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SESSÃO DE 3 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos srs.:

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Leram-se os seguintes officios: do ministerio do reino, participando, em satisfação a um requerimento do sr. deputado José Julio Rodrigues, não constar que dessem entrada as representações da junta geral do districto do Funchal; da academia real das sciencias de Lisboa, enviando vinte bilhetes de convite para a sessão que se deve celebrar na academia no dia 8 do corrente á uma hora da tarde, na qual deve ser lido pelo academico Antonio Candido Ribeiro da Costa o elogio do fallecido presidente EI-Rei D. Luiz I: da associação commercial do Porto, remettendo 100 exemplares do relatorio dos actos da direcção da mesma associação; da direcção geral, da secretaria e policia da camara dos senhores deputados, participando que, no praso decorrido desde a publicação do parecer para serem proclamados alguns srs. deputados por accumulação, - ninguem até agora tinha requerido inspecção dos processos eleitoraes para os fins de que dispõe o § 3.º do artigo 4.° da lei de 21 de maio de 1884. - O sr. presidente, em consequencia d'este ultimo officio, proclamou deputados os srs. José Maria do Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal e Francisco José de Medeiros: - O sr. Francisco José de Medeiros foi introduzido na sala e prestou juramento. - O sr. Teixeira de Sousa apresentou dois projectos de lei, que ficaram para segunda leitura, e uma representação da camara municipal de Murça. - O sr. José Julio Rodrigues fez differentes considerações sobre a
falsificação a que o azeite do commercio estava sujeito pela mistura de differentes oleos, mais ou menos em detrimento da saude e em prejuizo da
agricultura. - Responde-lhe o sr. ministro da instrução publica. - Presta juramento o sr. deputado Reis Torgal. - Por proposta do sr. Pedro Victor é aggregado á commissão dos negocios externos o sr. Carlos Bocage. - O sr. barão de Paçô Vieira apresentou e justificou um projecto de lei sobre condemnação condicional, que ficou para segunda leitura. - Mandaram representações pura a mesa: o sr. Simões Ferreira, dos empregados subalternos do lyceu nacional da Guarda; o sr. Santos Viegas, dos empregados subalternos do lyceu nacional de Portalegre, justificando-a com algumas considerações; o sr. Eduardo Abreu, da camara municipal de Alvaiazere. - O sr. Albano de Mello mandou para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino, e apresentou um requerimento, pedindo informações pelo mesmo ministerio. - O sr. Avellar Machado mandou para a mesa dois projectos de lei, que ficaram para segunda leitura. - Apresentou tambem um projecto de lei o sr. Cesario de Lacerda. - Mandam requerimentos os srs. Marcellino de Mesquita, Paulo Cancella, Eduardo Abreu, Ignacio do Casal Ribeiro, Cesario de Lacerda, Emygdio Navarro o Reis Torgal.
Na ordem do dia (primeira parte) elegeu-se a commissão de instrucção primaria e secundaria.
Na ordem, do dia (segunda parte) continua a discussão do bill de indemnidade. - Usam da palavra: o sr. Augusto Fuschini, que concluiu o seu discurso começado na sessão anterior, sendo admittida a sua moção de ordem; e o sr. Gabriel de Freitas, que tambem leu uma moção de ordem, ficando ainda com a palavra reservada, para a sessão seguinte. - O sr. Costa Moraes deu como installada a commissão de instrucção primaria e secundaria.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentvs á chamada 56 srs. deputados. São os seguintes. - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Abilio Guerra Junqueiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro. Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Ignacio José Franco, João de Barros Mimoso, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Simões Pedroso de Lima, Julio de Sousa Machado, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José Augusto Soares, Ribeiro de Castro, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Pedro Augusto de Carvalho e Pedro Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio José Arroyo, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Maria Fuschini, Augusto Ribeiro, Bernardino Pacheco Alves Passos, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fernando Pereira Palha, Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José de Medeiros, Francisco Xavier de Castro, Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho, de Abreu, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Cesario de Lacerda, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pinto Moreira, Joaquim Germano de Sequeira, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luciano Cordeiro, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Roberto Alves de Sousa Ferreira e Visconde de Tondella.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto,

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Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio João Ennes, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Eduardo de Jesus Teixeira, Francisco de Almeida e Brito, Frederico de Gusmão Correa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, José de Azevedo Castello Branco, José Frederico Laranja, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima,

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado José Julio Rodrigues, que n'este ministerio não consta que dessem entrada as representações da junta geral do districto do Funchal.
Para a secretaria.

Da academia real das sciencias de Lisboa, remettendo vinte bilhetes de convite para a sessão que se deve celebrar n'esta academia no dia 8 do corrente á uma hora da tarde, sob a presidencia de Sua Magestade El-Rei, e na qual deve ser lido, pelo academico Antonio Candido Ribeiro da Costa o elogio do fallecido presidente El-Rei o Senhor D. Luiz I.
Para a secretaria.

Da associação commercial do Porto, remettendo um exemplar do relatorio dos actos da direcção da mesma associação.
Para a secretaria.

Da direcção geral da secretaria e policia da camara dos senhores deputados:
Illmo. e exmo sr. Tenho a honra de levar ao superior conhecimento do v. exa. que, durante o praso decorrido desde que foi publicado o parecer n.° 118, para serem proclamados deputados por accumulação de votos os srs. José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal e Francisco José de Medeiros, ninguem até hoje requereu inspecção dos processos eleitoraes para os fins de que dispõe o § 3.º do artigo 4.° da lei de 21 de maio de 1884.
Direcção geral da secretaria e policia da camara dos senhores, deputados, em 3 de junho de 1890. = O director geral interino, Joaquim Pedro Parente.
Para a secretaria.

Officio dirigido ao sr. deputado José Julio Rodrigues pela firma Santos & Aguiar, negociantes, reclamando energicas providencias para obstar á fraude que se está fazendo no azeite de oliveira, que se apresenta ao consumo publico.
Foi enviado á commissão de fazenda por assim ter sido pedido pelo apresentante.

REPRESENTAÇÕES

Da camara municipal de Murça, pedindo que lhe seja feita concessão por tres annos, de parte do convento de S. Bento d'aquella villa.
Apresentada pelo sr. deputado Teixeira de Sousa, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Dos empregados subalternos do lyceu nacional da Guarda, pedindo augmento de ordenado.
Apresentada pelo sr. deputado Simões Ferreira, enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda e mandada publicar no Diario da camara.

Dos empregados subalternos do lyceu nacional, da Guarda, pedindo augmento de ordenado.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas, enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda é mandada publicar no Diario da camara.

Da camara municipal do concelho de Alvaiazere, pedindo que não sejam approvadas as novas medidas tributarias.
Apresentada pelo sr. deputado Eduardo Abreu, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettido, com urgencia, a esta camara o processo que serviu de fundamento ao decreto de 22 d'este mez, ácerca da renovação dos prasos para as assembléas de recenseamento eleitoral do concelho de Agueda. = Albano de Mello.

Requeiro que sejam enviados a esta camara todos os documentos relativos á extincção da séde do concelho da Arruda e creação do concelho de Sobral de Monte Agraço, no tempo do governo progressista. = O deputado, Marcelino de Mesquita.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara copia do todos os processos relativos ás despezas feitas com a beneficiencia e pagas desde 1 de janeiro do corrente anno. = José Paulo Monteiro Cancella.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgencia para esta camara, copia dos documentos seguintes:
1.º Correspondencia do enfermeiro mór do hospital de S. José, n'estes ultimos cinco annos, sobre quaesquer pedidos ou reclamações a bem dos enfermos;
2.° Correspondencia sobre o mesmo assumpto e tambem n'estes ultimos cinco annos, do administrador dos hospitaes da universidade;
3.° Nota circumstanciada de todas as despozas feitas pelos differentes ministerios, e governos civis da capital e provincias com os individuos mordidos, que n'estes ultimos quatro annos têem sido enviados a Paris para ali serem inoculados.
N'esta nota descrever-se-ha as despezas feitas com as pessoas encarregadas de acompanharem os mordidos.
Requeiro que n'esta nota se designem os nomes dos mordidos, a terra da naturalidade de cada um d'elles, seguindo-se a despeza que cada um d'elles fez, assim como o nome e profissão da pessoa ou pessoas que acompanharam os mordidos, com a despeza que fizeram.
4.° Copia da portaria de 30 de abril ultimo, dirigida ao reitor do lyceu da Guarda, e do officio do mesmo reitor com a proposta do conselho do mesmo lyceu que deu motivo áquella portaria. = Eduardo Abreu.

Requeiro que se publiquem no Diario do governo e Diario das sessões da camara dos senhores deputados os seguintes documentos:
1.° Copia de todos os requerimentos dirigidos ao tribunal de verificação de poderes, nos quaes pediam inqueritos, nos lermos da lei de 21 de maio de 1884, e accor-

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dãos d'aquelle tribunal relativos a este assumpto; designadamente os requerimentos que fizeram os deputados eleitos Eduardo José Coelho e Alvaro de Mendonça Machado e Araujo, no processo eleitoral de Bragança;
2.° Teor do accordão, se o houve, que indeferiu o requerimento dos referidos deputados e no qual o presidente do tribunal poz o seguinte despacho: seja presente ao tribunal, ou despacho equivalente, com data de 16 do corrente;
3.º Declaração, de conformidade do escrivão da camara municipal do concelho de virtuoso, com data de 9 de março de 1889, relativa ao que elle chama copia authentica do recenseamento, e pelo qual se fez a eleição na assembléa de Carção, em 30 de março proximo findo na igreja matriz. = Ignacio Emauz de Casal Ribeiro.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, me seja enviada com urgencia, copia das representações é quaesquer outros documentos officiaes e particulares sobre a transferencia da sede do concelho de Arruda para Sobral de Monte Agraço, bem, como todos os que no mez de março do corrente anno foram enviados a consultar ao supremo tribunal administrativo: = Ignacio Emauz do Casal Ribeiro.

Requeiro que, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, me seja enviada com urgencia copia ou copias de qualquer ou quaesquer despachos recebidos do ministro da republica franceza em Lisboa, durante a primeira quinzena do mez de março d'este anno, sobre a questão dos titulos do emprestimo chamado de D. Miguel ou sobre a cotação dos emprestimos portuguezes em Paris. = João Cesario de Lacerda, deputado pelo primeiro circulo de Loanda.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviado a esta camara o processo original relativo á inscripção no orçamento rectificado da verba do 40:000$000 réis para complemento do pagamento de resgates de roupas empenhadas, por occasião da epidemia da influenzua em Lisboa, ou, havendo inconveniente, copia do mesmo processo. = Emygdio Navarro.
Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De successores e representante, de Izidoro, Rodrigues de Oliveira, pedindo, que se lhe seja mandado pagar a quantia de 2:670$217 réis, em tempo depositada, no deposito publico, pagamento as que se julga com direito em virtude de sentenças judiciaes.
Apresentado pelo sr. deputado Reis Torgal e enviado á commissão de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Antonio Jardim de Oliveira não tem comparecido as ultimas sessões por motivo do fallecimento de sua mãe: = Fidelio de Freitas Branco.
Para a secretaria.

PARTICIPAÇÃO

Participo a v. exa., e á camara que a commissão de instrucção primaria e secundaria está installada, nomeando presidente o sr. Manuel d'Assumpção e a mim secretario. = O deputado, Costa Moraes.
Para a acta.

O sr. Presidente - Participo á camara que já se acha decorrido o praso de oito dias, a contar da publicação da lista dos deputados por accumullação, no Diario do governo.
Informa-me a secretaria de que durante este praso não foi apresentada reclamação alguma. Em vista d'isto e do que se acha no parecer da commissão de verificação de poderes, proclamo deputados da nação os srs. Alpoim, Reis Torgal e Francisco José de Medeiros.
Prestou juramento e tomou assento o sr. deputado Francisco José de Medeiros.
O sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa dois projectos de lei que tem por fim:
(Leu.)
Quanto a este ultimo reservo-me para quando elle entrar em discussão apresentar as rasões que militam a seu favor.
Mando mais para a mesa uma representação da camara municipal de Murça, pedindo que lhe seja feita a concessão, por tres annos, de parte do convento de S. Bento d'aquella villa.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que a representação seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação no Diario do governo.
O sr. José Julio Rodrigues: - Antes de tratar do assumpto para o qual solicito a attenção da camara, devo declarar que não teria pedido hoje a palavra se não fosse para dar cumprimento ao pedido que me fez uma casa commercial de Lisboa, muito digna e muito conhecida, ácerca da adulteração dos azeites nacionaes.
Já aqui por vezes se tem fallado d'este assumpto, que representa para a agricultura uma questão gravissima, questão que não sei ainda como resolver de prompto por fórma absolutamente satisfactoria.
Vou, primeiro que tudo, ler a carta que recebi dos srs. Santos & Aguiar. É uma carta particular; com licença, porém, da seus signatarios, envio-a para a mesa, depois de lida, para v. exa a mandar remetter á commissão de agricultura, para os devidos effeitos.
(Leu.)
Como, a camara acaba de ver, a adulteração de que se trata, ou que se receia, é de uma gravidade excepcional.
Comprehendem, qual é, perante a nossa agricultura, a importancia do azeite portuguez, importancia não só sob o ponto de vista do seu consumo interno, como tambem sob o do seu emprego no fabrico de certas conservas alimentares.
Sabem todos ainda que, nos ultimos annos, a importação do azeite estrangeiro representa centenares de contos de réis.
É pois este um da grandes productos agricolas indigenas, que mais convém acautelar contra as fraudes e tutelar por fórma, que lhe corresponda o incremento e a qualidade que lhe são exigidas pelo commercio internacional.
É certo que o azeite de oliveira tem sido sempre, e em todos os paizes, victima de variadissimas fraudes, dependendo estas, como é de suppor, do preço relativo e da abundancia das drogas falsificantes.
N'este momento em que o azeite de gergelim, segundo affirmam os srs. Santos & Aguiar, póde custar ao vendedor de azeites 200 réis por kilogramma, em Lisboa, livre de mais despezas, e o bom azeite de oliveira 320 réis, nas mesmas condições, comprehende-se perfeitamente que nada mais facil, nem mais lucrativo do que misturar o azeite de gergelim com o azeite de oliveira. Mesma côr, sabor pouco pronunciado, inoffensivo para, a saude publica, quando novo bem e preparado. - que mais é preciso para o falsificador?
Fabricando-se alem d'isto, em Lisboa, o azeite de gergelim com a semente, importada de fóra, póde dizer-se que tudo promove e favorecerá a operação da mistura.
Tenho aqui dois frascos com azeite: um de gergelim, o outro de oliveira. Como podem verificar os srs. deputados, a confusão não é difficil, mesmo n'estes casos extremos.
O oleo de gergelim consome-se hoje por toda a parte, em quantidades enormes. Usa-se como substancia alimentar, no fabrico dos sabões, como oleo falsificador de varios

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outros, etc, etc. Já tenho visto oleo de amendoas doces quasi exclusivamente constituido pelo oleo de sezamo, outro nome por que tambem se designa o oleo, contra o qual os srs. Santos e Aguiar ora reclamam.
Em sessenta analyses summarias, a que mandei proceder no laboratorio da inspecção technica das contribuições indirectas, foram encontrados dezenove azeites de oliveira contendo gergelim ou suspeitos de o conterem. E se este resultado não se pode considerar ainda como definitivo e prova incontroversa da falsificação abundantissima, que anda na voz publica, é no emtanto bastante grave pela sua significação, para auctorisar o governo ao estudo immediato d'esta grave questão commercial, industrial e agricola.
A quantidade de semente de gergelim, hoje importada por Portugal, é decerto importante, pelo menos relativamente. Servirá porém todo o oleo respectivo empregado no fabrico do sabão, será uma parto d'elle para a adulteração dos azeites nacionaes, terá ainda algum outro escoante para o seu consumo?
O governo que o averigue, tomando depois os melhores alvitres que o caso lhe suggerir.
O facto do oleo de gergelim, bem preparado, não ser nocivo á saude publica, não é motivo que auctorise a falsificação. Bem sei que se toma ou se bebe em muitos paizes, que até se faz doce, algures, com o respectivo bagaço misturado com mel e que, no oriente, segundo varios auctores, é em certas regiões d'elle, as mulheres o tomam para melhoria dos respectivos contornos e satisfação da estética de seus conterraneos mais exigentes.
Mas, se tudo isto é verdade, o que ainda é mais indiscutivel, é que quem pede azeite de oliveira tem direito a exigir que lhe não dêem azeite do gergelim ou de qualquer outro oleo da mesma intenção e indole.
O oleo de papoulas, o de algodão, o de mendobi ou de ginguba, etc, etc., tambem são réus, muitas vezes de igual delicto. O oleo de algodão é um dos mais criminosos n'esta fraude, que podemos dizer internacional.
Mais um facto para remate da crise agricola por que está passando o paiz.
A miseria augmenta; a emigração não cessa, os valores, terra e seus productos, depreciam-se. Só faltava agora descobrir um processo efficaz para dar cabo dos olivedos portuguezes, hoje pouco remuneradores e de valor economico sugeito a graves eventualidades!
No norte do paiz tem chegado a vender-se lagares por 1$500 réis. Offerecidas á venda antigas terras de vinho, assoladas pela phylloxera; muitas vezes lhes têem, faltado os compradores, apesar do preço exiguo da transacção desejada. E a rasão é simples. Na compra e nova applicação do solo, a despeza total excede, não raro, o valor da propriedade transformadora.
Pergunto eu agora: que succederá á cultura do azeite em Portugal, já difficil n'este momento, com uma colheita incerta, se os agricultores se virem a braços com qualquer oleo a meio preço, que lhe cerceie os preços mercantis do seu azeite de oliveira?
Se não se adoptar quanto antes um processo que corte e castigue a fraude, não valerá a pena ter oliveiras.
São necessarias portanto medidas quasi immediatas, para não melindrar a cultura do azeite em Portugal e para por o agricultor ao abrigo de uma concorrencia, á qual não, póde resistir.
É complicado o problema. A minha obrigação n'este momento, guiado apenas pelo desejo de ser util ao meu paiz, é expor perante o camara o que sei e apenas já sobre esta questão.
Sendo porém o oleo de gergelim empregado no fabrico de sabão, pelo menos o oleo mais ordinario, sendo tambem o gergelim semente, um producto colonial é mister que protegendo-se a agricultura, defendendo-a contra a concorrencia de um oleo damninho, se não vá porventura prejudicar a industria da saboaria, ou ainda a nossa agricultura colonial.
E é bom e é indispensavel que o governo se occupe de todas estas questões, que tanto importam á nossa riqueza publica.
Quando examino esses recentes actos governativos, reveladores da força dictatorial dos actuaes ministros e nada vejo, entre essas explosões do poder, nenhuma medida tendente a levantar a agricultura, a industria, ou o nosso commercio, do estado de abatimento em que se encontram, não posso deixar de lamentar o caminho que vão tomando as cousas portuguezas, cada vez mais incertas e oscilantes...
Menos politica e mais amor pelo paiz, é o que eu quizera ver no grupo que hoje preside aos destinos nacionaes. De valorisar o que possuimos e de crear novos valores, é do que mais carecemos n'este momento, para todos nós tão mal afortunado. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Eu creio que não ha ninguem dentro d'esta casa que não julgue de maxima importancia e opportunidade as considerações que o illustre deputado acaba de apresentar.
Todos reconhecemos, quando o illustre deputado toma a palavra sobre qualquer assumpto, de certo no interesse da agricultura, da industria ou de qualquer outro, o faz sempre com proficiencia e perfeito conhecimento do assumpto;
S. exa. engana-se de certo no juizo que suppõe que formâmos da sua posição; e a melhor prova d'esta minha asserção é a attenção com que são sempre escutadas as suas palavras.
Já da primeira vez que se referiu aqui á questão dos azeites o sr. José Julio Rodrigues e outro illustre deputado, de quem me não lembra é nome n'este momento, chamei a attenção dos meus collegas das obras publicas, e da fazenda sobre este assumpto. Posso dizer ao illustre deputado, porque a materia em questão merece toda a attenção por parte do governo, que estou informado do que o sr. ministro da fazenda n'uma reunião da commissão de fazenda declarou que prestaria a esse assumpto toda a attenção de que elle é merecedor, não só sob o ponto de vista da hygiene, da saude publica, como tambem pela parte que mais de perto interessa á causa da agricultura nacional.
Posso affirmar ao illustre deputado que o meu collega da fazenda mandou estudar o assumpto, cuja importancia s. exa. o sr. José Julio Rodrigues sustenta. Não é facil de resolver immediatamente o assumpto; e s. exa. trata de se habilitar para trazer a esta casa uma proposta de lei para prover ao mal que o illustre deputado tem accusado.
São estas as informações que posso dar ao illustre deputado. Creio que ellas bastarão para demonstrar a s. exa., e a toda a camara, que o assumpto merece toda a attenção do governo, quer pelo lado da hygiene, quer pelo lado da questão agricola.
Foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento o sr. Luiz Gonzaga dos Reis Torgal.
O sr. Pedro Victor: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
O sr. Barão de Paço Vieira (Alfredo): - Sr. presidente, eu pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei sobre condemnação condicional, que peço licença a v. exa. para ler á camara.
Affigura-se-me que este projecto alem de representar um grande progresso na nossa legislação criminal, corresponde tambem á satisfação do uma necessidade social inadiavel; e por isso peço a v. exa., ao governo, e á camara, toda a sua attenção, a fim de que elle possa ser discutido ainda n'esta sessão e depois de feitas as alterações que a respectiva commissão e a camara entenderem necessarias, convertido em lei.

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Eu sei bem, e acabo agora mesmo de ouvir affirmar ao illustre deputado o sr. dr. José Julio Rodrigues, que projectos d'esta natureza, embora de grande alcance e reconhecida importancia, não são nunca dos que prendem demasiado a attenção da camara e por isso receio que este, que nem é politico, nem se refere a nenhuma das questões que n'este momento agitam a opinião publica, a não possa interessar vivamente. (Vozes: - Não apoiado, não appoiado.)
Mas estou tambem persuadido de que, se a camara pensar um pouco, um instante só que seja, na gravidade do assumpto, a que elle se refere, ha de reconhecer que não será de todo perdido o tempo que ella dedicar ao estudo e á discussão d'este projecto, que é alem d'isso muitissimo curto e simplissimo.
Tem apenas cinco artigos e diz assim:
Artigo 1.° Os réus menores de vinte e um annos que não tenham sido nunca condemnados, e forem julgados por crime a que corresponda pena de prisão até tres mezes, com ou sem multa, só poderão ser condemnados condicionalmente.
«Art. 2.° A condemnação condicional consiste em ficar suspensa a execução da pena pelo praso que o juiz determinar na sentença, e que não poderá ser inferior a dois annos nem superior a cinco annos.
«Art. 3.° Se o réu dentro do praso fixado na sentença não commetter crime algum, considerar-se-ha como não proferida a sentença condennatoria e se mandará archivar o processo, pondo-se-lhe perpetuo silencio.
«Art. 4.° Se, o réu durante o praso fixado na sentença commetter qualquer crime por que seja condemnado, accumular-se ha com a segunda pena a que tiver sido proferida na primeira sentença e pagará as custas e sellos dos dois processos. «Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.º»
Como v. exa. vê, sr. presidente, trata-se n'este projecto da pequena criminalidade e é como simples ensaio que o apresento, e bem desejava que esse ensaio se fizesse o mais breve possivel a ver se por esta fórma pode evitar-se o augmento progressivo, verdadeiramente assustador da pequena criminalidade, augmento que se está dando não só em Portugal, mas em todos os outros paizes.
Este augmento e as reincidencias são a meu ver os factos mais graves e mais importantes que as estatisticas podem accusar em qualquer paiz; e por isso chamo par ambos elles a attenção do governo, e em especial a do sr. ministro da justiça, esperando que s. exa. a cujo talento e trabalho devemos já um dos melhores codigos penaes da Europa, a reforma penal de 14 de junho de 1884, não terá duvida em o ir agora alterando e modificando pouco a pouco em harmonia com as indicações da sciencia penal moderna, que tanto tem progredido ultimamente. (Apoiados.)
Creio que o governo não pode ter receio de perfilhar este projecto de lei, porque elle não só não traz augmento algum de despeza e por isso não aggrava os encargos do thesouro, mas ainda porque na peior das hypotheses, a de ser inefficaz, nenhum mal produzirá. Deixará apenas de fazer bem.
As cousas ficarão exactamente no mesmo estado em que estão.
Não conseguirá, talvez evitar o crescimento da criminalidade; - mas augmental-a é que com certeza tambem o não fará nunca.
Não tratarei agora, sr. presidente, de discutir nem de investigar todas as causas que têem n'estes ultimos annos produzido o augmento da pequena criminalidade.
São muitas. Sei que são muitas e que Prins, no magnifico relatorio que sobre condemnação condicional apresentou no ultimo congresso penal de Bruxellas, indica a enorme afluencia de elementos indisciplinados as grandes cidades, produzindo a agglomeração de individuos da peior especie e as mais tristes condições moraes, o zêlo e vigilancia dos agentes policiaes, que prendem por todos os crimes ainda os mais leves, e as novas incriminações de factos que até hoje não eram considerados delictos. E não as discutirei, porque entendo que em frente de um facto d'esta ordem, innegavel e gravissimo, ha uma só consequencia logica a tirar, e uma só cousa boa a fazer: reconhecer que as penas até hoje applicadas na pequena criminalidade têem sido inefficazes e tratar de as substituir ou alteral-as. (Apoiados)
Ora, essas penas são entre nós as de prisão correccional de tres dias a tres mezes, com ou sem multa, e não raro a propria multa é convertida em prisão nos termos do § 3.º do artigo 122.º do codigo penal, por os réus serem absolutamente pobres, porque, como a camara sabe perfeitamente, as penas de prisão por pouco tempo são as mais applicaveis no nosso codigo e as mais applicadas pelos nossos juizes. (Apoiados.)
Por isso são essas penas de prisao por pouco tempo que devem ser modificadas. (Muitos apoiados.)
É esse o pensamento do projecto de lei que tenho a honra de apresentar á camara. É a condemnação condicional que, eu lembro para esse effeito.
Sr. presidente, ou sou o primeiro a reconhecer e a confessar que contra a condemnação condicional que proponho, se póde apresentar um argumento apparentemente de valor, e é o da impunidade que se garante aos individuos que delinquirem apenas uma vez, visto que a sentença condemnatoria só se executa no caso de se praticar segundo crime.
Mas a isso respondo eu com o distincto criminalista; a que ha pouco me referi, que para que esse argumento podesse ter valor era preciso que a pena de prisão por pouco tempo fosse util e efficaz, o que não acontece. Umas vezes é inutil, outras prejudicial. Boa e efficaz é que nunca.
Porque de duas uma: ou o individuo a quem essa pena tem de ser applicada é reincidente ou não.
Claro está que quando digo reincidente não emprego o termo na rigorosa accepção juridica; quero referir me aos individuos que, tendo já praticado um crime, commettem depois outro, porque, segundo o artigo 35.° do nosso codigo penal, só é reincidente aquelle, que tendo sido condemnado por um crime qualquer, pratica outro da mesma natureza, antes de terem passado oito annos desde a condemnação.
A camara deve, pois, tomar a palavra reincidente, na accepção vulgar em que
geralmente se emprega.
E n'esta accepção reincidente é todo aquelle que, tendo praticado um crime commette depois outro, quer este seja ou não da mesma natureza do primeiro.
Mas dizia eu: ou o individuo é reincidente ou não. Se é reincidente, ninguem póde deixar de reconhecer que a pena de alguns dias ou semanas de prisão correccional, em cadeias onde não ha trabalho, onde não ha escola, onde não ha officinas, para o morigerar é uma cousa que faz rir; não é uma pena séria, não póde ser uma pena util. (Apoiados.)
Se o individuo é debutante no crime, então a pena assim applicada, não é só inefficaz, é prejudicialissima. Vae pol-o em contacto com grandes, criminosos, em cuja companhia contrahe pessimos habitos e detestaveis relações, que depois o prejudicam gravemente.(Muitos apoiados.)
Vejo que a camara pensa como eu, porque me applaude, e estimo muito que assim seja, porque o que eu acabo de dizer é simplesmente a verdade.(Apoiados.)
Mas para quem as penas de prisão por pouco tempo são peiores, a quem ellas causam maior mal é ás classes operarias. E por isso eu sinto muito não ver n'este momento presente o illustre deputado socialista sr. Fuschini, por que de certo o teria ao meu lado n'esta questão.
Esta reforma, sr. presidente, é favoravel sobre tudo para as classes trabalhadoras.

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A riqueza do operario, o seu bem estar, a sua moralidade mesmo dependem, como v. exa. sabe, principalmente da regularidade do seu trabalho. Um dia de interrupção e muitas vezes a desgraça da familia, e traz como consequencia a falta de assiduidade primeiro, depois o abandono, mais tarde, o completo desprezo, e como epilogo a miseria, a fome e o crime. (Apoiados).
Ora, sendo assim, desde que essa regularidade se interrompe, o que fatalmente acontece sempre que o operario é preso, a camara comprehende bem os prejuizos e os males que d'ahi lhe resultam, e quanto cuidado portanto deve haver na applicação da pena de prisão.
É preciso applical-a o menos possivel.
Ella e um mal necessario, evitemol-o o mais que podemos, diz um distincto. criminalista, e é realmente assim.
E n'este ponto estão todos de accordo e se eu não receiasse cansar a attenção da camara, citar-lhe-á agora a opinião dos mais distinctos, sobre esta questão. Mas a hora vae tão adiantada, e estão inscriptos ainda tantos srs. deputados, que eu vejo bem que devo resumir o mais possivel as minhas considerações.
Limito-me, pois, sr. presidente, a apresentar a opinião do celebre escriptor inglez Mayew, que sustenta que a primeira condição de uma penalogia superior, é afastar o povo das prisões o mais tempo que for possivel, e nunca lançal-o n'ellas por os pequenos crimes, e a do distincto professor da universidade de Paris, Léveillé, que, resumindo no congresso penal de Bruxellas as diversas opiniões, disse o seguinte:
«Estamos aqui todos de accordo em reconhecer que a pena de prisão correccional e sempre má. Para os pequenos delinquentes de occasião, é necessario substituil-a pela condemnação condicional; para os reincidentes, pelo degredo». (Apoiados.)
E note v. exa. que n'este congresso tomaram parte e apoiaram esta idéa sabios como Garofalo, Liszt, Hamel, Wesnitsch e Benedikt.
Sr. presidente, o que eu proponho no meu projecto não e uma innovação. É apenas a adaptação da legislação de outros paizes, com algumas alterações, que entendi dever fazer-lhe.
A condemnação condicional applica-se, ha muito tempo. A Belgica tem-na desde 31 de maio de 1888, e existe tambem nos Estados Unidos.
Dispõe assim a legislação belga:
Os tribunaes de primeira instancia e as relações, quando condemnarem n'uma ou mais penas, podem, se a prisão a soffrer, quer como pena principal ou subsidiaria, quer em resultado do accumullação de penas principaes ou subsidiarias, não exceder a seis mezes e o réu não houver ainda soffrido nenhuma condemnação por crime ou delicto, ordenar por decisão fundamentada, que se suspenda, a execução da sentença ou accordão, durante o praso que n'ella for fixado, a contar da data da sentença ou accordão, e que não póde exceder a cinco annos.
A condemnação considerar-se-ha como não pronunciada se durante este praso o réu não for condemnado por algum outro crime.
No caso contrario, as penas do primeiro julgamento serão accumuladas com as do segundo.
Como a camara vê, a condemnação condemnatoria e facultativa, e não obrigatoria. Os juizes ou o tribunal da relação podem condemnar ou não desta fórma, conforme entenderem.
Nos Estados Unidos consiste ella no seguinte. Junto dos tribunaes ha um empregado especial chamado probation officer, que tem a seu cargo, quando um individuo se apresenta para ser julgado pela primeira vez, investigar os seus antecedentes e as circumstancias em que o crime foi praticado, e que quando reconhece que esse individuo não tem maus precedentes, pede ao tribunal que o condemne condiccionalmente.
Se o tribunal lhe concede a condemnação condicional, condamnation on probation o réu fica durante dois annos sob a vigilancia do probation officer, e se decorrido esse praso se verificar pelo relatorio que este magistrado tem obrigação da apresentar, que o individuo não praticou durante elle nenhum outro crime, e absolvido. No caso contrario e julgado pelo segundo crime, mas não se accumullam as penas.
Sr. presidente, eu vou agora mostrar a v. exa. e á camara a estatistica feita em Boston, desde 1879 a 1883, que e o melhor argumento que eu posso ter para recom-mendar ao governo a adopção d'este projecto do lei.
N'esse periodo foram julgados 2:803 individuos aos quaes foi applicada a condemnação condicional e d'elles só 44 deixaram de ser completamente absolvidos.
Ora ha de concordar-se que este resultado e animador. (Apoiados.)
Em França não existe ainda a condemnação condicional, mas penso que em breve será votado o projecto de lei apresentado, em 1884 por Beranger, que a estabelece, e que segundo li nos telegrammas publicados nos jornaes d'esta manhã, está agora sendo discutida no senado e foi recebido com as maiores manifestações de agrado. Eu vou ler á camara os artigos do ante-projecto feito pela commissão de revisão do codigo penal francez que, parece incrivel, mas e ainda, de 12 de fevereiro de 1810 relativos a esta questão, e a camara vae ver que e tal o horror que a prisão inspira aos criminalistas francezes e que elles a julgam tão prejudicial e tão nociva na pequena criminalidade, que não achando sufficiente a condemnação condicional, para a evitar, admittem tambem em certos casos o perdão para o crime.
É que elles entendem, e muito bem, que entre o mal inevitavel da prisão, com todo o sou cortejo de horrores e a absoluta impunidade de um crime leve, e mil vezes preferivel, e incomparavelmente melhor a impunidade. Ao menos não aggrava o mal já feito. (Apoiados)
Dizem assim esses artigos:
Art. 66.° Em todos os casos que, quer em virtude das disposições da lei penal, quer em consequencia das circumstancias attenuantes, o jury for auctorisado a applicar só uma multa, elle poderá, se o réu não tiver ainda sido condemnado por qualquer crime, não pronunciar a condemnação.
Advertirá o réu de que se voltar a delinquir não deve contar com a immunidade penal. O réu assim absolvido e obrigado a, pagar custas e perdas e damnos se houver parte civil.
Art. 67.° O tribunal póde quando applicar uma pena inferior ou igual a tres mezes de prisão ou de detenção contra um réu que ainda não tenha sido condemnado por qualquer crime, ordenar que se suspenda a execução d'esta pena.
Art. 68.° A suspensão termina ipso facto se no praso de tres annos o réu commetter qualquer crime a que corresponda prisão ou detensão.
N'este caso a pena será cumprida sem confusão com a segunda.
Art. 69.° A condemnação considerar-se-ha como soffrida se não for pronunciada nova condemnação nos termos do artigo precedente.
E quer agora a camara saber o que dispõe o codigo italiano, o mais recente e um dos mais perfeitos da Europa, tão recente que só começou a vigorar no dia 1 de janeiro d'este anno, relativamente aos crimes insignificantes?
Pois eu vou dizer-lh'o, e a camara ha de ver, que tambem em Italia as penas de prisão por pouco tempo, applicadas na pequena criminalidade, estão sendo postas de parte.
E é tal, sr. presidente, o receio dos seus perniciosos effeitos, tão reconhecida a. sua inefficacia que no artigo 21.°

