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N.º 30

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1891

Presidencia do exmo. sr. Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios-os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Lê-se um officio do tribunal de verificação de poderes, devolvendo o processo da eleição effectuada no circulo de Margão (India), julgado na sessão de 2 do corrente.- Outro do mesmo tribunal, requisitando a quantia de 52$000 réis para pagamento das despezas do expediente e serviço do mesmo tribunal.- Outro da baroneza de H. Thiago de Lordello. agradecendo a camara o voto de sentimento mandado exarar na acta das sessões pela morte de seu marido, o conselheiro Adriano de Abreu Cardoso Machado.- O sr. João de Paiva discursa sobre assumptos hydraulicos e outros dependentes do ministerio das obras publicas.- O sr. Adriano Monteiro apresenta um projecto sobre a vaccina obrigatoria e faz diversas reflexões sobre a arrematação do pannos para o ministerio da guerra.- O sr. Avellar Machado apresenta um requerimento pedindo documentos sobre o arrendamento de propriedades para os potris militares.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto que auctorisa o governo a ratificar o tratado entre Portugal e o Estado Independente do Congo, relativo ás terras da Lunda, proseguindo e concluindo o seu discurso, combatendo-o, o sr. Manuel de Arriaga.- Responde-lho o sr. Carlos Bocage. relator, a quem faz algumas reflexões o br. Eduardo Abreu.- Vota-se o projecto, recusando-se uma proposta do sr. Arriaga para a votação ser nominal.- Seguidamente lê-se o projecto n.º 4, que auctorisa ajunta geral do districto de Vizeu a contar, para o effeito da aposentação, o tempo do serviço de conductor de obras publicas, ao chefe de repartição da mesma junta Germano Adelino de Andrade.- E approvado sem discussão.- Elege-se u commissão de saude publica, e ao levantar a sessão o sr. presidente dá para ordem do dia seguinte os projectos n.º 14 e 15.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 44 srs. deputados. São os seguintes:- Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Albino do Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, António Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto Cesar Elmano da Cunha o Costa, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Roma de Bocage, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Ignacio José Franco, João Alves Bebiano, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Simões Ferreira, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Gregorio du Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, João Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Greentield de Mello, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Luciano Cordeiro, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Ignacio de Gouveia e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Lopes Navarro, Antonio José Pereira Borges, Antonio Maria Jalles, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Francisco Felisberto Dias Costa, Guilherme Augusto Pereira de Tanalho de Abreu, Ignacio Emauz do Capai Ribeiro, Jacinto Cândido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Lobo de Santiago Gouveia, Joaquim de Oliveira Martins, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Estevão de Moraes Saimento, José Gonçalves Pereira doa Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel de Arriaga, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pinheiro Chagas e Tito Augusto de Carvalho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lucio e Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo Mendes da Silva, Álvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Antonio Sergio da Silva e Castro, Aristides Moreira da Mota, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Augusto Maria Fuschini, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Lobo d'Ávila, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Emygdio Júlio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Maltozo Santos, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco do Almeida o Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Severino de Avellar, Frederico de Gusmão Correia Arouca, Frederico Ressano Garcia, Henrique da Cunha Matos do Mendia, João de Barros Mimoso, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Machado, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Antonio de Almeida, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Domingos Ruivo Godinho, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Latino Coelho, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Cesar
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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Cau da Costa, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Affonso Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira Pedro Augusto de Carvalho, Pedro de Lencastre (D.) Pedro Victor da Costa Sequeira, Roberto Alves de Sousa Ferreira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau do Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do tribunal de verificação de poderes, devolvendo o processo da eleição effectuada no circulo do Margão (India), julgado na sessão de 2 do corrente.

Para a secretaria.

Do mesmo tribunal, requisitando a quantia de 52$000 réis para pagamento das despezas do expediente e serviço do mesmo tribunal.

Para a secretaria.

Da baroneza de S. Thiago do Lordello, agradecendo á camara o voto de sentimento mandado exarar na acta das sessões pela morto de seu marido, o conselheiro Adriano de Abreu Cardoso Machado.

Para a secretaria.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da guerra, me sejam enviadas copias dos seguintes documentos:

1.ª Informação da inspecção geral de cavallaria acerca das condições apresentadas pelos proprietarios das herdades do Almarjão o Chancellaria, para fazer d'ellas arrendamento ao ministerio da guerra.

2.ª Despacho do ministro, mandando effectuar o arrendamento nas condições indicadas pela referida inspecção de cavallaria.

