensação, o paiz tem direito a esperar pelos sacrificios por elle feitos. (Apoiados.)

Principiar caminhos de ferro e não os concluir, equivale perfeitamente, na minha opinião, ao procedimento de qualquer proprietario, que, fazendo grandes despezas para murar uma propriedade, a murasse por tres lados deixando-a aberta por um. (Apoiados.)

A despeza faz-se, a vantagem da obra dispensa-se. De certo não ficava em boas condições de credito, nem o juizo nem o saber administrativo do proprietario que assim procedesse. (Apoiados.) Não façamos nós agora cousa parecida.

Portanto, eu desejo saber explicitamente, antes de auctorisar a construcção da linha ferrea da Beira Alta, ou antes de protestar solemnemente contra similhante construcção, se a lei que está em discussão póde, de alguma fórma, auctorisar o governo a interromper os trabalhos de prolongamento da linha ferrea do Douro, a pretexto de estar construindo a linha ferrea da Beira Alta?

Se a lei que estamos discutindo póde servir de pretexto para essa interrupção, ou se póde determinar a demora na conclusão d'aquella linha, eu protesto contra similhante auctorisação; (Apoiados.) e portanto declaro muito cathegoricamente, que não posso dar o meu voto a favor da construcção da linha ferrea da Beira Alta emquanto não estiver concluida a linha ferrea do Douro. (Apoiados.)

Avaliemos bem o que é a linha ferrea do Douro, e o que poderá ser a linha ferrea da Beira Alta. Eu não posso considerar, nem considero, nenhuma d'ellas como linha verdadeiramente internacional.

Nós já sabemos, pelo traçado e pelos estudos feitos, que

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temos de soffrer na exploração as consequencias inevitaveis da construcção em terrenos accidentados. É claro que nenhuma d'estas linhas ferreas fica, nem póde ficar, com as condições de velocidade indispensaveis em linhas ferreas de primeira ordem, como são as de communicação europea. (Apoiados.)

Portanto, não podemos aspirar a uma linha ferrea verdadeiramente internacional, isto é, igual ás linhas ferreas com que o nosso paiz ha de communicar.

Podemos e devemos aspirar, sim, a que os nossos caminhos de ferro encurtem o mais possivel a distancia entre o nosso paiz e a Europa, para facilitar tanto as relações commerciaes como o movimento de mercadorias e passageiros pelos nossos portos de mar, fazendo preferir a viação accelerada ás communicações maritimas nas relações europeas, e os nossos portos aos outros nas relações com a America e com outros pontos que, de preferencia, devem procurar o nosso Tejo.

N'estas condições a linha ferrea da Beira Alta que se propõe é effectivamente a melhor linha, é a mais curta em relação ao porto de Lisboa.

Mas é tambem certo que em relação ao norte d'este paiz e ao norte de Hespanha a linha ferrea da Beira Alta nunca ha de fazer concorrencia á linha ferrea do Douro, logo que esta esteja ligada á rede europea no mesmo ponto commum, que é Salamanca.

Do norte do nosso paiz, como do norte de Hespanha, quem quizer transportar mercadorias, ou viajar para a Europa, chegando ao Porto, não vem procurar o caminho da Beira Alta á Pampilhosa, ha de seguir a linha do Douro que vae em direcção ao mesmo ponto hespanhol, que é a estação de Salamanca.

Portanto, sendo incontestavel que em relação a Lisboa e seu porto o caminho de ferro da Beira Alta é preferivel ao caminho de ferro do Douro, não é menos incontestavel que em relação á cidade do Porto e norte do paiz e da Hespanha, a linha do Douro é mais essencial do que a linha da Beira Alta.

A minha questão é que a linha do Douro está construida, faltando-lhe apenas 40 ou 50 kilometros para a sua ligação na fronteira, ao passo que a linha da Beira Alta, a cuja construcção não me opponho, tem de se fazer desde a Pampilhosa até á fronteira em condições mais difficeis e em distancia superior a 200 kilometros.

Acho justo que a linha da Beira Alta se construa, comtanto que não se prejudique a conclusão da linha do Douro, nem se possa auctorisar ou consentir a suspensão do trabalho da linha do Douro até á Barca de Alva ou á sua ligação na fronteira.

Como o governo não está actualmente auctorisado a mandar prolongar a linha do Douro alem do Pinhão, a minha proposta significa uma auctorisação ao governo, não só para o estudo, mas para a construcção e prolongamento, nas condições em que esta camara já votou essa construcção até ao Pinhão, podendo continuar, e não podendo interromper os trabalhos á proporção que esses estudos se forem realisando.

Eu tenho obrigação de pensar se por acaso algum inconveniente póde obstar á approvação da proposta que tive a honra de mandar para a mesa.