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se estabeleceu que quando a pena de prisão (pena dell'arresto) que póde ser de um dia a dois annos, for applicada por um mez a menores ou mulheres, o juiz ordenará que elles a cumpram na sua propria casa.
Mas, ha ainda mais. Há casas um que a propria pena, de prisão é substituida por trabalhos de utilidade publica, prestados pelo réu.
Evita-se assim ao individuo que n'um momento de exaltação, por uma circumstancia qualquer imprevista, pratica um crime insignificante, a vergonha de entrar n'uma cadeia e conservar-se-lhe inteiro o seu caracter e sem mancha o seu nome; (Apoiados.)
Porque, muito embora se diga todos os dias, parodiando a conhecida phrase que «não é do cadafalso que vem a ignominia, mas sim do crime», que a vergonha não é entrar na cadeia, mas sim merecel-a, a verdade é que quem uma vez lá entra, não volta mais a ter a mesma consideração e a inspiram o mesmo respeito que até ahi (Muitos apoiados.), tinha (Vozes: - Muito bem, muito bem.)
Sr. presidente, devo ainda, antes de concluir, dizer por que restrinjo no meu projecto a benefica disposição da condemnação condicional aos menores, e a rasão por que a considero sempre obrigatoria, e marco o praso maximo e o minimo.
Eu disse no principio do meu discurso que este projecto era um ensaio; e sendo assim, é claro que tinha de limitar a um pequeno numero a experiencia que proponho. Ora, desde que a restricção se impunha, entendi dever farzél-a para com aquelles que as leis criminaes, não só nossas, mas de todos os outros paizes, mais protegem - os menores. É justo que a elles, a quem a lei civil não dá o exercicio pleno dos seus direitos, a lei penal não imponha tambem completas as responsabilidades criminaes. (Apoiados.)
Considerei obrigatoria a applicação da condemnação condicional, por me parecer que é sempre vantajoso deixar aos juizes o menor arbitrio possivel. Não poderão assim ser accusados, os magistrados de favoritismo. (Apoiados.)
Se elles podessem condemnar ou não condicionalmente, as excepções que fizessem, justificadas muito embora pelas circumstancias attenuantes, seriam sempre mal apreciadas, e d'ahi não poderia vir senão descredito para a classe que mais carece de conservar se acima de todos os interesses e superior a todas as suspeitas. (Apoiados.)
Marquei, finalmente, o praso maximo e o minimo para evitar a hypothese; que a meu ver nunca se daria, mas que quiz arredar absolutamente, de um juiz absolver um réu, sob o pretexto de condemnação, condicional, o que aconteceria se lhe marcasse o praso de um, dois ou tres dias, em vez de dois ou tres annos! (Apoiadas.)
Estou certo que isto nunca aconteceria, repito; mas é melhor ainda assim precaver do que remediar; e é o que eu fiz.
Sr. presidente, creio ter justificado sufficientemente o meu projecto, e por isso termino aqui as minhas rapidas considerações.
Peço a v. exa. se digne mandal-o quanto antes á respectiva commissão, para ella dar sobre elle o seu parecer, e agradeço a v. exa. e á camara a extrema benevolencia e attenção com que me ouviram.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Simões Ferreira: - Mando para a mesa e peço que seja publicado no Diario da camara um requerimento, do pessoal menor do lyceu da Guarda pedindo augmento de vencimento.
Chamo-a attenção do sr. ministro da instrucção publica para apetição d'estes funccionarios que é muito justa.
A carta de lei de 14 de junho de 1880 fixou-lhes o ordenado de 150$000 réis annuaes e a lei de 28 de julho de 1886 deu-lhes mais que a fazer, mas não lhes deu mais ordenado.

ra, eu entendo que se póde e deve attender a estes funccionarios sem prejuizo para ninguem, e espero que o sr. ministro lhes fará a devida justiça.
O sr. Santos Viegas: - Era exactamente para tratar do mesmo assumpto, a que se referiu o sr. Simões Ferreira, que eu tinha pedido a palavra.
Foi-me enviada pelos empregados menores do lyceu de Portalegre uma representação para a entregar á camara e rogar a v. exa. que lhe dê o destino devido. Satisfaço o pedido com muito prazer.
Estes empregados pedem augmento de vencimento. Recebem 150$000 réis por anno, não obstante ter-se-lhes promettido no relatorio que precede a lei de 14 de julho de 1880 que lhes seria garantido o augmento do ordenado, visto que se lhes augmentava consideravelmente o trabalho que eram obrigados a desempenhar.
Antigamente, isto é, antes da promulgação d'aquella lei o serviço dos lyceus era pequeno, e comprehende-se por isso, que pequeno fosse o ordenado. Hoje porém que augmentou consideravelmente, e de toda a justiça, que o ordenado corresponda ao trabalho que se lhes exige.
Eu conheço as circumstancias especiaes d'estes empregados, que de certo são as mesmas dos empregados a que se referiu o sr. Simões Ferreira; conheço-as de perto, porque residi por muito tempo em Portalegre, e posso abonar o zêlo com que estes empregados, e em especial o primeiro signatario, que já servia no meu tempo, desempenham as suas obrigações. Vão cedo para o lyceu, saem muito tarde, porque têem de assistir a todo o serviço escolar, e tratam com toda a regularidade e asseio dos objectos confiados á sua guarda e destinados ao ensino pratico e demonstrações.
O regulamento que vem appenso á lei, que creou os lyceus do sexo feminimo, garante aos porteiros a quantia de 250$000 réis por anno, como já anteriormente a lei, a que me referi, tinha promettido augmento de ordenado, o que não fez. É curioso ver a promessa feita n'um documento official, e no mesmo documento esquecida!
O que se pede e uma insignificancia, com que o thesouro se onera, mas é ao mesmo tempo uma compensação justissima pelo muito serviço que os empregados menores dos differentes lyceus estão desempenhando. E a proposito, permitta-me a camara, que eu diga o que entendo ácerca do lyceu, a que me refiro.
Não conheço, e creio que muitos dos srs. deputados me acompanharão no meu modo de pensar, eu não conheço lyceu que esteja mais bem organisado, nem que á testa d'elle esteja um reitor mais zeloso e mais intelligente do que o que tem o lyceu de Portalegre. Este lyceu tem-se aproveitado do que a lei de 14 de julho de 1880 lhe permitte, que é pedir os meios necessarios para a comprados differentes instrumentos e mais objectos indispensaveis ao ensino, e que eram precisos n'aquella casa; mas nem por isso o reitor se tem poupado a envidar todos os esforços para que aquella casa de ensino, corresponda ao altissimo fim civilisador que tem em vista. (Apoiados.)
Este funccionario, o dr. Adolpho Ernesto Mota, que sabe alliar ao zêlo e fino trato todas as qualidades de um homem de bem, esmera se em tornar a casa de instrucção, que dirige, digna de ser visitada por todos os que n'este paiz se interessam pela causa do ensino, publico.
Recommendo, portanto, este requerimento dos empregados menores do lyceu de Portalegre ao sr. ministro da instrucção publica e a v. exa., sr. presidente, para que se digne mandar remettel-o á commissão de fazenda.
O pedido feito é um acto de justiça e espero que o sr. ministro da instrucção publica queira honrar-se fazendo-a a estes empregados menores, que lhe agradecerão, porque lhes acrescentará o pão de todos os dias.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Instrução Publica (Arroyo): - Declaro nos srs. deputados Simões Ferreira e Santos Vie-

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gas que tomo na consideração devida as observações feitas por s. exas.
Chegaram-me particularmente ás mãos alguns requerimentos de empregados menores de outros lyceus, no mesmo sentido dos que foram apresentados pelos illustres deputados. S. exas. sabem perfeitamente que a questão de ordenados é um negocio que precisa ser resolvido não só relativamente ao ponto essencial de uma certa ordem de empregados, mas tendo em attenção a proporção em que todos elles ficam.
O augmento de vencimento aos empregados menores tem de certo de ser considerado n'um ensejo que me parece mais favoravel, que é na occasião da discussão do orçamento. Em todo o caso eu tomo na devida conta as considerações feitas por s. exas.
O sr. Albano de Mello: - Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino, e um requerimento, pedindo a v. exa. que lhes mande dar o devido destino.
A nota de interpellação é a seguinte.
(Leu.)
O requerimento é o seguinte.
(Leu.)
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa o seguinte projecto de lei.
(Leu.)
O sr. Marianno de Carvalho, por decreto do 25 de abril de 1888, em virtude de uma representação dos povos da freguezia de Almoster, concedeu-lhes, e muitissimo bem, para séde da freguezia a igreja do extincto convento, que é realmente bem construida e onde se podem realisar com a devida pompa as ceremonias do culto, emquanto que a antiga igreja parochial se encontra em completo estado de ruina.
Este projecto tem apenas por fim habilitar a junta de parochia a poder despender as sommas necessarias nos trabalhos de reconstrucção de que carecem os edificios dependentes do convento o com a devida segurança; por quanto tratando-se de uma concessão provisoria, como é a actual, não ha garantia para a junta de que ámanhã um outro ministro, sob qualquer frivolo pretexto, lhe não, retire a concessão feita pelo sr. Marianno de Carvalho.
Peço a v. exa. que se digne enviar este projecto á commissão respectiva, a fim d'ella dar quanto antes sobre elle o seu parecer.
Mando tambem para a mesa o seguinte projecto de lei:
(Leu.)
A camara votou, na sessão passada, varias pensões ás familias de distinctos funccionarios que prestaram ao paiz relevantes serviços. N'este projecto pede-se apenas permissão para a desistencia de uma pensão tão merecida, quanto legalmente concedida, a favor da filha da contemplada.
Esta pensão representa um pequeno galardão dos serviços relevantissimos prestados ao paiz por José Maria Xavier Telles.
Estou certo que a camara accederá da melhor vontade a este pedido, que não traz augmento de despeza.
Rogo a v. exa. se sirva mandar este projecto á commissão respectiva.
O sr. José Julio Rodrigues precedeu-mo nas considerações que eu desejava fazer ácerca das falsificações do azeite nacional, considerações sensatissimas, na verdade, como todas as que s. exa. costuma fazer (Apoiados.)
A firma Santos & Aguiar dirigiu-me tambem uma carta sobre tão importante assumpto, solicitando o auxilio, da minha humilde voz no parlamento para tratar esta momentosa questão.
V. exa. sabe, sr. presidente, que desde muito tenho pugnado, no limite das minhas forças, a favor da agricultura, e os esforços que fiz nas sessões de 1882 e 1883 para que o parlamento votasse uma lei de protecção, verdadeiramente efficaz, ácerca de tão importantissimo ramo da nossa agricultura. (Apoiados.)
O illustre estadista e meu chorado chefe, o sr. Fontes Pereira do Mello, muito contribuiu para que as minhas propostas fossem transformadas em lei. (Apoiados.)
As alterações na pauta, realisadas em 1887, inutilisaram em grande parte as beneficas disposições, da lei de 1883, prejudicando extraordinariamente os lavradores.
Quiz-se attender as representações de industriaes que empregam, como materia prima, nas suas industrias, os oleos com que se falsifica o azeite de oliveira, e o resultado é o que desgraçadamente nós estamos vendo.
Torna se indispensavel que, sem demora, a commissão de agricultura estude este assumpto, de fórma que, attendendo, dentro dos limites do rasoavel, aos interesses da industriaes, não continue a ser sacrificada a agricultura, sem vantagem para ninguem, e até com grave prejuizo da saude publica. (Apoiados.)
Se alguns oleos ha, como o gergelim, que não são prejudiciaes á saude, outros ha tambem que originam doenças graves, e todos os dias os jornaes dito conta de casos de envenenamento causado pelo emprego do azeite falsificado, sem que a policia se preoccupe com tal desaforo.
Este assumpto é importantissimo e espero que o sr. ministro das obras publicas ha de tomal-o na devida consideração, resolvendo-o com a possivel brevidade.
Como não estão presentes os srs. ministros da guerra e das obras publicas, abstenho-mo de fallar sobre negocios urgentes que correm pelas suas pastas.
Aguardo a presença de s. exas. para fazer as considerações que julgar convenientes, não querendo cansar mais, por agora, a attenção da camara.
O sr. Marcellino Mesquita: - Mando para a mesa, um requerimento.
(Leu.)
O sr. Monteiro Cancella: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:
(Leu.)
Peço a v. exa. que tenha a amabilidade de requisitar este documentos com a maxima brevidade. Sei que muitos requerimentos que aqui se fazem ficam no rol do esquecimento; se succeder o mesmo ao que faço agora, interpellarei o governo sobre o assumpto a que se referem, mesmo sem elles.
O sr. Eduardo Abreu: - Mando para a mesa um requerimento pedindo, pelo ministerio do reino, varios esclarecimentos sobre despezas feitas com a beneficencia publica.
Mando tambem para a mesa uma representação da camara municipal de Alvaiazere protestando energicamente contra os impostos e contra as medidas de fazenda do sr. deputado por Guimarães.
Desde que apresentei a ultima representação, que foi a da camara municipal da Villa da Praia da Victoria, descobriram-se mais dois factos que são do dominio publico e que fazem com que eu diga que as camaras municipaes e os povos têem rasão de continuarem a protestar contra os novos impostos. (Apoiados.)
O primeiro facto diz respeito a uma verba de 40:000$000 réis gastos com a beneficencia publica, e sem se saber como é que foram gastos, e isto quando no mesmo anno o, administrador do hospital de Coimbra pedia um subsidio para serem admittidos doentes n'aquelle hospital, os quaes chegavam á porta d'aquelle estabelecimento e não eram admittidos por não haver dinheiro (Apoiados.)
O segundo facto diz respeito ao sr. ministro da marinha, que não está presente.
Eu nunca acceitei nem posso acceitar a peregrina doutrina de que nós não nos podemos referir aos ministros quando elles não estão presentes; alem de que eu não tenho nada que dizer que seja desagradavel ao sr. ministro da marinha, e tem sido sempre costume constante n'esta

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casa a gente dirigisse aos ministros quando estilo ausentes. (Apoiados.)
Eu quero referir-me a um grande augmento de despeza, que está pairando sobre a nação.
O anno passado, a unica vez que eu vi aqui realmente zangado o sr. Julio de Vilhena, foi quando o sr. Ressano Garcia pediu para entrar em discussão o projecto auctorisando o governo a reformar a secretaria de marinha. Eu vi o sr. Julio de Vilhena levantar-se e dizer: «D'estas concessões não se podem fazer a governo nenhum.» (Apoiados.) E foi s. exa. que á frente da opposição regeneradora obrigou o governo progressista a retirar da discussão aquelle projecto, porque, elle ia acarretar grandes despezas com a creação de novos logares e com augmento de ordenado aos que já lá estavam.
Pois ultimamente apresentou-se aqui o sr. ministro da marinha, o mesmo cavalheiro que o anno passado tinha aqui dito que não podia conceder auctorisações d'aquellas a governo nenhum, e apresenta uma proposta de lei para reformar os serviços da secretaria de marinha.
Uma voz: - E renovação de iniciativa.
O Orador: - É a renovação de iniciativa de uma proposta de auttorisação que s. exa. condemnava o anno passado. (Apoiados.)
Portanto, desde a ultima vez que eu aqui fallei deram-se dois factos: um foi a despeza de 40:000$000 réis feita com a beneficencia publica, e o outro o este projecto que traz tambem, augmento de despeza para a reforma dos serviços da secretaria de marinha.
E isto sem contar o numero de projectos requerimentos, e representações que todos os dias se apresentam aqui; mas eu não apresento nenhum, e que todos, trazem augmento de despeza. É o que nós vemos todos os dias nos corredores da camara e nas arcadas do Terreiro do Paço; uma população anonyma que o paiz está despejando todos os dias na capital á procura de empregos.
Uma voz: - É molestia antiga.
O Orador: - É moléstia velha, mas este anno não, se vê senão uma grande população encasacada á procura de empregos.
São factos que se dão constantemente, e portanto, á proporção que vou apresentando representações de camaras municipaes, hei de ir apresentando estes factos que se estão descobrindo todos os dias.
(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Casal Ribeiro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o requerimento que passo a ler.
(Leu.)
Não justifico este meu requerimento pata que sejam publicados no Diario do governo e Diario das sessões da camara estes documentos, porque sei que o regimento assim o prohibe, mas peço que sejam remettidos com urgencia á
commissão, porque entendo ser de absoluta necessidade que qualquer d'estes factos sobre as eleições de Bragança possa ser discutida com urgencia.
Agora mando outro requerimento que é o seguinte:
(Leu.)
(Aparte que se não ouviu.)
Creio que s. exa. se enganou, e eu tambem fui enganado.
A resposta do ministerio do reino assignada pelo nobre presidente do conselho de ministros, diz que nada consta a respeito de tal processo, e como se diz que nada consta, eu vou dar outra fórma ao requerimento para ver se assim me vem ás mãos os documentos que já foram requeridos parte a outro sr. deputado.
É indifferente para mim que os documentos venham para as minhas mãos, ou para as do sr. deputado que primeiro os pediu, porque eu terei occasião de os consultar; o que desejo é que elles aqui venham, porque tenciono na discussão da especialidade do bill de indemnidade referir-me a todos os documentos officiaes que possam mostrar a justiça que assiste áquelles que me entregaram o seu mandato.
Não deixo de aproveitar a occasião de estar com a palavra para me referir ao meu collega e amigo o sr. Costa Pinto, quando na sessão de 12 de maio apresentava n'esta casa uma representação dos officiaes superiores do governo civil de Lisboa, em que pedem augmento de vencimento.
Eu protestei não levantar n'esta casa a minha voz para pedir augmentos de despeza; mas hão posso deixar de me associar ao pedido do sr. Costa Pinto, para que se faça justiça áquelles empregados, que teem ordenados muito pequenos e grande trabalho.
Fui eu o apresentante de uma petição identica, que foi á commissão de admnistração publica do anno passado; pois hoje venho instar no campo da opposição porque se faça justiça ao pedido do meu collega da maioria o sr. Costa Pinto.
O sr. Costa Pinto: - Se v. exa. dá licença, direi que a representação a que se refere é dos continuos do governo civil; a dos empregados superiores ainda não tive occasião de a apresentar.
O sr. Presidente: - A hora está adiantada e se os srs. deputados teem alguns documentos a mandar para a mesa, podem fazel-o.
O sr. Emygdio Navarro: - Mando para a mesa um requerimento.
O sr. Reis Torgal: - Mando para a mesa um requerimento.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Eleição da commissão de instrucção primaria e secundaria

Fez-se a chamada. Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na urna 59 listas, saíndo eleitos os srs.:

Alberto de Almeida Pimentel.... 59 votos
Amandio Eduardo da Mota Veiga.... 59 votos
Eduardo Augusto Costa Moraes.... 59 votos
João Pereira Teixeira de Vasconcellos.... 59 votos
José de Abreu do Couto Amorim Novaes.... 59 votos
José Frederico Laranjo.... 59 votos
José Vasconcellos Mascarenhas Pedroso.... 59 votos
Luciano Affonso da Silva Monteiro.... 59 votos
Luciano Cordeiro.... 59 votos
Manuel d'Assumpção.... 59 votos
Marcellino Mesquita.... 59 votos

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continua a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.° 109 (bill de indemnidade)

O sr. Fuschini (Discurso proferido nas sessões de 28 e 31 de maio, e 3 de junho): - Antes de apresentar a minha moção, permitta-me v. exa. que, perante a camara, faça uma declaração clara e peremptoria.
A commissão executiva: da camara municipal, quando se constituiu em 1886, supponho que de accocdo entre os partidos progressista e regenerador, era composta pelos seguintes cavalheiros: Fernando Palha Rosa Araujo, Costa Pedreira, Frederico Biester, conde do Restello, Fernando Mattozo o por mim; quando foi dissolvida, em março passado, era composta pelos srs.: Fernando Palha, Rosa Araujo, Pedreira, Tenreiro, Biester, Antunes Rebello e por mim.
N'este intervallo, varios outros cavalheiros passaram pelas cadeiras da commissão executiva, entre estes um, pelo menos, dos que fazem parte da actual commissão executiva.
Tres cavalheiros, que fazem parte da mesma commissão, foram sempre, até 31 de dezembro passado, membros da

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maioria, que apoiou com a sua confiança e com a sua competencia todos os actos da commmissão executiva.
A commissão executiva era solidaria em todos os actos de administração. Cada um dos seus membros tinha, porém, a seu cargo, um dos ramos do serviço municipal, competindo-me, n'esse largo periodo, o que dia respeito á fazenda do municipio. Sou portanto o responsavel directo pelos actos da administração financeira municipal.
As nossas contas foram publicadas, prestadas rigorosamente e approvadas quinze dias depois de apresentadas ao tribunal de contas, como póde attestar o sr. Antonio de Serpa, presidente do mesmo tribunal. Existia, junto da commissão executiva, um inspector da fazenda municipal. O sr. Ferreira Lobo, secretario do tribunal de contas, cavalheiro respeitabilissimo, tinha a inspecção continua e directa de todos os actos financeiros da camara. Esse dignissimo funccionario foi sempre, e é ainda hoje, regenerador e amigo particular do sr. Serpa.

uando se deu o facto da dissolução da camara, que não discuto n'este momento, as nossas contas estavam tão regulares, como podem estar as de uma casa commercial, que tenha a sua escripturação perfeita. (Apoiados.)
O primeiro documento produzido pela commissão, que nos foi substituir, declara que estavam de accordo os saldos em cofre com as escripturações, tanto da repartirão do contabilidade, como da thesouraria; e, felizmente, a assembléa illustrada, que me escuta, sabe que não é preciso estar dinheiro em cofre, para que elle exista; que podem estar, como devem estar em boa administração, os livretes dos depositos nos bancos. (Apoiados.)
Hontem, como hoje e como sempre, entendo que, qualquer que seja a lucta e o combate que se possa travar com os homens, não é necessario lançar insinuações...
O sr. Luciano Monteiro: - Se o illustre deputado o sr. Fuschini, viu qualquer iusinuação nas minhas palavras, a estima e considerarão, que tenho por s. exa., obrigam-me a declarar que as retiro immediatamente.

Orador: - Acceito a explicação de v. exa. Na dissolução da camara municipal houve duas cousas, que me magoaram; uma foi a perda de um amigo, outra as
palavras proferidas por v. exa. que, pareciam representar uma má interpretação e perfeito desconhecimento dos factos. Acceito, portanto, a explicação e
agradeço-a a um amigo de vinte annos, com o qual procederia da mesma fórma.
Passo a ler a minha moção de ordem:
«A camara, apreciando os graves inconvenientes que, para o regimen politico, economico e financeiro do paiz, têem provindo, e podem provir, da invasão das attribuições parlamentares, confia em que o poder executivo, com a maior urgencia, apresentará ao parlamento uma proposta de lei sobre responsabilidades dos ministros e funccionarios publicos, na qual, entre outros, sejam desenvolvidos os seguintes principios:
«1.° Responsabilidade, collectiva e individual, politica, civil e criminal dos ministros por usurpações das attribuições dos outros poderes do estado;
«2.° Definição expressa dos casos urgentes e de interesse nacional; em que o poder executivo póde assumir, momentaneamente, as funcções legislativas. Fixação para estes casos dos preceitos e prasos, segundo os quaes o parlamento tem de ser convocado para apreciar os respectivos actos do poder executivo;
«3.º Responsabilidade dos empregados publicos de todas as categorias pela obediencia a ordens do poder executivo, quando estas constituam violação das attribuições dos outros poderes do estado;
«4.° Definição expressa de que a sancção parlamentar não elimina a responsabilidade civil e criminal dos ministros e funccionarios publicos, salvo nos casos previstos no n.° 2.º, quando forem respeitados todos os preceitos e prasos, que são a garantia das preroativas parlamentares;
«5.° Organisação de tribunaes, independentes de qualquer aceno politica, para o julgamento das reaponsabilidades dos ministros o funccionarios; regulamentação da fórma de processo e penalidades especiaes:
«E passa á ordem do dia.»
A minha moção é, sr. presidente, uma pagina arrancada a um projecto de lei, sobre a responsabilidade dos ministros e funccionarios publicos, e se ha momento opportuno para a apresentar á camara, é certamente este.
Levantou-se, por parte da opposição progressista, um dos seus mais illustres membros, altamente collocado na politica do seu partido, com uma importancia decisiva n'este momento porque abriu o debate; este deputado, o sr. Emygdio Navarro, dirigindo-se á camara, soltou esta exclamação triste: «vamos discutir não uma dictadura, porém, mais uma dictudura». Mais uma dictadura, continuou elle, que ha de ser seguida de outra, como logico resultado da que acaba de fazer-se.
Levantou se o chefe do gabinete o sr. Antonio de Serpa e a sua primeira phrase foi: «tenho horror ás dictaduras e praza a Deus que as condições do meu paiz sejam taes, que as possâmos evitar».
Escusado é dizer, que o sr. Manuel da Arriaga condemna as dictaduras, e que o proprio sr. Beirão propoz que os partidos se combinassem para evitar estas continuas usurpações das attribuições legislativas.
Estão, pois, de accordo em principio todos os partidos. Dois meios ha para corregir estes abusos; consiste um na reforma da carta constitucional, na qual se introduziriam preceitos minuciosos para evitar os abusos do poder executivo; outro, n'uma lei complementar de responsabilidade de ministros e funccionarios, pela qual, ao menos, possamos tomar contas severas, não simplesmente politicas, por iufracções das attribuições parlamentares.
As difficuldades, sempre graves, de uma reforma da carta, cuja necessidade aliás se vae fazendo sentir, aconselhou-me o segundo alvitre. Taes são as origens e a essencia da minha proposta.
A minha moção é um campo neutro em que todos os partidos podem accordar.
Isto dito, resta-me defender a sua doutrina. É possivel que a minha exposição, a mais clara e positiva que possa dizer, seja um pouco extensa; a importancia da materia e a variedade dos assumptos dar-me-hão merecida desculpa.
Sr. presidente, nunca entrei em discussões politicas, julguei-as sempre, por inuteis, perniciosas para os interesses do paiz. Em tempo classifiquei-as de verdadeiros jogos floraes, combates de eloquencia, mais ou menos sincera, e de rhetorien, mais ou menos antiquada.
No momento actual, porem, a questão politica assume um caracter grave. A ultima dictadura não offendeu apenas as prerogativas parlamentares, atacou as instituições e pretende limitar as liberdades publicas.
Em face do paiz está um governo mais do que conservador. O espirito conservador tenta, quanto possivel, deter a marcha evolutiva do progresso das idéas; o, espirito reaccionario deseja mais do que difficultal-a, procura imprimir-lhe retrocesso.
Os decretos da dictadura, na sua parte politica, são os elementos de uma theoria geral de governação que o ministerio desenvolverá, se poder contar com a força material, a unica em que confia.
Não é um repto valente, e franco proposto aos elementos liberaes do paiz, porque o governo não tem força para tanto; é a tentativa disfarçada dos timidos, que procuram conhecer as forças protectoras para se lançarem em mais arrojados emprehendimentos.
É uma primeira concentração reaccionaria de interesses, a que os elementos liberaes devem responder por uma justa concentração liberal de principios.
Sr. presidente, em defeza da moção proponho-me desenvolver e demonstrar tres proposições:

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1.º Que as dictaduras avolumam consideravelmente as despezas publicas, e que a ellas se devem, em grande parte; as difficuldades financeiras actuaes e se deverão as futuras;
2.° Que a ultima dictadura, não corresponde, a necessidades urgentes da defeza e da ordem publica, sendo apenas um crime de lesa-monarchia e uma manifestação de estreito espirito partidario.
3:° Que os decretos dictatoriaes, suppondo-os dictados por convicções sinceras, não correspondem aos seus fins; uns são inuteis, outros reaccionarios.
O meu programma, como a camara vê, é um pouco longo. Obedecendo ao methodo do meu espirito, vou seguil o o mais rigorosamente que puder.
Não prendo nenhum dos meus collegas á minha exposição, partindo ,do principio de que os fins, que tem em vista o orador n'esta tribuna, são de duas ordens: fallar á camara para ver se ella adopta as opiniões expostas, o que entre nós é difficil; fallar no paiz para, ver se elle, com a acção inergica de sua opinião, impõe ás maiorias e ao governo o caminho, que devem seguir. Nem a minha fraquissima fluencia, nem a minha pequena auctoridade me levam a esperar, sequer, convencer os meus illustres collegas; porque a minha logica é fraca e peior ainda a minha rhetorica.
Mas haverá, porventura, alguem lá fóra, que deseje escutar as opiniões expostas aqui, e esse alguem chama-se paiz e opinião publica; a elle me dirijo.
Sr. presidente, em principio detesto as dictaduras. Defensor do principio da, soberania popular, entendo que os povos se podem governar, e se governam bem, com todas as instituições, que derivam da sua própria vontade.
Logicamente, reconheço até a existencia, legal da dictadura plebiscitaria; mas não admitto o direito de alguem se impor como dictador, quaesquer que sejam
as suas faculdades e a pureza das suas intenções.
Isto posto, reservando para mais desenvolvida exposição a questão de principios, vou desempenhar-me, perante a camara, do compromisso tomado de provar os encargos enormes das duas ultimas dictaduras.
Não pretendo melindrar alguem. O meu systema invariavel, porém, é o de discutir, seguindo os principios que me parecem bons, embora possa de passagem, e já alguem disse que, brutalmente, incommodar quem os não professa.
Não ataco jamais os individuos, não desconfio de alguem, não lanço uma insinuação; mas quando, para a defeza de uma justa causa tenho de afastar um amigo, afasto-o e caminho, conhecendo que, geralmente, o pesado sacrificio não é compensado.
Nem uma, palavra minha procurará ferir aquelle lado da camara, o esquerdo, nem este, o direito; será a logica mais rigorosa, que tirará as consequencias dos factos e dos principios. Serão os algarismos, que fallarão acompanhados de simples raciocinios.
Uma pequena explicação previa é indispensavel para a, camara abranger
facilmente o systema, que vou empregar.
Como mathematico educado no methodo das sciencias naturaes não posso proceder senão por classificações. É impossivel estudar os actos da dictadura passada nas suas consequencias financeiras, senão grupando os decretos.
Para estudar, como para combater, é necessario dividir. O estudo é tambem uma lucta. Para expôr claramente é necessario synthetisar.
Este methodo póde exigir certa demora; mas seguido que seja, hão de ficar bem claras as conclusões para os que desejo esclarecer.
A dictadura de 1886, a progressista, abrangeu um largo periodo; os seus primeiros decretos são de 17 de julho de 1886, e os ultimos de 17 de março de 1887.
São vinte e dois estes decretos.
Se v. exa. me permitte, passal-os-hei em revista muito summamente para tirar certas conclusões, isto é, caracterisar a essencia e o principio desta dictadura.
Todos sabem que os decretos foram os seguintes:

Ministerio do reino:

Codigo administrativo.
Alterações na lei municipal de Lisboa.
Reforma dos estudos secundarios.
Reforma do supremo tribunal administrativo.

Ministerio da justiça:

Julgados municipaes.

Ministerio da fazenda:

Aposentações dos empregados civis.
Reforma dos empregados e operarios não comprehendidos no primeiro decreto.
Organisação do serviço da fazenda nos districtos e concelhos.
Abolição, do imposto sobre o sal.
Cadastro dos empregados addidos e fóra dos quadros.
Reforma de differentes direcções geraes do ministerio e repartição do gabinete do ministro.
Reforma do tribunal de contas.
Fixação dos subsidios aos deputados!
Reforma do contencioso fiscal.
Alteração nos direitos dos tabacos.
Prorogação do praso do registo dos onus reaes, emphytheuse, etc., etc.

Ministerio da guerra:

Prorogação das disposições da carta de lei de 15 de junho de 1882.

Ministerio da marinha:

Regulação do processo pelo qual devem prestar contas os agentes da fazenda publica ultramarina.

Ministerio das obras publicas:

Organisação dos serviços technicos.
Organisação da secretaria do ministerio.
Organisação do serviço dos correios, telegraphos e pharoes.

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Receitas geraes na metropole nas gerencias dos annos seguintes
(Em contos de réis)

[Ver tabela na imagem.]

Despezas geraes na metropole nas gerencias dos annos seguintes
(Em contos de réis)

[Ver tabela na imagem.]