3.° Escriptura de um novo arrendamento, que consta haver-se feito da herdade da Crucieira, para potril militar.

4.° Nota detalhada da despeza feita com as herdades da Chancellaria Almarjão, desde l de janeiro até 30 de junho do corrente anno. = Avellar Machado.

O sr. João de Paiva: - Sr. presidente, na sessão de 5 de agosto do anno passado, chamei a attenção do illustre ministro, que n'essa occasião tinha a seu cargo a pasta das obras publicas, para as reclamações que de differentes districtos, por intermédio das respectivas circumscripções hydraulicas subiram até ao governo, acerca dos mappa a que se refere o decreto de 2 de outubro de 1886, e muito principalmente Acerca dos que respeitam ao rio Mara e seus afluentes.

Encarei esse assumpto em face da lei geral e das leis e regulamentou especiaes e fiz ver que o modo como aquellas disposições eram entendidas na pratica não sómente se oppunha ao bom senso e ao verdadeiro espirito do legislador, mas até mesmo contraria os mais triviaes a rudimentares principies acerca dos direitos de propriedade.

Conclui, portanto, que, ou as muitas reclamações que haviam subido teriam de ser promptamente deferidas, ou teria o governo de dar som demora instrucções aos seus subordinados acerca do modo como deviam interpretar a lei nos pontos em que mostravam não a comprehender, ou se o espirito do legislador não era o que eu indicava nas minhas ponderações, de urgencia era que a lei ou os regulamentos fossem modificados por forma que os dictames do bom senso e os principios de direito não fossem de todo postergados.

Nada d'isso se fez, o que não admira, não só porque foram poucos os dias de vida que o ministerio de então conservou após o mencionado dia 5 de agosto, mãe ainda por que durante esses poucos dias o animo dos dirigentes e de quantos se prezavam de ser portuguezes era quasi que exclusivamente preoccupado pela importante questão internacional que por tantos mezes nos teve em perigoso sobresalto. Se não fóra tão embaraçosa essa quadra, teria, sem duvida, chegado a ser publicado o novo regulamento acerva dos mencionados assumptos, como na propria estação official me foi declarado, regulamento d'onde desapparcceriam os defeitos que a experiencia havia mostrado existirem no anterior e pelo qual melhor se alliavam as necessidades da navegação com os direitos dos proprietarios dos terrenos marginaes.

Seja, porém, como for é certo que os reclamantes têem direito a ser attendidos e por isso peço ao exa. sr. conselheiro e muito digno ministro das obras publicas que conceda alguns momentos da sua inexcedivel boa vontade e da sua incansavel solicitude áquelle importante assumpto, cuja solução nem importa despezas, nem representa difficuldades e sómente demanda uns momentos de attenção, o que sem duvida me será concedido como peço, desejo e espero.

Ganhavam com isso muitissimo os particulares não só porque saberão que não têem de sustentar pleitos com a fazenda, como impreterivelmente ha de acontecer se as reclamações não forem resolvidas, porque estão dispostos a fazer valer a todo o transe a sua justiça acerca do sou patrimonio que lhes foi invadido, mas tambem porque poderão mais afoitamente tirar dos seus predios marginaes os proventos que de ali poderão advir-lhes pela cultura, arrendamento ou venda, o que por agora fazem com hesitação visto que já viram uma vez, não sem protesto e justa reacção, os seus direitos perturbados e menos convenientemente invadidos.

E não ganharam só os particulares com o prompto deferimento, tambem ganhava muito a fazenda, porque aos arrendamentos, aforamentos ou vendas que terão de operar-se sobre aquelles predios marginaes, vendas, aforamentos e arrendamentos desde então paralysados, correspondem quantiosas contribuições de registo, que deixam por aquelle motivo de entrar nos cofres do thesouro, que tanto necessita d'aquelles e de outros proventos.