A minha proposta póde talvez ter o inconveniente de ser anterior á apresentação do projecto definitivo e do respectivo orçamento em relação aos trabalhos que se têem de realisar do Pinhão para a fronteira.

Os factos auctorisam a abdicação que eu faço sem hesitar, e creio que a camara não terá duvida em a fazer igualmente, o que consiste em dispensar a apresentação do projecto definitivo e do respectivo orçamento.

Nós estamos bem instruidos, bem edificados e alem d'isso bem experimentados em relação aos orçamentos que se apresentam para todas e quaesquer obras (O sr. Pinheiro Chagas: — Apoiado.), e pela minha parte dispenso-me, e com muito prazer, de receber uma illusão que tem de desapparecer pouco tempo depois.

Quando tenho a certeza de que hei de pagar uma obra cara, julgo mais util e mais commodo para mim não ter occasião de alimentar a esperança de que essa obra ha de ser barata.

Os orçamentos portuguezes, não só em relação aos caminhos de ferro, e note a camara que eu muito de proposito não me refiro ao orçamento do estado, que já uma vez apreciei perante o parlamento, os orçamentos portuguezes, não só em relação a caminhos de ferro, mas em relação a edificios, e edificios que se construem com materiaes conhecidos, pedra, cal, ferro e areia, apresentam a singularidade de calcularem na quarta parte uma obra que infalivelmente ha de custar quatro vezes mais. (Muitos apoiados.)

Os orçamentos d'esta ordem não fazem senão obrigar-nos a lamentar o papel que se perde em os escrever, e o tempo que todos nós gastâmos em os apreciar e examinar. (Vozes: — Muito bem.)

Por consequencia, não tenho duvida alguma em dar um voto de plena confiança ao governo actual em relação ao orçamento relativo ao prolongamento da linha ferrea do Douro. Peço-lhe que não tenha duvida em acceitar essa auctorisação, porque, de mais a mais, ella refere-se ao prolongamento de um caminho que tem sido construido até hoje, e que é auctorisado exactamente nas mesmas condições e nos mesmos termos em que o caminho tem sido feito ou já está construido até o Pinhão. Tenho dito.

Vozes — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que ao artigo 1.º se acrescente:

§ 5.° As disposições da presente lei serão applicadas sem prejuizo da conclusão do caminho de ferro do Douro, cujo prolongamento até á fronteira o governo fica auctorisado a construir, e obrigado a não interromper, nos mesmos termos e condições da lei de 2 de julho de 1867 e mais legislação em vigor. = Visconde de Moreira de Rey.

Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas: —... (S. ex.ª não restituiu, o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Pinheiro Chagas: — Cabendo-me a palavra logo depois do sr. ministro das obras publicas, sem querer preterir o que o sr. visconde de Moreira de Rey, que já pediu a palavra, possa dizer em resposta a s. ex.ª, permitta-se-me que me refira a uma phrase do sr. ministro.

S. ex.ª diz-nos «que não eram só os orçamentos portuguezes que eram falliveis, eram os europeus.»

Sejam falliveis só os portuguezes, ou sejam falliveis todos, póde a camara ver já a confiança que deve depositar no orçamento dos 35:000$000 réis por kilometro, apresentado por s. ex.ª á camara, como devendo ser o custo do caminho de ferro da Beira Alta.

(Interrupção do sr. ministro das obras publicas, que se não ouviu na mesa dos tachygraphos.)

Agradeço muito a rectificação do sr. ministro das obras publicas; mas não me convence, porque não me convenço de que no orçamento feito agora ou o anno passado nos dê tuna grande garantia de exactidão para um caminho de ferro que não é acabado de construir nem o anno passado nem este anno, e não me parece que a longa lista dos caminhos de ferro orçados em quantias diminutas e construidos por preços mais elevados, possa servir para augmentar, para fortalecer a nossa convicção.

Veja v. ex.ª: o caminho de ferro do Douro foi calculado em 30:000$000 réis, o maximo, por kilometro, e o sr. ministro das obras publicas já acceita para a sua despeza real a verba de 50:000$000 réis; e comtudo, depois d'este facto, para o caminho de ferro da Beira, cujas condições difficeis s. ex.ª é o primeiro a reconhecer, e todos os enge-

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nheiros, cujos opusculos tenho visto concordam em que as condições são difficeis, vem prever uma quantia de réis 35:000$000 por kilometro.

Pois, se para o caminho de ferro do Minho, em condições muito mais faceis, havendo-se orçado em 30:000$000 réis o custo do kilometro, s. ex.ª confessa que a construcção importa em 50:000$000 réis, como podemos convencer-nos de que em relação ao caminho de ferro da Beira, cujas condições são difficeis, o seu calculo de que o kilometro custará 35:000$000 réis se ha de approximar da verdade? Não póde ser.