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Não discuto estes decretos, aliás já convertidos em leis, mas posso apreciar as tendencias e os caracteres d'esta dictadura.
Varias, observações se podem fazer sobre ella:
1.ª Todos os srs. ministros se julgaram, no dever de fazer dictadura, excepto o dos estrangeiros.
2.ª Se exceptuarmos a reforma administrativa, nenhuma fere os principios liberaes existentes.
3.ª As auctorisações, que os srs. ministros entenderam dar-se, tendem apenas a augmentar as despezas ordinarias do estado.
4.ª Pelo que respeita a estas despezas, são os ministerios da fazenda e das obras publicas os unicos cujas medidas envolvem augmento dos encargos ordinarios.
5.ª A dictadura financeira, que é o seu principal caracter, não mira ainda a estabelecer impostos ou a cohtrahir emprestimos.
A dictadura tem, effectivamente, n'este caso um caracter perfeitamente financeiro, para lhe dar nome, como o sr. Beirão lhe deu o de dictadura administrativa porque influiu principalmente nas despezas publicas, emquanto que a actual, tem um caracter financeiro e politico.
É, pois, incontestavel; a dictadura progressista alterou profundamente, por ora não sabemos em quanto, as despeza ordinaria dos ministerios das obras publicas e da fazenda e deixou completamente incolumes, talvez até com pequenas economias, os restantes ministerios.
Facilimo é, agora, de fazer a conta approximada desta despeza. Basta comparar a situação financeira do anno anterior á dictadura com a do ultimo anno de contas liquidadas, posterior a ella, e apreciarmos os resultados.
Isto posto, que me parece sem contestação, vou apresentar um pequeno, mas edificante, quadro da nossa situação financeira antes da dictadura e após ella.
O anno economico de 1885-1886 é o que immediatamente precede a dictadura de 1886-1887,cujos actos começam em julho de 1886 e terminara em março de 1887, e o de 1888-1889 é aquelle em que deve já sentir-se por inteiro a acção da dictadura sobre as despezas.
Apreciando em primeiro logar a situação das despezas, classificadas, como é de uso, em dois grandes grupos, chegaremos aos resultados seguintes:

Despeza ordinaria:

Serviço dos ministerios....
Encargos geraes e divida....

isto é, de 1885-1886 para 1888-1889 as despezas ordinarias, (as permanentes e inadiaveis) cresceram em réis 5:531:000$000, sendo cerca de 2.500:000$000 réis no serviço dos ministerios e cerca de 3.000:000$000 réis nos encargos geraes!
Ora todos sabem o que nós fazemos. O parlamento está reduzido a votar, não a despeza, mas o augmento de receita, o que é mais odioso, e póde trazer más consequencias; pelo menos, quasi sempre a impopularidade, ás vezes immerecida.
É o papel, que os governos reservam ao parlamento; cuja funcção principal, aliás, é a fiscalisação da despeza.
Para as reformas dos serviços, que mais affectam as despezas ordinarias, ou pedem-se auctorisações, fórma magnifica, de ter previamente um bill de indemnidade sem que se saiba a importancia da reforma, ou fazem-se dictaduras.
O augmento da despeza ordinaria deve, pois, ser attribuido a um phenomeno, comprehendido entre os annos de 1885-1886 e 1888-1889.
Qual é esse phenomeno? A dictadura progressista de 1886-1887.
Quer a camara ver provada, até á saciedade, esta asserção por meio dos algarismos?
O que vimos nós? Que as grandes reformas dos serviços, feitas na dictadura progressista, se referiam aos ministerios das obras publicas e da fazenda. Nos outros ministerios as reformas não tendiam a alterar as despezas, deviam conserval-as proximamente as mesmas.
É exactamente o que os algarismos demonstram!
No ministerio da fazenda houve um augmento de réis 1.179:000$000 e no das obras publicas de 1.428:000$000 réis, o que perfaz o total de 2.607:000$000 réis, superior ligeiramente ao que encontramos porque ha ministerios que gastaram menos no ultimo anno de 1888-1889, do que tinham gasto em 1885-1886.
Assim aconteceu, por exemplo, com o ministerio da guerra, que despendeu menos 218:000$000 réis.
Aqui tem v. exa. demonstrada, com a maior clareza e com a eloquencia dos numeros, a influencia da primeira dictadura sobre as despezas ordinarias nos serviços dos ministerios.
Como gosto, porém, de prever qualquer raciocinio sensato, em contrario das, minhas opiniões, para não perder tempo, responderei desde já a um argumento, que se póde apresentar.
É possivel que se observe, haver-se feito n'este intervallo uma grande reforma, que não entrou propriamente na dictadura - a das alfandegas.
Ora o systema pelo qual se, fez esta reforma é ainda peior do que o da dictadura. É o das auctorisações previas dadas pelo parlamento aos governos, a que já ma referi.
Este caso é um excellente exemplo.
Em tempo deu-se uma auctorisação ao governo regenerador, era ministro, o sr. Hintze, para reformar as alfandegas, auctorisação lata, sem indicação de quadros, nem limitação de sommas; era aquillo que os serviços exigissem, segundo o crierio do ministro.
Aproveitou-se d'esta lei o sr. Hintze Ribeiro; foi a primeira phase. Depois, lançou também mão d'ella o, sr. Marianno de Carvalho, foi a segunda phase e, naturalmente empregal-a-ha o sr. Franco Castello Branco, e assim sucessivamente quantos ministros vierem e quizerem usar d'ella.
Quer o paiz saber a que, significam realmente estas auctorisações?
Um verdadeiro bill de indemnidade ácerca de uma reforma perfeitamente desconhecida. Ao menos nas dictaduras sempre temos ensejo de condemnar, o que ainda não approvámos.
Estas pequenas indicações, nada risonhas, são sufficientes para demonstrar, que as reformas dictatoriaes augmentaram cerca de 2.500:000$000, réis nas despezas dos serviços especiaes dos ministerios.
Pelo que respeita aos encargos geraes, o prodigioso crescimento de 3.080:000$000 réis em tres annos, isto é, de mais de 1.000:000$000 réis por anno nos encargos da divida publica, interna e externa, não provém directamente da dictadura; mas do systema deploravel de saldar os enormes e constantes deficits orçamentaes com as sommas pedidas ao credito, quer nacional, quer estrangeiro.
A dictadura, todavia, augmentando as despezas ordinarias, concorreu para avolumar os encargos da divida.
Passemos agora, sr. presidente, a estudar a segunda dictadura, a d'este governo.
Tem vinte e um decretos; vou classifical-os exactamente, como foram os da primeira dictadura.
Temos pelos differentes ministerios o seguinte:

Ministerio do reino:

1. Eleição de pares.... 20 fevereiro
2. Reforma da lei municipal de Lisboa.... 10 março

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3. Separação dos concelhos da Arruda e Sobral .... 22 março
4. Regulação dos direitos de reunião .... 29 março
5. Sobre espectaculos publicos e representações theatraes .... 29 março
6. Incompatibidades para o cargo de ministro .... 29 março
7. Creação do ministerio da instrucção publica .... 5 abril

Ministerio da justiça:

1. Sobre liberdade de imprensa .... 29 março
2. Sobre a passagem para o correccional de crimes a que correspondem certas penas .... 29 março
3. Reorganisação da administração da justiça .... 29 março
4. Fixação de ordenados e vencimentos dos juizes .... 29 »
5. Creação nas comarcas de Lisboa e Porto de juizes auxiliares .... 29 março
6. Creação de tribunaes commerciaes .... 29 março

Ministerio da fazenda:

1. Creação de obrigações de 20$000 réis para as despesas dos decretos de defeza .... 10 fevereiro
2. Creação do fundo permanente de defeza nanacional .... 10 fevereiro

Ministerio da guerra:

1. Construcção de fortificações do porto de Lisboa:

a) Compra de artilhamento .... 10 fevereiro
b) Compra de torpedos e torpedeiros .... 10 fevereiro
2. Reorganização geral do exercito .... 10 »
3. Reorganisação das guardas municipaes .... 10 »

Ministerio da marinha:

1. Auctorisações seguintes:

a) Compra de quatro cruzadoros de deslocamento não inferior a 3:400 toneladas e a 20 milhas do velocidade .... 10 fevereiro
b) Construcção, sendo possivel pela industria nacional, de duas canhoneiras typo Massabi .... 10 fevereiro
c) Construcção, tanto quanto possivel com o concurso da industria nacional, de duas canhonheiras de 600 toneladas e 14 milhas de velocidade .... 10 fevereiro
d) Compra do duas docas fluctuantes para Loanda e Moçambique .... 10 »
2. Reforma dos serviços dependentes da direcção geral da marinha .... 10 »

Ministerio das obras publicas:

1. Regulamentação das associações de soccorros mutuos e do trabalho dos menores e das mulheres na industria .... 10 fevereiro

Os caracteres geraes d'esta ultima dictadura são ainda peiores do que os da precedente.
Varias observações se podem, tambem, fazer sobre os decretos:
1.° Todos os srs. ministros se julgaram no dever de fazer dictadura, execpto o dos estrangeiros.
N'este ponto parece ter havido accordo entre os estadistas dos dois partidos.
2.° Os decretos dividem-se em dois grandes grupos, constituindo duas manifestações particulares: a dictadura politica de 29 de março e a dictadura financeira de 10 de fevereiro.
O que póde demonstrar um aperfeiçoamento importante no systema dictatorial, que se pretende implantar no paiz.
3.° Nas auctorisações, que os srs. ministros entenderam dever dar-se, ha tendencias para alterar as despezas ordinarias e extraordinarias e, o que cresce de importancia, existem já auctorisações para emissão de emprestimos nacionaes e patrioticos, como ensaio de emprestimos a banqueiros e do lançamento de impostos.
Este ponto demonstra ainda mais os aperfeiçoamentos no systema.
4.° Pelo que respeita a despezas ordinarias e extraordinarias são os ministerios do reino, da justiça, da guerra e da marinha os unicos cujas medidas envolvem augmento.
Isto prova, sr. presidente, o espirito equitativo dos actuaes dictadores, que pensadamente pozeram de parte os dois ministerios da fazenda e das obras publicas, já contemplados pelos dictadores antecedentes, deixando os dois outros, dos estrangeiros e instrucção publica, para os dictadores futuros, de que foi propheta o sr. Emygdio Navarro.
Taes são, sr. presidente, os caracteres differanciaes das duas ultimas dictaduras, estudadas pelo methodo positivo.
N'este caso, porém, surge uma difficuldade. Não posso apreciar a despeza d'esta dictadura pelo processo applicado á primeira, pela simples rasão de que uma já actuou, e não pouco, no orçamento e tem uma serie de annos de contas liquidadas; emquanto que outra, se a sua acção se reflete já no orçamento, é ainda por modo muito incompleto.
Assim as asserções, que vou fazer, serão comprovadas pelas futuras contas do thesouro, dentro do praso de alguns annos.
Para os meus calculos é necessario, pois, lançar mão de outro processo.
Ha nos decretos dictatoriaes dois grupos de auctorisações, umas tendem só a modificar, augmentando-as, as despezas ordinarias e outras as extraordinarias.
Para algumas das origens da despeza já os calculos, assás modestos, vem no projecto do orçamento de 1890-1891; para as outras pedi, como v. exa. sabe, esclarecimentos ao governo; mas como não vieram, vou fazer os meus computos e os srs. ministros que m'os contestem.
Augmentam as despezas ordinarias:
1.° A creação do ministerio da instrucção publica;
2.° O augmento dos ordenados aos juizes e creação dos juizes auxiliares;
3.° A reorganisação geral do exercito, tendo necessariamente em vista as poderosas obras, decretadas, de fortificação de Lisboa;
4.° A reorganisação e augmento de quadros da guarda municipal;
5.° A reforma dos serviços dependentes da direcção geral da marinha, tendo em vista o alargamento consideravel, decretado, da nossa esquadra.
Para estas auctorisações, apenas se descrevem no projecto do orçamento do 1890-1891 as seguintes modestas verbas:

Augmento de ordenados aos juizes .... 27:500$000
Guarda municipal .... 160:000$000
Ministerio da instrucção publica .... 19:000$000
206:500$000

Sem discutir a exiguidade d'estas verbas, porque não creio, francamente, muito na do augmento dos ordenados aos juizes, que me parece muito pequena, e sobretudo na do ministerio de instrucção publica, que ha de ascender, pelo menos, a algumas centenas de contos, basta attentar nas restantes auctorisações para ver a influencia, que respectivamente devem ter nos futuros orçamentos.
Repare v. exa., sr. presidente, que as auctorisações se

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referem a nada menos do que a reforma geral do exercito e da armada.
Angmentam as despezas extraordinarias:
1.º O acabamento das fortificações do Lisboa e seu porto;
2.° A compra da artilharia para todas estas fortificações;
3.° A compra de torpedos e torpedeiros para a completa defeza do mesmo porto, quando perfeitamente fortificado;
4.º A compra de quatro cruzadores de deslocamento não inferior a 3:400 toneladas e á velocidade de 20 milhas;
5.º A construcção de duas canhoneiras, typo Massabi;
6.° A construcção de duas canhoneiras de 600 toneladas e 14 milhas de velocidade;
7.º A compra de duas docas fluctuantes uma para Loanda e outra, para Moçambique.
D'estas despezas apenas podem ser calculadas as seguintes:

Quatro cruzadores a 1.044:000$000 réis .... 4.176:000$000 réis
Duas canhoneiras, typo Massanbi 300 toneladas, a 46 libras por
tonelada .... 124:000$000 réis
Duas canhoneiras de 600 toneladas, nas mesmas condições .... 242:000$000 réis
Duas docas fluctuantes, segundo os calculos da commissão de 2 de dezembro de 1888 .... 378:000$000 réis
4.920:000$000 réis

São dados, resultantes da proposta minima para construcção de cruzadores de uma casa, cujo nome me não recorda, de medias de construcção e de documentos officiaes, que representam já a respeitavel somma de 5.000:000$000 réis!
Ora basta, apenas, expor á camara methodicamente estas auctorisações para vermos as grandes despezas extraordinarias, que d'ellas devem provir.
É relativamente modesta a despeza, por emquanto descripta no orçamento; mas posso affirmar á camara que a somma ha de attingir 2.000:000$000 a 2.500:000$000 réis nas despezas ordinarias, e que as despezas extraordinarias exigirão verba não inferior a 20.000:000$000 réis.
Todos os esforços do sr. ministro da fazenda, se forem coroados de bom resultado, arrancarão ao contribuinte mais 2.000:000$000 ou 3.000:000$000 réis do impostos, que serão absorvidos com os encargos ordinarios d'esta dictadura. (Apoiados.)
Os meus calculos, se defeito têem, principalmente os das despezas extraordinarias, é serem modestos.
As obras da defeza terrestre e maritima do Lisboa, o artilhamento d'estas obras, o couraçamento do Bugio, a compra de torpedos e torpedeiros, são projectos despendiosissimos.
Não contesto a conveniencia, mesmo a urgencia de algumas d'estas despezas; desejo, porém, que o paiz conheça o que se vá e fazer, visto que é senhor dos seus destinos; e quero a fiscalisação parlamentar, porque as camaras tão as directas representantes da nação e os deputados os delegados das suas opiniões e os responsaveis perante ella.
E tudo isto se atira para o paiz n'uns simples decretos dictatoriaes, sem planos geraes e sem estudos prévios, que, n'este momento, se estão realizando!
Quer v. exa. uma prova d'isto?
Dirigi, ha oito ou dez dias, uns requerimentos pedindo ao governo que, pelos diversos ministerios, me dissesse quaes as sommas calculadas para as differentes auctorisações, e se existiam planos definitivos e approvados para as obras. Não me responderam.
Levantei a questão n'esta camara, e o sr. presidente do concelho, em quem tenho achado sempre a maior consideração e deferencia, levantou-se e, com aquella franqueza que o caracteriza, disse-me: «posso affirmar ao illustre deputado que a obra mais importante, que é a defeza de Lisboa e seu porto, está em via de organisação. Nomeei uma commissão de homens competentes e respeitaveis que está encarregada d'esse estudo».
Quanto custará a reforma do exercito? Não se sabe.
A reforma dos serviços do ministerio da marinha? Ninguem a diz.
As obras de defeza de Lisboa? Todos a desconhecem.
Hão de ser enormes as despezas, eis o que todos prevêem; as contas de gerencia dos tres ou quatro annos futuros responderão a estas perguntas e então se verá, repito, que os 2.000:000$000, ou 3.000:000$000 réis, que o sr. ministro da fazenda pede hoje no contribuinte, hão de ser absorvidos, unica, e exclusivamente, pelos effeitos da dictadura. (Apoiados.)
E quando se procede assim? Qual é o momento escolhido para aterrar o conttibuinte e amedrontar os mercados, em que temos credito? Quando as condições financeiras são gravissimas.
Não sou eu que o digo, é o proprio sr. Serpa, quando confessa que a revolução do Brazil, entre outras causas, tornou gravissimas essas condições.
Pois é no momento em que falhou, ou podia falhar, um emprestimo portuguez em Paris (não por falta de credito do paiz, mas por intrigas dos banqueiros) que o governo só lembra de publicar taes decretos?
Em que paiz estamos nós? Quem nos administra? Ha prudencia, ha bom senso nos estadistas? Onde guardam a critica dos factos, que elles proprios referem, que especie de logica lhes fax tirar d'elles taes consequencias?
Pois um homem, como o sr. Antonio de Serpa, encanecido nos serviços publicos, uma das mais altas capacidades d'este paiz, que eu aprendi a respeitar, quando estava a seu lado em politica, e que respeito ainda hoje, pois o sr. Antonio de Serpa não pesou os seus proprios argumentos, não respeitou as suas proprias idéas e opiniões?
Para onde vamos, pois?
Para onde vamos politicamente não sei. Economica e moralmente caminhamos com rapidez para a desordem, triste e dizel-o.
As nossas condições financeiras são graves, não porque o paiz não tenha largos recursos para satisfazer honestamente todos os seus encargos; mas porque a inhabilidade da administração publica, mais ainda do que a dos ministros individualmente considerados, tem viciado tudo.
A incapacidade dos governantes, a falta de coherencia, as estreitas vistas politicas, que se fixam nos horisontes dos interesses partidarios, quando se não detêem, ainda mais perto, nos egoismos individuaes, têem desmoralisado os cidadãos.
O scepticismo dos altos politicos vão se infiltrando, pelo exemplo, nas camadas populares. É quasi ridiculo ser liberal. Os principios da moral individual e da moral collectiva, que se chama politica, servem de motivo para o riso dos utilitarios!
O caminho para as honras é o da fortuna, quasi sempre illegitimamente adquirida. A indisciplina dos grandes contribuintes lavra e estende-se até aos pequenos contribuintes, que se vêem esmagados por impostos mal distribuidor e desigualmente cobrados!
O nosso proprio credito, do qual depende ainda por alguns annos a nossa administração financeira, é abalado pelos governos, que fazem dictaduras para crear empregos e, cousa, assombrosa! no dizer do sr. presidente do conselho, para dar provas ao paiz da sua força; não se lembrando que lá fóra, nos paizes aonde cada vez mais nos vão obrigando a recorrer ao credito, a idéa de dictadura anda annexa á de golpe de estado, isto é, a de um pessimo estado social vizinho da revolução!
Estou de accordo com o illustre ministro da fazenda, o thesouro é que está pobre, felizmente o paiz não está. (Apoia-

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dos.) É necessario, porém, diminuir as despezas, longe de as avolumar; e se é indispensável recorrer ao imposto, que ò vamos procurar na melhor distribuirão e arrecadação dos existentes, nas fontes principaes de riqueza, em vez de cairmos desapiedadamente sobre o consumidor pobre,- que ha annos soffre todos os augmentos ë todos os vexames.
Sr. presidente, se porventura fosse preciso, para liquidar honradamente os nossos encargos, fazer grandes sacrificios, far-se-iam; o paiz não quereria, de certo, que perigasse a sua honra e o seu credito. Estou convencido de que o contribuinte patrioticamente se prestava, nesse momento, a dar o ultimo ceitil para salvar o paiz, para conservar o seu nome immaculado.
Mas para isto é necessario que não se façam mais dicta-duras, é preciso que na véspera de se pedirem encargos ao paiz, na importância de 2.000:000$000 a 3.000:000$000 réis, não se lhe dê o misterio de despezas, que devem ser enormes, e que elle não discutiu nem auctorisou.
Veja o paiz a gravidade da situação. Em tres annos, de 1886 a 1889, as receitas ordinarias crescem considcravel-mente, os impostos indirectos produzem 700:000$000 réis, o sêllo e registo mais 800:000$000 réis, e os impostos indirectos, que improporcionalmente pesam sobre ass classes pobres, mais 4.000:000$000 réis!
As receitas publicas ordinarias elevam-se rapidamente de 1885-1886, em que foram de 31.567:000$000 réis, a 37.812:000$000 réis, que attingiram em 1888-1889;e todavia o deficit ordinario, isto é, a differença entre as receitas e despezas ordinarias, subsiste, apesar deste augmento de 6.245:000$000 réis na receita!
E porque? Porque as despezas ordinarias crescem de um modo assustador.
Em 1885-1886 a despeza ordinaria é representada por 33.634:000(51000 réis, tres annos depois a cifra respectiva eleva-se a 39.165:000$000 reis, isto é, o augmento é de 5.531:000$000 réis.
Pois o deficit ordinario mantem-se; desce um pouco, é certo, de 1885-1886, em que era de 2.066:000$000 réis, a 1.353:000$000 réis, em que ficou em 1888-1889; mas o desequilibrio subsiste, cada vez mais1 grave, porque o contribuinte paga mais e mais avultam os encargos da divida.
Em1885-1886 o encargo da divida consolidada monta a 14.128:000$000 réis, isto é, representa cerca de 41 por cento da receita ordinaria total; em 1888-1890 o mesmo encargo ascende a 17.208:000$000 réis, isto é, representa cerca de 44 por por cento da receita ordinaria total do anno.
Eis o que se tira expressamente dos pequenos mappas, que apresento á camara; porém, o que se não vê, mês que existe, é uma divida fluctuante, que em 30 de junho de 1889 era de 12.638:000$000 réis e hoje tem ainda mais alguns milhares descontos!
A consolidação d'esta divida, que dia a dia se torna mais urgente, exigirá mais 900:000$000 réis, approximadamente, de augmento nos encargos permanentes da divida perpetua ou amortisavel, isto é, podemos contar já com um encargo de 18.000:000$000 réis, ainda captivo de outras consolidações da futura divida fluctuante, engrossada pelos deficits annuaes ordinarios e extraordinarios.
Bastava, apenas, que a dictadura progressista não tivesse tido logar, para que hoje não existisse o déficit ordinario; pelo contrario, um excedente de receita ordinaria dar-nos-ia, por alguns annos, base para operações financeiras em boas condições, e tempo para que as fontes de riqueza do paiz se desenvolvessem regularmente, livres das perturbações graves que resultam sempre de novos tributos.
Eis o que fez a dictadura de 1886-1887, eis o que accentuará a de 1890.
O paiz que avalie tudo isto, visto que lhe póde dar remedio e, parecendo actualmente o menos interessado, será no final o unico responsavel pela sua indifferença e a victima na catastrophe.
Parece-me que este estado de cousas não póde continuar se a estas dictaduras se seguirem outras, e uma já foi indicada pelo sr. Navarro, se todas tiverem, como hão de ter, o mesmo caracter, o paiz attingirá uma crise financeira quasi mortal.
Mais duas dictaduras, pois, como esta e a bancarota será fatal, se o paiz não poder salvar-se com um singular e difficil acto de patriotismo e honradez.
Então, em qualquer caso, a ordem publica será subvertida e não restará senão a força para dar rasão às instituições. Nesse momento veremos se poderão contar com a espada.
E depois, Deus me defenda, de que na minha pátria, no fim do século XIX, as questões sociaes sé resolvam pela força material!
Sr. presidente, entremos, agora, na segunda parte da minha exposição. Vou provar á camara que a dictadura em principio, não correspondeu a necessidades urgentes de defeza e de ordem publica foi, apenas, um crime de lesa monarchia e uma manifestação de estreito espirito partidaria.
Para este effeito de quem me posso eu soccorrer e melhor? V. exas. comprehender que não quero desenvolver uma tivesse philosophica, não é esse o meu proposito; mas pretendo tirar deducções positivas o lógicas de factos hoje históricos ; para não haver a menor duvida na auctoridade do historiador, citarei o sr. Serpa Pimentel, que de certo não póde soffrer qualquer suspeição.
Vou, portanto, entregar á penna e á palavra do illustre presidente do conselho a pagina da historia contemporanea, que antecede a dictadura; expressos os factos, com as proprias pnlavras de s. exa., logicamente tirarei as consequencias d'elles.
Como gosto, porém, de ser delicado com todos, e póde dizer sequem natural seria responder a qualquer dos oradores, que me precederam, principalmente ao ultimo, permitta-me a Guinara que explique esta excepção.
Quem dirige, ou deve dirigir, a politica do gabinete, é o sr. Serpa; quem abriu em primeiro logar o debate, por parte do governo, foi o sr. Serpa quem melhor auctoridade tem para dizer como as cousas se passaram, e quaes foram as opiniões do governo, é ainda o sr. Serpa, presidente do conselho de ministros. Não preciso de melhor mestre, não tenho melhor historiador e parece natural que o prefira a todos.
O sr. António de Serpa levantou-se no primeiro dia da discussão, c, em resposta ao sr. Navarro, fez um longo discurso.
A exposição dos motivos e a apreciação das conveniencias publicas, que levaram o governo a assumir a dictadura devem, pelas rasões expostas, procurar-se nas palavra do chefe do gabinete e no relatorio da commissão.
E necessario, pois, fazer uma synthese do discurso do s. exa. e definir num quadro restricto as opiniões do gabinete, presidido por s. exa., quando aconselhou á corôa a dictadura.
Sr. presidente, ouvi attentamente o discurso do illustre chefe do gabinete, tomei cuidadosamente as minhas notas, li os extractos do Diario da camara; parece-me, pois, que, chegarei a uma synthese exacta; todavia, appello para o illustre estadista,, e peço-lho que me corrija as inexactidões. Como sempre, dou aos meus illustres contradictores o direito de me interromperem.
É uma pagina de historia contemporanea, que vae ser escripta pelo sr. Serpa. O historiador tem para mim grande auctoridade, porque, embora afastado deste estadista politicamente, tive sempre, e tenho ainda, pelas suas qualidades pessoaes profunda consideração.
Morrera El-Rei D. Luiz, em cuja prudencia e experiencia todos confiavam. Occupava o throno um príncipe in-

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experiente, cujas, qualidades pessoaes, excellentes, eram apenas conhecidas dos mais intimos.
Dera-se a revolução do Brazil, que entre nós teve echo e repercussão politica e financeira.
Politicamente, porque um grupo muito pequeno, pequeníssimo, são as expressões do si. Serpa, nutriu a esperança de que este exemplo podesse ser seguido em Portugal.
Financeiramente, porque as depressões do cambio, e outras causas geraes, afastaram do nosso mercado avultadas quantias.
São phrases quasi textuaes, pronunciadas algumas com o sorriso fino e um pouco ironico, que o sr. Serpa entreabre, quando trata de certos assumptos.
Hei de citar a s. exa. varios sorrisos finos. Francamente, direi por incidente, como politico, já velho, dou aos novos o seguinte conselho: para saber as idéas do gabinete, as verdadeiras, olhem o presidente, quando estiver callado, e os collegas fallam. Ha no sorriso e nas modificações de physionomia signaes ligeiros, que dão a verdadeira opinião presidencial e, por assim dizer, sublinham as palavras dos outros ministros. É uma regra de grande valor experimental.
O ministerio transacto, s. exa. é sempre o historiador; occupava-se da administração, quando, subsistindo ainda a influencia d'estes factos, que eram incontestavelmente importantes para o regimen politico e economico do paiz, appareceu, quasi, inesperadamente, o brutal ultimatum do governo inglez de 11 de janeiro d'este anno.
Então, em 13 de janeiro, e tambem inesperadamente, foi chamado ao poder, o partido regenerador. O governo acceitou o poder nas circumstancias mas angustiosas, desde que entrei na vida publica, são as palavras do sr. Serpa.
Logo que foi conhecido o ultimatum do governo inglez, todos se lembram do movimento enorme de opinião, que produziu, no paiz e principalmente na capital. E era sincera a indignação em quasi todos. Poucos, muito poucos acreditaram na possibilidade de o aproveitar para a transformação das instituições. Preparada a opinião; ou pelo menos parte, d'ella, pelas causas indicadas, o ultimatum inglez, que foi um acto de violencia e de rapina, concitou rapida e profundamente a indignação publica.
O movimento tomou, um caracter geral e accentuado. Todas as classes, ainda as mais timidas, se agitaram. Multiplicaram-se as opiniões, os alvitres surgiram de toda a parte, uns sensatos, outros irrealisaveis; a phantasia popular delineou projectos ephemeros, quasi loucos; mas a verdade é que as manifestações tinham-um cunho patriotico é ordeiro, e que a primeira idéa foi salvar a honra nacional e a integridade do territorio. Para todos honra nos seja feita, o , inimigo commum era externo era a Inglaterra.
Houve insensatez, certamente, mas as manifestações tinham caracter essencialmente, patriotico. Uns eram mais, outros eram; menos cordatos; porque a paixão tem isso consigo, cega e desnorteia, e o espirito publico lançou-se com ardor na exploração do idéas novas, algumas completamente irrealisaveis.
Pensou-se até, num momento do ardente o elevado patriotismo, em nada mais e nada menos do que em deslocar immediatamente os mercados do consumo; quer do que nós consumimos de Inglaterra, quer do que nos consome à Inglaterra, como se não fosse a cousa mais difficil transformar mercados commerciaes seculares.(Apoiados.)
O sr. Costa Pinto: - Apoiado; tem rasão o sr. Fuschini.
O Orador: - Agradeço a. v. exa.
Houve, tambem, quem se lançasse n'outros extremos, mais perigosos, e é certo que appareceu a idéa da guerra não da guerra offensiva, porque até ahi não chegou a ingenuidade nacional, mas da guerra defensiva. A paixão nacional não chegou até a suppor que o illustre ministro da marinha, o sr. Arroyo, mandava bater a Inglaterra com o nosso pobre couraçado. Até ahi não chegou é chauvinismo nacional!
Os mais pacientes, porque, em geral, todos eram convictos e sinceros, suppunham ser necesario preparar a resistencia; mas reconheciam que não se organisaria senão com largos annos de trabalho prudente e tenaz.
O maior mal que se podia fazer á Inglaterra, visto que não podíamos combater contra os seus sessenta couraçados; era batel-a systematicamente nas relações commerciaes, pela defeza da industria e do trabalho nacionaes e pelas
allianças; e conservar o odio durante cincoenta annos, como o conservou a Prussia batida em Leria contra a França e como a França batida em Sédan ha de conservar contra a Allemanha.
Muito poucos, se os havia, pensavam em que o ensejo fosse chegado para applicar a Portugal, o processo revolucionario, que se tinha empregado no Brazil.
A revolução brazileira é para mim um facto historico que não discuto, reconheço ao povo brazileiro o direito de regular as suas instituições, como bem lhe aprouver respeito o Brazil como nação ligada a nós pela amisade e por interesses importantes; povo do nosso sangue, porque é portuguez tambem:
Aqui tem v. exa., em rapida synthese, o verdadeiro caracter do movimento patriotico nacional no dia 12 de janeiro.
Arrastados pela opinião publica, os partidos politicos menos, por uma nobre paixão, e a opinião publica haveria esmagado aquelles que se atrevessem a explorar um facto, que havia feito sangrar o coração popular.
As manifestações das ruas, ordeiras quasi sem excepção, mas com a paixão febril dos primeiros momentos, permittiu-as o governo; e, durante dias o dias á força publica limitou-se a um papel policial. Dir-se-ía que o governo, desejava aproveitar a grande força popular, identificando-se com ella e dirigindo-a.
Nas camaras a opinião traduzia-o espirito publico, e os partidos opposicionistas, em frente do novo governo, gruparam-se em nome da causa, da patria; nem perante o paia teriam força para proceder por outra forma.
O governo, entrando no parlamento, recebeu de todos os lados á declaração terminante de que podiamos não confiar na sua politica nacional, mas que na questão internacional nós éramos todos por um e um por todos.
Tal é o rigoroso quadro da situação geral do paiz em meiados de janeiro passado.
Inesperadamente o governo dissolveu a camara dos deputados. A rasão d'este acto, sempre grave mas gravissimo n'aquella occasião, dá-a o sr. Serpa: quando o governo e a camara são de politica diversa, é necessario que um sáia; ora o governo não podia saír, logo era mister dissolver a camara!
O sr. presidente do conselho não encontra outro argumento para justificar o seu procedimento!
Completa illusão! Singular ponto de vista!
Em circumstancias normaes é este o principio; mas nas condições anormaes, tão singulares e difficeis que o sr. Serpa não Conhecia outras em quarenta annos de vida publica, em que se achava o paiz, o parlamento era uma força docil na não do governo.
N'esse momento a questão não era de partidos, nem de politica partidaria, agitava-se um assumpto importante e fundamental que havia concitado profundamente a opinião do paiz.
Impellida pelo espirito publico, que nesse momento exigia acção commum de todos os cidadãos, a camara ou concentrava-se em volta do governo nacional, e dava-lhe extraordinaria força aos olhos da Europa, ou dividia-se

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em luctas mesquinhas e partidarias, e, nesse caso, seria o proprio paiz, que, indignado, reclamaria a sua dissolução.
O governo, dissolvida a camara, começou a demonstrar que, longe de dirigir as manifestações e policial-as, como havia feito até então, pretendia afastar-se d'ellas e esmagal-as; não temendo mostrar que o povo indignado da capital, que chegava a pedir a guerra, não resistia ao embate do primeiro esquadrão policial!
Dias depois, começaram a apparecer os ukases e os bandos da auctoridade administrativa de Lisboa. Já não se policiavam as manifestações, esmagavam-nas.
Como assim?! O governo dias antes de dissolvida a camara assistia, impassivel, às manifestações populares, parecia querer, mesmo, fazer d'ellas um elemento de força, e dias depois, quando perdiam o seu caracter mais violento, esmaga-as desapiedadamente.
Aonde está a logica de tal procedimento?
O governo não viu o gravíssimo problema, que tinha a resolver e, em logar de se tornar nacional e de conquistar as sympathias do paiz, preferiu dissolver a camara para fazer politica estreitamente partidária. A todos os sagrados interesses nacionaes, preferiu organisar a sua camara! - Se o governo não levou tão longe0 seu egoismo faccioso, pelo menos confiava mais nos seus estadistas e nos seus delegados, isolados, do que n'elles apoiados pelo espirito nacional!
Sr. presidente, o governo não quiz acceitar o feliz ensejo, que o paiz lhe offerecia, para ser um verdadeiro governo nacional e preferiu, por um erro deplorável, assumir o caracter estreitamente partidario.
As consequencias deste acto anti-patriotico e inhabil, pol-as-hei em evidencia, quando disser á camara o que praticaria, se fosse governo n'aquelles angustiosos dias.
Todavia, n'essa epocha o governo hão accusa, pelos seus actos, o menor propósito de sair da legalidade; até no decreto da dissolucção da camara fixa, dentro dos prasos constitucionaos, a eleição e a convocação da nova camara.
À dictadura apparcce mais tarde, inesperadamente.
«Assumimos a dictadura, diz o sr. Serpa, por duas rasões: porque ninguém suppunha que o governo tivesse força para manter a ordem, e a ordem publica não se sustenta só com as arn.as; e porque todos pediam que se attendesse á defeza nacional.
São estes os dois argumentas, com que te defende o governo pela boca do seu chefe. O relatório da commissão não faz mais do que glosal-os, principalmente o ultimo, dando-lhe taes tratos, que faz fugir espavorida a lógica e estourar de riso o bom senso!
Não apreciarei, portanto, a glosa, mais ou menos espirituosa da commissão do bill, cingir-me-hci aos argumentos produzidos pelo sr. Serpa.
Se os decretos dictatoraes tiveram por fim dar ao paiz uma prova de força, é licito perguntar ao sr. António de Serpa: qual era essa força?
Que força podia advir para o governo do simples facto da publicação dos decretos dictatoriacs, mal pensados e peior desenvolvidos!
Seria pela circurnstancia de os assignar um homem novo e inexperiente, como o sr. Serpa lhe chamou na camara? Não me parece.
Que outra força e vantagens podiam trazer esses decretos? A que proveiu da reorganisação da guarda municipal, unica medida militar que o governo realisou rapidamente de entre todas as auctorisações, que lhe deu a dictadura?
Mas, então se a força era esta, eu pergunto á camara que valor tem a opinião do sr. Serpa, quando declarou que a ordem material era fácil, facilimo de restabelecer.
Não era, de certo, ainda esta a força, a que o sr. Serpa se referiu.
Á imprensa proclanjava a revolta, procurava fazer propaganda nas classes militares, e a base, disse s. exa., de toda a ordem material, deve ser a ordem social e politica.

Eu estaria de accordo, dado o caso, assas inverosímil, de que trcs ou quatro jornaes que, porventura, em um ou outro artigo, proclamavam a revolta militar, tivessem força para a levar a cfleito; o que nem s. exa. nem alguém é capaz de demonstrar. Pelo contrario, esses jornaes não tinham a menor influencia no elemento militar, que, honra lhe seja feita, entre nós tem dado as melhores provas do disciplina.

- Se isto foi assim, perguntarei ao sr. presidente do conselho e ministro da guerra, que confiança lhe merece o exercito ?

A dictadura fez-se apenas, porque três ou quatro jornaes republicanos ou revolucionários, proclamavam a revolta militar? "Não basta, porém, proclamal-a, é preciso realisal-a; não basta o incitador, é preciso quem execute a acção.

Não confiava o governo no exercito portuguez ? Pois podia confiar plenamente nelle.

Mas, seja assim; admitíamos essa feroz propaganda; consintamos, por um momento, que todos os argumentos do sr. Serpa, não soffrcm contestação e que, effectivamente, necessidades de defeza nacional e de ordem publica indicaram ao governo o caminho da dictadura.

Pela ordem natural das cousas, pela natureza psycholo-gica dos indivíduos, que não soffre excepção na. collectivi-dade, as paixões tendem naturalmente a acalmar com o tempo, que, pondo em livre jogo o raciocínio, permitte que o bom senso e a prudência gastem o enthusiasmo das paixões.

Fora a revolução do Brazil, que preparara o terreno á. excitação? Fora o ultimatimi de II de janeiro, que fizera rebentar o movimento?

Pois bem! A intensidade maxirba cTessc movimento deve" coincidir com aquclla data, o jornalismo revolucionário deve redobrar de esforços ncsse momento, como era natural.

É isto que as eternas leis psychologicas prevêem; foi isto que a experiência dos factos nos demonstrou.

Sr. presidente, -ou a lógica não é lógica, ou era este o momento opportuno p.iva qualquer medida de força, que correspondesse uns pedidos mais instantes de defeza nacional, para qualquer acto mais enérgico, que se impozessc a propaganda demagógica, que, no seu auge, ameaçava, segundo aopinião do sr. Serpa, a ordem politica e social.
Sim! sr. presidente, então tudo podia ser urgente para satisfazer a imposição popular da defeza nacional e esmagar as causas de desordens moraes, que a propaganda revolucionaria devia espalhar no máximo de intensidade.
E o que faz o governo n'este momento?
Conserva-se tranquillo, reduz a força publica á sua legitima funcção policial, e mais não lhe foi necessário; e nessa phase difficil, são as phrases textuaes proferidas pelo sr. Serpa, com o seu ligeiro sorriso frio e sceptico, o governo não pensava na necessidade dos decretos dictatoriaes, era complefamente contrario em principio a tal pensamento!
Pergunto eu á camara, e pergunto a todos que sabem o que é a logica; pois se a intensidade maxima das paixões populares, que, na opinião do sr. Serpa, provocaram a dictadura, correspondem a melados de janeiro, como é que, o governo nessa occasião não pensava ella, e até a julgava perfeitamente dispensavel?
Logo, pensou mais tarde, porque ella rcalisou-se!
Resta investigar se; entre a epocha, em que não se pensava era dictadura e aquella era que ella se manifestou, se deram factos de qualquer ordem para nova sobrexeitação da opinião publica, ou para novo pedido de defeza.
Ora, factos históricos, de historia publica, ninguém os conhece; alguns podem existir, direi mais, devem existir certamente; mas esses pertencem á historia, que não se escreve e difficilmente se publica.
Deram-se novos phonomenos na revolução do Brazil?