Tudo isto ha de pesar no animo do illustre ministro das obras publicas: acredito-o sem hesitação porque pertenço ao pequeno numero dos que estão profundamente convencidos de que estamos, felizmente, n'uma paiz, onde ao lado dos que reclamam justiça, existam tribunaes que decidem com integridade e existe um governo que providencia com energia. (Apoiados.)
E apresentado assim o meu instante pedido acerca de um assumpto que tanto interessa, não só a este ou aquelle circulo, não só a este ou aquelle districto, não só a esta ou áquella província, mas a todo o paiz, permitta-me v. exa. e a camara que faça ainda umas ligeiras ponderações acerca de ura outro assumpto que não menos interessa ;l causa jublica, e cuja solução dependo exclusivamente do ministerio das obras publicas.
Houve indubitavelmente rasões plausiveis que levaram os distinctos engenheiros que estudaram o traçado do caminho do forro do Algarve a darem-lhe a direcção que actualmente tem. E de presumir que esse traçado fosse o melhor que podia obter se; ainda que pese nos profanos, perante mim n opinião d'estes não póde prevalecer sobre a auctoridade dos scientes e experientes que, estabeleceram a directriz que tiveram por mais acertada.

Seja, porém, como for, a verdade é que a linha ferrea

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ficou tão distanciada de quasi todas as povoações, que nem estas podem utilisar-se convenientemente das vantagens que d'ali podiam advir-lhes, nem d'aquelle importante melhoramento póde resultar para a agricultura, para o commercio, para a industria e para os cofres do estado a grandissima utilidade que o mesmo e destinado a imprimir-lhes.

Para que esse contra deixe de existir, é necessario que n'aquella região se liguem sem demora, tanto quanto seja possivel, os centros de producção com aquella grande arteria do movimento e da vida dos povos.

Longo de mim a idéa de pretender que o thesouro faça sacrificios superiores ás suas forças; eu prefiro ser portuguez, ainda que no nosso paiz não possa haver um palmo de estradas, ainda que no nosso paiz não possa haver um vislumbre dos famosos melhoramentos de que tanto se ufana a actual civilisação, do que ver arrastar a patria, enfeitada com todas as galas do progresso á humilhante bancarota e, portanto, á tutela ou jugo alheios. Antes a patria sem melhoramentos e commodidades, mas rica de dignidade e honra, mas estimada e respeitada por todas as nações, do que humilhada até á perda da nossa autonomia.

Os beneficios, porém, a que eu me referia e cuja realisação tanto desejo, não representam um sacrificio que traga como consequencia a ruina da patria ou que, pelo menos, para tanto concorra. É exactamente o contrario. Por um lado não peço que se gaste em viação mais do que as forças do orçamento permittem; desejo que se gaste annualmente a verba respectiva construindo de preferencia as estradas que depois de maduro exame sejam tidas como de mais urgencia, notando que essa urgencia imo ha de ser aferida pelos interesses da política d'esta ou d'aquella localidade, d'este ou d'aquelle partido, mas sim, e somente, pelos verdadeiros interesses do paiz. Por outro lado havendo aquella justa selecção, aquella bem entendida preferencia, para logo as receitas que essas despesas trarão comsigo, como consequencia necessaria, compensarão com elevadissimo juro o sacrificio que prudentemente se havia feito. E d'esse modo nào se desperdiça, economisa-se não se retrocede, avança-se; não se estancam as forcas do thesouro, alentam-se e avigoram-se.

E nunca me pareceu tão possivel como agora a realisação d'esse desideratum não só porque todo o publico está sedento de medulas quo signifiquem verdadeiro patriotismo, está ancioso por determinações que tendam aos verdadeiros interesses do paiz, mas tambem porque a boa vontade, a intelligencia e a energia do illustre ministro das obras publicas convencem-nos inteiramente de que todos os seus actos hão de ser circumspectos e meditados, hão de inspirar-se no bem publico e na felicidade da patria.

E sendo assim, devo esperar, não sem fundamento, que os principaes ,centros de producção que ainda se conservam desligados do caminho de ferro, sejam approximados d'este por meio de estradas, como tanto urge. E entre esses centros de producção occupam sem a menor duvida um logar preponderante os ricos e vastos concelhos de Odemira e Ourique, cujas sedes distam dos caminhos de ferro pouco mais de 2 leguas, estando de mais a mais já feita uma parte das estradas que d'aquellas duas villas seguem para o caminho de ferro e approvada a planta dos restantes lanços a construir e sendo muito facil ligar com essa estrada por pequenos ramaes as importantes freguezias de Valle, Collos, S. Martinho e Reliquias, approximar do caminho de ferro pela mesma fórma Santa Luzia, Saboya, Santa Clara, Sant'Anna da Serra e Panias, prolongar a estrada districtal até S. Luiz e S. Theotonio, e fazer seguir de Villa Nova de Mil Fontes a estrada que também já está approvada.