E a sua demonstração relativamente aos caminhos de ferro inglezes tambem reforça o meu argumento, porque não se póde acreditar que nós façamos obras em condições muito mais baratas do que lá fóra.

Todos nós sabemos que os caminhos de ferro custam muito dinheiro, e não recuâmos diante da despeza para esse grande melhoramento, mas desejâmos que não nos estejam a illudir com falsas miragens; s. ex.ª acabou de demonstrar que o caminho de ferro da Beira Alta por força ha de custar pelo menos mais metade do que calcula, e quando vemos as propostas para a construcção d'esse caminho de ferro que, segundo os dados estatisticos apresentados pelo sr. Lourenço de Carvalho, não eram muito exageradas, talvez recusando-os não fosse muito favoravel aos interesses do paiz e aos interesses do caminho de ferro da Beira Alta, é muito possivel que tenha de se arrepender de não ter acceitado essas propostas; é muito possivel que quando vierem as contas, que fatalmente desmentem as miragens lisonjeiras, s. ex.ª se arrependa de ter rejeitado essas propostas que seriam desvantajosas comparadas com o orçamento côr de rosa apresentado pelo sr. Lourenço de Carvalho, mas que era vantajoso comparado com as contas posteriores, que hão de ser menos côr de rosa, que se hão de parecer com as que nos apresenta agora em relação ao caminho de ferro do Douro e Minho, calculado em réis 30:000$000 quando se apresentava o orçamento, calculado em 50:000$000 réis quando começam a apparecer as contas.

Esta questão para mim é accidental, foi levantada pelo sr. visconde de Moreira de Rey, e elle saberá responder ao sr. Lourenço de Carvalho muito melhor do que eu.

Pedi a palavra para responder ás observações que s. ex.ª me dirigiu, mas depois fui chamado a outro campo pelo sr. Telles de Vasconcellos nas palavras lisonjeiras que pronunciou a meu respeito e que eu agradeço summamente penhorado.

Não esperava ter agora de defender o meu discurso pronunciado n'esta casa em 1875, mas já que o illustre deputado me chamou para esse terreno, dir-lhe-hei, que a contradicção que eu então notava entre as palavras do illustre deputado em 1875 e o seu procedimento em 1877, estava simplesmente em ter declarado em 1875, que a construcção dos caminhos de ferro por conta do governo era mais cara, e acceitar depois que o caminho se construísse por conta do governo, quando as circumstancias financeiras, longe de terem melhorado, tinham peiorado, tendo dito o governo em 1875 que não fazia o caminho, porque as circumstancias financeiras não o permittiam.

Não contesto que todos os systemas são bons. Perfeitamente de accordo. Desejo acima de tudo que, quando o caminho de ferro se não faça por adjudicação, se faça por conta do governo. Mas o que eu dizia simplesmente era que se as circumstancias em 1875 não eram favoraveis á construcção por conta do governo, eram-n'o muito menos em 1877 e por conseguinte notara a constradição em que a maioria caiu sustentando em 1877 o que combateu em 1875.

Mas tendo o sr. ministro das obras publicas de trazer á camara novo projecto para a construcção do caminho da Beira Alta, com uma nova directriz e com modificações que s. ex.ª reconheceu tão profundas, que mudaram radicalmente a sua opinião a respeito da internacionalidade ou não internacionalidade do caminho de ferro da Beira, tornando assim muito mais vantajosa a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, era possivel, e muito possivel, que não fosse necessaria a construcção por conta do governo e sendo novamente aberto o concurso, podesse dar resultados muito mais favoraveis.

Noto a s. ex.ª que não estou em contradicção por ter combatido a construcção por conta do governo, propondo hoje que ella se applique tambem ao caminho de ferro da Beira Baixa,

Como acabo de dizer, e já dizia em 1875, entendo que acima de tudo se deve construir o caminho de ferro; se não se poder fazer por adjudicação, faça-se por conta do governo, e tanto que tinha de votar a emenda do sr. Thomás Ribeiro n'esse sentido, e desejo ainda que seja consignada na lei.

O que dizia simplesmente em 1877 era que não se podia, quando as circumstancias financeiras, longe de terem melhorado, tinham peiorado, ir exactamente construir o caminho de ferro por conta do governo, quando a maioria era a primeira a dizer, que as construcções por conta do governo são sempre mais caras.

Eu admitto a construcção por conta do governo, e proponho-a para o caminho de ferro da Beira Baixa só em ultimo recurso, porque temos entre nós uma tristissima experiencia de que as construcções por conta do governo dão um resultado ruinoso e aterrador.

Dizia s. ex.ª, que para amortisar o deficit era necessario, sobretudo, fazer largamente caminhos do ferro e entrarmos largamente n'essas grandes emprezas, repetindo uma phrase do sr. Lourenço do Carvalho, que «extinguir o deficit era um sonho dourado», e censurava-me por eu pensar o contrario!