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Não; a revolução do Brazil produziu, effectivamente, em Portugal um certo effeito ainda nas classes conservadoras; mas perdeu, por circumstancias que escuso de notar â camara, a pouco e pouco o seu prestigio. D'este lado não veiu, pois, nova cansa de sobrexcitação popular..
Seriam, porventura, as nossas relações com a Inglaterra, que depois do ultimatum soffreram alteração? Tambem não; a camara sabe que as negociações com a Inglaterra foram completamente abafadas, e, de então até hoje, ficaram perfeitamente entregues ao silencio dos mysterios sacerdotaes da diplomacia do sr. Hintze Ribeiro.
Surgiram novas desordens nas ruas? Menos ainda; apenas o governo entendeu suffocar as demonstrações, bastaram, para as cortar pela raiz, simples editaes do commissario de policia e do governador civil.
Logo, não ha motivo algum conhecido, nem nacional nem internacional, que levasse o governo a modificar a sua opinião de 13 de janeiro.
A verdade é, sr. presidente, que a opinião socegava a olhos vistos, quando para a defeza nacional são publicados os decretos de 10 de fevereiro e, cousa admiravel! para acalmar as desordens moraes e as propagandas sinistras, dois mezes e meio depois do seu periodo agudo de intensidade, surgem os decretos politicos de 29 de março, publicados a 7 de abril, depois das eleições!
Os argumentos do sr. Serpa podiam ter algum valor só a dictadura fosse immediata, logo que o parlamento se negasse a acompanhar o governo; aliás são contradictorios e condemnam os seus proprios actos.
E de quem desconfiava o governo? Do povo socegado, do exercito, que soube cumprir sempre o seu dever?
Descanse o governo, descanse o paiz, o brilhante passado do nosso exercito é a melhor garantia do seu futuro.
O exercito portuguez sabe os seus direitos e reconhece os seus deveres.
Como cidadão, o militar póde, o deve, influir nos destinos do paiz, a que os seus interesses ligitimos estão ligados; como militar, jamais o cidadão portuguez tomará parte em pronunciamentos, que são a ruina da riqueza publica e uma offensa á liberdade.
Ora, se causas históricas e rasões sociaes, conhecidas, não existem para tal mudança de opinião do governo, é mister admittir a acção de alguma cousa perturbadora, obscura na sua origem, mas clara nas suas consequencias, que arrastou o governo para o escabroso caminho da dictadura.
N'este ponto, vou lembrar á camara um facto scientifico, que, na sua esphera, parece ter uma grande similhança, com o que se deu, agora, na esphera politica do governo.
Ha dezenas de annos, Leverrier, sabio astronomo francez, observou na orbita real de Uranus notaveis differenças com a orbita calculada, e por esta observação descobriu mais tarde a grande massa do planeta Neptuno, a causa, até ali, desconhecida das variações da orbita uraniana.
Vou tentar, por um processo analogo ao de Leverrier, descobrir qual foi a influencia politica, que produziu tão importante modificação na orbita das idéas do ministerio.
O problema é relativamente mais simples do que o de Leverrier, porque o calculo, que tenho de empregar, não é por fórma alguma transcendente.
Ha muitos annos já que, era volta dos thronos constitucionaes, uns certos conservadores, que chamarei aulicos, sem idéa alguma de os offender, tentam impellil-os para o caminho das reacções, e sempre, em todas as condições difficeis, têem procurado resolver os problemas sociaes pelo retrocesso e pela diminuição das liberdades publicas.
Sr. presidente, na minha opinião este espirito conservador (conservador não, reaccionario) que se manifesta era volta dos thronos, é mais perigoso para elles de que a propaganda republicana. A existencia d'esse grupo, ou conselho aulico, tem sido e será, em toda a parte, para as corôas constitucionaes um verdadeiro perigo.
Entre nós deva dar-se um phenomeno analogo; porque v. exa. sabe e a camara, que é muito illustrada, que estes factos resultam de leis geraes.
É, pois, mais do que provavel que em Portugal exista um grupo de homens importantes, mais do que conservadores, até reaccionarios, que em todas as occasiões difficeis aconselhem aos estadistas, que occupam o apogeu do poder, não a resolução das difficuldades pelas reformas liberaes e democraticas, mas pela reducção dos direitos individuaes e das liberdades publicas.
Em Portugal, este grupo, nefasto para as instituições, não tem podido realisar grandes conquistas, porque estadistas previdentes, homens de tacto e de largas vistas, têem evitado este retrocesso, que será, a meu ver, um perigo grave para as instituições vigentes. Não vou citar senão os mortos. Em Portugal, póde-se affirmar, estes homens foram El-Rei D. Luiz, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio o Anselmo Braamcamp.
Hei de demonstrar, mais tarde, perante a camara, quando me occupar do decreto sobre a imprensa, a acção benefica d'estes tres estadistas nas liberdades publicas, principalmente de Rodrigues Sampaio.
N'este momento, basta apontar á camara estas simples observações. Foram estes homens, que, em todas as occasiões, reagiram, um como chefe do estado e os outros como estadistas, e não permittiram que fossem mutiladas as liberdades publicas.
Os aulicos nunca perderam a esperança. A concessão, que até hoje haviam obtido, era pequena; apenas a reforma penal de 1884, onde já se desenham os primeiros traços de um plano machiavelico; reforma de que o sr. Lopo Vaz despiu n'esta camara, haverá dias, as responsabilidades possoaes.
Ora, sr. presidente, todos os regimens politicos têem as suas vantagens. A instabilidade do chefe supremo da nação é compensada, no regimen electivo, pela escolha de um estadista, que, já largamente versado nos negocios publicos, conhece os homens, que o cercam, e as necessidades do meio social, que e chamado a dirigir.
No regimen hereditario, as vantagens da estabilidade do chefe offerecem, ás vezes, serios inconvenientes, quando a mocidade, quaesquer que sejam as qualidades pessoaes do rei, não permittiu ainda o amadurecimento na sciencia de governar e na experiencia dos homens e das cousas.
N'estas condições, graves responsabilidades, de enorme alcance politico, impendem sobre aquelles que são n'essa phase das monarchias mais do que os conselheiros do poder, porque devem ser os seus tutores e directores leaes.
Tinham morrido Fontes, Sampaio e Braamcamp. Os velhos paladinos das liberdades publicas, emmudecidos nas sepulturas, não representavam senão um valor historico. Faltava á corôa a experiencia do fallecido monarcha. A occasião era, pois, propicia.
A revolução do Brazil proporcionara ensejo favoravel para os aulicos voltarem á carga com novo argumento.
E honra seja feita a quem a merece, a essa tentativa já o sr. José Luciano de Castro, segundo se affirma, havia respondido com estas palavras, que, a serem verdadeiras, merecem ficar na historia: para reduzir as liberdades publicas, o que julgo inconveniente para o paiz e para a monarchia, não póde alguem contar commigo.
Ignoro a veracidade d'esta asserção; mas se um estadista portuguez respondeu assim ao conselho dos aulicos, é liberal e patriota. (Apoiados na esquerda.)
O sr. Serpa foi mais fraco, resistiu por pouco tempo, e, aconselhando a dictadura á corôa, acceitou um papel ingrato e perigoso.
Ingrato, porque foi o actual partido regenerador, o que derivou do grande partido regenerador, de que foram chefes Fontes e Sampaio, que transigiu com os principios e

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processos, que os antigos chefes jamais quizeram escutar ou admittir. Ingrato, porque é a negação das idéas liberaes e tolerantes dos grandes caudilhos, infelizmente fallecidos, da antiga regeneração.
Perigosa é a missão, sr. Serpa, pelas profundas desconfianças, que semeou nos elementos liberaes do paiz.
Quando vivia um rei experiente econhecedor do moio social, D. Luiz I, homem em que o paiz, porque bem o conhecia também, depositava confiança, este acto podia ter importância relativamente pequena; pelo menos concitaria a opinião liberal contra o governo, mas não feria profunda mente as instituições.; mas agora que o sr. Serpa diz, e bem, que perante o paiz está no throrio um grande ponto de interrogação,, promover a desconfiança sobre as intenções da corôa é crear-lhe perigos maiores, do que todas as reacções e propagandas dos partidos adversos á monarchia.
Quem póde negar hoje, no fim do século xix, no anno do 1890, a evolução democratica e liberal em todos os paizes? Quem a nega?
Seria negar a evidencia, contestar a evolução democratica e liberal da sociedade portugueza.
Não é, certamente, o paiz republicano; não é, pelo menos, a sua maioria não se manifesta neste sentido; mas é profundamente avançado e liberal.
A maioria dos cidadãos portuguezes, ainda aquelles que não se occupam directamente de questões da politica militante, tem as suas esperanças fundadas e confia solidamente no regimen da monarchia liberal o democratica. A fórma tradicional, mais ou menos pura, está perfeitamente banida da opinião do paiz.
Um grupo pequeno, tão pequeno que se conta quasi por nomes conhecidos, de honrados velhos, no fim da vida, ainda sustenta, mais por dignidade própria do que por convicção intima, os temmas do poder absoluto.
Honrados velhos que morrem pertinazmente aferrados a um credo politico, um século atrazado!
Um conheço eu, que nunca entrou neste edificio, porque não admitte a existência legal desta assembléa! Aos eeicnta e seis annos, conserva-se abraçado áquella bandeira, quê já não lhe podo dar uma só esperança de victoria e morrerá abraçado a ella! É meu pae.
Póde parecer singular, talvez, que áquella arvore produzisse este rebento ....
Hoje, sr. presidente, a theoria monarchica e outra.
O rei tem a corôa para permittir, ou melhor ainda, para garantir o liberrimo exercício das forças politicas e económicas da nação. Existe em virtude da vontade popular, e não pela tradição fundada em qualquer, direito divino.
O rei é rei, porque assim o quer a maioria dos cidadãos, e quandoesta vontade cessar, a forma monarchica passará a historia como um simples período da existência do povo portuguez.
Quando o paiz está nestas condições de opinião, em que se acham todos, pelo menos; os que pertencem á raça latina e fazem parte dessa plêiade de povos gloriosos, que progridem na vanguarda da civilisação, é perigoso, muito perigoso, lançar sobre o rei as desconfianças dos elementos liberaes e divorciai o da sua confiança.
Se um dia em Portugal, ou em algum outro paiz, as instituições se poderem apenas manter, pela força, material, que se não sustentam, o equilíbrio social será instável; ora, na politica, como na mechanica, a instabilidade do equilíbrio ha de necessariamente tender sempre para a estabilidade, que emfim se estabelecerá; nas sociedades, essa passagem póde fazer-se pela revolução. Eis o que é necessario evitar.
Este perigo viram-no todos, e por isso os partidos quizeram estabelecer trégua em volta do throno de um homem novo e inexperiente. O governo quebrou-a e, lançan-do-se numa dictadura inútil, semeou a desconfiança entre os elementos liberaes.
Estes receios subsistem e os oradores da camara lembram, timidamente, ao governo a experiencia historica das reacções.
A camara ouviu discursos eloquentes ácerca da dictádura, nalguns apontaram-se factos terríveis da historia da humanidade, precisamente correspondentes, às grandes epochas de reacção e de influencia dos unicos nas altas espheras do poder.
O sr. Beirão levantou se e historiou as celebres ordonnances, que fizeram descer do throno e caminhar para o exilio Carlos X; mas não teve, ou não quiz ter, a pequena audácia de apresentar á camara esta consequência dos factos históricos.
E a verdade historica é estas as reacções dos Straffords, dos Polignae, dos Guizot, abateram, em Inglaterra, a cabeça e o throno de Carlos I, e deram em terra, em França, com os thronos de Carlos X e de Luiz Filippe!
Não foram os immortaes principios, que derrubaram aquellas monarchias; não foram os immortaes princípios, que fizeram cair a corôa imperial do Brazil;. Foram pelo contrario as tentativas aulicas contra os immortnes principios, que destruíram essas instituições, de que elles haviam sido a egide e a garantia.
As reacções erraram o alvo e feriram de morto as monarchias! A verdade historica é esta.
E o sr. Luciano Monteiro, num repto de verdadeira eloquência, mas de historia falsa, veiu, talvez involuntariamente, lembrar esta lei historica, revelando-se no facto contemporâneo da revolução do Brazil.
Não derrubaram o throno do Brazil, os immortaes principios, hão! Não foram elles que feriram nos últimos annos da velhice honrada, o pobre velho que foi imperador do Brazil; não forem elles que deitaram na sepultura da terra portugueza a veneranda velhinha, que, ao entrar na Eternidade, trocou a corôa das grandezas humanas pela aureola das santas! Quem destruiu a monarchia do Brazil foram os aulicos, que atacaram os immortaes princípios, em que se fundava o edifício do throno brazileiroe, minando-lhe as bases, esmagaram com a angustia de um desterro immerecido os dois velhos imperadores!
Aqui tem s. exa. a verdade historica. Foram os aulicos, de que não dito os nomes, porque a desgraça tem direito ao nosso respeito eco seu justo castigo, os que estavam á testa d'aquelle paiz, os que deviam, dirigi o um dia, que não viram que o seu espirito de reaccionário divorciava a monarchia da nação, e minava lentamente os fundamentos das instituições!
Mas foram os immortaes principios, que fizeram prender em França o jovem duque de Orleans? Certamente. Não discuto agora as leis de excepção, com o principio das quaes, em verdade soja dito, não estou de accordo. Mas a verdade é que a lei existe em França e que abrange um grupo de cidadãos, para os quaes deve sor perfeitamente igual.
A lei foi cumprida, e são os immortaes princípios, que levarão, certamente, o chefe de estado, em França, a desculpar a inexperiência do joven e a perdoar ao inconsciente instrumento da reacção contra as instituições, que existem por vontade da soberania popular.
Meus senhores, a historia não é um simples apontoado de factos, em que as datas se fixam pelos reinados e pelas batalhas. A historia é uma philosophia, arrancada dos factos pelos principies do espirito humano, que a logica ensina a empregar.
Não façamos historia dd usum delphini; façamos historia para uso do povo e para experiência e conselho dos homens publicos, que entre nós parecem ignorar completamente o que se passa fora da raia da sua patria e do seu tempo. Sejamos monarchicos, mas do nosso seculo.
Sr. presidente, é escusado dizer, mais uma vez, que sou monarchico, e digo-o com a inaior franqueza, porque a» confissões desta tribuna, era relação a este ponto, são quasi necessarias; mas sou monarchico opportunista. Professo

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precisamente as opiniões, que acabo de desenvolver no meu discurso. A monarchia, a meu ver, existe e subsistirá em Portugal para garantir as liberdades publicas, e para permittir o livre jogo de todas as funcções sociaes, existe porque nós, a maioria dos cidadãos, a queremos e entendemos que ella salvaguarda, ainda hoje, os nossos ligitimos interesses e os nossos direitos. No dia em que isto não
acontecer os povos são duradouros e as for mas politicas contingentes. Os povos, ficam é as formas politicas, desapparecem.

Mas exactamente porque sou monarchico, porque sou liberal, exactamente porque vejo que as reacções têem sacrificado as instituições de outros paizes e esta lei historica não soffrerá excepção para Portugal, pergunto: qual é o meio que devemos empregar, para nos antepormos a esta propaganda sinistra contra as liberdades publicas?

Não direi, como o sr. Beirão, apontando para o ministerio, ali está o inimigo. Para mim póde não estar.

Está o inimigo, se d'ali partirem medidas subversivas da verdadeira ordem publica, medidas que affectem os ligitimos interesses populares e as liberdades publicas. Não está ali o inimigo, no caso contrario, antes estão amigos
Pessoaes que desejaria bem tornar, amigos politicos.

Mas sem querer saber quem capitania a reacção, se há capitão; sem querer saber quem a dirige, se ha direcção, o meio de resistir está encontrado. O unico que temos para obviar a taes erros consiste na concentração de todos, os elementos liberaes perante o inimigo commum.

A formula, é difficil, o problema é complexo; mas pol-o uma necessidade nacional, é forçoso encontrar-lhe a resolução. Urge restabelecer na sua pureza as liberdades profanadas e mutiladas. E pelas leis historicas e pelas necessidades do paiz assim se fará!

Esta idéa não é nova. Quando as forças dos adverssrios poderosos chegam ao limite da acção, não ha outra forma, para nós liberaes, de procurar o salvamento, da causa publica, senão na concentração dos esforços e das opiniões.

Concentração para obter o poder? Não. Para nós, liberaes convictos, pouco nos deve importarmos nomes e a procedencia politica dos homens, que estão sentados nas cadeiras do poder, quando respeitarem os direitos e as liberdades e cuidarem, seriamente, das necessidades publicas.

Concentração, apenas, para impor a qualquer governo uma mudança de rumo, favoravel, ao paiz, na derrota perigosa das reacções e da administração economica e financeira do paiz. Nada mais, mas tambem nada menos!

Sr. presidente, entrados n'estas questões politicas, é indispensavel ir até ao fim.

De certo está lembrado v. exa. de que nos principios de abril passado a opinião publica, perfeitamente socegada, não esperava, pelo menos nas suas intenções draconianas, os celebres decretos, que constituem a dictadura politica, isto é, o cerceamento das liberdades publicas. Um dia, com espanto para muita gente e para mim, o Diario do governo publicava as famosas ordenanças.

N'esse momento, como protesto vehemente das liberdades feridas, soou um canto apaixonado, enthusiastico como a Marselheza, que, arrastou a França até, ás fronteiras em 1793, terrivel como as estrophes do grande epico dos Chatiments, que abalaram o cesarismo napoleonico!

Reacção energica, talvez injusta, valente repto de um corpo, pequeno, em que referve o espirito do maior poeta vivo de Portugal e da Hespanha!

Sr. presidente, o auctor, Guerra Junqueiro, não occultou o seu nome; entrou no campo, brandiu a espada e esperou, firme...

Os decretos de 29 de março não haviam sido feitos para elle! É ainda bem...

Pois, sr. presidente, os jornaes republicanos não se atrevem a publicar completas essas estrophes, e mutilaram-nas! Um só jornal monarchico as publicou e esse não foi processado! É ainda bem...

Depois, successivamente, um, dois jornaes republicanos são processados por outras causas e hoje pôde dizer-se: ou que os decretos não se, applicam senão a elles, ou que elles foram a causa única d'esses decretos!

No primeiro caso, qual é rasão da excepção?

No segundo, qual a necessidade de legislar para um caso particularissimo, que na, pequenez tinha a correcção e na inutilidade dos seus esforços o castigo dos seus excessos?

Não valia a pena que um facto, singular e pequeno, viesse, alterar a orbita liberal do governo! Não valia a pena sobresaltar a opinião publica para castigar, o que aliás se podia, castigar com a legislação existente.

A unica causa, que póde salvar as intenções de uma dictadura, é a sua coherencia e a applicação justa e sem excepção do principio, que os dictadores impõem á nação.
Não ha outro processo para demonstrar, não a verdade do principio, mas a sinceridade da convicção.

Sr. presidente, parece me ter demonstrado a minha segunda proposição; a ultima dictadura não correspondeu a necessidades urgentes de defeza e de ordem publica; foi apenas um crime de lesa-monarchia e uma manifestação de estreito espirito partidario.

É licito agora, que alguns dos meus collegas, ou alguem que tenha voz no paiz, vendo desfazer, porque procurei destruir, o valor das affirmações do sr. Serpa Pimentel, me pergunte como procederia, eu em taes circumstancias.

Supponhâmos que eu occupava a cadeira presidencial do sr. Antonio de Serpa, tendo como condições necessarias, a auctoridade pessoal de s. exa. e, ao, meu lado, tambem como s. exa., a auctoridade é a importante força de um partido; eis como eu procederia.

Sr. presidente, teria vindo, perante o parlamento e o paiz, sem me preoccupar absolutamente, cousa alguma, se d'este acto me podia advir a perda do poder, e dir-lhe ía, com a força das minhas convicções e com o estudo positivo das condições quer nacionaes, quer internacionaes, as minhas idéas e os meus planos.

Acccitaria o movimento patriotico, e com a minha palavra, neste caso cheia de auctoridade, escutada pela opinião concitada, dir-lhe-ía - que era bom, mesmo indispensavel; conservar esse fogo da indignação e do patriotismo, mas sem devaneias, que lhe tirassem a força e sem excessos, que o podessem tornar ridiculo.

Para evitar os devaneios e as phantasias, cumprindo um dever sagrado, quaesquer que fossem as consequencias, teria dito ao paiz, como digo hoje, que a nossa maior fraqueza não está na falta de couraçados e exercitos, nós que arruados até aos dentes e arruinados pela defeza, não podemos pensar em luctar com as fortes nações, guerreiras da Europa; mas nas condições finaneiras e economicas que tornam perigosa não só a existencia das nossas colonias, como até o modo de ser da metropole.

E se a Providencia me houvesse dado a intelligencia do sr. Antonio de Serpa, se as circumstancias sociaes me tivessem concedido a auctoridade de s. exa. e a força de chefe de partido, teria n'esse momento serenamente tenho quasi a certeza, dirigido para bom e util caminho o movimento patriotico; ou caía, como patriota, e largava o governo, que para nada me servia outras condições.

No nosso tempo, manifestaram-se dois ensejos, admiraveis, para um estadista de vigor e de convicções poder realisar, com facilidade relativa, grandes cousas em beneficio do paiz; um perdeu-o o bispo de Vizeu, o outro sacrificou-o o sr. Serpa.

O sr. Guerra Junqueiro: - Apoiado.

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(Pausa.)
O Orador: - Descancem os illustres deputados. Não me refiro a quem me deu o apoiado, que sinceramente agradeço. Todos os apoiados que encontrar no meu discurso serão cortados.
Bem sei que os meus illustres collegas têem energia para sustentar as suas opiniões; mas sei tambem o trabalho, que estou fazendo; e conheço-lhe os perigos; não quero, pois, associar-lhe alguem.
Então, esse movimento patriótico bem aproveitado, essa opinião publica, bem dirigida e corroborada pela camara, que outra cousa não podia fazer senão acompanhal-a, ou divorciava-se completamente d'ella, dariam, talvez, ensejo a v. exa. para resolver o problema mais grave que entro nós existe: o desequilibrio orçamental.
Se v. exa. dissesse ao paiz, nesse momento, que, em vez de uma,subscripção nacional, cujos resultados s. exa. bem procuraram diminuir, era indispensável collocar as nossas finanças em situação de não precisarmos repetidas vezes, quasi periodicamente, de recorrer às praças estrangeiras para levantar capitães, talvez a sua voz fosse escutada.
Era, talvez, aquelle o momento opportuno para resolver as graves difficuldades, que nos assoberbam. O êxito podia ser incerto, mas a obrigação de um homem de estudo mandava-o tentar a regeneração do paiz. Se o conseguisse, cobria-se de immorredoura gloriasse o plano falhasse, a sinceridade da tentativa seria, sempre, digna do maior respeito.
Era preciso dizer ao patriotismo, se foi sincero, como eu julgo, que perante o mundo a nossa peior fraqueza está nas nossas más condições financeiras. Era talvez o momento opportuno para as resolver. A verdadeira defeza nacional, a commercial e a industria, ficava assim preparada. A outra não é senão um fácil corollario d'estas.
Isto posto, passemos á segunda parte da minha exposição. É um estudo analytico, em parte talvez um pouco massador; mas, repito á camara, é um dever fazel-o cumpril-o-hei, custe o que custar.
Vou, pois, demonstrar, que suppondo mesmo que os decretos foram dictados por convicções sinceras, não correspondem aos seus fins; uns são inuteis, outros reaccionários.
Os vinte e dois decretos da dictadura podem reduzir-se a seis discussões.
São oito decretos da dictadura financeira de 10 de fevereiro, ë nove da dictadura politica de 29 de março.
É claro que, tanto á dictadura financeira, como á dictadura politica presidiram determinados princípios, que são communs, ou quasi communs, a todos os decretos. São estes principios, que na discussão na generalidade me cumpre analysar.
Alem destes dezesete decretos ha mais quatro, que por ordem de datas apreciarei.
A primeira observação, que podemos fazer, é que para cada um dcstes dois grupos ha a sua divisa, ou bandeira; mais rigorosamente bandeirola, porque se empregou o systema, que, em remotas, eras e em tempo de eleições, se usava para convencer, os eleitores renitentes; punham-se bandeirolas, mas nunca se construía a estrada.
O primeiro grupo - a dictadura financeira que trata exclusivamente das despezas com a defeza nacional e das receitas respectivas, traz como bandeira a auctorisação para o governo regulamentar aã associações de socorros mutuos, e o trabalho dos menores e mulheres nas industrias.
Veja a camara que grande paridade e similhança de assumpto!
O segundo - a dictadura politica - cobre-se com a bandeira de um principio de moral e hygiene-politica, na opinião do governo: a incompatibilidade das fnnccões de ministro com as de administrador ou fiscal de emprezas particulares.
A seu tempo direi as minhas opiniões ácerca destes decretos, principalmente do das incompatibilidades, apresentado pelos srs. ministros para adoçarem os effeitos das grandes despezas e do cerceamento das liberdades publicas.
Os decretos da dicladura classificam-se, pois, pela seguinte ordem:
Dictadura financeira 10 de fevereiro.
Decreto eleitoral da camara dos pares 20 de fevereiro.
Dissolução da camara de Lisboa. - 10 de março.
Creação dos concelhos da Arruda e do Sobral - 22 de março.
Dictadura politica - 29 de março.
Creação do ministerio da instrucção publica - 5 de abril.
Apreciarei por esta ordem, a importancia e o alcance dos decretos nos. seus fins e nas, suas eonsequencias; pondo de parte a sua illegalidade, visto que a todos já condemnei, como emanando de uma dictadura, que não se fundou em rasão alguma plausível.
Vamos aos decretos de 10 de fevereiro a dictadura financeira.
Em nome da defeza do paiz, o governo entendeu dever dar-se as seguintes auctorisações, que todas, menos a ultima, envolvem considerável despeza:
A defeza por mar e terra do porto de Lisboa.
A reorganisação do exercito.
A reorganisação da guarda municipal.
A reorganização da esquadra, e em geral dos serviços dependentes da direcção geral da marinha.
A regulamentação das associações de socorros e do trabalho dos menores.
Destas auctorisações apenas a reorganisação da guarda municipal teve immediata e completa execução; segundo parece, para o governo o inimigo não é estrangeiro, mas nacional; porque ninguem admittirá, por certo, que sob o ponto de vista da defeza esta medida tenha valor apreciável, pelo menos comparavel com o das outras.
Emquanto às restantes auctorisações, todas, consideradas urgentes pelo governo, em nome da defeza nacional, são passados tres razões e meio depois da publicação dos respectivos decretos, e nem uma só teve execução!
A intenção do governo parece ter sido simplesmente de augmentar o effectivo da guarda municipal, talvez para igualar as forças militares da capital, como logo se disse, porque para esmagar a revolução triumphante bastaram-lhe os ukases do governador civil.
Exemplifiquemos com o que se passa com a primeira auctorisação: a defeza terrestre e maritima da cidade e porto de Lisboa.
Não pretendo entrar em questões puramente militares, porque não costumo discutir senão os assumptos, que me são familiares; mas todos sabem que existe hoje uma doutrina de defeza, segundo a qual, emquanto existe e se mantém a capital, não desapparece a riacionalidade e a defeza é possivel. Sobre esta these teria alguma cousa que dizer, mas admittil-a-hei sem contestação.
Sr. presidente, por esta rasão ou por outras, demonstra-se que a medida mais importante é a defeza terrestre, e maritima do porto de Lisboa, porque seria supina ingenuidade, defender o paiz pela raia secca, por onde não era, nem é ameaçado, e deixal-o inerme na raia molhada, ameaçada pelas nações maritimas e,, no caso sujeito, segundo a opinião do governo, pela poderosa Inglaterra. Como a camara estará lembrada, haverá tres ou quatro dias invoquei a auctoridade do sr. Serpa, e perguntei-lhe se para este efteito existiam planos completos.
S. exa. levantou-se e respondeu-me, como já disse, que não, havia plano nenhum, mas uma commissão de homens

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muitissimo competentes procedia actualmente a estes estudos.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio do Serpa): - Eu não disse que não havia plano nenhum, pois ha muita cousa já.
O Orador: - Muitas cousas não são um plano geral completo. A resposta de s. exa. é uma nova condemnação dos actos do governo.
Ácerca dos planos de defeza de Lisboa poderia dizer muito, de que v. exa. mesmo só admirava; não o farei publicamente, porque os meus conhecimentos sobre o assumpto provém de ter podido consultar certos archivos, a proposito do estudo por mim feito sobre o alargamento da area do municipio de Lisboa. Seria talvez desleval publicar o que vi; mas dil-o-hei a v. exa. particularmente, só o quizer ouvir.
Alem d'isso, podem existir, talvez, projectos de obras accessorias, estudos mais ou menos incompletos dos elementos do plano geral; o que não existe, porém, é um plano geral, maduramente pensado, approvado e orçado, da defeza terrestre e maritima de Lisboa.
Certamente ninguem dirá que o desenho da torre do Bugio, com uma aguada azul para designar o couraçamento, é um plano. Chego mesmo a dizer que v. exa. não é capaz de me affirmar que existe um projecto, completo e approvado, da estrada militar em volta de Lisboa?!
São todos esses planos, ou pequenos detalhes, que formam o desenvolvimento do um plano geral.
S. exa. sabe, bem melhor do que eu, o que é um plano geral de defeza; esse affirmo a s. exa. que, não existe, e foi o que s. exa. declarou á camara. E se existe, traga-o s. exa. ao parlamento; ou se n'isto vê inconveniente, nomeie-se uma commissão de deputados, de qualquer procedencia politica, para o estudar e expor ao parlamento os elementos indispensaveis, que nos esclareçam sobre a utilidade das enormes despezas, que o paiz vae fazer.
Ora, sr. presidente, o que póde chamar-se a tudo isto? Um ataque inutil ás prerogativas parlamentares.
Pois se esta e outras auctorisações eram simples medidas para effeito no publico, porque rasgaram a carta? Bastava nomear commissões, que apresentassem os seus trabalhos á camara, quando estivesse constituida. Contra este systema ninguem podia levantar objecções.
D'aqui póde inferir o paiz o que significam as auctorisações para compra do material de guerra para as obras de defeza do porto de Lisboa, que não estão ainda sequer estudadas!
Emquanto á compra de cruzadores e canhoneiras, as cousas estão, actualmente, no mesmo pé, em que estavam em 10 de fevereiro. Apenas se receberam propostas para construcção de enuadores; admittindo a melhor hypothese, os navios estarão feitos em dois annos!
Veja o paiz que valor tem a tal imminencia de guerra, de que falla o relatorio da commissão!
Sr. presidente, admittia-se que o governo, n'este perigo imminente, comprasse o material de queria a qualquer potencia maritima; não discutindo agora se tinhamos dinheiro para isso e, sobre tudo, officiaes, marinheiros, e pessoal technico, para os tripular; mas é um absurdo decretar em dictadura, dois mezes antes da camara aberta, compras e fornecimentos, que, por esta fórma, só em annos podem ser satisfeitos.
Eis o que se fez para transigir com a opinião publica, que, segundo diz o sr. Serpa, exigia a immediata defeza do paiz e para prevenir os perigos da guerra imminente, lyricamente cantada no relatorio da commissão!
E já que estamos sempre a fallar em nos defendermos, era bom saber contra quem e, sobre tudo, por que modo?
É bonito discretear sobre as forças navaes da Inglaterra e sobre os poderosos exercitos da Allemanha.
A Inglaterra é uma potencia naval de primeira ordem, porque tem sessenta couraçados, aliás, qualquer outra potencia, que tivesse meios de os construir ou comprar, igualaria em poucos annos as buas forças.
A Allemanha, por exemplo, que possue um thesouro da guerra enorme, podia de um momento para o outro assoberbar a Inglaterra. A Franca, a segunda potencia maritima, rica e florescente como é, em alguns annos equilibraria as forças da sua eterna rival.
E porque não acontece isto? Porque as esquadras exigem mais do que os navios. A Inglaterra é hoje a primeira potencia naval, porque possue 100:000 ou 100:000 marinheiros de primeira ordem, educados por uma poderosa marinha mercante e pelas tradições de duzentos annos de esforços e expedições maritimas, porque tem uma officialidade distinctissima, educada n'aquelle mister e fazendo d'elle uma honra e uma tradição de familia. O navio é o instrumento de combate, a officialidade e a tripulação são os agentes da acção.
Não tenho eu o dever de expor estas doutrinas, as unicas sensatas, ao paiz, porque estou nos ultimos degraus da hierarchia politica; mas aquelles que subiram por qualquer modo a maxima altura da escala social, aquelles que têem as honras d'essa situação, devem tambem soffrer o encargo e a responsabilidade de dizer as verdades ao paiz, ainda que sejam perigosas e impopulares.
Tenhamos quantos couraçados e cruzadores quizerem, quantos comportem os nossos minguados recursos, e podemos não ter esquadra, nem possibilidade de nos defendermos da Inglxaterra.
Não basta ter navios, é necessario ter tripulações, officiaes, marinheiros e esse numeroso pessoal technico, que exigem as poderosas machinas de combate modernas; ora navios podem comprar-se, embora com violento sacrificio, mas o pessoal não se cria senão com pesados e previdentes sacrificios n'um periodo largo de tempo, em successivas gerações até.
Depois lembre-se o paiz que a guerra naval comnosco póde assumir um caracter pouco cruente, mas terrivel.
Não só a nossa costa, desde o Minho até ao Guadiana, está cheia de pequenos portos de desembarque; mas é coberta por povoações, mais ou menos importantes, banhadas pelas aguas do Oceano.
Podemos evitar a entrada no porto de Lisboa, podemos evitar a entrada nos nossos principaes portos; mas não cobriremos com facilidade as nossas costas, cobertas de pequenas povoações, e não evitaremos facilmente um bloqueio, como Portugal já soffreu.
Sr. presidente, o povo é como as creanças. N'um momento de excitação, póde devanear e errar: mas tem a espontaneidade de convicção, quando o argumento é bom e sinceramente apresentado.
Sr. presidente, declaro a v. exa. que não tenho confiança politica no gabinete actual; mas tenho confiança pessoal e inteira no sr. presidente do conselho. Pois direi a s. exa., que de todas estas medidas, fallazos e inuteis, o que póde ficar na consciencia publica, é o intento de auctorisações, não fiscalisadas pelo parlamento, para grandes fornecimentos e grandes compras.
Sr. presidente, completemos agora esta serie de raciocinios com a apreciação dos decretos do sr. ministro da fazenda.
Estes são simplesmente irrisorios.
São dois os decretos do sr. ministro da fazenda; e tanto o governo sabia que as suas rasões eram sophisticas, e nada podia fazer immediatamente em prol da defeza nacional, como os factos o provaram, que o ministro cria receitas ficticias para despezas indeterminadas em tempo e em quantia!
Estes decretos são completamente illusorios, constituem um bocado de estylo do sr. ministro, ou de quem por elle os escreveu, mas não correspondem a realidade alguma. Basta fazer-lhes ligeira critica.
O primeiro auctorisa um emprestimo patriótico era obri-