Pertencem ao Alemtejo aquelles concelhos e é justo que se lhes pague sem demora uma divida quo ha muito está em aberto. O Alemtejo quo durante tantos annos tem sido monos contemplado com o justo quinhão do progresso a que tem direito, está chamando a attenção do governo para que a acção benefica do poder central lhe dê agora alento e vida. E a mencionada ligação d'aquelles grandes centros com o caminho de ferro muito concorrerá para tão elevado fim.

E a despeza que para tanto se fizesse chega a ter os foros de uma medida económica de não pequeno alcance não só porque existem n'aquelles dois concelhos muitos milhares de habitantes activos, enérgicos e emprehendedores cuja, iniciativa duplicaria vendo perto de si aquella poderosa arteria ferroviaria, approximando do consumidor os seus géneros ou approximando d'estes o mesmo consumidor, mas também porque o trigo, o vinho, o azeite, as fructas, o gado as lãs, as madeiras, as cortiças (porque tudo isto ali existe em não pequena quantidade) transportados de ali ou por ali, dia a dia, tornariam incomparavelmente mais productiva a linha ferrea e mais rica è feliz aquella importantissima parte do Alemtejo.

Estou inteiramente convencido de quo o nobre ministro das obras publicas, se um dia fosse visitar aquella região o podesse assim conhecer mais de perto, como eu conheço, aquellas villas e aldeias, ricas de venerandas tradições e de excellencia de solo, aquellas planicies, valles e outeiros, povoados de exuberante vegetação, aquellas vinhas, searas e olivaes, aquellas quintas, herdades e montados a pedirem para os seus productos transporte barato e prompto, rapido e facil, talvez pensasse como eu penso, e principiaria d'essa forma por ali a activar o progresso e a industria do Alemtejo, que é uma parte importantissima do progresso e industria nacional.

E para que mais evidente se torne a plausibilidade d'esta minha affirmativa, devo mencionar ainda urna outra circumstancia: é que aquelles dois concelhos são riquissimos cm jazigos mineraliferos, cuja lavra só poderia realisar-se com decidida vantagem para os particulares e para o thesouro, desde que houvesse facilidade cie communicações, o que por agora não acontece, pois que apenas existem, quasi que exclusivamente, ingremes veredas c estreitos meandros de difficil accesso e perigosa passagem.

De entre essas minas de differentes metaes, existem algumas com vestigios de exploração antiquissima: e entre as modernamente concedidas, poderei mencionar as de James Lloyd, Thomaz Haffenden e Alfredo Anduze.

Pouco importa, porem, que aquellas riquezas existam ali: sem a facilidade no transporte, sem que se rasguem estradas, impossivel se torna a exploração e lavra d'aquellas e de muitas outras minas.

E não se supponha que essas estradas avançariam por entre aridos desertos ou por entre incultas charnecas; aquelles ricos concelhos estão semeados de muitas e importantes povoações, cujos habitantes morigerados e sobrios, activos e emprehendedores, poriam em campo toda a sua solicitude, desdobrariam para logo as suas riquezas e as suas producções com vantagem sua e alheia.

E não se supponha que invento; basta, para se conhecer a verdade do meu asserto, que eu lembre que n'aquelles dois concelhos existem:

A importante villa do Odemira, tão considerada desde os primeiros tempos da monarchia, como se vê dos foraes que me foram concedidos, e que, pelas suas duas ricas freguezias, pelo seu rio navegavel até ao mar, no espaço de 40 kilometros, e pelas suas fabricas e industria e caracter dos seus habitantes, está destinada a progredir e a sor um dos mais importantes centros do baixo Alemtejo.

A notavel villa de Ourique, que já era cabeça de comarca em 1736, e que com as suas immorredouras tradições, com a gloria de ser o berço do excelente magistrado Diogo Guerreiro Camacho de Abeim, desembargador da relação do Porto e do essa da supplicação, com as regalias que lhe foram concedidas por D. Diniz o D. Manuel, o com as suas variadissimas paisagens alegres, desafogadas e amplas, merece a nossa attenção e respeito.
Panoias que ainda hoje se ufana da consideração em

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que foi tida por D. Affonso III e D. Manuel e que chegou a ter voto em côrtes.

Conceição e Santa Luzia, cujos terrenos figuram entre os primeiros, produzindo excellentes cereaes.

Sant'Anna da Serra, situada era formoso valle coroado de graciosos outeiros.

