SESSÃO DE 21 DE FEVEREIRO DE 1888 553
dade dos principios de direito, sobre os quaes s. exa. regulou o seu trabalho, e que foram conservados no projecto, hão de agradar á classe commercial e produzir resultados beneficos. (Apoiados.) E muita honra cabe, me parece, ao illustre ministro, por ter attendido a muitas indicações praticas que lhe foram feitas, especialmente pelas associações commerciaes de Lisboa e Porto, nos pontos em que não alteravam a doutrina em que baseara o projecto que resolvera apresentar á camara.
Eu, sr. presidente, ouvi dizer n'esta casa, e não o contesto, que o projecto de reforma do codigo commercial fazia uma revolução social no paiz.
Parece me que aqui foram ditas estas palavras.
Póde ser que assim seja; mas, se ha revolução, é uma revolução justa, acertada, benefica e indispensavel.
Tomando apontamentos das observações que desejava fazer, tive o cuidado, para me não esquecerem, ou para me não escaparem com facilidade, de apontar cuidadosamente os adjectivos que queria empregar, tal era a importancia que eu dava ao assumpto.
E só assim se póde explicar que os compradores sejam homens que constituem auctoridade no fôro e que os chefes sejam o sr. ministro da justiça e o sr. relator da commissão, dois caracteres respeitabilissimos, (Apoiados) que, quanto a mim, e, de certo, quanto á camara, personalisam a seriedade, a moderação e a prudencia que devem ter aquelles que se propõem a tratar de assumptos que podem affectar interessadas familias e as fortunas particulares. (Apoiados.)
Eu, sr. presidente, que me conto no numero dos homens ordeiros, que me persuado ter espirito conciliador, e que tenho nos ultimos mezes, e com fundamento, abatido o espirito, digo, ainda assim, que bem hajam revoluções sociaes d'esta ordem, e que desejo que me considere como um dos revolucionarios, sem que o minimo escrupulo venha quebrantar a fé que me anima.
A boa vontade e o desejo de acertar, foram por parte da commissão bem evidentes, tanto nas discussões como nas divergencias que appareceram no seio d'ella.
Cada um dava o contingente que podia dar; e competia ás maiorias resolver definitivamente sobre os assumptos que se debatiam.
Começou logo no artigo 3.º uma discussão importantissima.
Tratava-se de saber se os usos commerciaes deviam ou não continuar a ser considerados como direito subsidiario.
Esta questão já aqui foi levantada por dois collegas nossos, que militam na opposição, e que são dois distinctos ornamentos do fôro portuguez.
N'este ponto fui dos vencidos. Eu votei a favor dos usos commerciaes.
Não me atrevi, porém, n'essa occasião, a discutir muito o assumpto, nem me atrevo agora a fazel-o; simplesmente digo que tanto os usos commerciaes não podem absoluta e terminantemente ser afastados ou postos de lado, que, quanto a mim, mais ou menos explicitamente elles estão conservados, porque um grande numero de vezes não me parece que possam ser outra cousa os casos analogos indicados no artigo.
Outro ponto importantissimo, muito mais importante ainda, veiu logo em seguida; e sobre esse é que desejo fazer ligeiras observações, visto que conto para isso com a benevolencia da camara, porque as não pude fazer em occasião opportuna. Procurar um meio pratico, um meio prudente de obviar aos inconvenientes e prejuizos que eram originados nas disposições do artigo 1114.º do codigo civil.
A necessidade de remediar a situação actual entendo que é inadiavel, e portanto, ainda que o remedio seja difficil, não me parece que não se deva procurar, nem que seja motivo sufficiente para que não se modifique a legislação; basta simplesmente que essa modificação se limite ao ponto em que a actual quasi tambem se limita, a proteger os dissipadores, mas dissipadores caloteiros.
Eu considero a situação immoral, trazendo difficuldades e complicações ás transacções commerciaes e especialmente ás transacções bancarias; e resultando d'ahi prejuizos e inconvenientes que os proprios que não concordam com a doutrina, e para exemplo, leiam se as observações feitas pelo nosso erudito collega o sr. Dias Ferreira.
Partindo eu d'estes principios, não admira que votasse conscientemente no seio da commissão a favor das idéas propostas pelo nobre ministro, não só porque tinha e tenho confiança completa em s exa., mas mesmo porque não só apresentou outra fórma de regular este assumpto.
Se durante a discussão parlamentar se apresentarem algumas propostas, que, não alterando o pensamento, possam, melhorar a redacção, ou mesmo melhorar a applicação pratica da doutrina estabelecida, a s. exa. o sr. ministro da justiça e á commissão compete aproveital-as. O projecto, quanto a mim, não restaura velha doutrina, estabelece a novissima, porque se limita a modificar a legislação moderna; o projecto, quanto a mim, não ataca, a organisação da familia, antes a respeita em tudo, e ainda entendo que ajuda e procura manter os sentimentos de brio e honradez que devem ser norma invariavel dos chefes de familia, como exemplo salutar para os seus descendentes.
O projecto deixa, em todas as hypotheses, intacto á mulher casada o dote, os seus bens proprios, e a sua meação nos bens communs.
A penhora que se permitte nos bens communs do casal é a mesma que até hoje tem estado estabelecida na legislação civil; a differença está simplesmente em que até agora a execução ficava pendente e suspensa até á dissolução do matrimonio, emquanto que por este projecto, póde logo dar se a partilha judicial dos bens que sejam communs.
Se eu avançasse alguma proposição que não fosse verdadeira tinha a certeza de que o illustre relator da commissão, que me está ouvindo, seria o primeiro a corrigir-me, e eu acceitaria de muito boa mente essa correcção.
Mas não se diga que á mulher não ficarão os meios necessarios para requerer no decendio, como lhes é permittido, a separação judicial dos bens; porque eu entendo que lhe ficam muito mais meios dos que tem até agora para deduzir embargos de terceiro, quasi sempre com escandalo e combinada com o marido para offender os direitos dos credores, que nem sempre fazem transacções de usura. Prejuizo para a mulher creio que seriamente não ha, mas quando o haja, esse prejuizo limita-se á falta, durante o resto da constancia do matrimonio, de parte dos rendimentos dos bens communs, nos limites necessarios para pagar as dividas do marido.
Mas é ao marido que esses bens pertencem realmente, se não é menos verdadeiro e menos justo que elles pertencem aos credores, porque creio ser um principio geral de jurisprudencia, que emquanto ha obrigações e dividas a satisfazer, não ha fortuna, nem herança, e é claro que n'este ponto a disposição do projecto não podia ser outra.
Eu desejo fazer estas observações e faço-as sobre este assumpto com desassombro e convicção, mas não desconheço que o meu modo de ver e as minhas palavras não devem ter peso na balança, com quanto não sejam senão o reflexo de outras opiniões auctorisadissimas, entre as quaes, note a camara, as de todos os magistrados que no nosso paiz têem presidido aos tribunaes de commercio especiaes.
No titulo referente a sociedades, eu vejo innovações notaveis e utilissimas, e vejo que a legislação fica muito mais clara e methodica. Eu já em 1882, quando o distincto estadista o sr. Hintze Ribeiro apresentou o seu projecto, entendia que esse projecto satisfazia cabalmente a este respeito.
Quanto á especialidade de sociedades anonymas, eu peço
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