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gações de 20$000 réis. A camara municipal dissolvida não tinha tudo mau, esta idéa nasceu do emprestimo municipal; mau como ninguem conhecia a duspeza, a que este emprestimo devia occorrer, nem o proprio ministerio, é illimitado o numero do obrigações!
A imitação e evidente, mas é mal feita.
Em primeiro logar, a camara levantou um pequeno emprestimo de 100:000$000 reis, que, pela exiguidade da somma, em nada influia nas condições economicas e financeiras do mercado nacional. O sr. ministro, pelo contrario, se o seu grande emprestimo só realisasse, iria perturbar mais ainda o nosso mercado financeiro, onerado com uma divida fluctuante enorme, em grande parte collocada no paiz.
Tanto s. exa. reconhecêra estas difficeis condições financeiras nacionaes, que tentou em Paris um pequeno emprestimo de 9.000:000$000 réis, cuja defeza é apenas, porque outra não tem, a necessidade de refrescar o mercado nacional.
A camara fixára a taxa do juro do seu emprestimo muito proxima d'aquella que, então, produziam as nossas inscripções, o sr. ministro da fazenda, que é muitissimo habil, porque o é naturalmente e porque aguçou o seu espirito a discutir com o sr. Marianno de Carvalho, o hábil dos habeis nacionaes, decretou um emprestimo patriótico em obrigações de preço firme e fixou-lhe o juro na taxa de 4 1/2 por cento.
Ora, se os illustres deputados forem ver as cotações do nosso papel typo, as inscripções de 3 por cento, acham n'essa epocha ceiva de 62 por cento com tendencia para baixar, o que corresponde ao juro na taxa muito approximada de 5 por cento.
Para operação, exclusivamente, patriotica a taxa de 4 1/2 por cento parece-me muito alta; é, certamente, muito baixa para simples operação financeira.
Emquanto ao segundo decreto, o da creação de um fundo permanente para defeza nacional, á idéa mesquinha do thesouro de guerra ficou alliada a outras condições verdadeiramente singulares.
O sr. ministro, sem duvida, foi inspirar-se no celebre thesouro de guerra da Prussia.
Os illustres deputados, que são muito versados na historia, menos quando tratam das suas lições á monarchia constitucional, sabem perfeitamente que tem sido systema da Prussia, e hoje é da Allemanha, reservar, em dinheiro e em titulos facilmente realisaveis no estrangeiro, um thesouro de guerra. Este systema é medieval e, embora se conserve n'aquelle paiz, está condemnado pelo boa economia politica.
O governo quiz imitar, ridiculamente, este thesouro da guerra, não positivamente constituido de bellos milhões de marcos, como existem em Spandau, se não mo engano; mas indo ao orçamento, deslocando verba de um lado, verba de outro, e pondo a todas reunidas o pomposo titulo: fundo permanente para a defeza nacional.
Pouco original este sr. ministro, mesmo n'estas singularidades!
Realmente, não são apenas as verbas orçamentaes, é ainda mais alguma cousa, note a camara, o producto de todas as subscripções nacionaes. Foi este o golpe de misericordia, que o governo deu na ultima manifestação do movimento patriótico, e conseguiu em parte feril-o.
Mas não basta isto. Os srs. ministros são de tal forma modestos e desconfiam tanto da opinião publica a sou respeito, que nem se atrevem a administrar este fundo, como administram todos os outros; para o gerir nomeiam uma commissão muito pomposa, presidida pelo sr. ministro da guerra ou da marinha, segundo as circumstancias.
Com que direito se despem s. exas. das funcções dos seus cargos, que correspondem ás mais importantes responsabilidades do poder executivo?
V. exa. estava no seu pleno direito de entender que o actual governo não administraria bem esse thesouro de guerra, lá teria as suas rasões; mas com que direito lançou suspeições sobre o poder executivo?
Tenham um cerbero qualquer para si, já que o precisam; mas deixem aos outros a liberdade de administrar com a sua responsabilidade os fundos publicos, visto que é essa a principal funcção dos governos.
Vê, pois, a camara como todas as medidas são illusorias e mal pensadas, até para o simples effeito sobre a opinião publica.
A suprema ironia, e chamo-lhe ironia, porque a occasião era tão solemne que realmente não se admitto que fosse sarcasmo, a suprema ironia atirou para o publico o sr. ministro das obras publicas no salvador decreto, alias sympathico, da regulamentação do trabalho dos menores na industria!
Todos sabem que a força, quer militar, quer económica, de um paiz, a sua riqueza e o seu capital dependem do trabalho e que este cresce, em valor e em resultados, com a saude dos cidadãos. Um paiz, que tenha só cidadãos robustos e saudaveis, é forte e rico.
Todos sabem, tambem, que nas officinas e nas fabricas se atrophiam, muitas vezes, as qualidades moraes e o vigor physico do futuro cidadão.
O sr. ministro entendeu, e bem, que, visto os seus collegas nos seus decretas organizavam esquadras, exércitos e defeza para quando a guerra já não fosse imminente, devia arranjar elle, pela sua parte, soldados para d'aqui... a trinta annos!
De reato, o parlamento funcciona ha mez e meio, e o sr. Arouca não teve ainda tempo de apresentar a regulação do trabalho dos menores, questão já estudada entre nós por differentes vezes.
Discutido na generalidade este ponto, passemos á critica do decreto eleitoral da camara dos pares.
Condemnando o processo pelo qual se fez esta reforma, reconheço a necessidade d'ella. É talvez este o decreto mais defensavel, attendendo a que foi consequencia lógica de erros praticados, quando se legislou, em 1884, a actual constituição da camara dos pares.
Se a minha auctoridade hoje é pequena, n'aquelle tempo menor era ainda; todavia combati, quanto pude, a reforma da camara dos pares.
Recorda-se, talvez, o sr. ministro da justiça; então sustentei como principio que a constituição da camara dos pares devia ficar livre de qualquer influencia politica, e que, se se adoptasse a fórma electiva, devia ser a eleição quanto possivel independente da acção da governo. Não fui attendido, como era de esperar.
A ultima reforma d'esta camara, feita em 1884, foi um absurdo perante os principies, que devem presidir á constituição das assembléas desta ordem, ê trouxe comsigo o germen de futuras violencias. Com o fim exclusivo de tirar á corôa a respensabilidade moral das fornadas de pares introduziu-se na camara alta o principio incompleto da eleição dos seus membros. Alem d'isso, a fórma da eleição, tendo como principal elemento as corporações administrativas, era viciosa e de resultados previstos.
Para obter maioria politica n'esta camara, o governo progressista viu se obrigado a dissolver todas as corporações administrativas, que eram o elemento preponderante da eleição, e para isso publicou em dictadura a reforma administrativa. O partido regenerador viu-se agora obrigado, para o mesmo fim, a decretar em dictadura a alteração dos respectivos collegios eleitoraes. Não é de crer que o vicio ficasse corrigido.
É provavel que a terceira dictadura, já indicada pelo sr. Emygdio Navarro, remodele ainda a eleição dos dignos pares, ora á sombra d'essa hão de entrar mais e mais decretos dictatoriaes.
O maior inconveniente, que produziram os principios introduzidos na constituição em 1884 (não discuto os actos da camara dos pares, mas a natureza e essencia d'ella,

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isto é, um ponto de sociologia que se póde ventilar) foi dar lhe ainda mais acentuadamente o caracter politico, que estas assembléas não podem ter.
A sua acção, que devia ser differente, como é, por exemplo, na Inglaterra, tornou-se completamente similhante á da camara dos deputados. Hoje póde quasi dizer-se que ha em Portugal uma assembléa politica unica, funccionando em duas secções.
Ora não é este, nem o póde ser, o caracter das camaras de revisão, ou de elementos conservadores.
A segunda camara deve ser uma camara conservadora, de revisão e compensação, se quizerem, mas uma assembléa politica por fórma alguma. Em Inglaterra, como os illustres deputados sabem, o governo preoccupa-se muito com o menor cheque, que soffre na camara dos communs; mas na camara dos lords não faz geralmente grande caso d'elles, porque as funcções d'esta camara têem um valor especial no mechanismo social inglez; são a expressão do espirito conservador da aristocracia territorial, não representam, como a dos communs, ou dos deputados, a opinião publica.
A reforma da camara dos pares parece-me indispensavel n'um futuro não mui distante. Acceite-se qualquer systema, a nomeação real, a eleição de pares, ou ainda um systema mixto, mas desse-lhe o caracter, que deve ter.
O meu projecto, apresentado em 1884, parece-me ainda hoje acceitavel; é essencialmente conservador, porque tal deve ser, no meu entender, o caracter d'esta camara.
Sr. presidente, passemos á dissolução da camara municipal do Lisboa. Chegámos á great attraction da camara municipal!
O governo expendeu duas rasões principaes para esta dissolução. A primeira a necessidade de reformas nas disposições da lei; a segunda a insubordinação dos vereadores. Quasi textual!
Outra rasão apontou, ainda, sobre a qual passo sem me deter, porque não quero provar á camara que os relatorios dos ministros podem ser, ás vezes, peiores do que os artigos jornalisticos, que elles condemnam; refiro-me á affirmação dos esbanjamentos da ultima administração municipal. Parece-me de mau gosto, que n'um documento official, que deve ser grave o verdadeiro, se empreguem processos da peior imprensa e que, gratuitamente, se procure lançar, sobre a reputação particular dos administradores do dinheiro do municipio, duvidas, que a ninguem é licito levantar sem ter e apresentar as competentes provas. A esta parte do relatorio do ministro podiam bem applicar-se as famosas disposições do decreto da imprensa!
Provas não existiam, e para o contrario as podia dar o sr. Serpa Pimentel, presidente do tribunal de contas. Mas passemos, rapidamente, sobre estas pequenas miserias.
Effectivamente para a dissolução, o governo teve duas rasões, mas não as que apontou; as verdadeiras, as que não se escrevem, nem se confessam, são outras e faceis de encontrar, com mui simples raciocinios.
A primeira nasce da antipathia mortal, que alguns dos ministros actuaes sempre manifestaram contra a lei, quando tambem ministros na situação, que apresentou ao parlamento a reforma municipal de Lisboa; a segunda, apresentada e muito bem pelo sr. Fernando Palha, foi a camara julgar dever não collocar-se á testa do movimento patriotico, mas, na esphera das suas attribuições, dar quanto apoio lhe fosse possivel a esse movimento para o manter na ordem e na legalidade.
O governo não queria as manifestações patrioticas, preferia entregar os destinos do paiz, alcançando o silencio absoluto da opinião publica, aos seus estadistas; não podia, portanto, sympathisar com o procedimento da camara municipal.
E porque foi que os elementos conservadores da regeneração declararam guerra de morte á lei municipal de 1885?
Se fizesse á camara a historia desta lei, podia contar-lhe factos curiosissimos. Se um dia escrever a historia politica do meu tempo, não apontando só os factos, que foram publicos, mas os que presenciei nos bastidores da politica, talvez os de mais importante acção sobre os destinos do paiz, o capitulo que se referir á reforma da camara municipal de Lisboa não será dos menos interessantes. Os srs. Lopo Vaz e Hintze Ribeiro sabem ao que me retiro.
A proposta do lei concitou a opinião dos conservadores a tal ponto que, discutindo-se em conselho de ministros o assumpto, dizia um ministro de então: «prefiro augmentar ao duplo ou ao triplo o subsidio, que se dá hoje á camara, e não quero os principies da reforma, ainda que tragam a regeneração municipal.» Textual!
Porque? Naturalmente porque os partidos não vivem só de principios, como o homem carecem de attender aos seus interesses materiaes; as cousas são o que são...
E por eu empregar esta ultima phrase não imaginem que o ministro, a que me refiro, era Fontes. Não. Fontes ía para a reforma com muita difficuldade, mas acceitava-a.
«Mas as cousas são o que são, dizia o tal ministro: desde o momento em que o partido progressista tem o seu castello eleitoral no Porto, é mister que nós, os regeneradores, o tenhamos em Lisboa. Ora esta proposta de lei com uma assembléa muito numerosa, eleita com larga representação de minorias, esta proposta fundada em principios descentralisadores póde talvez garantir a administração financeira do municipio, mas não nos garante o podermos usar da camara de Lisboa, n'um momento dado, como arma eleitoral.»
Esta é a inteira verdade.
É claro que eu, sabendo as intenções dos conservadores da regeneração, eu que as vi traduzidas em guerra desapiedada e acintosa a esta reforma desde que foi publicada até ser sanccionada e ainda depois, eu que ouvi logo chamar-lhe a communs, nome que para elles conservou, sabia já a sorte que a esperava, se os seus inimigos tivessem um dia o poder; houve, porém, um vislumbre de esperança, para mim seu defensor acerrimo, para mim que a estudei, sustentei e discuti, e durante quatro annos sacrifiquei os mais sagrados interesses para contribuir para a sua boa execução.
Nas primeiras sessões do parlamento com um espirito prophetico, que me honra muito na minha terra, declarei que o ministerio actual não me merecia confiança politica, porque continha em si elementos profundamente conservadores, uns muito novos, apenas ainda em botão, outros já desenvolvidos; affirmei, então, que só um dava garantias, o sr. Serpa, se s. exa. tivesse força n'aquelle meio adverso para impor as suas opiniões liberaes.
Então o sr. Arroyo com assomos de eloquencia, que mo pareceu sincera, mas que não o era infelizmente, respondeu-me: e chama o illustre deputado conservador ao partido regenerador! mas qual foi o partido em Portugal, que escreveu nas paginas da sua historia principios mais liberaes e avançados? Quem approvou e executou a lei municipal de Lisboa, de que o illustre deputado foi um ardente propugnador? (Muitos apoiados.)
Archivei cuidadosamente a declaração e disse para commigo: temos ao menos já um voto favoravel. (Riso.)
Esta declaração era uma esperança; mas havia ainda outra.
Quando os meus illustres collegas da vereação (não fallo como vereador, mas como deputado; quando era vereador não discuti jamais no parlamento, assumindo esta qualidade, quanto mais agora, que felizmente já o não sou) quando os meus collegas da camara me diziam: «estamos ameaçados da dissolução», respondia-lhes: «não, por duas rasões; em primeiro logar, porque alguns dos srs. ministros fazem lemma da sua bandeira e principio de gloria e de honra para o partido regenerador a reforma municipal de Lisboa de 1885; em segundo logar, porque o momento actual é tão inopportuno para uma dissolução, que o governo não commetteria similhante erro».

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Devo confessar á camara que mais confiava n'este ultimo argumento do que no primeiro.
Deste meu sonho fui acordado pelo decreto da dissolução.
Se raciocinára mal, com relação ao que esperava do sr. Arroyo, os factos subsequentes demonstraram que não estava em erro na minha segunda opinião. Effectivamente deu-se a circumstancia de concorrerem á uma em Lisboa 3:000 cidadãos, que não costumam votar, e que na ultima eleição manifestaram o seu voto de protesto...
Uma voz: - Quando foi isso?
O Orador: - Quando foi? Pouca memoria tem o illustre collega, foi nas ultimas eleições de deputados, vinte dias depois de dissolvida a camara municipal.
Pois creia o illustre deputado que esta eleição em Lisboa teve uma alta significação, não tanto pela maioria dos deputados ser da opposição, e d'estes três republicanos; mas porque o vencimento da lista foi devido á acção inesperada de 2:500 a 3:000 eleitores, que não costumam concorrer ás outras eleições.
Prova-se isto facilmente, comparando as relações numericas das duas ou tres ultimas eleições em Lisboa o a respectiva distribuição das forças partidarias.
Este anno, effectivamente, nas eleições politicas 2:500 ou 3:000 eleitores concorreram á uma não tendo este habito e, o que é mais significativo, concentraram os seus votos na lista republicana, que envolvia, como protesto, o nome do sr. Fernando Palha, presidente da camara municipal dissolvida. O governo expiou cruelmente o erro commettido; mas essa expiarão custou um grave abalo ás instituições vigentes.
Para cohonestar o acto da dissolução, duplamente illegal, por immerecido e dictatorial, quiz-se insinuar, que a camara municipal fazia politica anti-monarchica. É preciso ignorar a sua constituição para avançar tal asserto.
A reforma municipal n'este parte havia sido maduramente pensada, com o fim de se evitarem os inconvenientes da politica partidaria, sem anuullar, por fórma alguma, a acção scientifica e fiscal dos grupos politicos nos actos da administração.
A camara era constituida por 31 vereadores, eleitos 27 pelo suffragio ordinario e 4 representantes das seguintes classes: a dos medicos, para as questões de hygiene; a dos professores e cidadãos com cursos superiores, para a instrucção publica; a dos financeiros e banqueiros, para a fazenda municipal e a dos cidadãos mais ricos, para a beneficencia publica.
Os vereadores, eleitos pelo suftragio ordinario, dividiam-se em dois grupos: um, correspondente á lista da maioria, 21 nomes; outro, correspondente á da minoria, 6 nomes.
Uma commissão executiva de 7 membros, como o seu nome o indica, executara, apenas, as deliberações da grande assembléa municipal, numerosas vezes reunida.
Sinceramente, com estes elementos de compensação é possivel fazer politica de principios, mas é impossivel fazel-a de partidos.
Tinha sessões publicas a camara, e era obrigada a publicar as suas contas em epochas determinadas, sob pena de dissolução; emfim, a maior publicidade, quer nas discussões, quer nos actos, dava ensejo á fiscalisação dos municipes e do governo, que aliás, no serviço mais importante, o da fazenda, tinha o seu directo fiscal, o inspector da fazenda municipal.
Como, pois, se podia fazer politica com tal constituição?
Mais ainda; como disse perfeitamente o sr. Fernando Palha, se as condições organicas da camara, se os principios, em que assentava a sua constituição, não lhe permittiam fazer politica partidaria; tambem os seus interesses não a deixavam estar mal com os governos, de quem dependia nas questões financeiras, como nós, o paiz, dependemos dos mercados da França e do outros paizes.
Depois, fazer politica em beneficio exclusivo de um partido, porque fórma? Se estavam representados todos! Havia na camara muitos progressistas, e havia tambem muitos regeneradores.
Na camara nunca deixaram de estar alguns dos maiores influentes da regeneração na capital, entre elles o seu mais importante e valioso elemento, o sr. Rosa Araujo, que sempre fez parte da propria commissão executiva.
Estavam tambem na camara homens, que figuram entre os que nos substituiram na administração municipal; todos fizeram parte da maioria, que nos apoiou com os seus conhecimentos e com a sua confiança, e alguns, pelo menos um, por largo tempo pertenceu á commissão executiva.
Á fracção republicana era numerosa, mas não predominante. Todos os vultos mais importantes do partido occupavam, ou tinham occupado, as cadeiras da vereação. A minoria em Lisboa, representada por seis vereadores, pertencera sempre ao partido republicano.
A acção, que os republicanos podiam ter sobro a camara, cifrava-se á exposição de doutrinas e opiniões, expostas nas discussões; discussões proveitosas e uteis, esta é a verdade, era que jamais os representantes do partido republicano ultrapassaram, honra lhes seja feita, os limites da esphera puramente administrativa, a que compete, unicamente, ás corporações municipaes e locaes.
E tanto é assim, que jamais uma questão irritante de politica geral foi ventilada na camara. Por exemplo, tendo a camara de Lisboa, pelo uso e pelas tradições, de praticar repetidas vezes certos actos de deferencia e delicadeza para com o throno, muitos dos quaes por obsoletos e numerosos deviam ser condemnados, jamais a fracção republicana os discutiu, nem sequer ao menos a elles se referiu!
Esta é a verdade dos factos, que Lisboa inteira conhece, e constam ainda hoje das actas da dissolvida camara municipal.
Ora, exactamente isto é que não convinha ao governo. Pouco lhe importava elle com a administração do primeiro municipio do paiz. A melhor ou peior administração não lhe resolvia o seu problema egoista. Como agente eleitoral, a camara escapava-se-lhe da mão. Quiz transformal-a para a primeira eleição, o resultado, como todos vimos, foi esplendido para o governo!
De resto, se eram os esbanjamentos e a insubordinação dos vereadores, que lhe causavam receios, porque não se ficou o governo apenas em dissolver a vereação, porque foi mais alem e se auctorisou a reformar os principios da lei de 1885? Porque não esperou pela abertura do parlamento para apresentar a sua proposta de reforma?
Porque? Aguarda, talvez, que o parlamento se encerre para decretar uma nova organisação do municipio de Lisboa, em que o partido regenerador ficará com larga acção; porque pretende transformar a administração municipal de Lisboa em agente eleitoral do seu partido, e prepara assim para esta corporação, o que a reforma de 1884 preparou para a camara dos pares! Successivamente os partidos, chegados ao poder, procuraram transformar a administração do municipio em proprio agente eleitoral, com grave damno para os interesses publicos.
Para realisar o seu plano, para nomear uma simples commissão administrativa, o governo lança-se na dictadura e propala, e escreve nos seus relatorios, affirmações, que seriam inauditas, se não fossem ridiculas.
Pois se, até se quiz convencer o publico do que a camara procurava renovar as scenas medievaes das luctas entra os barões e as communas, deixando suppor que n'aquelle, castello do municipio nos defenderiamos com... as machadinhas dos bombeiros!
Isto posto, vamos apreciar os assumptos tocados pelo sr. Luciano Monteiro. Vou ser muito cauteloso, por circumstancias muito particulares. Ha vinte annos sou amigo do sr. Luciano Monteiro o temos seguido de ha muito, como invariavel systema, não discutirmos nunca a politica.

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Comprehende v. exa., portanto, que, n'uma questão desta ordem vou ser muito cauteloso, mais ainda do que o sou na generalidade das circumstancias.
O sr. Luciano Monteiro, pronunciando um discurso, que foi uma revelação dos seus dotes oratorios, não para mim porque de ha muito conhecia a facilidade de exposição e a intelligencia de s. exa., manifestou defeitos, de que precisa corrigir-se; fez rir de mais a camara.
Detesto o riso no parlamento: que uma phrase feliz e adequada promova excepcionalmente a hilaridade, admitto-se; ás vezes, certa a monotonia de um discurso e prepara até a attenção; eis o que me parece permittido.
Mas o riso promovido pelo melhor humorismo, pela finura ironica do espirito, se quizerem, parece-me aqui deslocado; excellente para as plateas do Gymnasio, para o parlamento acho-o dispensavel.
Ora, o sr. Luciano Monteiro, meu illustre amigo, tratou os assumptos um pouco ligeiramente, com bastante espirito, sem duvida, mas olhando mais aos effeitos do que á verdade da argumentação. Mais habituado ao fôro do que ao parlamento, s. exa. perdeu a idéa de que nós somos deputados da nação e de que ha em volta de nós o paiz, para não ver senão o juiz e os jurados, cuja opinião, ou pelo riso ou pelas lagrimas, convem conquistar.
Ora, isto não basta; aqui nem o ministerio é o juiz, nem a camara é o jury. Não, estamos n'uma assembléa politica, em que as palavras do orador têem uma alta significação; nem se apagam n'este recinto, nem se localisam apenas nos ouvidos dos ministros e deputados risonhos.
Nós constituimos uma assembléa politica, cujos actos são apreciados pelo paiz inteiro, cujas palavras echoam na opinião publica; é exactamente esta, que pretendemos convencer ás nossas doutrinas, porque as suppomos verdadeiras.
Referiu-se o sr. Luciano Monteiro a varios assumptos.
Fallou, com graça, da chave do cofre municipal; fallou da organisação dos serviços, com que se gastavam mais 70:000$000 réis e em que se creavam Bete direcções geraes. Referiu se, com menos opportunidade, á antiga companhia do gaz e á protecção que a camara dava á nova; descreteou sobre as grandes despezas com a instrucção publica e, de passagem, até se referiu a meia voz, mas eu tenho bom ouvido, aos enormes esbanjamentos de réis 9:800$000, feitos com as missões operarias á exposição de Paris...
O sr. Luciano Monteiro: - Disse a respeito das bibliothecas municipaes.
O Orador: - Pareceu-me, mas estava illudido.
Vamos a esmiuçar todos estes pontos.
A questão da chave foi uma charge!
O illustre deputado, abusando do seu espirito, fez uma charge, de que muito gostei, mas que não presta como argumento, quando eu esperava do valor dialectico de s. exa. mais alguma cousa. A questão da chave não prova nada contra a administração da camara, nem defendo o governo da dictadura.
O sr. Luciano Monteiro: - O que prova a remessa da chave para o tribunal?
O Orador: - O que s. exa. quizer, menos a má administração da camara e a justiça dos actos do governo. E, todavia, fui eu o culpado desse acto nefando, como vou explicar. Estava-me confrangendo, quando via o illustre deputado attribuir essa partida ao sr. Palha! Pois se partida foi, não a fez elle, pratiquei-a eu involuntariamente.
Eu explico a v. exa. o caso.
Nunca esperei a dictadura da dissolução da camara, pelas rasões que já declarei e não torno a repetir.
No dia da dissolução, como de costume, só! pacificamente de minha casa às dez horas da manhã.
Ao chegar ao largo do Municipio, vejo uma quantidade enorme de gente e perguntei naturalmente:
- O que é?
- Foi dissolvida a camara municipal.
- A sabre? (Riso.)
- Não; por um decreto dictatorial!
Soceguei e entrei.
Como era natural, estava tudo mais ou menos excitado. O sr. Palha não pecca por ser muito sereno. Era eu, talvez, o que me devia excitar mais, mas não aconteceu assim ; porque guardo o meu frio raciocinio para as dificuldades e a excitação para outros momentos. Nem perguntei quem eram os membros da commissão administrativa, nem mesmo sabia que havia sido nomeada.
Vi bastantes administradores dos bairros, e muitos agentes policiaes, mas todos occupados em dominar o dragão revolucionario, que estava, segundo parece, na sala da commissão executiva. Naturalmente, occorreu-me a minha responsabilidade pessoal como vereador da fazenda municipal.
Se s. exa., que é meu amigo, tivesse vindo ter commigo á sala aonde eu estava, a da commissão executiva, se me houvesse ao menos prevenido da sua presença, ter-lhe-ia entregado tudo, até a propria chave, porque em s. exa. confiava eu pessoalmente.
Mas a multidão era enorme...
O sr. Luciano Monteiro: - É muito para estranhar, que quando s. exa. encontrou tão grande multidão, suppozesse que essa multidão estava animada de tão maus desejos para com s. exa., que houvesse receio de que ella invadisse o edificio.
O Orador: - Eu via a multidão, certamente comprehendia que os seus intuitos não me eram adversos; mas como não posso conhecer toda a gente e os ânimos estavam exaltados, tive receios.
V. exa. não póde impor-me, o que hei de pensar, visto que nem eu proprio sou senhor absoluto dos meus pensamentos. Penso mal? Talvez.
V. exa. póde chamar-me timido, medroso, se quizer; mas conceda-me a espontaneidade do pensamento n'aquelle momento, ao menos.
Uma multidão enorme, eu sei! de 2:000 ou 3:000 pessoas enchiam o largo. As escadas e o vestibulo do edificio estavam repletos de gente; sabia eu, porventura, se os homens que ali estavam eram todos honestos, todos serios? Podia estar seguro de que uma onda de povo excitado não desse ensejo a malevolos irresponsaveis para inutilizarem, polo menos, papeis importantes, pelos quaes era, directamente responsavel?
Mandei, pois, fechar tudo na thesouraria, que fica directamente sobre a rua e communica com o vestibulo da escada da camara, e pedi ao thesoureiro que enviasse as chaves dos cofres para a commissão executiva.
Francamente, não queria deixar os valores que lá estavam e que constituiam responsabilidades minhas, á mercê de qualquer intempestivo.
Todos, no meu caso, teriam procedido por igual fórma.
O sr. Luciano Monteiro: - Podiam ficar na mão do thesoureiro.
O Orador: - Certamente, mas eu não o quiz, porque o thesoureiro tem as suas responsabilidades e ou tinha as minhas; de resto este empregado não podia abandonar o seu logar e as chaves podiam-lhe ser arrancadas das mãos. (Riso.)
Parece-me que não ha motivo para rir. Pois não é natural que procurasse salvaguardar as minhas proprias responsabilidades?
Sempre queria que s. exas. me dissessem quaes seriara, actualmente, as minhas condições, se aberto o cofre se não encontrassem os valores correspondentes á escripturação, e que lá existiam e foram de facto encontrados?
Houve, porém, mais; a camara nunca pousou em luctas medievaes, porque era constituida por homens que, felizmente, não estavam, nem haviam estado em Rilltafolles, mas a camara resolvera resistir, pelo meios legaes. Foi n'esse momento, em que se resolveu que saíssemos, ape-

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nas, sendo intimados pela força, que lembrei a conveniencia de entregar as chaves a alguem, que estivesse longe do conflicto.
E as chaves foram enviadas ao juiz do districto respectivo, para que as entregasse a quem de direito competisse. Aonde está a irregularidade do procedimento?
Vamos agora á organisação dos serviços.
O illustre deputado affirmou que a camara municipal, na ultima reorganização de serviços, alargou os quadros com um excedo de despeza animal de 70:000$000 réis. O illustre deputado não tem responsabilidade n'este ponto, porque lhe segredaram o algarismo: mas disseram-lh'o falso, e illudiram-n'o conscientemente.
Esse mesmo algarismo já eu havia corregido em uma das sessões publicas da camara municipal, sem haver sido contraditado.
Mas que importa que sejam 70:000$000 ou 30:000$000 réis, a que os encargos montam approximadamente na realidade?! A questão é saber, se esta despeza correspondeu a necessidades publicas e a uma organização mais perfeita dos serviços municipaes.
Quando entrámos na administração do municipio de Lisboa, comprehendemos a necessidade do aperfeiçoamento dos serviços municipaes, exigidos até pelo alargamento consideravel da area da cidade; tratámos, porém, cuidadosamente da receita, o em primeiro logar como era natural.
Em 1888 a camara municipal havia augmentado as suas receitas consideravelmente, sem graves encargos para o contribuinte; cito de memoria os calculos, mas os documentos existem na camara e reconstituir ainda hoje.
A gerencia de 1885, a ultima anterior á reforma municipal, comparada com a de 1888 demonstrou o augmento de 90 a 95 por cento (o numero verdadeiro está comprehendido entre estes limites) para as receitas e um crescimento de 20 a 25 por cento para as despezas.
Isto quer dizer que attendemos principalmente ao augmento da receita, como era indispensavel, visto que o grande mal, o principal vicio da administração tinha sido sempre a falta de recursos e os desiquilibrios orçamentaes.
Os illustres deputados sabem, perfeitamente, que as camaras municipaes não elementos do machinismo administrativo, que devem satisfazer, pelo menos, ás mais urgentes necessidades locaes; instrucção publica elementar, hygiene publica, limpeza das ruas e reparação de calçadas, construcção e conservação de jardins, etc.
Não é preciso muito trabalho para os illustres deputados compararem o estado, em que se encontrava a cidade, antes da reforma de 1885, e aquelle em que se encontra agora.
Foi accusada a camara municipal de não realisar grandes melhoramentos. Effectivamente assim é.
Não quizemos fazer administração brilhante; limitamo-nos ao que era util, e principalmente tivemos em vista equilibrar os orçamentos do municipio; mas transformámos grande pariu da cidade antiga.
Passeiem os illustres collegas pelos bairros mais escusei da cidade e, se se lembram como elles estavam, vejam como estão agora.
Nunca tentámos realisar grandes obras; o que tentámos foi a transformação do Lisboa nas suas condições mais essenciaes, como limpeza, jardina, regas, calçadas, segurança contra os incendios, etc., etc.
Essa transformação operou-se; exigia receita e por ultimo, e só por ultimo a tentámos, a remodelação dos quadros do pessoal de todos os serviços municipaes.
Alem d'isso, haviamos herdado da camara anterior e da camara de Belem encargos enormes e pessoal, que tinha sido nomeado á ultima hora.
Todos sabem as transacções, que foi preciso fazer para arrancar a lei municipal de 1885. A proposta de lei foi não só alterada nas commissões, como na discussão parlamentar, introduziram-se-lhes artigos, expressamente para garantirem certos e determinados interesses, até certos e determinados sujeitos; quando quizerem posso dizer quaes foram os artigos e mesmo quem os exigiu.
O sr. Adolpho Pimentel: - Eu fazia parte da commissão, e não metti artigo algum na lei.
O Orador: - De accordo... Quando parecer talhar carapuças não as ponham os collegas na cabeça; mas se alguém tem vontade de as pôr que as ponha, na certeza de que não lhas envio eu.
Mas já que assim o querem, fallarei mais claramente.
Um dos artigos que se metteram na lei, e que não está na proposta inicial, foi a celebre garantia dada aos empregados, que foi em nomeados até certa data; isto produziu um sem numero de nomeações e de augmentos de ordenados, quer na camara de Lisboa, quer na de Belem.
Houve até, se bem me recordo, um acto especial para nomeações que foi ante-dotudo. Mais sabe, o tolo no seu, do que o ajuizado no alheio.
Outro artigo, se bem lembro, foi...
O sr. Luciano Cordeiro: - Lembro-me de tudo, e s. exa. lembra-se bem da minha attitude.
O Orador: - Ora se me lembro... mas v. exa. concorda tambem com o que acabo de dizer.
Em conclusão, os quadros da camara municipal estavam verdadeiramente, cahoticos; havia o quadro dos empregados de Lisboa e o dos empregados de Belem, estes em regra com muito maiores vencimentos do que aquelles, questão da ultima hora; havia empregados addidos; enfim era indispensavel regularisar o quadro geral, equiparar os vencimentos e crear novo pessoal para os serviços municipais, como por exemplo o da limpeza o das obras publicas, que haviam tido maior desenvolvimento.
Foi, exactamente, o que se fez e com a maior justiça e imparcialidade; para tudo dizer n'uma phrase, os novos logares foram, ou íam ser, providos por concurso.
Havia augmento de despeza, sem duvida, e era impossivel evital-a; attendendo a que era a primeira reforma de quadros, note a camara, a primeira, que nós, em vez de fazermos em 1886, por prudencia e methodo, guardaramos para quando as finanças municipaes fossem mais desafogadas, e por isso a realisámos em fins de 1889.
De resto, a reforma fôra approvada na camara, apenas com a discussão de um só dos seus membros, n'ella accordaram regeneradores, progressistas e republicanos, e fôra devidamente homologada pelo governo.
Foi n'essa discussão que eu corrigi erros de calculo, que me pareceram involuntarios, mas que bojo se repetem com conhecimento de causa.
O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. disse?
O Orador: - Refiro me á pessoa, que deu a v. exa. indicações, que são inexactas.
O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. sabe quem me deu essas informações? Duvida então da minha habilidade propria, porque, me. informei por mim mesmo.
O Orador: - Assim seja; mas o illustre deputado é muito habil e muito serio para que, provando-se-lhe o erro, insista n'elle. Pretiro suppor que o informaram mal, ou não lhe forneceram todos os documentos.
Vem depois a accusação de havermos creado sete, direcções geraes! A mim, custa-me a entrar n'estas minucias, ao menos não dei eu ao governo o prazer de as antepor a mais valiosas considerações. As direcções geraes são simples questão de nome. Combinou se em chamar assim aos chefes, já existentes, de todos os serviços municipaes. O engenheiro passou a ser chamado director geral da repartição technica; ao escrivão, ou secretario da camara, passou a chamar se director geral da secretaria e assim para os outros serviços. Direcção geral creada de novo houve uma só apenas, correspondendo no serviço de fazenda municipal, organisado pela lei de 1885 e um dos mais importantes da actual administração.