S. Martino das Amoreiras terra abundante, saudavel, mimosa e airosamente accidentada.

Gavião, villa mais antiga do que a monarchia e cuja importancia era attestada pela prorogativa de mandar procurador ás côrtes.

Collos, (antigo concelho com o seu juiz ordinario, camara, procurador o escrivães), defrontada por formosíssimos outeiros e enriquecida pela exuberante fertilidade do seu solo e pelo excellente caracter dos seus habitantes.

Valle, nobre berço do grande sr. Jorge dos Santos, banhada pela ribeira de Campilhas, freguezia onde se deparam cereaes de primeira qualidade, fructas o legumes que rivalisam com os melhores de Portugal.

Subuya e Santa Clava a Velha, que reunem todos os requisitos para merecerem o nosso respeito e a nossa estima.

S. Theotonio, uma das maiores e das mais importantes freguesias da comarca, tendo na povoação a fabrica e a officina, o commercio e a industria e nos terrenos que a cercam montados do primeira qualidade e antes d'esses uma cuidada e consciente agricultura que satisfaz nào só ás exigencias da povoarão, mas ainda consegue exportar uma parte dos seus productos.

S. Luiz, mimoso jardim plantado no sopé do magestosa serra, risonha povoação que se vê crescer c progredir, o onde não sei quo mais admirar, se a bizarria nobre e attrahente dos seus habitantes, se a formosura dos graciosos panoramas quo d'ahi se avistam.

Vila Nova de Mil Fontes, um dos primeiros concelhos de Portugal. A sua posição deu-lhe una legar importante quando esteve em poder dos Romanos o dos Cartagineses. Foi nos primeiros tempos da monarchia um baluarte contra os mouros e por elles varias vexes assaltada. O seu porto de mar a sua bella praia, a sua excellente posição, tornam-n'a uma villa muito importante o com bate mais que sufficiente para engrandecer-se e progredir.

E assim, aquelles dois excellentes concelhos de Odemira e Ourique a que me estou referindo, com a grande riqueza da sua producção, com a decidida iniciativa dos seus 35:000 habitantes, com as suas 17 freguesias tão ferteis como extensas, tão mimosas como saudaveis, com as suas minas tão numerosas como variadas, com as suas muitas villas o aldeias a imprimirem-lhes movimento e vida por toda a parte, com as suas fabricas de cortiça, com as suas vinhas e herdades, olivaes e montados, com as suas differentes feiras annuaes onde tanta concorrencia afflue, bem merecem duas leguas do estrada que liguem com o caminho de ferro a sede de cada um d'aquelles dois concelhos, e uns kilometros paia a ligação e essa estrada com as freguezias já mencionadas.

É de toda a justiça que, assim aconteça o que não se negue hoje a tão importantes concelhos, tão cheias de nobres tradições e de atribulado amor pátrio, a protecção que n'outros tempos tiveram do poder central como o attestam as regalias constantes dos seus antigos foraes os vestigios que ainda ali se deparam de antigas grandezas.

É de toda a conveniencia porque, com a pequenissima despeza que aquelle melhoramento demanda, a linha ferrea obterá novos proventos, a fazenda mais quantiosos redditos, e aquella região mais riqueza e prosperidade.

Com despezas fritas por esta fórma não se esgota o thesouro avigora-se; não se esperdiçam os redditos nacionaes, administra-se, economizam-se prudentemente, augmentam-se as fontes de receita pretejem se as industrias, avançam-se sem perigo de ter retrogrador.

Espero que estas singelas ponderações calem no animo illustado e patriotico do nobre ministro das obras publicas. Não póde haver pedido mais modesto o mais racional, mais acceitavel e mais em harmonia com as circumstancias actuaes: Que se gaste somente o que a veria orçamental permitte, e de preferencia com as estradas que, como aquellas, devem ter-se por de primeira necessidade. (Apoiados.)

O sr. Adriano Monteiro: - Mandou para a mesa um projecto de lei determinando que seja obrigatoria a vaccinação de todas as creanças, durante o primeiro anno da sua existencia, nascidas em Portugal e ilhas adjacentes, e que seja igualmente obrigatoria a vaccinação e revaccinação para os individuos a quem a vaccina não pegasse.

Não lhe parecia que fosse necessario encarecer as vantagens d'este projecto, porque ellas eram obvias. Estava certo que os seus collegas, melhor do que elle, podiam fundamentar um projecto de lei n'esse sentido; mas em todo o caso, elle, com as poucas forças de que dispunha, julgava prestar um serviço humanitario, apresentando-o.