Quem pensava o contrario era o sr. Fontes, era este o seu programma, era s. ex.ª que dizia que o deficit ou se corta por uma vez, ou não se corta nunca.

Ora eu desejo o equilibrio da receita com a despeza, e isto não é uma idéa minha, é uma idéa que copiei de um relatorio, devido ao elevado talento do sr. Fontes, que aqui disse, que um orçamento com deficit nem mesmo é orçamento, é um rol de receita e despeza, e nada mais; e lamento que s. ex.ª, abandonando as idéas do chefe do seu partido, diga que o deficit se deve ir attenuando successivamente com o resultado proveniente das vantagens que trazem comsigo os caminhos de ferro.

Permitta-me agora v. ex.ª, que me refira ao que disse o sr. ministro das obras publicas com relação ao caminho de ferro da Beira Baixa, no que parece estarmos perfeitamente de accordo.

S. ex.ª acceita o principio que estabeleci, mas o que não quer é applical-o; e porquê?

O argumento de s. ex.ª é um pouco singular, porque, diz s. ex.ª, que n'estas questões de caminhos de ferro é melhor não fazer leis com grande antecipação, e dil o da maneira seguinte: «As discordancias que o illustre deputado nota entre os differentes projectos e propostas do governo mostram exactamente, que em questões de caminhos de ferro tudo é relativo e depende das circumstancias».

Ora, e quando eu exactamente digo, que se tudo depende das circumstancias, dou auctorisação ao governo para proceder conforme essas circumstancias lh'o aconselharem; isto é, quando o auctoriso a construir ou por adjudicação ou por sua conta, rejeita-me a auctorisação.

Aqui está, pois, que partindo do mesmo ponto vamos, não sei por que motivo, um para o norte, outro para o sul.

Mas diz s. ex.ª mais, e é que, se na adjudicação do caminho de ferro da Beira Alta houve propostas que não foram acceitas pelo governo, nem o podiam ser, foi talvez exactamente porque imperou no animo das companhias a idéa de que, não estando o governo auctorisado a construir por sua conta, seria elle fatalmente obrigado a acceitar as suas propostas!

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Pois se s. ex.ª confessa, que o motivo que influiu para que o caminho de ferro da Beira Alta não fosse adjudicado a uma companhia, foi talvez porque essa companhia viu o governo n'uma imparse e encostado á parede, não podendo saír senão pela acceitação das suas propostas, quer agora collocar-nos o caminho de ferro da Beira Baixa, exactamente nas mesmas circumstancias, que s. ex.ª confessa que foram fataes, para que o caminho de ferro da Beira Alta não fosse construido?!

De maneira alguma. E isso prova que s. ex.ª lealmente, como e sempre o seu costume, e faço-lhe essa justiça, entendo que o caminho de ferro da Beira Baixa póde não ser construido agora, porque as circumstancias o não permittem, mas é um caminho cuja construcção é necessaria, ainda que em epocha mais adiantada.

Se assim é, s. ex.ª e a camara hão de acceitar a minha proposta que, não pretendendo de fórma alguma constituir uma preferencia qualquer para o caminho de ferro da Beira Baixa, habilita simplesmente o governo a poder contratar, clara e abertamente, com as companhias, sem estar nas circumstancias fataes, como s. ex.ª disse, em que se achara quanto ao caminho de ferro da Beira Alta, e habilita-o a poder proceder conforme as circumstancias lhe aconselharem, no que vou de accordo com s. ex.ª, porque s. ex.ª mesmo me disse que só as circumstancias é que podiam aconselhar ao governo o modo como havia de construir qualquer caminho de ferro.

Portanto, já se vê que a conclusão logica das premissas do sr. ministro das obras publicas é acceitar a minha proposta, que, já disse, não tem outro objecto nem outro intuito senão collocar o caminho de ferro da Beira Baixa em condições de poder ser adjudicado ou construido por conta do governo, não agora, nem ámanhã, nem tão depressa, mas quando as circumstancias o aconselhem, sem prejudicar as construcções de outros caminhos.

Por ultimo devo dizer que quando eu alludi a ter dito particularmente a s. ex.ª, que ía fazer áquella proposta, não quiz de modo nenhum, nem servir-me de uma conversação particular, nem collocar s. ex.ª em contradicção comsigo mesmo; mas quiz dizer simplesmeute que s. ex.ª tinha acceitado as minhas rasões, e que talvez a commissão lhes tivesse tambem feito justiça e tivesse acceitado a minha proposta se me tivesse ouvido. Em todo o caso, peço desculpa de ter feito uso do que entre nós particularmente se passou, sem ter pedido previamente auctorisação a s. ex.ª

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Amanhã ha trabalhos em commissões. Para depois de ámanhã dou a continuação da ordem do dia de hoje, e, alem d'isso, os projectos n.ºs 7 e 8.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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