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Em relação aos vencimentos, o estado dá 1:480$000 réis aos seus directores geraes, a camara fixou para os seus 1:500$000 réis.
Ora, os vencimentos dos empregados, que, segundo a reforma, eram classificados em directores geraes, são, em regra, muito superiores á quantia de 1:500$000 réis; tanto que, na mesma reforma, foi necessario respeitar os direitos adquiridos. N'estas condições, a fixação dos novos ordenados produziria, até no futuro attendiveis economias.
Aprecie a camara a falta de justiça e de rasão, que têem os argumentos do sr. Luciano Monteiro sobre este assumpto!
Vamos agora ás luctas entre a antiga e a nova companhias do gaz; francamente repugna-me agitar tão pequenos interesses no seio do parlamento e n'uma discussão d'esta natureza; não fui eu, porém, que levantei a questão; chamaram-me a terreno.
Gosto da eloquencia, até da rethorica, mas da verdadeira; parece me, porém, que a declamação prejudica até as boas causas. Effectivamente, o sr. Luciano Monteiro fez a este respeito declamações extraordinarias á camara.
O que fazia a vereação, disse s. exa.: proteger a nova companhia em detrimento da velha!
O que era a companhia velha? Capitães portuguezes. E a nova? Capitães estrangeiros.
Isto póde ser muito bonito, rhetoricamente fallando; mas é já velho e tem o inconveniente de ser falso. Em questões d'esta natureza os factos são mais eloquentes de que as phrases.
A antiga companhia era muito patriotica, e tinha capitães nacionaes; mas, valendo-se do direito ao uso perpetuo do subsolo das de Lisboa, impunha, com mão de ferro, condições onerosissimas á camara municipal e, ao consumidor, que tambem e patriota, contribuinte e elemento nacional.
Assim foi que, por muito tempo, vendou gaz á camara por preços exorbitantes e ainda ultimamente desceu apenas esse preço a 25 réis o metro cubico, apesar de distribuir, ha muitos annos, dividendos enormes.
O patriotismo dos capitães nacionaes, que se traduz por esta fórma, já soffre correcção.
Esta companhia, muito patriotica, dava dividendos de 28 e 24 por cento, fóra o fundo de reserva, como consta dos seus relatorios, sem se lembrar nunca, a patriota, de diminuir o preço do gaz.
Os capitães nacionaes não têem direito a ser agiotas e a explorar duplamente o contribuinte, como municipe e como consumidor!
Capital nacional é tanto o que está na algibeira, ou nas burras, dos accionistas das companhias, como nas algibeiras dos contribuintes que elles exploram! Creio eu?!
Aqui tem v. exa. até onde chegava o patriotismo da antiga companhia.
A camara entendeu dever obstar a esta exploração e, entrando em funcções, em 1886, procurou fazer um accordo com a companhia antiga, em que ella abdicasse do seu direito de perpetuidade do subsolo, ou, pelo menos, contratasse o fornecimento do gaz em melhores condições de preço e qualidade. Devo confessar a v. exa. que, o alvitre do sr. Fernando Palha e da maior parte dos vereadores, foi este nos primeiros tempos; o meu foi, sempre, guerra aberta á companhia.
Entre a commissão executiva e a direcção da companhia antiga, realisaram-se sessões e sessões, houve combinações e combinações sempre abortadas. Jamais esta quiz fazer concessão alguma, que fosse seria. Empoleirando-se na perpetuidade do uso do subsolo, não temia a concorrencia.
Isto seria muito patriotico para os accionistas; mas tambem era bastante explorador para o contribuinte, na sua dupla qualidade de municipe e consumidor.
N'estas condições, a camara municipal viu-se forçada a luctar, póde abrir concurso e ter um concorrente.
A este concurso a companhia do gaz não se dignou concorrer; suppondo sempre, e bem inhabilmente, que a final importa a sua vontade á camara como fizera até ali, e esmagaria o seu competidor audacioso. Enganou-se; a outra companhia foi adjudicado o fornecimento, e Lisboa tem hoje duas companhias concorrentes.
Vejâmos as condições do novo contrato em relação á camara. Não invento; tenho-o presente e ouça a camara o que elle contém.
O gaz municipal (Pausa.) a propósito da dictadura, o gaz, tem graça, é para a illuminar, (Riso.) o gaz municipal já não é fornecido á camara, só para a illuminação das ruas, a 25 réis, é mais barato, custa apenas 20,62 réis por metro cubico para todos os serviços municipaes.
Noto a camara que em Lisboa consomem-se, actualmente, só para a illuminação publica 3.000:000 a 3.500:000 metros cubicos por anno, e consome-se pouco. Obrigada pelas condições da sua receita, Lisboa é, ainda hoje, uma cidade pessimamente illuminada, com excepção de algumas das mais centraes.
Mas não é só isto. A nova companhia é obrigada, pelo seu contrato, a fornecer o gaz, municipal por escala decrescente de preços por metro cubico, segundo o consumo particular attingir as seguintes cifras:

Qualquer consumo .... gaz municipal a réis 20,62
5.000:000 m3 .... » » 17,08
7.000:000 m3 .... » » 10,69
10.000:000 m3 .... » » 13,76
12.000:000 m3 .... » » 9,85
15.000:000 m3 .... » » 3,93
17.000:000 m3 .... » gratuito

É, pois, evidente que a camara tem directo interesse em que o consumo particular da nova companhia augmente, porque assim decresce o preço do seu gaz, até tornar-se gratuito.
Mas não é tudo. A nova companhia tem, ainda, o encargo de pagar á camara um bonus annual de 3 réis por metro cubico de gaz produzido, deduzindo-se da pruducção total 10 por cento para fugas; este bonus, porém, nunca póde ser inferior a 27:000$000 réis, que é a somma descripta no seu actual orçamento.
Para que os meus illustres collegas possam fazer clara idéa d'estas condições, darei um simples exemplo: suppunhâmos que a companhia attinge o consumo particular de 17.000:000 de metros cubicos, o gaz municipal será gratuito. Ora, admittindo que o consumo da camara não cresceu e se conserva em 3.500:000 metros cubicos annuaes, o que não é pravavel, a economia sobre a despeza actual será de cerca de 73:000$000 réis.
O bónus recaírá então sobre 20.500:000 metros cubicos produzidos, menos 10 por cento para fugas, ou seja 18.450:000 metros cubicos, que a 3 réis produzem réis 55:000$000 em numeros redondos.
O total da economia será, pois, de 128:000$000 réis.
Logo, se a camara tem participação directa nos interesses da companhia, não é justo, que deseje engrandecer os seus redditos; o que afinal se traduz em allivio para o contribuinte?
Então o capital é só nacional quando entra nos cofres das companhias, e não é quando sae das algibeiras do contribuinte?
O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. permitte-me que o interrompa?
O Orador: - Até estimo para poder descansar.
O sr. Luciano Monteiro: - Se v. exa. sr. presidente me permitte ...
O Orador: - Perdão! Não é o sr. presidente quem o permitte; n'este caso sou eu que estou com a palavra.
O sr. Luciano Monteiro: - Effectivamente estabeleceu-se uma escala movel, mas ao mesmo tempo que a

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companhia concordava em que, augmentando o consumo, gradualmente constituiria uma diminuição no preço do gaz, a mesma companhia tomava sempre como base o preço de 45 réis para o consumidor.
O paragrapho annexo á condição diz, comtudo, que a companhia póde pedir á camara auctorisação para diminuir o preço do gaz ao consumidor e, se a tiver obtido, nenhuma reducção do preço do gaz municipal poderá ser exigida pelo tacto do augmento de consumo posterior á baixa.
De fórma que, se a camara suppunha tirar grandes vantagens da escala movel, estas desapparecem immediatamente, porque a companhia firmada no paragrapho diz-lhe: eu tenho concorrencia, auctorise-me a diminuição; e a camara é obrigada a auctorisal-a; mas quando a camara lhe pedir a diminuição segundo a escala movel a companhia dirá: «Não senhor porque o augmento de consumo, n'este caso, não se conta para a escala movel».
Aqui está a belleza do contrato.
O Orador: - Vejamos; em primeiro logar, a escala movel regulara, quando o gaz for a 45 réis para os particulares? Era exactamente o preço que pagavam á antiga companhia.
O consumidor sempre fica em melhores condições. Paga o mesmo o, agora, havendo o bonus, e a escala movei, elle, que tambem é contribuinte, participa do beneficio da camara. Alem d'isso a companhia pôde, se quizer, vender-lhe o gaz mais barato, porque para o effeito da escala movel será considerado como vendido a 45 réis.
Vamos á segunda parte do raciocinio. Diz o illustre deputado: mas a camara auctorisando a venda do gaz aos particulares por preço inferior a 45 réis não terá as vantagens da escala movei, visto que o augmento do consumo não é contado.
De accordo, mas, ainda n'este caso, ficara com o gaz municipal mais barato, do que pagava á antiga companhia, e com o bonus sobre a producção, que vae augmentando, e a antiga companhia não dava este bonnus.
Por outro lado, se a escala movel desapparece para a camara, na hypothese da auctorisação por esta dada á companhia para descer o preço do gaz aos consumidores, obtêem estes a reducção.
Deste dilemma não ha que sair: ou a escala movel para a camara, ou reducção de preço para os consumidores, que são tambem contribuintes. Equivale isto a dizer que a escala movel existe, sempre, ou manifestando as suas vantagens para a camara, ou transferindo-as para o consumidor.
E por aqui limito as minhas considerações, porque não quero fallar cinco dias e morrer no fim do discurso, como lord Chatam na celebre discussão da concessão da liberdade das colonias inglezas da America.
Já tenho fallado, talvez, em demasia; mas tenho cumprir um dever.
Aqui tem v. exa. o que vale a questão do gaz. É claro que a camara tem hoje só para seguir dois caminhos com as companhias existentes: proteger, nos limites do contrato e da legalidade, a nova, visto ser participante nos beneficios d'ella, ou deixal-as fundir á sua vontade, uma vez que o contrato actual seja a base d'essa fusão. Se não se praticar assim, sacrificam-se os interesses do municipio e do consumidor.
Aviso o publico de que não tem senão um criterio para julgar do facto da fusão, se elle se der. Se houver uma aclaração ao contrato actual, perdeu as vantagens adquiridas e incontestaveis.
Vou terminar esta parte do meu discurso referindo-me aos esbanjamentos, palavra hoje admittida na nossa phrascologia parlamentar, que perdeu toda a significação. Os regeneradores gritavam que o sr. Marianno de Carvalho commettia esbanjamentos, quando estava no poder. Passou s. exa. para a opposição, dizem os progressistas que commette esbanjamentos o sr. Franco Caatello Bronco, e começa o sr. Marianno de Carvalho a ser, para os regeneradores, tão economico e excellente administrador, que o mandam até salvar as colónias. (Riso.) Depois passará o sr. Franco Castello Branco para a opposição e entra para o governo o sr. Marianno de Carvalho, que manda tambem o actual esbanjador regenerado, o sr. Franco Castello Branco, civilisar a AÁfrica, se elle quizer ir. (Riso.)
Em vista d'isto, não vale a pena discutir esta questão dos esbanjamentos, sobretudo sob a fórma generica que lhe deu o meu illustre amigo.
Só com a instrucção se gastam 200:000$000 réis, exclamava s. exa.! Este modo de argumentar póde impressionar apenas os menos conhecedores do assumpto; preciso é saber, em primeiro legar, se se aproveita essa despeza, que aliás proveiu, em grande parte, de uma situação, que não foi creada por nós, mas legada pelos antecessores.
Para se ver que a somma, em absoluto, é pequena, basta attentar em que Lisboa, uma cidade de 300:000 habitantes, gasta 200:000$000 réis apenas com a instrucção elementar; esta verba, francamente, tem para mim o defeito de ser insignificante.
Não acompanharei, pois, o illustre deputado nas suas divagações sobre este ponto. Os seus argumentos a si proprios se destroem.
Tocarei, porém, perfunctoriamente um assumpto, que muitos julgaram envolver um esbanjamento: as missões operarias á exposição de Paris.
É conveniente que a camara saiba o que foram estas missões, visto que constituiram para certo jornalismo um enorme esbanjamento.
A camara municipal de Lisboa entendeu conveniente para a industria nacional mandar a Paris um certo numero de operarios, escolhidos nos ramos mais importantes da nossa industria, para que vissem e estudassem o que de mais importante houvesse n'aquelle grande certamen industrial. Mandou, effectivamente, mais de 50 operarios, dirigidos por dois habeis engenheiros da camara, gastando com a missão cerca de 10:000$000 réis.
Foi esta modestissima despeza alcunhada de verdadeiro esbanjamento. Pois, vou propor ao sr. ministro das obras publicas que transforme este esbanjamento n'uma proposta de lei, elaborada nas seguintes bases.
Escolher-se-hão, annualmente, nas industrias, que mais interessem ao paiz, um certo numero de operarios de cada uma, os mais habeis e intelligentes.
Não aconselho ao sr. ministro criterio algum para a escolha dos operarios, basta que sujam imparcialmente escolhidos nos ramos de trabalho mais importantes para as industrias nacionaes: pedreiros e carpinteiros, para construcções; marceneiros, para mobilias; tecelões, fundidores, ourives, gravadores, etc., etc.;
Um grupo de operarios n'estas condições será commissionado, com subvenção do estado, para estudar, durante um anno, nas officinas de Paris, depois os mesmos operarios passarão, por outro anno, para as officinas de qualquer centro industrial inglez e, successivamente, por um anno tambem, para outro centro industrial allemão, recolhendo depois ao paiz. (Apoiados.)
Por este systema, enviando durante dez annos 30 operarios, por exemplo, o paiz terá obtido no fim de doze annos 300 operarios da melhor qualidade, tendo gasto réis 400:000$000; porque calculo que um operario n'estas condições não poderá gastar, no maximo, mais de 500$000 réis por anno.
Eis quaes me parecem ser as vantagens d'esta medida.
Nós fallâmos muito em escolas profissionaes, e não nos damos ao trabalho de saber se temos professores proprios para este ensino.
Emquanto a, mim, a verdadeira educação profissional e technica do operario faz-se na escola sem duvida, mas principalmente na officina.
Porque é que o operario portuguez é inferior, era regra,

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ao operario francez? Porque o é realmente, e util me parece que elle o saiba e nós lh'o digamos.
Porque não tem a disciplina do trabalho e falta-lhe o ensino experimental.
Disciplina do trabalho não quer dizer disciplina social ou politica, porque todos sabem que o operario francez é o mais revolucionario de todos; é a disciplina dos costumes e do methodo do trabalho, a que sem duvida me refiro.
É admiravel ver o operario francez em, acção n'uma grande fabrica, ou mesmo no trabalho isolado; é admiravel ver o methodo, a ordem, o socego e a attenção, com que prepara os seus elementos de trabalho e, successivamente, os emprega com zelosa e perseverante attenção!
Examinando a sua obra, vê-se, claramente, que está ali um trabalhador, que procura utilisar bem o seu tempo e conseguir a maior perfeição de trabalho e de execução.
E porque falta ao nosso operario esta salutar disciplina, que o deve enriquecer a elle e desenvolver poderosamente as forças industriaes do paiz?
Não lhe escasseiam, de certo, os elementos pessoaes; o povo portuguez é intelligente e vivo como poucos; faltam-lhe, apenas, os recursos de uma boa educação profissional.
A educação do operario portuguez é feita, ou pela rotina dos mestres, que o acaso lhe depara nos annos de aprendizagem, ou pelos theorismos de um ensino que não tem caracter algum pratico e positivo.
Estes defeitos reflectem-se poderosamente na producção. Um operario francez, por exemplo, empregando tijolos faz 7 ou 8 m3 por dia de parede (não posso percisar bem) ao passo que o operario portuguez não consegue construir 4 ou 5m3, nas mesmas condições. Todavia, emprega a mesma força physica e o mesmo esforço intellectual!
Porque? Porque lhe falta a disciplina e a boa disposição dos elementos do trabalho.
Basta ver o bom operario francez dispor, primeiro que tudo, os elementos do trabalho para economia de movimentos e de tempo, e concluimos que elle possuo o precioso methodo, tão necessario na producção material como na intellectual, de que não tem grandes noções o operario portuguez, e por isso perde grande parte do tempo em movimentos inuteis.
Onde se alcança este aperfeiçoamento no methodo de trabalho? Nas grandes officinas.
Mandem, pois, o nosso operario a Paris, aos grandes centros industriaes estrangeiros, da Inglaterra e da Allemanha, por exemplo, dando-lhe um anno de estudo em cada ponto; estabeleçam as missões permanentes, e no fim de alguns annos teremos transformada a nossa industria com algumas centenas de operarios excellentes.
Mas dir-se-ha, porventura, estes homens, regressando ao paiz, não querem mais ser operarios e transformam-se em pequenos industriaes, ou chefes de officina.
Que nos importa? Temos nós por acaso muitos e habeis pequenos industriaes e chefes de officina? Então estes operarios poderão ser, tambem, magnificos professores das escolas profissionaes, que devem ser apenas preparatorias para as grandes escolas, que são a officina e a fabrica nos grandes centros da industria moderna.
E chamam-lhe esbanjamentos!
Estas cousas parecem simples; são como o ovo de Culombo: uma vez quebrado o vertice, conserva-se de pé e quasi todos sorriem da resolução do problema.
Esses quasi todos sorridentes preferem a declamação e a phantasia, ao trabalho methodico e pratico, que, ás vezes, por meios modestos chega a inexperados resultados.
Sr. presidente, seguindo o curso da minha exposição, cabe-me n'este momento apreciar o decreto dictatorial, que organisou os concelhos da Arruda e do Sobral.
V. exa. sabe que n'esta camara costumo sempre empregar a linguagem mais elevada, não só pelo que a mim mesmo me devo, mas, e principalmente, pelo muito que devo ao parlamento. Se, todavia, é admissivel, e a camara me permitte, uma comparação, abusarei n'este momento da liberdade de linguagem para dizer que este facto, na ordem dos crimes contra a constituição e contra os bons principies politicos, corresponde, na ordem dos ultimos crimes contra os direitos individuaes, a uma punhalada dado por mesquinho interesse; por tal fórma acho condemnavel este decreto, tão insignificantes me parecem as rasões que o motivaram.
Mas, sr. presidente, são as pequenas cousas, que, ás vezes, para não dizer quasi sempre, esclarecem as intenções. Parece-me que o caso sujeito é de molde para demonstrar claramente os intuitos de politica partidaria, que teve toda a dictadura, tanto pelo que respeita aos decretos de 10 de fevereiro, como pelo que respeita aos de 29 de março.
O sr. Antonio de Serpa Pimentel, defendendo habilmente, como sempre, os seus actos, quando se refere a este decreto trata de afastar a accusação de o ter redigido o espirito partidario, e profere estas palavras: nós não fizemos o que os nossos partidarios nos pediam, porque esses queriam que as cousas voltassem ao primitivo estado!
Isto é, os partidarios de s. exa. queriam que a sede do concelho, que estava no Sobral de Monte Agraço, passasse para a Arruda.
Ora, sr. presidente, as palavras do sr. Antonio de Serpa são quasi textualmente aquellas que citei á camara; concluo se, pois, que o governo não quiz transigir absolutamente com a vontade dos seus amigos eleitoraes, mas transigiu em parte. A origem facciosa do decreto, deixem me assim dizer, está demonstrada pelas proprias phrases do sr. Antonio de Serpa.
Como, porém, o illustre chefe do gabinete é um espirito liberal e um homem, que possue a alta sciencia da governação publica, ainda lhe repugna por tal fórma o acto, que s. exa. para o defender, affirma que a zona, em que se crearam os dois concelhos, é hoje por tal fórma importante em população, que exige a divisão decretada. Esta é a doutrina do sr. Antonio de Serpa!
Sr. presidente, a politica mais estreita de todas, porque já não é a politica geral partidaria, mas a politica particular local, revelando-se em mesquinhos fins eleitoraes, cega por tal fórma um homem da esphera do sr. Antonio de Serpa, que o leva a contrariar os principios fundamentaes, que devem presidir a uma boa organisação administrativa do paiz.
A meu ver, não são, apenas, a constituição e as attribuições dos corpos administrativos, em geral, que necessitam de reforma; no momento actual deve se attender em qualquer reforma ao numero e á divisão das circumscripções administrativas, isto é, dos districtos, dos concelhos e até das freguezias.
Quando está reconhecido por todos o perigo do desquilibrio orçamental, hoje que os partidos, sem distincção de opiniões, entendem ser esta a maior fraqueza nacional, alliviar o contribuinte dos encargos locaes é tornal-o apto para concorrer mais largamente, e sem sacrificio, para as despezas geraes da nação. Este resultado póde alcançar-se, em grande parte pelo menos, por uma boa divisão administrativa.
Ora, tratando-se, seriamente, das divisões administrativas do paiz, não se deve attender por fórma alguma, ou pelo menos deve ser collocada n'um ponto de vista secundario, a questão da população.
O que deve guiar o legislador na resolução d'este interessante problema, são a homogeniedade de interesses de uma zona e a facilidade de communicação dos povos com o centro da administração.
A actual divisão administrativa, que data de ha quarenta annos, podia talvez corresponder n'esse tempo ás necessidades publicas; hoje, porém, quando o paiz está completamente sulcado - e felizmente - de caminhos de ferro e de estradas ordinarias, que reduzem as distancias quer em tempo, quer em commodidade, seria absurdo e erro grave,

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augmentar essas divisões, quando aliás é necessario reduzil-as a menor numero, quer nos districtos, quer nos concelhos, quer nas freguezias, alliviando assim o contribuinte de encargos pesados, que hoje não correspondem a necessidades publicas.
Sr. presidente, exactamente o sr. Serpa Pimentel praticou este erro, creando dois concelhos minusculos, que não têem rasão de existencia; como infelizmente pelo paiz fóra ha outros tão pequenos, com tão escassos recursos economicos e financeiros, que são um grave vexame, para o contribuinte. (Apoiados.)
Certamente, conheço as dificuldades do problema; sei mesmo que por fazer esta tentativa caíu um gabinete, de que era ministro um homem, que passa por ser reaccionario, e que, a meu ver, tenho o maior prazer em o declarar da tribuna portugueza, é uma das roais altas intelligencias do paiz, espirito serio e recto, largamente dotado pela sciencia e pela experiencia dos negocios publicos, refiro me ao sr. Mártens Ferrão. (Apoiados.)
Este estadista mirava na sua reforma a reduzir o numero das circumscripções administrativas. Foi esta a rasão principal, que fez caír o ministerio de que s. exa. fazia parte.
Ao menos, porém, em nome dos interesses do contribuinte, para não fallar no respeito pela moral politica, não augmentem os graves inconvenientes, que se notam na nossa divisão administrativa, creando mais concelhos minusculos, sem condições algumas de vida economica e financeira.
Aqui tem v. exa. a demonstração de que este decreto foi assignado e publicado em virtude de um insignificante proveito eleitoral do governo, e na sua essencia representa o maximo desprezo pelos melhores principios, que devem presidir á organisação administrativa do paiz.
Chego á parte mais grave e seria da minha exposição. Vou apreciar a dictadura politica, isto é, os decretos de 29 de março d'este anno.
Até aqui o governo deu-se auctorisações mais ou menos onerosas para a nação, mais ou menos inuteis; no caso presente, porém, passou das auctorisações á acção directa e, sem reticencias e vacillações, entrou ousadamente no caminho das restricções dos direitos individuaes e das liberdades publicas.
Estes decretos têem de ser mais largamente estudados; peço, portanto, desculpa á camara de lhe tomar por mais algum tempo a sua benevola attenção.
Os decretos de 29 de março envolvem os seguintes pontos doutrinaes:
Regulamentação dos direitos de reunião e de associação;
Regulamentação dos espectaculos publicos;
Disposições modificando a lei sobre liberdade de imprensa;
Correccionalisação dos processos, que dizem respeito aos abusos da liberdade de reunião, associação e imprensa;
Reorganisação dos serviços relativos á administração da justiça;
Augmento de vencimentos aos juizes e delegados;
Creação de juizes auxiliares nas comarcas de Lisboa o Porto e de tribunaes commerciaes;
Incompatibilidades de funcções de ministro com as de administrador ou fiscal de emprezas mercantis ou industriaes.
Sr. presidente, assim como o governo entendeu cobrir as auctorisações para despezas consideraveis, dos decretos de 10 de fevereiro, com o sympathico principio da regulamentação das associações de soccorros mutuos e trabalho das mulheres e menores nas industrias; tambem, n'este ponto, procurou desviar a opinião publica do facto da reducção dos direitos individuaes com o principio, para muitos sympathico, das incompatibilidades ministeriaes.
Sr. presidente, devo em primeiro logar declarar que me parece mal escolhida esta diversão, Não discuto, se o governo podia, com ardis e subtilezas advocaticias, tentar afastar a opinião publica da apreciação das doutrinas, que fez passar sem discussão no parlamento o com a simples sancção real; mas o que affirmo, e vou demonstrar, é que por esta fórma, por dignidade propria, não devia ter levantado a questão das incompatibilidades.
Sr. presidente, posso acceitar em principio as incompatibilidades politicas, que envolvem classes e correspondem a interesses nacionaes. Não discuto agora, mas é para discutir, se conviria, para o regular andamento do nosso mechanismo parlamentar e politico, legislar incompatibilidades entre certos poderes do estado; mas rejeito, por inuteis e offensivas da dignidade dos homens publicos, as incompatibilidades, que assumem um caracter pessoal e individualista de tal ordem, que se podem immediatamente apontar os homens, contra os quaes se dirigem.
Emquanto a mim, affirmo á camara, considero este systema uma transigencia medrosa com o peior espirito de suspeita e de perseguição. O ministerio praticou um acto de mais puro jacobinismo, que era licito esperar, no nosso paiz, no fim do seculo XIX.
Sr. presidente, ainda n'este caso o decreto dictatorial tem um fim politico; não é mais do que apparente transigencia com aquelle grupo da camara dos pares, que n'um dos passados annos apresentou um projecto de incompatibilidades ministeriaes. O governo sentiu-se fraco n'aquella camara, e quiz angariar sympathias, senão adhesões; para este effeito, fez esta concessão incompleta, como vou demonstrar, sem se lembrar que as concessões incompletas não trazem sympathias, porque são timidas, nem adhesões, porque equivalem a recusas.
Os projectos de incompatibilidades, elaborados por esta fórma, são absolutamente inuteis; ponhâmos de parte os artificies de palavra, fallada ou escripta, e vejâmos o que representa o decreto ministerial.
O que se teme? Manifestamente receia-se que o interesse particular (tristemente pronuncio estas palavras n'esta tribuna) de alguns ministros, na administração ou fiscalisação de emprezas particulares, se sobreponha aos interesses publicos, que devem salvaguardar.
É isto o que se tem em mira no decreto das incompatibilidades, tirando-lhe as reticencias e até as insinuações de caracter pessoal, que existem, como já o provou o illustre deputado o sr. Fernando Palha.
Ora, sr. presidente, se um homem, um ministro, é bastante immoral para prevaricar, porque recebe um ordenado; esse mesmo homem, esse mesmo ministro, não prevaricará, acceitando favores por qualquer outra fórma?
Como impedir esta acção immoral, se o interesse se traduz não só pelo ordenado, como pelos favores, que ao mesmo correspondem, que particularmente se podem receber? Pois se o homem publico é bastante deshonesto para prevaricar pelo ordenado, não o será igualmente para prevaricar por outra fórma?
Sr. presidente, se admittirmos que um ministro, porque é director de companhias, póde esquecer os deveres moraes do seu cargo, então sejâmos logicos, e impeçamol-o tambem de ser accionista, porque, n'este caso, ainda póde ter maiores interesses do que sendo simples director.
Se uma lei d'esta natureza, cuja essencia é a suspeição e a desconfiança, cuja origem é o peior jacobinismo, é admissivel, só votaria a que envolvesse todas as entidades e todas as causas de incompatibilidade.
Leis d'esta ordem afastam-se por dignidade dos homens publicos e da politica do paiz; mas, se se tem de acceitar, ao menos que tenham profundo caracter de generalidade quanto ás pessoas, que abrangem, e quanto ás causas de incompatibilidade.
Ora, se o principio do decreto das incompatibilidades é mau, o governo tornou-o pessimo pelas excepções que lhe introduziu. A proposta ministerial não envolve senão os ministros,

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E porque será que a proposta ministerial envolve apenas os ministros? A resposta vão ser dada não por mim, mas pelo proprio relatorio, que antecede o decreto.
Eis o que o relatorio diz textualmente:
«Entre as providencias, urgentemente reclamadas pela opinião publica, comprehende-se esta (das incompatibilidades) para os ministros, pares e deputados.»
Os actuaes ministros, como profundos respeitadores da opinião publica, escutam-na e ouvem que reclama as incompatibilidades para os ministros, pares e deputados.
Logo, o que fez logicamente o governo? Exclue os pares e os deputados!
Por que fez o governo a excepção? Linhas abaixo responde o relatorio a esta pergunta:
«Porque importa o assumpto directa e immediatamente á constituição intima das assembléas legislativas. Entendemos, pois, que aos seus membros se deve deixar o regularem uma situação, que lhes é propria, com inteira responsabilidade e independencia.»
Este respeito serodio pela constituição do parlamento da parte de um governo, que lhe alterou a constituição com um simples decreto e lhe usurpa, ou cerceia, as attribuições em vinte e um decretos dictatoriaes, deve ter uma explicação menos sublime! Já vamos encontral-a.
E para não deixar duvidas no espirito publico, o governo accentua as vantagens, que devem provir das incompatibilidades, affirmando de uma maneira geral (phrases textuaes do relatorio) que são providencias, em verdade, tão proveitosas para a boa administração do estado, como necessarias para o respeito e prestigio indispensaveis aos membros do poder executivo e legislativo. Medida no proprio interesse dos nossos homens publicos, pela qual convem cortar cerce as rasões de suspeição, que todos os dias se levantam.»
Oh! sr. presidente, pois se todas estas rasões sito verdadeiras, se a opinião publica exige que estas incompatibilidades se estendam aos pares e deputados, porque não aproveitou o governo o ensejo e não abrangeu os membros do parlamento?
Vou tambem cortar cerce com todas as preoccupações, que me podiam impedir de dizer a verdade.
O governo não abrangeu no seu decreto os pares o os deputados, porque temeu perder adhesões nas duas casas do parlamento.
Pois, comprehende-se, se o paiz exige o principio, se é questão de dignidade, de confiança e de respeito para os homens publicos, que o governo exclua da regeneração politica e do respeito publico os seus proprios partidarios, dizendo-lhe apenas: «façam o que quizerem, na certeza que a nossa opinião é esta».
Sr. presidente, sempre desejava ver o que faria o governo, se o sr. João Pinto dos Santos, ou outro qualquer deputado, que represente n'esta camara, o grupo, que na outra casa do parlamento sustentou o projecto das incompatibilidades, apresentasse um additamento, comprehendendo os pares e deputados!
Se esse additamento for apresentado terá com toda a certeza alguns votos; o meu, não por concordar com o principio, mas porque a proposta é melhor do que o que está, e tres votos de ministros deputados: os srs. Arroyo, Arouca e Franco Castello Branco.
S. exas. sustentam no relatorio esta doutrina, são membros do parlamento, logo é claro que votam o alargamento das incompatibilidades. Ora, os votos dos ministros imprimem caracter. Se o illustre deputado tentasse?
Ainda não é tudo. N'este decreto, como sempre, as palavras não correspondem ás intenções dos ministros, nem mem aos principios que elles affirmam.
O que se lê no decreto? São incompativeis as funcções de ministro com as de administrador ou fiscal de qualquer empreza ou sociedade mercantil ou industrial.
Funcções? Oh! sr. presidente, veja v. exa., admire o paiz, isto não obriga nem a pedir a demissão temporaria do cargo exercido, quando muito leva a pedir uma simples licença ao entrar no ministerio, licença que é dispensada, ou cassada, ao sair do cargo ministerial!
É uma singela solução de continuidade nas funcções particulares, sempre, ou quasi sempre, praticada pelos differentes ministros, que não tinham tempo material para accumular os serviços particulares com os publicos!
As incompatibilidades comprehendiam-se por outro systema; admittem-se as de certas leis francezas, em que a incompatibilidade não existo só quando as funcções publicas e particulares se podem accumular; mas ainda subsisto depois, n'um periodo mais ou menos largo, de cessarem as causas officiaes que a motivaram.
Comprehende-se esta doutrina; de outra fórma, isto é simplesmente uma bola de sabão, irisada pelos raios do sol, que uma creança faz rebentar com um sopro.
Este decreto não se sustenta nem á face dos principies e da logica, nem á face da rigorosa interpretação das palavras, que encerra.
A fórma do additamento, devia ser outra. Não o proponho porque não está dentro das minhas opiniões; mas o additamento, para que a lei tivesse algum valor, devia conter mais tres palavras: são incompativeis na funcções dos ministros effectivos e honorarios, com, etc.
Isto comprehendia eu, isto era lógico; porque se eliminava toda a acção perturbadora das causas, que na opinião dos actuaes ministerios, influem, ou podem influir, na moral do cidadão, que desempenha os mais altos cargos publicos. Mas isto era, ao mesmo tempo absurdo, visto a pobreza, felizmente honrada, da maior parte dos nossos homens publicos.
Este decreto das incompatibilidades é mais accentuadamente partidario do que os outros; parece que o governo, onde poz a mão, deixou o estigma indelevel do mais estreito facciosismo politico, quer em relação a principios, quer em relação a interesses sociaes.
O espirito reaccionario e faccioso penetra profundamente toda a dictadura e manifesta-se, ainda mais claramente, nos decretos que vou estudar.
Como se quizesse fazer a theoria positiva de um grupo de phenomenos, vou colligir os factos, e depois, pelo methodo deductivo, farei o que se póde chamar a theoria positiva da dictadura politica de 29 de março. Não ha outro meio para estudar na generalidade esta questão complexa.
Os tres primeiros decretos, por mim citados, tocam era quasi todas as formulas da manifestação de pensamento.
O quarto, o que trata da correccionalisação dos processos, completa os tres primeiros; mas considerarei apenas, n'este momento, os que se referem aos direitos de reunião, de associação e da imprensa, e depois em traços largos veremos as responsabilidades attribuidas aos abusos d'estes direitos.
Dada a nossa organisação social, e pela de todos os paizes civilisados, a liberdade do pensamento manifesta-se pela palavra: nas reuniões publicas, nos espectaculos e no parlamento; e pela escripta: nos jornaes, nos pamphletos e no livro.
Se exceptuarmos o parlamento, por emquanto, e o livro, por algum tempo, todas estas liberdades publicas, que correspondem a sagrados direitos individuaes, foram profundamente feridas e mutiladas. O parlamento por emquanto, disse eu, porque tenho visto perpassar pelo olhar sereno, com que me fixa o sr. Lopo Vaz, esta idéa amigavel: como eu poderia evitar tanto sacrificio a este meu pobre amigo Fuschini com um simples e bom regimento. (Riso.)
Emquanto ao livro, ainda, não estou convencido de que nos decretos não exista alguma disposição, que a elle se possa referir, interpretada que seja com argucia e subtileza.
N'aquelle cumulo de habilidades, n'aquella teia emmaranhada de subtilesas, que constituem o decreto sobre a

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imprensa, debalde procurei essa disposição, mas.... é possivel que lá esteja.
E não me refiro ao artigo 11.°, sobre a publicação de livros ezoticos, porque com esse estou de accordo.
Disse o sr. Navarro e corroborou-o o sr. presidente do conselho, que desejava a maxima liberdade correspondendo á maxima responsabilidade.
O sr. Emygdio Navarro: - Alguma.
O Orador: - Quando fallam homens importantes como v. exa. e o sr. Serpa, não lhes perco uma só palavra, um só gesto; ía fazer essa correcção, que v. exas. estabeleceram ao principio geral.
Bem sei eu que, ironicamente, acrescentaram os dois illustres oradores, que já se contentavam não com a maxima responsabilidade, mas com alguma. Pois vão ficar contentissimos, porque o projecto envolve a minima liberdade correspondendo a maxima responsabilidade.
Sr. presidente, é necessario que em rapidos traços demos justa idéa do que é esta synthese, que talvez alguns collegas não saibam haver sido enunciada por Pedro José Proudhome, grande publicista d'este seculo e deputado socialista na assembléa constituinte de 1848 em França. Sempre é bom conhecer-lhe as origens, para conhecermos o espirito que a dictou.
A bella synthese de Proudhome é o enunciado da theoria, que deve presidir á elaboração de todas as leis, que regulara os direitos individuaes e as liberdades publicas.
Se não dermos uma ligeira explicação, para a maior parto da gente esta phrase maxima liberdade correspondendo á maxima responsabilidade é um artificio de palavras, incomprehensivel pela sua dogmatica seccura e percisão.
Sr. presidente, o exercicio da intelligencia, a mais esplendida de todas as creações da natureza, ou da Providencia, deve ser libérrimo; ninguem póde, ninguem deve, tentar, sequer, estabelecer a menor peia ás manifestações d'essa poderosa força immaterial, de que nasceu no passado, de que se alimenta no presente e d'onde ha de porvir no futuro todo o progresso humano. D'aqui deriva a necessidade da maxima liberdade no exercicio de todos os direitos individuaes.
Mas como a sociedade repousa no respeito reciproco de todos os direitos, e no justo equilibrio de todos os interesses, e o abuso de um direito envolvo necessariamente a diminuição de outro direito, ou a sua eliminação, e o abuso de um interesse traz forçosamente o sacrificio de outro, á mesma sociedade compete restabelecer a igualdade e punir o delicto, para que não se repita. A maxima responsabilidade é, pois, a consequencia social, logica e necessaria, da maxima liberdade do exercicio da intelligencia humana e, portanto, dos direitos individuaes e das liberdades publicas.
Esta é a boa doutrina, synthetisada no phrase de um dos maiores philosophos politicos d'este seculo, Prudhon.
Vejâmos, agora, se a estes principios correspondem os decretos do governo.
Sr. presidente, as leis, que regulam os direitos de reunião e de associação, têem a data de 15 de junho de 1870, ambas são referendadas pelo sr. Dias Ferreira.
N'estas leis o exercicio dos direitos approxima-se, quanto possivel, do principio da maxima liberdade.
O direito de reunião é garantido independentemente de qualquer anctorisação. E para que a fiscalisação social se possa exercer, a lei exige apenas participação escripta, assignada pelos promotores da reunião, indicando o local, objecto, dia e hora á auctoridade policial do bairro, ou concelho, com vinte e quatro horas de antecedencia.
A dissolução póde só ter logar, quando a assembléa se afasta dos fins indicados, ou perturba a ordem publica; ainda assim com advertencia prévia, em voz alta, da auctoridade policial assistente.
O direito de associação foi legislado nos mesmos moldes.
É independente de licença prévia da auctoridade. Os promotores participam logo á auctoridade policial a organisação, o fim e a natureza da associação.
Para exercer a fiscalisação, a auctoridade, sempre a policial, tem entrada livre nas assembléas da associação.
Taes são os principios, realmente liberaes, que regulam estes direitos. As participações á auctoridade policial e a sua presença nas assembléas provam que o legislador mais se preoccupa pela manutenção da ordem material, do que pelos abusos da liberdade de enunciação do pensamento.
(Entra na sala o sr. Dias Ferreira.)
Ainda bem que entra neste momento o sr. Dias Ferreira, que referendou esta lei. Esperava-o, porque a defeza não me cumpre a mim fazel-a, mas sim a quem foi o seu auctor, e vê hoje desprezados e sophismados os seus principios.
Aqui tem v. exa. e a camara condensadas as bases das leis de 1870, em relação ao exercicio dos direitos de reunião e de apreciação.
A simplicidade d'estas leis, uma das quaes tem cinco artigos e a outra seis, deve indicar á camara e ao paiz a sinceridade do legislador; porque é sempre bom, na minha opinião, desconfiar de leis que regulam minuciosamente o exercicio dos direitos; leis muito longas, que de casuismo em casuismo formam um labyrintho, em que se não distingue bem aonde e quando começa a responsabilidade pelos abusos, aonde e quando começa a perseguição ao livre exercicio dos direitos individuaes.
Disposições posteriores reduziram a faculdade da reunião dos cidadãos a recintos fechados. Todos conhecem as rasões d'esta limitação. As reuniões na rua incommodam o transito e as transacções commerciaes e regulares de uma cidade, e é necessario evitar que o direito de um cidadão atropello o direito de outro cidadão; por isso, determinou-se que se fizessem era recintos fechados as reuniões, sem alterar em cousa alguma as restantes disposições da lei.
Era tão rasoavel esta restricção que ninguem se levantou contra ella, nem deixaram de se fazer meetings, ou reuniões publicas, nem deixaram de se encontrar recintos fechados para este fim.
Ora, sr. presidente, a affirmação do governo e dos seus defensores tem sido, até hoje, que os direitos de reunião, associação e de imprensa foram regulados; mas em nada foi tolhido o seu livre exercicio.
A camara vae ver como o governo regulou e esclareceu estes direitos.
O decreto n.° 1 de 29 de março declara, no seu primeiro artigo, em vigor a lei de 15 de julho de 1870, que se refere a reuniões publicas.
Este decreto, em primeiro logar, distingue as reuniões nas das e em recinto fechado. Para as reuniões nas ruas, em que classifica as procissões civicas e os cortejos, para os quaes não subsistem as rasões, por mim apontadas, para os meetings, ou reuniões fixas, exige prévia auctorisação escripta do governador civil e do administrador do concelho.
Pela legislação anterior, os cortejos e procissões civicas faziam-se com simples auctorisação policial.
As reuniões em recinto fechado deixa-as ainda realisar com simples declaração á auctoridade; mais o legislador mostra já o dedo, e em logar de vinte e quatro horas fixa em quarenta e oito horas, pelo menos, o praso d'essa declaração previa.
Põe já as dificuldades que póde pôr. O mais grave, porém, o que constituo uma verdadeira restricção do direito, sophisticamente introduzido em disposições que parecem secundarias, é que, mesmo n'este caso, o governador civil, ou o administrador da concelho, podem existir termo de responsabilidade aos promotores.
Ora, este termo envolve nada menos do que a responsabilidade pela manutenção da ordem publica, e pela natureza das doutrinas, que os oradores exponham nos comicios, sob pena de multa de 100$000 réis.