De novo se ia occupar do fornecimento de lanificios para o exercito.

Vira hontem no Diario du governo um annuncio em que se dizia que no dia l5 findava o praso para o fornecimento de pannos para o exercito, e se antes d'isso nào se tomasse uma medida qualquer, que attendesse a beneficiar a industria agrícola, não teria senão a lastimar que o governo não tivesse em consideração essa industria.

Nào diria nada se nào visse no relatorio da commissão que classificou as amostras, allusões que não podiam ficar sem resposta.

Pelas representações e protestos feitos o anno passado, tanto pelos agricultores como pelos industriaes, o governo adiou o praso para que os fabricantes nacionaes apresentassem amostras em que fosse empregada a lá nacional, e as amostras que foram apresentadas parecia-lhe que garantiam a colocação d'essas lãs; mas sendo o annuncio publicado em 11 de maio d'este anno, na condição 4.ª, via que se dizia que seriam empregadas as lãs nacionaes sómente quando d'ahi não resultasse inconveniente.

Como na sessão não estava presente o sr. ministro da fazenda, que se encarregara de obter esclarecimentos para responder sobre este assumpto ás considerações feitas pelo sr. Avellar Machado, continuaria nas suas reflexões, não obstante reservar-se para as renovar quando s. exa. estivesse presente.

Analysando o relatório da commissão, parecia-lhe que esta mais se preoccupára em criticar a lã nacional do que em analysar as amostras que foram apresentadas.

Segundo se via das declarações da commissão, no fornecimento dos pannos para o exercito só podia ser empregada a lã branca; n'esse caso perguntava o que se havia de fazer á lã preta, que ora a maioria da produzida no nosso paiz.

Antigamente, quando se usava o briche, era a lã preta que era empregada; porque não se voltava outra vez a usar essa fazenda, pois, apesar de gostar de ver o exercito com fardamentos garridos, entendia que era sempre inconveniente querer-se apparentar de rico, quando realmente se era pobre?

Analysou detidamente o relatório da commissão, e terminou perguntando se era ou não obrigatorio no fornecimento do pannos para o exercito o emprego da lã nacional.

(O discurso será publicado na integra e em appendice quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

(Leu.)

(Os requerimentos do Sr. deputado vão publicados na secção respectiva)

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ORDEM DO DIA

Continuação do projecto de lei n.° 12, que auctorisa o governo a ratificar o tratado entre Portugal e o Estado Independente do Congo, relativo as terras da Lunda, que foi assignado em Lisboa aos 26 de maio do 1891.

O sr. Manuel de Arriaga (na tribuna):- Sr. presidente, sujeitei-me hontem no sacrificio, nào pequeno, de manter a palavra ato ao fim da sessão, que por caso extraordinario e excepcional, o excepção aberta para mini, terminou áquella hora, sete da noite, porque julguei que reservando a palavra para o dia de hoje, encontraria no parlamento alguem que seguisse no debate com mais conhecimento do causa e mais aptidão do que eu.
O sr. Presidente: - Eu peço licença para interromper o sr. deputado e dizer que não abri excepções para v. exa.

A sessão abriu ás tres horas e segundo o artigo 54.° do regimento que marca que haja cinco horas de sessão, este devia ir até ás oito horas. Terminou ás sete, por consequencia não houve excepção. (Apoiados.)
O Orador: - As outras sessões começaramm á mesma hora o entretanto não se encerraram ás sete. Os senhores apoiaram as palavras do sr. presidente, mas juram de ouvido, porque não estiveram cá.

Quando deram as seis hora, hora a que é costume terminar a sessão, alguns srs. deputados indicaram que tinha dado a hora e v. exa. negou-se a reconhecel-o, invocando o regimento. Adiei então de meu brio não pedir graça, pois me achava tratado com bem pouca por v. exa.

O sr. Presidente :- V. exa. terminou ainda antes das sete horas.
O Orador:- Ora, isso foram apenas uns minutos, uns instantes perdidos no relogio do tempo!!

Eu não fallo n'esta casa pelo prazer de fallar, em parte alguma como aqui a minha palavra brota mais contrafeita e pallida, espelho fiel do meu espirito.

Convencido de que o tratado da Lunda é mais uma vergonha junta ás outras muitas com que a monarchia está liquidando as suas contas com Portugal, achei de meu dever impedir que se tomasse de assalto o parlamento, e reservei a palavra para hoje para dar aso a que mais alguem acuda pela defeza das prorogativas parlamentares e da nação tão mal tratada pela sua diplomacia e pelos seus governos!