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Isto é o sophisma mais transparente que póde haver. (Apoiados.)
Para que dizem em vigor os principios da lei de 15 de julho de 1870, se a auctoridade, sempre que o queira, póde exigir um termo de responsabilidade d'esta ordem?!
Em melhores condições ficam as reuniões nas das do que em recinto fechado.
Nas das é preciso auctorisação prévia, sem duvida; mas, obtida ella, os promotores não têem mais responsabilidade. Em recinto fechado basta a simples declaração; mas ha de exigir-se sempre o termo de responsabilidade, quando as reuniões sejam adversas ao governo, e os promotores ficam sujeitos a todas as eventualidades da alteração da ordem publica e do abuso de palavra.
Se isto é regular o direito primitivo, o verbo «regular» deve ter no diccionario do governo o sentido que tem o verbo «restringir» nos diccionarios populares!
Vê-se bem que o legislador tem menos horror ás reuniões, em que se não discute, como as procissões civicas e os cortejos, do que áquellas em que se expõem idéas e opiniões.
Ha, porém, cousa mais grave. As reuniões podem ser dissolvidas, ou prohibidas, pela auctoridade, quando assim o exijam as necessidades da ordem, ou da tranquillidade publica; mas serão sempre dissolvidas, quando se expendam idéas tendentes a derrubar o systema monarchico representativo!
Não direi á camara, a quantos casuismos póde levar esta questão de tranquillidade publica, perguntarei apenas ao governo como interpreta esta phrase - expender idéas, tendentes a derrubar o systema representativo?
O que significa esta phrase? Não hei de eu dizel-o, nem é necessario que o governo responda, vae explical-o o proprio decreto, que nos dá a rigorosa interpretação d'esta phrase vaga e ameaçadora.
Effectivamente, as associações tambem podem ser dissolvidas, é uma disposição parallela a que acabo de expor, e sabem quando?
É incrivel a doutrina; quando se desviem dos seus fins, ou se convertam em instrumentos de propaganda (sic!) para derrubar o systema monarchico representativo.
Lê-se isto claramente, e não se acredita, no artigo 4.° do decreto dictatorial!
Instrumento de propaganda!
Oh! sr. presidente, isto quer dizer, simplesmente, que se ámanhã eu em reunião publica sustentar pela historia, pelas sciencias sociologicas, pelos melhores criterios intellectuaes, emfim, que o regimen electivo é preferivel ao regimen hereditario, por este facto póde ser dissolvida a reunião, o comicio e até a associação!
Veja a camara a differença, que existe entre o legislador primitivo e o actual. Na lei de imprensa, que o sr. Barjona de Freitas, meu amigo, referendou em 22 de maio de 1866, cuidadosamente foram escriptas no artigo 5.°, § 2.°, estas disposições;
Não são, porém, prohibidos os meios de discussão e critica das disposições tanto da lei fundamental do estado como da» outras leis, com o fim de esclarecer e preparar a opinião publica para as reformas necessarias, pelos tramites legaes.
Onde existe nos decretos do governo esta garantia de propaganda scientifica? Desappareceu completamente!
Pergunto ao sr. Dias Ferreira, em que transformaram os principios liberaes da sua lei?
Póde dizer-se, se na camara é licito empregar ironias contra ironias, pois ironico era o modesto desejo de que á maxima liberdade correspondesse alguma responsabilidade, que dos decretos de 1870 ficará apenas n'esta legislação, se passar em côrtes, o seguinte artigo: «Fica revogada a legislação em contrario». O mais foi rasgado desapiedadamente!
N'umas disposições, claramente, e noutras por combinações enredadas e causidicas, os decretos dictatoriaes tecem uma rede enorme, em cujas malhas apertadas hão de enleiar-se os incautos e os imprevidentes, e até os que scientificamente discutirem os problemas da moderna sociologia
Vamos agora ao decreto que se refere a representações theatraes. Tire-lhe v. exa., sr. presidente, a origem nefasta da dictadura e estarei de accordo com a sua doutrina.
Duas cousas apenas apontarei, que seria conveniente riscar d'esse decreto; em primeiro logar as caricaturas ou, imitações pessoaes, cuja prohibição póde fazer perigar uma representação theatral e os interesses numerosos, que a ella andam ligados.
Não tenham os srs. ministros tanto respeito pela solemnidade das suas magestosas pessoas!
A caricatura, sendo ainda um ramo da arte, póde não ser offensiva; e quando mesmo uma ligeira ponta de ironia ou de sarcasmo attingisse determinadas pessoas, deve perdoar-se-lhe este pequeno mal pelo bem, que podem trazer á arte nacional.
Não sei que nenhum dos nossos homens publicos tenha sido prejudicado pela apresentação da sua caricatura nos palcos dos theatros. Porventura o sr. Marianno de Carvalho deixou de ser Marianno de Carvalho, ou o sr. Arroyo deixou de ser Arroyo, por apparecerem sobre um palco as suas engraçadas caricaturas?
Elimine ainda a camara uma palavra, que fere o ouvido, não deixe a designação de «commissão de censura theatral», ao que, pelas suas attribuições, póde apenas ficar com o nome mais despretencioso e simples de commissão theatral.
Porque estará, talvez, nas intenções de s. exas. estabelecer a censura; mas não corresponde, por emquanto, o nome ás attribuições da commissão. Tem esta uma essencia muito differente, e de tal natureza que não tenho duvida em a acceitar.
Entremos agora, serena e detidamente, na apreciação do decreto sobre a liberdade de imprensa.
Devo declarar á camara que me sinto um pouco embaraçado. Tenho um fraco, o confesso-o. Sinto uma tendencia irresistivel pelo talento, por aquelles que na escala da animalidade se approximam mais dos principios eternos.
Está n'esses casos o sr. Lopo Vaz. Mais de uma vez, não concordando com as suas opiniões, tenho procurado ver se a minha dialectica é bem forte, se a minha voz é bem eloquente para o convencer. Não o consegui ainda, talvez agora o consiga.
É originalissimo tudo que se refere, ou envolve, este decreto sobre liberdade de imprensa. A primeira originalidade deu-se, quando o sr. Lopo Vaz, levantando-se n'esta camara, com a sua voz suave e unctuosa, declarou não ter responsabilidade na reforma do codigo penal de 1884; mas que affirmava agora que, effectivamente, fora o auctor do relatorio, que desenvolve a theoria do decreto sobre a imprensa.
É singular! Quem, como eu, conhece o sr. Lopo Vaz, sabe que s. exa. não fez em sua vida nada inutil. Porque se levantou s. exa. para fazer esta declaração, que, aliás, não é da praxe parlamentar em decretos assignados por todos os ministros?
De duas uma: ou s. exa. entende que é este o ponto fraco da dictadura, e galhardamente expoz o seu peito ás balas; ou julga-o o ponto forte, e que corresponde ao pedido instante da opinião publica, o acto enérgico do governo, e quer chamar para si as glorias e a popularidade da resolução. Esta ultima ponta do dilemma levava-me, porém, a disconfiar da modestia e da lealdade ministerial de s. exa.
Considera, pois s. exa. este decreto o lado mais vulneravel da dictadura e declara-se o unico responsavel; é digno, é cavalheiroso.
Obriga-me, assim, esta generosidade a empregar com s. exa. todas as finuras do meu espirito, todas as delicadezas da minha palavra.

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É singular, tambem, que o proprio relatorio declare, com toda a cautela, que o governo por unanimidade de votos entendeu impor se esta tarefa; dando a entender por esta fórma que n'este ingrato trabalho (o ingrato é meu) da dictadura houve em mais de um ponto, talvez da parte de sua exa., desaccordo de opiniões.
São todas estas declarações singulares, não só pela occasião, como por não constituirem praxe parlamentar; antes pelo contrario.
Apparece ainda no relatorio outra novidade, um novo argumento a favor das dictaduras; não já das dictaduras accidentaes, mas das permanentes e que constituem um systema politico. Argumento tão completo e superior, na realidade, que leva directamente á condemnação do parlamentarismo.
Quer a camara ouvir o periodo do relatorio que é eloquente?
«Dizia um ministro italiano, Zenedeli, escreve o tr. Lopo Vaz, que a experiencia, tanto do parlamento italiano como dos parlamentos estrangeiros, o tinha convencido de que em materia de organisação judiciaria não era possivel obter das côrtes a approvação de reformas geraes e complexas, porque ou não eram discutidas, ou saíam da discussão dilaceradas sem chegarem a bom porto. Comquanto os factos ultimamente occorridos entre nós pareçam de certo modo confirmar este modo de ver pessimista, é certo que não faltam exemplos da asserção opposta, assim na historia patria como na de outras nações cultas, e o desejo do governo era que a reforma fosse consagrada no santuario das leis antes de entrar em vigor, se d'ahi não resultassem delongas, que contrariam as necessidades do serviço publico que superiormente se impõem na conjunctura presente.»
Sr. presidente, reum confitentem habemus. É ainda titubiante a opinião. Vem com recatos modestos e respeitosos; mas o que se machina é a destruição do parlamento. Não se corta abertamente com elle, mas deita-se habilmente a semente á terra para ver se germina.
As blandicias e as cortezias dos futuros dictadores são suaves; mas quem for perspicaz vê desenhar sob a alva tunica dos candidatos ao poder supremo, a ponta da adaga que ha do ferir o parlamentarismo, se se deparar para isso occasião opportuna.
Deixo esta idéa consignada, e veremos o que o futuro responde a esta minha receiosa interrogação.
Mais ainda declara o relatorio, é sempre este o costume, que a opinião publica reclamava instantemente uma reforma, que transformasse os nossos costumes jornalisticos. N'este ponto estou de accordo com o sr. ministro, salvo em duvidar, bastante, que a opinião publica reclamasse a reforma que s. exa. pretende fazer.
O que a opinião reclamava simplesmente era o aperfeiçoamento da lei de 1866, o que era, como demonstrarei á camara, cousa facil de conseguir.
O legislador, todavia, vacillou em relação a tres caminhos que podia seguir.
Tinha a lei de 1866, que nos crimes de abuso de imprensa não admitte cumplicidade; a legislação franceza, considerando principal agente do crime o editor e o auctor apenas cumplice; e, finalmente, a doutrina do artigo 1.°, § 1.º do codigo penal, que diz assim:
«São auctores os que executam o crime ou tomam parte directa n'elle.»
Julgo escusado dizer aos meus illustres collegas que o espirito liberal do legislador não vacillou; adoptou a terceira hypothese, percisamente porque é a mais draconiana. Era natural.
E porque a adopta? São palavras textuaes do legislador:
« O responsavel do periodico é o seu editor, e da materia publicada o auctor d'ella; este e aquelle concorrem essencialmente para a perpetrarão do delicto e por isso deve recaír em ambos a responsabilidade correlativa.»
Ora eu, que em questões de jurisprudencia sou assás ignorante, mas que ainda sei folhear um codigo e ler um artigo, fui ao codigo penal, e pareceu-me que o mais applicavel a esta doutrina, ou theoria criminal, era o artigo 22.°, § 2.°, que diz assim:
«São cumplices:
«Os que concorrem directamente para facilitar, ou preparar a execução, nos casos em que, sem esse concurso, podesse ter sido commettido o crime.»
E disse commigo: é o caso applicavel a theoria penal do legislador. Como ha muitos editores, porque jornaes ha muitos, o auctor do artigo é o agente principal do crime e cumplice o editor.
Faço estes raciocinios para mostrar á camara, que a tendencia do legislador é sempre de attingir as responsabilidades maximas em todos os abusos de imprensa.
E ainda não é tudo. O proprio relatorio indica-nos o que se póde fazer, no futuro, em mais completa reforma da lei da imprensa.
O legislador raciocina com magua: dois auctores, ou agentes principaes do crime, já dão garantia; principalmente, completando esta disposição com outras que indicarei á camara; porém, melhor, sem duvida, seria conseguir que um d'estes agentes fosse o director da redacção. Então sim. O editor, por via de regra, é um homem insignificante; mas o director da redacção, que deve ter posição elevada na escala da hierarchia jornalistica, a esse nos convinha impor todas as responsabilidades; pena é que o processo de habilitação dos jornaes nos não permitta, ainda hoje, tornar agente principal do crime o director da redacção. Mas, lê-se nas entrelinhas do decreto, ficará isto para uma nova regulamentação dos direitos da imprensa.
Por estas simples indicações vê v. exa. e vê o paiz, ou, antes, ha de ler o paiz, e tenho muita pena de que elle não possa ouvir tudo que se tem dito n'esta camara, como principia a desenhar-se o espirito do legislador, e como as suas instrucções se definem com extrema clareza.
Procedâmos agora methodicamente, e vamos ver como a lei de 1866 regulava o exercicio da liberdade de imprensa. Eis quaes são as suas disposições para a habilitação do jornal;
1.° Declaração do nome do editor, assignada por elle, oito dias, pelo menos, antes da publicação do jornal, perante o administrador e delegado respectivos;
2.° Por falta da declaração do editor, ou insufficiencia dos documentos respectivos, é responsavel o dono da imprensa e o jornal é supprimido;
3.º No caso da falsidade dos documentos cessa a responsabilidade para o dono da typographia;
4.° A falta, ou incapacidade, superveniente do editor implica tão sómente a suspensão do jornal;
5.° Se o dono da typographia conhecer esta falta ou impedimento superveniente é responsavel por ella e o jornal é supprimido.
Pelos abusos de imprensa são responsaveis:
1.° O editor, havendo-o, emquanto não fizer conhecer o auctor;
2.° O auctor, quando não existir editor, ou este declinar a responsabilidade para o auctor;
3.° O dono, ou administrador da imprensa, quando, na falta de editor, não fizerem conhecer o auctor;
4.° Os vendedores, affixadores, distribuidores, ou pessoas que por qualquer modo concorram, sciente e voluntariamente, para a publicação, na falta de editor, se não fizerem conhecer o auctor ou dono da typographia.
Declinada a responsabilidade, e acceita que seja, não poderá mais declinar-se.
Vejamos, agora, as disposições do decreto dictatorial sobre a liberdade de imprensa.
O decreto, acceitando todos os principios da habilitação,

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modifica e altera, consideravelmente, as condições de responsabilidade.
Efectivamente, declara responsaveis:
1.º O auctor e editor, como agentes principaes (auctores do crime);
2.º O dono ou administrador da typographia na falta de editor de imputação, ou quando este não for encontrado; exclusivamente se não for conhecido o auctor, cumulativamente se este for conhecido;
3.° Os que expozerem á venda o jornal, quando não for conhecido o dono ou administrador da typographia, ou as pessoas que de qualquer modo concorreram, sciente e voluntariamente, para a divulgação.
Note a camara, que as ultimas palavras, textualmente copiadas da lei de 1866, apparecem com uma modificação: aonde esta lei diz «publicação», lê-se no decreto «divulgação»!
Para que não haja a menor duvida, em que o legislador quer sempre duas victimas, diz-se que serão observadas, em todos os casos, as disposições da segunda parte do artigo 24.° do codigo penal, que diz o seguinte:
«... mas a punição de qualquer auctor, ou encobridor, não está subordinada á dos outros agentes do crime.»
Os illustres deputados, que seguiram o meu raciocinio, comprehenderam bem, que as condições de responsabilidade da lei de 1886 foram completamente alteradas pelo decreto dictatorial.
A sanha do legislador, porém, é contra o dono da typographia; este póde declinar a sua responsabilidade no editor, quando este appareça em juizo; mas esta declinação é condicional; a responsabilidade restabelece-se sempre que o editor desappareça.
Este principio é, perfeitamente, contrario ao da lei de 1866, que declara que, uma vez acceita a responsabilidade, não poderá mais declinar-se; portanto, logicamente; a responsabilidade, de quem declina, foi eliminada por este facto e não póde mais restabelecer se.
Esta disposição, quasi mascarada, do decreto é uma verdadeira espada de Damocles suspensa sobre as typographias.
A finura e a hibilidade dos agentes do governo podem fazer, sempre que se queira, desapparecer o editor, que aliás já havia acceitado a declinação e, n'este caso, applicar-se-ha ao dono da typographia o confisco disfarçadamente introduzido no artigo 10.°, cuja doutrina é a seguinte:
«Artigo 10.° O titulo e propriedade do periodico, e o material typographico, ou litographico da officina, ou officinas, em que tiver sido feita a respectiva composição e a impressão, ou estampagem, respondem pelo pagamento das multas, e pelo da indemnisação de perdas e damnos em que tenham sido condemnados os responsaveis d'esse periodico, quando por outra fórma não tenham sido satisfeitas, sem que a isso possam ser oppostos embargos fundados em qualquer especie de privilegio ou de hypotheca, e ficando sempre resalvados os outros meios legaes de fazer effectivos aquelles pagamentos.
Apontarei ainda outro facto que parece insignificante, mas que tem importancia para demonstrar a minha these. O espirito de perseguição do legislador vae até ao ponto de alterar as palavras, da legislação anterior, para lhe dar maior generalidade; para este effeito a palavra publicação da lei de 1866 é substituida por divulgação, que tem um sentido muito mais lato, muito mais vago do que a primeira.
Concorrem para a publicação aquelles que praticam actos, que a mesma publicação, exige, desde o auctor do artigo até ao ultimo vendedor do jornal, ou pampheleto, todos praticam actos de publicação, sem duvida.
Não commette acto de publicação quem, por exemplo, ler na rua a um grupo de circumstantes um artigo qualquer; mas divulga-o e, por esse facto, cae sob a alçada do Decreto dictatorial!
As restricções não param aqui, e são mais graves. A lei de 1866 não envolve a suppressão e a suspensão do jornal senão em casos taxativos e expressos.
Assim, admitte a suppressão nas condições, em que a carta permitta a suspensão das garantias constitucionaes (artigo 145.º § 34.°), isto é, no caso de rebellião, ou invasão de territorio; e, ainda, por falata de declaração do editor, por declaração feita em documentos insufficientes, por falata ou incapacidade superveniente do editor, com pleno conhecimento do dono da typographia.
Admitte a suspensão: por falta, ou iucapacidade, superveniente do editor, desconhecida do dono da typographia.
E o legislador de 1886 teve tal cautela em regular estas restricções, aliás justissimas, que no artigo 14.° da lei diz: que, fóra d'estes casos, não póde ser suspenso, qualquer periodico, ou publicação.
O decreto dictatorial acceita todos os casos de suspensão e repressão da lei de 1886, introduzindo novas disposições, para as quaes chamo a attenção dos meus illustres collegas.
Será ordenada a suspensão da venda publica, por um periodo de tres a trinta dias, conforme as circumstancias, no caso de condemnação pelos seguintes crimes: Offensa publica contra o Rei, ou Rainha reinante, immediato successor á corôa, regentes, etc., etc. (codigo penal, artigo 169.°)
Tentativa de mudança de fórma do governo (codigo penal, artigo 170.°);
Tentativa de destruição da integridade do reino (codigo penal, artigo 171.°)
Excitação á guerra civil (codigo penal, artigo 171.°);
Excitação dos habitantes ou militares contra o Rei (codigo penal, artigo 171.°);
Violencias, contra a reunião e decisão do parlamento (codigo penal, artigo 171.°);
Provocação a um crime determinado (?) sem que se siga effeito, ou com elle (codigo penal, artigo 483.º);
Incitamento, a quem exerça funcções e auctoridade publica, para infringir as leis e os regulamentos (decreto dictatorial, artigo 8.°, § 2.°);
Phrases subversivas da segurança do estado ou da ordem publica, posto que não constituam incitamento ou provocação ao crime (idem).
N'estes casos, se o jornal não for vendido nas ruas, como seria inutil a suspensão, venda é substituida pelo aggravamento da multa.
A suppressão definitiva será ordenada quando houver accumulação de tres ou mais d'estes delictos, ou, em periodo não inferior a dezoito mezes, existam duas condemnações.
Mas, sr.º presidente, o que deve entender-se por phrases subversivas da segurança do estado ou da ordem publica, posto que não constituam incitamento ou provocação ao crime?
Que especie de subversão póde haver em phrases, que incitam ou provocam ao crime?
A propaganda scientifica póde empregar phrases subversivas da segurança do estado, quando discutir ou condemnar o regimen monarchico? Póde certamente, logo que o delegado, que promove, e o juiz singular, que julga, entenderem, na sua alta sabedoria, que toda a segurança do estado repousa sobre a monarchia. Ora, esta opinião é tanto mais provavel, quanto vivemos no regimen da monarchia.
Veja v. exa. e veja o paiz, como o legislador da dictadura tende sempre a generalisar as causas de delicto; e no decreto sobre direitos de reunião e associação, e n'este decreto sobre a imprensa proporciona sempre uma interpretação subtil, quando não uma phrase expressa, para abranger, se as circumstancias o exigirem, a propaganda scientifica e a discussão sociologica das fórmas de governo!
Sr. presidente, estamos chegados ao ponto, por termos

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colligido factos positivos e incontestaveis, em que podemos fazer a theoria positiva dos decretos politicos de 29 de março.
Bastam estas comparações para demonstrar a enorme restricção do exercicio dos direitos, que envolvem os decretos dictatoriaes de 29 de março, e a falsidade das allegações, que no principio se pretenderam fazer, em contrario.
O legislador, de casuismo em casuismo, estende uma rede apertada de difficuldades ao exercicio da liberdade de imprensa. As disposições emmaranhadas do decreto têem sempre na contextura uma armadilha, em que o mais cauto póde ser agarrado. O que são phrases subversivas da segurança do estado? Nada, ou tudo, conforme a interpretação.
O espirito inquisitorial do legislador leva-o a legislar até ás ultimas minucias, até a transformar as palavras da legislação actual, para generalisar a applicação das responsabilidades e das penas.
O espirito de perseguição leva-o a alargar, o mais que póde, a esphera de acção da lei para abranger mais victimas, e conserval-as por longo tempo sob a alçada das penas.
A intelligencia arguta, mas sombria, que os dictou podia, sem duvida, animar a inquisição do estado e presidir ao conselho dos dez, a sinistra instituição da republica de Veneza.
Quer a camara conhecer um facto, que prova ainda mais este espirito inquisitorial? Chega a ser curiosa esta revelação nas responsabilidades dos delegados. Nos crimes enumerados anteriormente, o delegado deve proceder, sem necessidade de ordem superior, sob pena de suspensão até tres mezes. Mas como o delegado póde ser nomeado juiz e a suspenção, dependendo da relação, é mais difficil, esta pena é transformada em desconto de tres mezes no tempo da antiguidade.
Não basta, porém, isto; durante tres annos estes funccionarios ficam sob a acção de uma alçada, que existe no ministerio da justiça, isto é, da vontade do ministro.
Durante tres longos annos, um leitor minucioso dos jornaes publicados no periodo de responsabilidade do delegado, póde encontrar rasões e motivos para o suspender, ou tirar ao juiz, se já o for, tres mezes de antiguidade para1 o tempo da reforma. Com boa vontade, até a escala das reformas póde ser alterada por este meio! Isto é monstruoso!
O periodo, durante o qual impende sobre a cabeça do delegado ou do juiz a penalidade do decreto, está tão habilmente fixado, que chega a ser o da duração media dos ministerios!
Dir-se-ía que este periodo foi calculado por forma que, realisada a mudança do ministerio, fique sempre na mão do novo ministro uma terrivel arma de perseguição e de tyrannia.
Por isso eu digo que foi um espirito tão alto, tão levantado, tão intelligente, tão tino, tão previdente o que pensou tudo isto, que podia ser, sem envergonhar os antecessores, doge na antiga Veneza e presidente do conselho dos dez!
Não está presente o meu illustre collega o sr. Navarro, mas pergunto ao sr. Antonio de Serpa: aonde está aqui a maxima liberdade no exercicio dos direitos?
A maxima responsabilidade vão s. exa. vel-a apparecer. Não que eu seja contrario a ella, porque entendo, repito, que a maxima liberdade individual no exercicio dos direitos deve corresponder a maxima responsabilidade perante a sociedade, petos abusos e crimes commettidos á sombra d'esse livre exercicio.
Passarei rapidamente sobre outras questões, aliás interessantes, porque não quero alargar mais estas considerações. Affirmo á camara que este decreto foi por mim pensado maduramente, comparado nas suas particularidades, pesado nas suas minucias, discutido nas suas disposições, porque sei o inimigo, que tenho diante de mim... o inimigo doutrinal, infelizmente incarnado no amigo pessoal.
Emquanto a responsabilidade o que se faz? Disse-o o illustre deputado o sr. Beirão; demonstrou com factos evidentes que o plano é isentar do julgamento do jury, que é, sendo bem organisado, uma garantia liberal, os crimes de abuso de pensamento, isto é, dos que nascem do exercicio dos direitos de associação, de reunião e de publicação pela imprensa, transferindo o seu julgamento para o juiz singular.
Mais alguma cousa, como tambem o sr. Beirão demonstrou, levou-se a perseguição, em certos casos; até obrigar o auctor do artigo a passar fatalmente pelo banco dos réus, sem remissão nem aggravo.
E quando o sr. Beirão exclamava, com rasão, que era vexatorio, ainda que a sentença não fosse condemnatoria, sentar-se um homem innocente no banco dos réus, o. sr. Lopo Vaz respondia com estas melifluas palavras: «nem sempre o banco dos réus é estigma indigno; póde ser tambem um chrysol, em que se apuram os caracteres e as reputações»!
Sr. presidente, a esta suprema ironia respondo eu, que hei de fazer todos os esforços possiveis para evitar que o meu caracter e a minha reputação sejam achrysolados por esta fórma singular!
Isto dito, pelo que respeita aos decretos propriamente politicos, poucas palavras acrescentarei ácerca d'aquellea que têem por fim reformar os serviços de justiça, augmentar os ordenados aos juizes, crear tribunaes commerciaes e, em Lisboa e Porto, juizes criminaes auxiliares.
Estou de accordo com grande parte das disposições consignadas n'estes decretos, o que não quer dizer, por forma alguma, que acceite a sua origem dictatorial; não, por certo. Se tivessem vindo ao parlamento para ser discutidos, votaria, em geral, os seus principios e as suas disposições. Todavia, foi inopportuna a sua publicação.
Não era no momento, em que se atacavam as liberdades publicas e os direitos individuaes, e se restringia a acção do jury no julgamento dos abusos d'estes direitos, passando aos juizes singulares a maior parte dos processos, outrora julgados com intervenção do jury, não era, n'esse momento, que o governo se devia lembrar de augmentar os vencimentos aos magistrados jndiciaes e, sobretudo, de crear juizes criminaes auxiliares nas comarcas de Lisboa e Porto!
Ninguem, por certo, tem direito do desconfiar levemente da magistratura portugueza; n'este estado, mais ou menos duvidoso, dos costumes publicos, o poder judicial, quasi sem excepção, de pessoas, conserva a mais alta e honrada comprehensão das suas importantes funcções sociaes.
Póde alguem contestar-lhe a competencia para o julgamento da crimes, em que a apreciação do facto tem exigencias especiaes, como nos abusos do exercicio daliberdade de pensamento; mas ninguem lhe contesta, e muito menos eu, a imparcialidade, a independencia e a rectidão, que honram a magistratura portuguezae fazem d'ella uma das glorias, que ainda ennobrecem o paiz.
Pela minha parte, todos o sabem, tenho procurado sempre entregar ao poder judicial a apreciação dos direitos, que a politica póde postergar e offender; por exemplo, fui, esou ainda, partidario do principio, que entrega a verificação das eleições dos deputados ao poder judicial; tal é a confiança que me inspiram os cidadãos que desempenham, elevadas e difficeis funcções de julgar.
Se julgo, porém, a magistratura superior a qualquer affrontosa suspeita, affirmo tambem que foi inopportuno augmentar os vencimentos de juizes, quando o governo para elles passava a maior parte dos julgamentos por abuso de imprensa.
E mais inopportuno ainda, e mais offensivo crear em Lisboa e no Porto juizes auxiliares, de livre nomeação do governo, exactamente nos centros em que mais hão de abundar os processos da imprensa!