Não haverá ninguem ?! Ficarei eu só?!

N'este caso limito-me a fazer uma synthese do que disse, e faço-o porque na sessão de hontem fallei para as paredes por assim dizer; fallei para estas cadeiras vazias; não fallei para os representantes do paiz, porque áquella hora estariam representando as suas proprias pessoas muito bem em suas cabas, á excepção de sete que, honra lhes seja feita, mantiveram aqui até ao fim o seu posto de honra.

Uma voz :- O sr. Latino Coelho não estava.

O Orador: - Eu não abro excepções para ninguem. No campo da honra não ha republicanos e monarchicos, só é a honra. Quem está ao lado d'ella está, quem não está melhor seria que estivesse.

Uma voz: - No campo do jantar estavam bem.

O Orador: - Ouvi dizer que no campo do jantar estavam bem! Quem estava ahi bem é o que devora, não é aquelle que se sente por elles devorado - o paiz.

Disse um philosopho francez que o caracteristico seguro da decadencia dos individuos e dos povos era o egoismo.

Os que mantém esse egoismo com tamanha audacia são o typo bem definido da decadencia que vae n'este paiz por toda a parte!... Esta enfermidade grave e a ligeireza de espirito com que ella se denuncia aqui, é caso para causar medo!

Ao menos quero abrir uma excepção para ruim e excepção que mantenho de longa data. Eu quero morrer na plena convicção do que nào sou solidario com os erros dos que sacrificam o paiz onde nasci.

Hei de morrer pobre, hei de morrer tão descrente doa homens quão crente nos principios que sigo. hei de morrer vencido e cansado, mas hei de ter a consolido de que por cima da minha sepultura póde dizer-se: «Aqui jaz um homem que não explorou ninguem e que antes por alguns foi explorado».
E já agora para completar esta pequenina biographia propria, permittem-me os seguintes declarações porque ellas encerram todo um plano de vida que impuz a mim mesmo, o quo mantenho intacto á custa de grandes sacrificios, e que já vem de epocha um pouco remota.

Para separar completamente as minhas responsabilidades dos tempos que vão correndo, dos seus usos e costumes, deliberei adoptar tres ordens de sacrificar e cujo alcance e dissabores só se póde medir devidamente a experiencia propria, taes são mantém-me e a minha familia fóra das influencias do orçamento, á custa unica e exclusivamente do meu modesto trabalho; nunca lançar mão quer na minha vida official quer politica de reclames de natureza alguma, antes pelo contrario assistir sereno e prasenteiro a esta conspiração que se faz contra aquelles que seguem no sen caminho, sem me importar com os emulos ou os invejosos que me vão no encalço e me combatem apparente ou occultamente; finalmente, cortar com o passado e a educação que me deram para seguir no rumo do futuro; porque e só ali que vê o uma pequena e frouxa luz de esperança...

Eis os tres capitulos em que se tem fechado toda a minha modesta e obscura actividade de homem publico.

Voltando porem ao assumpto que se discute.

Não ha uma voz que me acompanhe, perguntava eu?! Será o mesmo. Embora não desistirei do que trazia no pensamento.

Eu estou sereno. Basta-me ter aqui a companhia do sr. Ferreira da Amaral, e ter a certeza de que lá fóra terei todos aquelles que não exploram, todos aquelles quo pensam, que soffrem e que estão vendo a marcha que segue o paiz com verdadeiro medo e assombro, para sentir-me satisfeito, porque esses hão de dizer: bem, ali está ao menos uma voz que protesta em nosso nome.

Eis o quo faço; a isto limito a minha missão n'este momento.

Sr. presidente, o que me molesta n'este tratado, digo-o francamente, e vae n'isto algum orgulho do velho portuguez, é a pessoa com quem se contrata, diante da qual se curva inexplicavelmente a nação dominadora, dos mares, da Asia e da America; é esta incomprehensivel e contradictoria indifferença do publico em deixar-se espoliar ignominiosamente sem manter agora, e com mais rasão ainda, áquella espontanea e vibrante cólera que fez ha pouco mudar de rumo o governo portuguez e a propria Inglaterra, quando nos quizeram impor o convenio do 20 de agosto!...