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A inopportunidade das medidas e evidente; e se o meu espirito não e propenso a suspeições, porque não desconfia dos outros quem em si confia, esta regra, infelizmente, vão e geral, e o governo com as suas impensadas medidas (quero fazer-lhe justiça ás intenções) maculou com immerecida suspeição um dos altos poderes do estado.
Accusou o sr. Lopo Vaz, e bem, o illustre deputado o sr. Beirão, porque, levantando-se para criticar as idéas do governo, não expoz, conforme a nossa, missão nos obriga, as suas idéas e as suas opiniões.
O sr. Lopo Vaz teve dupla rasão de condemnar, hoje, no sr. Beirão o qual elle mesmo praticou, hontem, quando era opposição!
Tenho sustentado muitas vezes perante a camara a conveniencia de termos; como deputados da nação, essa simples disciplina mental, que nos aconselha não só a combater e destruir as idéas e as medidas do governo que nos parecem más, mas tambem a antepor principies a principios e, até, projectos a projectos.
Na minha pequena esphera de acção politica, como deputado, tenho seguido invariavelmente este methodo; nunca combati opinião alguma que não dissesse, ao menos, aquella que, sob o ponto de vista dos interesses publicos me parece preferivel.
Não tenho, como os srs. Beirão e Lopo Vaz têem ao seu lado, um partido numeroso, replecto de competencias nos variados ramos da administração publica; porque se o tivesse, quando condemnasse os actos do governo e lhe atacasse as suas propostas, em vez de devaneios rethoricos, em que as idéas apparecem como bolhas de ar á superficie da agua estagnada, contraporia principio a principio, idéa a idéa, projecto a projecto.
É este o systema mais util das discussões parlamentares. O partido, que assim procedesse, chamado ao poder, tinha o programma de antemão feito e bem conhecido do paiz; faltava-lhe apenas realisal o elemento a elemento.
Não quero, portanto, incorrer na mesma censura; e por isso, vou expor a minha opinião ácerca das reformas, que necessitavam as leis sobre os direitos de reunião, de associação e de liberdade de imprensa.
Ahi vae a minha opinião franca e sincera, de mathematico e não de jurisconsulto, que, aliás, tenho muita pena de não ser, podendo accumular.
Sr. presidente, pelo que respeita aos direitos de reunião e de associação, conservaria exactamente as leis de 1870, e affirmo a v. exa. que se tiver, directa ou indirectamente, acção sobre qualquer governo, o meu trabalho ha de Ter em mim restabelecer os principios sociaes nas bases d'estas leis.
Em relação á lei de imprensa, conservaria percisamente os principios da lei de 1866, que regulam o exercicio da liberdade; fazendo-lhe apenas algumas alterações na parte que se refere á responsabilidade d'este exercicio.
Como positivista, que sou, estudando a vigencia da lei actual, desde 1866 até hoje, vejo experimentalmente os factos, que d'ella derivam e demonstram os inconvenientes e imperfeições, das suas disposições.
Não nego estes factos; os abusos da imprensa têem sido grandes e carecem de correcção. Unicamente, é mister que esta correcção não restrinja o livre exercicio da liberdade.
Ora, estes factos podem grupar-se em tres categorias:
1.° A facilidade com que o auctor se faz substituir fraudulentamente por um testa de ferro.
É indiscutivel este ponto, e estou de accordo com o sr. Lopo Vaz.
2.º O jury, dada a sua actual constituição, não comprehende bem o valor d'estes crimes e absolve-os em geral.
Tambem estou de accordo com o sr. Lopo Vaz.
3.° O ministerio publico, por falta, de acção ou de iniciativa, não procede regularmente contra estes abusos.
Tambem estou de accordo com o sr. Lopo Vaz.
Estes são os phenomenos, estes são os factos, estes são os inconvenientes e as imperfeições, que resultam da experiencia da lei de 1866.
Ora, sr. presidente, creio que e de boa medicina applicar ao doente o remedio radical, mas não matal-o para o curar, da doença. Pois se estão indicados, pela experiencia, os defeitos, aonde doe é que se applica a cataplasma!
Se os illustres estadistas levantam ao apogeu da gloria o principio de maxima liberdade correspondendo, a maxima responsabilidade, conservem o exercicio liberrimo dos direitos e modifiquem, conforme as necessidades indicadas pela experiencia, as disposições, que dizem respeito á sua responsabilidade. Apenas isto e logico e rasoavel.
Tão simples me parece o processo, que receio vel-o alcunhado de logar commum, e que o meu amigo o sr. Emygdio de Navarro diga ás gentes no seu jornal que estou a quebrar, novamente, o ovo de Colombo; como se eu tivesse obrigação de conhecer todas as idéas incompletas, que perpassam pela cabeça de todos os estadistas completos do meu pais!
Um editor facilmente declina n'um testa de ferro a sua responsabilidade?
Não será facil descobrir o auctor; mas se quem assume a responsabilidade do escripto é testa de ferro, parece-me facillimo de demonstrar.
Quando se provasse, pois, a falsidade da declinação de um editor eu sobrecarregaria fortemente as respectivas penas; ao testa de ferro, considerado como agente principal, por venalidade, ao editor pela falsidade da declaração e ao verdadeiro auctor, se se poder agarrar, pela dupla cobardia de abusar de um direito sagrado, occultando-se atrás de um miseravel.
Creia, a camara que, por este systema os testas de ferro haviam de escacear, bem como os editores falsarios.
É o jury que funcciona mal?
Pois porque a instituição do jury funcciona mal, havemos de atacar o seu principio, considerado ha seculos uma garantia liberal? Não; reformer-se a instituição, mas respeite-se o principio.
O jury entre nós, já o disse o sr. Fernando Palha, está pessimamente organisado. A mim me aconteceu, muitas vezes o mesmo que a s. exa. Tendo sido jurado, nunca vi ao meu lado os gros bonnets da politica, os gros bonnets da finança, os gros bonnets da elegancia.
Por uma rasão, ou por outra, os melhores elemetos sociaes escapam-se a este trabalho violento e inglorio, mas tão util á sociedade.
Quantas vezes têem sido jurados o sr. Lopo, o sr. Hintze, o sr. Serpa?.
Se não ha força para os obrigar, culpem-se a si proprios; mas não condemnem o principio, prejudicado apenas pela sua debil applicação.
Para o caso em discussão, um bom expediente está indicado; e o jury, especial. A organisação d'este jury para os delictos e abusos do exercido dos direitos de reunião, associação e de imprensa parece-me de provada utilidade.
Composto por competencias jornalisticas e scientificas, facil lhe e apreciar a natureza do delicto, definir bem onde começa e acaba a propaganda scientifica e até, onde póde justamente chegar o exercicio dos direitos individuaes. Perante este jury parece-me facil a determinação da falsa declinação do editor e da existencia, provada por mil fórmas, do indigno testa de ferro.
E os jurys especiaes são difficies de constituir? Não; repetem-se os abusos nos centros, em que mais se exercem os direitos individuaes, onde ha mais reuniões e associações politicas e imprensa; portanto, nos centros mais illustres e scientificos do paiz. Ora, n'estes centros é facil de constituir o jury especial.
Nos outros pontos, em que a sua constituição era difficil se não impossivel, funccionaria o jury ordinario, partindo sempre do presupposto que se deve melhorar a sua consti-

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tuicão. O problema resolvia-se, ainda para este caso, estabelecendo uma fórma qualquer do recurso dos jurys ordinarios para os jurys especiaes das capitaes e dos centros intellectuaes.
Os delegados não procedem?
Estou do accordo com o sr. ministro, imponham se lhes responsabilidades regulares e penas severas; mas não os deixemos entregues á vindicta do ministro e aos effeitos de serodias perseguições.
Era isto que estava indicado pela boa logica. Por esta fórma, não se atacava o exercicio dos direitos e corrigiam-se as imperfeições das leis, indicadas pela experiencia.
Qualquer outro, systema é empyrico; ninguem de bom senso lança mão de meios extremos e violentos sem ter esgotado os processos brandos, que corrigem os abusos, sem ferir os principios da liberdade.
Sr. presidente, aqui tem v. exa. expressas as minhas opiniões e bem claramente definidos os principios, em que assentaria a minha lei da imprensa.
Não sou jurisconsulto, infelizmente; mas não me custa a acreditar que um homem versado n'estes estudos especiaes possa, aproveitando estas idéas, introduzir na actual legislação disposições conducentes a evitar os abusos da imprensa, sem restringir o exercicio do direito.
Passemos á ultima medida, e com isto termino a minha exposição.
Não condemno no decreto, que organisou o ministerio da instrucção publica, senão a sua origem.
Entendo, ha muito tempo, que a pasta do reino não póde conter a instrucção publica, como a pasta das obras publicas não deve comprehender o commercio, a industria e a agricultura. Não vou, portanto, por politica facciosa e mesquinha, condemnar actos, que eu proprio praticaria. A medida e boa, a origem, essa, é pesssima.
Ha, todavia, uma rasão que me póde, não direi fazer perdoar, mas consolar. Foi o ensejo, que, não melindrando o sr. Arroyo, que não e o maior culpado na primitiva constituição do ministerio, levou o sr. Julio de Vilhena, uma competencia do partido regenerador, á pasta da marinha.
Esta solução, porém, não releva o governo da seria responsabilidade de não ter sabido constituir o ministerio, quando, em face da Inglaterra e tendo como mais importantes as questões coloniaes, entregou essa pasta a um homem de reconhecido talento, mas de nulla experiencia.
A amisade e os sentimentos pessoaes são sempre funcções - a palavra funcção e muito mathematica - são sempre elementos de ponderação, mais ou menos importante, nas opiniões humanas. Attenua, pois, o mal que este decreto fez á constituição, o bem que trouxe á administração das colonias.
Estou chegado, felizmente, ao fim da minha exposição; mais cinco minutos e terei terminado.
O ar. Antonio de Serpa disse, e com verdade, que no nosso paiz, como em todos, havia emprezarios de jornaes para a exploração da verrina. É certo.
Mas, tambem ha emprezarios de jornaes para explorações financeiras, e uns valem bem os outros, ou antes estes são peiores do que os outros.
Se querem cortar o mal pela raiz, estanquem o pantano da verrina, mas cortem tambem os tentaculos enormes, que o polvo financeiro lança por toda a parte para sugar as riquezas do paiz. É mais difficil esta operação, mas não menos importante para a moral publica.
Entre nós existe a opinião arreigada de que não se desenvolvem os jornaes, senão quando, pela verrina e pelo insulto, fallam ás paixões dos leitores. É falso. Este preconceito tem, porventura, concorrido para accentuar entre nós os abusos da imprensa; todavia, a experiencia mostra que alguns jornaes, ultimamente orçados, defensores dos immortaes principios, rapidamente desenvolveram a sua clientella de leitores e são hoje, pela seriedade de opiniões, pela independencia e pela pureza e sinceridade das suas doutrinas, elementos decisivos na opinião publica. Não citarei nomes, mas alguns dos seus redactores têem assento na camara e suo nossos dignos collegas.
Se a imprensa monarchica tivesse segundo este caminho e em vez de ser, em geral, orgão do corrilhos e defensora systematica dos correligionarios, fosse um pouco mais doutrinaria; se o publico podesse esperar d'ella elucidação, scientifica e sincera, nas questões que o interessem, o gosto popular não só teria transviado, habituando-se ás verrinas, de que tanto alguns jornaes republicanos, como monarchicos, têem dado pernicioso exemplo.
Se o jornalismo pude ser uma simples industria, o futuro industrial será dos jornaes, que liguem a seriedade ao melhor estudo dos negocios e dos interesses publicos.
De resto, as violencias da imprensa não são de hontem; vem de tão longa data que os homens, que mais as supportaram, já hoje não existem.
El-Rei D. Luiz soffreu, durante um largo poriodo, uma guerra cruel e acintosa. Tudo se disse d'este homem, que teve deffeitos como rei, mas que durante um longo reinado soube manter o socego absoluto do paiz, annullando habilmente as paixões e os interesses antinomicos das facções politicas e captando as sympathias pela sua transigencia com as idéas e opiniões liberaos, que medraram no seu tempo.
E todavia, foi atacado com violencia! Desde a duvida lançada sobre o seu patriotismo, ácerca da corôa de Hespanha, ate ao epitheto de medroso, com que alcunharam a sua sagaz previdencia, quando evitava, por todas as formas, as dissensões publicas e, sobretudo, o menor derramamento de sangue, a que tinha profundo horror, nada lhe pouparam!
As profundas sympathias, que lhe dispensava o paiz, demonstraram-se bem claramente nos dias seguintes ao da sua morte; os doestos e os apodos da imprensa mal lhe haviam tocado a epiderme!
Outra victima foi, durante toda a sua vida, Fontes Pereira de Mello. Este homem tem, sem duvida, graves responsabilidades perante a historia; ninguem as reconhece mais do que eu, que era vida tive o arrojo de lh'as dizer. Espirito conservador, caracter auctoritario, tão sceptico em politica que infiltrou profundamente nos costumes publicos este utilitarismo, que outros, com menos talento e honestidade, vão transformando em mercantilismo; mas politioo habil foi como poucos, e para si guardava cuidadosamente essa honestidade pessoal, essa hombridade, que nos outros classificavam, por vezes, de indisciplina.
Calumniado na sua vida particular e politica, ridiculisado no seu orgulho indomavel, jamais consentiu que fossem feridas as liberdades publicas, jamais auctorisou a menor perseguição á imprensa!
Sampaio, todos nós conhecemos este honrado e bondoso velho, um dos ultimos politicos do seu tempo e o primeiro jornalista portuguez; tão tolerante como liberal, e tão liberal que no limiar da morte pôde ainda arrancar do seu potente cerebro o codigo administrativo de 1878, o mais liberal que o paiz teve, o mais liberal que talvez exista! Explendida manifestação das convicções sinceras, que ate ao fim da vida animaram o espirito genial d'aquelle grande velho. (Muitos apoiados.)
Eu vi-o trabalhando, Sampaio era, sobretudo e apesar de tudo, um jornalista, «O meu prazer maior, disse-me elle um dia, e escrever os meus artiguinhos».
Estes artiguinhos eram simplesmente a poderosa dialectica do convicto pensador democrata e liberal, vasada nos moldes de um estylo, que tinha vibrações de bronze como os estylos de Tacito e de Thucydides!
Foi elle que pronunciou a celebre phrase: os abusos da liberdade corrigem-se com a propria liberdade. Não era, uma

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phrase ôca a do grande estylista e pensador, que em cada periodo curto e incisivo desenvolvia uma sentença!
Não! Queria dizer o nobre velho, com a sua grande experiencia e sabedoria, que a indifferença elimina o valor dos abusos e o desprezo publico chega até a castigar os culpados! E assim é.
Cobertos de injurias, de apodos e de doestos, estes tres homens jamais pensaram em reduzir as liberdades publicas! Perseguidos em vida, entraram na eternidade merecendo o nome do Estadistas!
Que, o sr. Antonio de Serpa, o antigo companheiro d'estes estadistas, siga as suas tradições que são as do velho partido regenerador! Que s. exa. acceite a gloriosa missão de defensor da tolerancia e dos principios liberaes; eis o que ardentemente desejo.
E ao terminar, lembro á camara e ao paiz que a experiencia da historia demonstra que são os partidos e os homens puros, em regra, os mais perseguidos pela imprensa verrinosa; mas que tambem, são elles, os que menos perseguem as liberdades da imprensa. Lembro, ainda, a observação do meu illustre amigo Barjona de Freitas: «ninguem que seja prudente se lembrara de matar um principio liberal, porque se abusa d'elle».
Tenho dito.
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, apreciando os graves inconvenientes que, para o regimen politico, economico e financeiro do paiz, têem provindo, e, podem provir, da invasão das attribuições parlamentares, confia em que o porder executivo, com a maior urgencia, apresentará ao parlamento uma prtoposta de lei sobre responsabilidades dos ministros e funccionarios publicos, na qual, entre outros, seja, desenvolvidos os seguintes principios:
1.º Responsabilidade, collectiva e individual, politica, civil e criminal dos ministros por usurpações das attribuições dos outros poderes do estado;
2.º Definição expressa dos casos urgentes e de interesse nacional, em que o poder executivo póde assumir, momentaneamente, as funcções legislativas. Fixação para estes casos dos preceitos e prasos, segundo os quaes o parlamento tem de ser convocado para apreciar os respectivos actos do poder executivo;
3.º Responsabilidade dos empregados publicos e de todas as categorias pela obediencia a ordens do poder executivo, quando estas constituem violação das attribuições dos outros poderes do estado;
4.° Definição expressa de que a sancção parlamentar não elimina a responsabilidade civil e criminal dos ministros e funccionarios publicos, salvo nos casos previstos no n.º 2, quando forem respeitados todos os preceitos e prasos, que são a garantia das prerogativas parlamentares;
5.º Organisação dos tribunaes, independentes de qualquer acção politica, para o julgamento das responsabilidades dos ministros e funccionarios; regulamentação da fórma de processo e penalidades especiaes:
E passa á ordem do dia.
Lisboa 28 de maio de 1890. = Augusto Fuschini.
Foi admittida.

O sr. Costa Moraes: - Por parte da commissão de instrucção publica mando para a mesa a seguinte participação:
(Leu.)
Vae publicada na secção competente a pag. 467.
O sr. Gabriel de Freitas (sobre a ordem): - Leio a minha moção de ordem, que redigi assim:
(Leu.)
Sr. presidente, não era minha intenção entrar n'este debate politico, e reservava me para assumpto mais da minha competencia mas umas phrases proferidas pelo sr. Fernando Palha obrigaram-me, nãp manter o meu proposito ea pedir a palavra, como tambem me obrigavam do mesmo modo outras proferiu o sr. deputado Fuschini.
Não sei, nem posso por caso nenhum, responder ao sr. Fuschini. A s. exa. teria um só pedido a fazer, e era que publicasse as suas memorias, porque n'esse livro podia, melhor que, de n'um discurso, tratar de omni scibili et plusquam aliis e por conseguinte de todas as questões de direito administrativo civil e criminal de historia e de tudo quanto expoz aqui.
Por consequencia, o meu fim não e acompanhal-o na sua argumentação, e creio mesmo que não ha ninguem que tenha força para acompanhar o sr. Fuschini. Era preciso para isso ter uma larynge como a que Deus lhe deu, para depois de tres dias de discussão ter a voz tão clara como todos acabamos de ouvir.
Eu não o podia fazer, porque no dia em que fallo uma hora estou rouco.
E digo que, se fosse possivel introduzir no regimento uma disposição nova, para que o orador acabasse o sou discurso depois de fallar uma hora, nós tinhamos feito um beneficio com que o paz tinha a lucrar muito. Entrando no assumpto, e fugindo do caminho das divagações, devo declarar por amor da verdade, que de tudo quanto disse o sr. Fuschini, sómente concordo n'uma cousa, e é que o ministro fez pouca dictadura.
Eu sr. presidente, discuti lá fora com diversos amigos da mesma grey e de diversa politica, as medidas da dictadura, discuti-as, justifiquei-as e applaudi-as, e assevero a v. exa. que me não pareceu que o ministerio tivesse feito dictadura de mais, mas sim que tinha feito dictadura de menos, porque em verdade era necessario levar um pouco mais fundo o escalpello para curar umas feridas velhas, que ficaram em aberto.
O que nós discutimos, não é a dictadura que se deixou de fazer, mas a dictadura feita, e por isso vou dizer em poucas palavras o meu parecer a respeito d'ella, querendo que fique consignado o meu parecer, de que a dictadura devia ir mais loge.
Do que tinha a dizer já quasi tudo está allegado por distinctos oradores, e por isso em poucas palavras, porque sou inimigo de fazer repetições, com as quaes nunca se lucra, direi com toda a franqueza qual é a minha opinião a respeito d'este assumpto.
Não comprehendo o procedimento dos illustres oradores monarchicos da opposição.
Comprehendo, parece-me rasoavel, parece-me coherente, que o sr. Manuel da Arriaga, que tinha subido á tribuna para discutir a resposta ao discurso da corôa, viesse tambem manifestar-se em opposição aos decretos da dictadura; mas,
francamente, não comprehendo como o partido progressista, que se diz monarchico, tendo saltado, por consideração para com a corôa, por cima da resposta ao discurso d'ella, viesse depois fazer questão dos decretos dictatoriaes.
Quando me lembro dos ultimos momentos da vida de El Rei D. Luiz, momentos tão angustiosos, que parece que a morte estava apostada a experimentar o grau de resistencia d'aquelle monarcha; (Apoiados.) quando me lembro que S. Magestade El-Rei D. Carlos teve os primeiros passos do seu reinado assignalados por diversos desgostos, qual d'elles mais imprevisto, mais inevitavel; quando me lembro de que elle, tendo assumido a suprema magistratura, estava naturalmente desejoso, como todo o Rei novo, de assignalar os primeiros passos do seu reinado com alguma medida que fosse proveitosa para o seu paiz, mal posso comprehender como os amigos da monarchia possam vir discutir esta dictadura, que Sua Magestade certamente não concederia se porventura não reconhecesse que as circumstancias do paiz a tinham tornado necessaria.
Digo isto com toda a franqueza. Embora para alguns dos srs. deputados monarchicos seja este argumento de pe-

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queno peso, para mim tem muito o facto de ser esta a primeira dictadura que Sua Magestade concedia no seu reinado a um ministerio novo.
Eu fui embalado pela monarchia constitucional. Estimo-a. Levantei altar á patria e a essa monarchia. A que não levantei nunca foi á politica. A politica ha de servir-me para sustentar aquelle altar, mas nunca hei de sacrificar, por cousa alguma, nem a patria, nem o Rei, á politica.
Claramente assevero a v. exa. e á camara que, se por acaso por uma d'estas aberrações, por um d'estes desmandos, que nem quero agora comprehender, o meu partido, abandonando a sua historia, as suas tradições e os seus principios, se entregasse a qualquer aventura ou compromisso com os partidos hostis ás nossas instituições, eu não o acompanhava, o ou me separava para todo o sempre, ou ficava regenerador monarchico. O que não ficava por certo era regenerador capaz de fazer qualquer accordo contrario aos principios que até hoje este partido tem sustentado.
Nem todos serão assim, porque nem todos terão por Sua Magestade a consideração que eu tenho.
E note v. exa. que sou insuspeito, porque nem eu nem alguem dos meus deve a El-Rei algum favor pessoal, nem os pretendemos?
Digo, e é realmente o meu sentir, que as circumstancias do paiz obrigaram o governo a pedir a dictadura e que Sua Magestade a concedeu porque ella era com certeza necessaria.
É o que vou justificar.
Não basta saber, n'uma questão d'esta natureza, quem foi que pediu a dictadura; os factos que a precederam, entendo que devem averiguar-se mais que tudo, porque n'esses factos estão ás causas da dictadura.
É necessario, para avaliar o effeito, conhecer bem a causa, e, pela mesma rasão por que o historiador, quando quer apreciar um facto qualquer, ha de remontar á epocha em que elle foi praticado e estudar todas as circumstancias que o rodearam, assim tambem na questão da dictadura, reputo absolutamente indispensavel ir averiguar as causas, para saber se ella foi ou não o remedio proprio que havia a applicar.
N'este ponto, permittam-me os illustres deputados progressistas e republicanos que lhes attribua inteira a culpa d'esta dictadura. Inteiramente foi d'elles e não nossa. O partido progressista, na sua ultima viagem pelo poder, teve occasião de fazer muita cousa de verdadeira utilidade para o seu partido e para a patria.
Difficilmente se encontra uma situação como os srs. progressistas encontraram n'essa viagem que fizeram pelo poder, e, sinceramente, não me tendo eu dedicado á politica senão de ha pouco tempo, não vi ainda uma situação mais bonita do que aquella. Era uma viagem, realmente, para poder tirar-se muito proveito d'ella.
Iam destinados todos a um decantado porto programma, que se tinha annunciado urbi et orbi; tinham condições excellentes de monção e tempo; levavam uma tripulação escolhida; e, como v. exa. sabe, n'essa viagem, a poucas singraduras, saíu um dos tripulantes, para tornar depois a entrar e tornar a sair, sem que do tempo em que esteve no poder reste outra recordação, alem da heresia do flagrante delicio.
Depois, um dos mais valentes homens d'essa tripulação; reconhecidamente honrado, abandonou o navio por se não entender com a desorganisação que n'elle reinava e deixou-o n'uma situação difficil, e mais tarde o commandante, por motivos que não cabe aqui explicar, alijou ao mar os dois mais valentes campeões que tinha a bordo. N'estas circumstancias tornou-se a viagem impossivel e descuidada.
Impossivel, porque de modo nenhum se podia chegar ao porto de destino, e descuidada porque ninguem tinha confiança n'ella, e, por falta de vigilancia nem viram que um corsario lhes espreitava os movimentos da viagem. Foi assim que um dia, depois de alijarem ao mar esta melhor parte da sua tripulação, quando lhes faltavam já os mantimentos e cheios de medo pela intimação do corsario, abandonaram o navio, saltaram nos escaleres e póde verdadeiramente dizer-se, fugiram!
O sr. presidente do conselho muito delicadamente disse «abandonaram o poder». Eu direi antes «fugiram.» É para mim a palavra propria; estou convencido de que uso da palavra que devo usar e que digo a verdade.
O estado em que ficou o paiz era lamentavel e indescriptivel.
Nada mais natural então do que as maldições de uns, as imprecações de outros, as queixas de todos os que se julgavam offendidos e de todos os que se sentiam desejosos de vingança, porque eram todos bons patriotas; infelizmente, porém, misturados com elles, appareceram, como era natural n'estas circumstancias, e como apparecem sempre em todas as desgraças da patria, os especuladores.
O ministerio devia esperar, absolutamente de todos, uma cooperação valiosa. Mas não aconteceu isto! Quem deu, portanto, causa a esta dictadura?
Fomos nós os regeneradores, que nos unimos com a patria, com o Rei, com o governo e com a nação, ou foram porventura aquelles que se afastaram de nós?
Não póde haver duvida a tal respeito.
Que excellente occasião para se definirem os campos, formando a um lado os amigos da monarchia e deixando do outro os que o não eram! Se se tivesse feito essa divisão não teriam os srs. progressistas dado tanta demonstrações de amor da pátria e de a quererem favorecer, que ninguem poderia pôr em duvida a sua boa vontade? Seguramente.
E podiam fazel-o e tinham obrigação de o fazer; mas não quizeram e preferiram sacrificar tudo no altar da diabolica politica, só pelo gosto de guerrearem o governo e de lhe crearem difficuldades. Esqueceram que o beneficio commum da patria pedia o concurso de todos e que mais tarde tinham campo aberto para se separarem e voltarem de novo ás luctas politicas.
A politica envenena tudo! Envenenou até a escolha que o sr. conselheiro Hintze Ribeiro foi fazer - a mais acertada, em meu parecer - do homem que nos devia ir representar em Londres.
Ao conflicto com a Inglaterra, em que todos julgavam que devia haver segredo e que essas negociações, para serem bem encaminhadas, precisavam absolutamente de ser rodeadas de sygillo, todas os dias se faziam perguntas impertinentes, como se porventura, um assumpto de tamanha transcendencia podesso ser levado a bons termos, tornando-se publicos todos os passos, que o tinham de dar.
Quem presenceou os trabalhos, verdadeiramente improbos, a que, se dedicou o illustre ministro dos negocios estrangeiros e quem conhece, como eu conheço, o talento, saber e sagacidade do sr. Barjona de Freitas, ainda que sou politico novo, não póde por caso nenhum deixar sem reparo as observações que aqui se fizeram a este respeito.
O sr. Barjona de Freitas, que foi meu mestre, foi aqui apreciado pelo sr. Fernando Palha como homem de saber, mas mau diplomata!
Eu não conheço absolutamente ninguem no meu paiz, que saiba melhor, que o sr. Barjona de Freitas expor uma questão, dizendo primorosamente o que é preciso allegar e occultando o que se não deve dizer. Não podia haver mais acertada escolha, e embora saiba que vivo n'um paiz de sabios, onde todos se julgam competentes para tudo, devia dizer, por amor da verdade e por consideração para com o sr. Barjona de Freitas, que a censura do sr. Fernando Palha, foi mal cabida e injusta.
Os que conhecem o sr. Barjona de Freitas e sabem que elle é capaz de estudar em dois ou tres dias o que muitos homens não serão capazes de aprender em dois ou tres me-

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zes, hão de por certo louvar a escolha que o governo fez.
Voltando aos actos da dictadura e cumprindo a promessa que fiz de não repetir o que já foi allegado por muitos oradores distinctos e com melhor colorido que eu podia dar-lhe, concluo que o partido progressista, quando fugiu do governo, deixou o paiz entregue á anarchia, e que tão justificado foi o pedido e a concessão dos decretos da dictadura, que depois d'elles veiu a ordem e a continuação da vida laboriosa e activa do paiz.
Passo agora ao assumpto que me obrigou a pedir a palavra.
Pedi-a quando o sr. Fernando Palha se estava referindo ao decreto pelo qual foi dissolvida a camara municipal, decreto, para mim, o mais justificado de todos.
Direi á camara, que de ha muito esperava a dissolução da camara municipal de Lisboa e que a esperei mesmo no tempo do governo progressista, apesar de saber que n'esse governo tinha o sr. Fernando Palha dedicados amigos, que lhe dispensavam as maiores attenções.
Se não fosse isto, com toda a certeza a camara municipal de Lisboa tinha sido dissolvida em setembro de 1889.
S. exa. publicou n'esse tempo, no Diario popular de 12 de setembro de 1889, uma carta em que expunha as condições era que se achavam para com a camara municipal de Lisboa as duas companhias lisbonense de illuminação a gaz e gaz de Lisboa.
N'essa carta e depois de diversas explicações tirava a seguinte conclusão:
«Em presença d'esta situação a obrigação da camara municipal é usar de todos os meios ao seu alcance, e que as leis lhe facultam, para desenvolver a producção da companhia gaz de Lisboa e reduzir a da companhia lisbonense até ser nulla; n'esse dia terá completado a sua obra. Tem sido inalteravelmente o meu modo de pensar, atravez das diversas peripecias e modificações por que tem passado no meu tempo a direcção da companhia lisbonense.»
Explicando depois na mesma carta que não ficaria na presidencia da camara, se os seus collegas na vereação se não resolvessem, como se resolveram, a acompanhal-o na guerra á companhia lisbonense, termina essa mesma carta com as seguintes palavras: «Para a camara, fazendo á companhia lisbonense a honra de a comparar á patria de Annibal, só ha um termo: Delenda Carthago. Pela minha parte nunca me esquecerei d'elle, etc., etc.»
Já vê v. exa. que o sr. Fernando Palha, na camara, administrava justiça por uma fórma, que ainda nenhuma camara municipal tinha posto em pratica.
O sr. Fuschini: - Esse documento é assignado pela camara?
O Orador: - É assignado só pelo sr. Fernando Palha.
O sr. Fernando Palha dizia tambem n'esta carta, e vou repetir este facto porque a observação do sr. Fuschini quer fazer parecer que s. exa. não admitte solidariedade na responsabilidade com- o sr. Fernando Palha, que este senhor não teria escripto na referida carta, se não fosse verdade o que elle escreveu e onde diz que em certa reunião da camara, tinha posto, a pasta da presidencia sobre a questão e tinha dito aos seus collegas que vissem bem se estavam dispostos a declarar a guerra á companhia, porque se não estavam elle saia da presidencia.
Todos juraram a guerra, segundo diz, por certo com inteira exactidão, o sr. Fernando Palha, e, portanto, a responsabilidade da carta, embora assignada só pelo presidente, é tambem do sr. Fuschini e dos seus collegas na vereação.
É caso inteiramente novo para mim.
Vir uma camara dizer a uma companhia, domiciliada na mesma area Delenda Carthiago, como se fôra uma prophetisa da destruição capaz de publicar sentença de morte e de a executar por suas proprias mãos, e capaz tambem de espingardear contra todos os accionistas da companhia lisbonense, entre os quaes se conta grande numero de senhoras, viuvas, orphãos e desvalidos, que vivem á custa dos capitaes que tinham ali empregado, e que eram todos seus municipes, é confissão publica de hão saber administrar justiça.
Uma camara que publica similhantes afirmações não tinha em vista o bem dos seus municipes, mas antes o desejo feio de annullar uma entidade que por todos os motivos lhe devia merecer respeito. (Apoiados.) Não querendo que a camara fique em duvida a respeito da observação que fiz relativamente a ter o sr. Fernando Palha estabelecido na vereação a alternativa de continuar na presidencia com guerra á companhia lisbonense, ou de sair se essa guerra não fosse approvada, pois me parece que alguem põe em duvida a minha affirmativa, devo dizer, que na carta a que me tenho referido, estavam escriptas as seguintes palavras: «quiz saber se a respeito da companhia lisbonense pensavam (os meus collegas) como eu, pois não me convinha ficar na presidencia da camara para ter de sair em breve por uma divergencia sobre um ponto que eu julgava essencial para a administração municipal. Foram todos de parecer, que a guerra á companhia lisbonense devia ser o nosso lemma».
Portanto não exagerei, disse a verdade.
Veja v. exa. e a camara, que maneira esta de administrar justiça. Uma corporação, que devia impor respeito pelo acerto das suas deliberações, começa por declarar guerra a um numero, relativamente elevado, dos seus municippes.
É esta a protecção que lhes dá, e vem depois o sr. Fernando Palha, verdadeiro dictador na camara municipal de Lisboa, accusar as medidas de dictadura sem se recordar da que praticou como rei absoluto, e sem fazer reparo em que essa sua dictadura não justificava a fórma, menos propria, pela qual elle entendeu que devia fazer a accusação. (Apoiados.)
S. exa., deixando o partido regenerador, de que fez parte, ligando-se ao partido progressista, e vindo agora dizer-nos aqui que n'esse partido representava o nordeste, que é vento mau, tanto no inverno, em que queima por frio, como no verão, em que queima por quente, arrogando a gloria de travessia, que eu bem podia dizer de travessura, (Riso.) devia lembrar-se que a companhia lisbonense de illuminação a gaz não tinha com a camara municipal de Lisboa nenhum accordo gratuito, nenhum contrato simples que a camara municipal podesse rescindir por sua propria auctoridade.
O contrato, entre estas duas entidades, foi celebrado sob a fé de uma carta de lei que tem a data de 30 de agosto de 1869 e está referendado pelo sr. duque de Loulé. (Apoiados.) S. exa., filiado hoje n'esse partido, e não contente com espingardear com o arcabuz municipal os accionistas d'essa companhia vem tambem atacar esta reliquia, uma das memores do seu actual partido. O sr. Fernando Palha era positivamente mais do que um dictador, era um poder superior ao poder legislativo e ao judicial, porque derogava a lei e proferia sentença contra ella.
A companhia do gaz tinha, entre as condições com que foi feito o contrato, uma que dizia assim:
(Leu.)
Este direito, que era o direito de perpetuidade, o sr. Fernando Palha entendeu dever, pela sua auctoridade propria, revogar.
Isto não é ser dictador! Elle revoga a lei, faz-se poder superior ao parlamento, e vae, juntamente com essa revogação, proferir sentença, em que ataca manifestamente direitos adquiridos!
Isto é mais que uma dictadura, e mais que tudo.
O sr. Presidente: - A hora já deu; se o illustre deputado quizer continuar o seu discurso póde fazel-o.
O Orador: - Não, senhor; peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.

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508 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Em virtude de resolução da camara, publicam-se as seguintes representações:

N.º 89

Senhor. - Os abaixo assignados, subalternos do lyceu nacional da Guarda, vem muito respeitosamente supplicar a Vossa Magestade augecnto do seu parco ordenado, como julgam de justiça evidente pelas rasões seguintes:
O actual ordenado de 150$000 réis foi arbitrado por carta de lei do 14 de junho de 1880, que nos lyceus nacionaes admittia só as disciplinas de 1.ª e 2.ª classe.
Ora o decreto de 29 de julho de 1886, uniformisando os cursos de todos os lyceus, tanto centraes como nacionaes, augmentou consideravelmente o trabalho dos supplicantes, obrigados a irem mais cedo para o lyceu e a sairem mais tarde.
Justo era, pois, que ao augmento do trabalho correspondesse o do ordenado dos supplicantes, como se lhes prometteu no relatorio que precede o citado decreto, sendo inadvertidamente esquecidos no articulado.
Alem d'isso a prohibição do ensino particular, no mesmo decretada, sensivelmente prejudicou os supplicantes, que realmente não podem viver decentemente com o insignificantissimo ordenado de 100$000 réis, principalmente tendo mulher e filhos.
A justiça d'esta humilde pretensão está reconhecida já no regulamento dos lyceus do sexo feminino de 6 de março ultimo, publicado no Diario do governo de 8 do mesmo, pois ou e na tabella n.° 1, fixa o ordenado do porteiro em 250$000 réis e o do continuo em 240$000 réis.
Por estas e outras rasões, que não podem escapar á perspicacia do sabio e justo governo de Vossa Magestade, esperam os supplicantes ser benevolamente attendidos, e - P. a Vossa Magestade que, pelo ministerio da instrucção publica, se digne fazer-lhes augmentar seu parco ordenado. - E. R. Mcê.
Guarda, 26 de maio do 1890. - Diamantino de Moura Carvalho = Antonio Joaquim de Andrade Pissarro = Joaquim Bernardo de Sousa = José Maria Martins.

E n.° 40

Senhores deputados da nação portugueza. - Os abaixo assignados, empregados subalternos do lyceu nacional de Portalegre, vem muito respeitosamente supplicar a v. exas. augmento do seu parco ordenado, como julgam de justiça evidente pelas rasões seguintes:
O actual ordenado de 150$000 réis foi arbitrado por carta de lei de 14 de junho de 1880, que nos lyceus nacionaes admittia só as disciplinas de 1.ª e 2.ª classe. Ora o decreto de 29 de julho de 1886, uniformisando os cursos de todos os lyceus, tanto centraes como nacionaes, augmentou consideravelmente o trabalho dos supplicantes obrigados a virem mais cedo pura o lyceu e a sairem mais tarde. Justo era, pois, que ao augmento do trabalho correspondesse o do ordenado dos supplicantes, como se lhes prometteu no relatorio que precede o citado decreto, sendo inadvertidamente esquecidos no articulado.
Alem d'isso a prohibição do ensino particular, no mesmo decretada, sensivelmente prejudicou os supplicantes, que realmente, não podem viver decentemente com o insignificantissimo ordenado de 150$000 réis, principalmente tendo mulher e filhos.
A justiça d'esta humilde pretensão está reconhecida já no regulamento dos lyceus do sexo feminino, de 6 de março ultimo, publicado no Diario do governo de 8 do mesmo, pois que na tabella n.° 1 fixa o ordenado do porteiro em 250$000 réis e do continuo em 240$000 réis.
Por estas e outras rasões, que não podem escapar á perspicacia e intelligencia de v. exas., esperam os supplicantes ser benevolamente attendidos e - P. a v. exas., illmos e exmos. srs. deputados da nação portugueza, se dignem deferir-lhes. - E. R. M.
Portalegre, 31 de maio de 1890 = Pedro da Fonseca Ressurreição, porteiro = Francisco Antonio Barraqueiro, guarda da bibliotheca = Antonio Ferreira Baptista Junior, guarda do gabinete de physica. = (Segue o reconhecimento.)

O redactor - Rodrigues Cordeiro.

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