As coloras do paiz contra a Inglaterra, e justificadissimas, não posso comprehi-nder como têem agora por echo o socego d'esta casa! O interesse, o zelo e o orgulho com que depois do convenio do 10 de agosto o governo portuguez, inspirado na alma popular, se viu obrigado a proceder para com a Inglaterra a ponto de me arrancar elogios n'esta tribuna, o calor com que então se pleiteou a defeza do nosso direito contra uma nação poderosa, não podem ter por equivalente esta condescendencia sem limites, vilipendiosa, com um estado desarmado o insignificante; e irrito me e envergonho-me ao ver que ha de haver unia camara que sanccione esto contrato! Haverá incoherencia para os outros? Haverá. Para mim não a quero. Com quem é celebrado este tratado? O sr. Ferreira do Amaral já definiu essa ficção de estado com quem estamos tratando.

A constituição hybrida, singularissima, d'aquelle Estado do Congo póde inspirar interesse, respeito a quem vive do

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ficções; comprehende-se que a uma nação que ainda se intitula senhora de aquem e de alem mar, conquista e navegação da Ethiopia, Arabia, etc., o que é uma ficção, e que debaixo d'essa ficção vive, vá tratar com outra ficção, que é o Estado Livro do Congo. Comprehende-se que no mundo das ficções se possa tomar a serio este tratado, mas no mundo real, positivo, verdadeiro, e mais do que affróntoso, é ridiculo.

Eu não sou plenipotenciario com honras regias, não venho do mundo official para usar palavras que disfarcem o meu pensamento; venho du região opposta, do povo, que quer linguagem franca e direita que não occultamente e que revelle o que se sente; venho das tradicções da historia e as tradicções da historia da nação portugueza não permittem que ella seja tida como uma phantasia, como uma ficção, para como tal tratar cora outro phntasma, outra ficção ainda maior!

A historia portugueza nasce de factos reaes e positivos; foi escripta por valentes que não viviam de phantasias, que não viviam de ficções. Venho em nome d'elles, venho cm nome da vida pratica e positiva, dos que soffrem, do povo, dizer: eu representante da nação portugueza não posso tomar a serio um contrato quando tenha de celebral-o com o hybrido e phantastico Estado do Congo.

O que é triste, sr. presidente, é que esta concepção monstruosa de diplomacia da Europa, este espectro de nação que não devia espantar ninguem, ouse impor-se a Portugal, e que este reconhecidamente acceite condições mais onerosas do que lh'as impoz a propria Inglaterra!

Esmagados por esta potencia na Africa austral, porque, segundo diziam, não havia meio de resistir a tamanho colosso, refugiámo-nos na Africa occidental no que era e de via ser nosso, e aqui soffremos derrota mais vergonhosa infringida agora pelo mais indefeso e comico dos estados!

Que haja quem tenha medo do leopardo inglez comprehende-se, mas que uma nação corno Portugal recue diante do mono do estado soberano do Congo, isso é que é muito para estranhar! O simio não é animal que metta medo a alguém!...

Porque recuaram diante do inimigo desarmado e mais fraco! Porque deixaram que a chicana vencesse o direito; a astucia o a audacia perturbassem a verdade dos facto, e nos reduzissem á condição de pactuante pusilanime e inconsciente? Taes foram as minhas principaes arguições na sessão de hontem a que sou obrigado a dar hoje explicação e desenvolvimento.

Sr. presidente. O meu discurso na sessão do hontem teve dois capitulos completamente distinctos. No primeiro rebati a resposta dada pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros ao discurso claro, incisivo e logico do sr. Ferreira do Amaral, resposta tão desastrosa que mo obrigou a dar novo rumo ao protesto que eu pretendia lavrar contra o tratado.

No segundo tratei propriamente da dupla derrota que nos infligiu no campo do direito e dos factos a diplomacia dos srs. Bocages, pae e filho.

Desejo levantar algum d'esses argumentos pura ver a resposta que merecem a quem me der a honra de replicar. Começarei por avivar a espantosa declaração que nos fez o illustre ministro, o sr. conde de Valbom, de que s. exa. ignorava qual era o plano colonial do seu collega da marinha!

Lembrei então que não se comprehendia como se haviam conciliado homens de tradições tão oppostas, tão antagonistas entre si, se não fosse em nome de um principio superior de governo, de um ideal inspirado no amor da patria e que não se poderia admittir, sobretudo na crise que se atravessa, um plano de governo em que a questão colonial não occupasse um logar proeminente!

Como é pois que não combinaram o modo de defender o nosso vasto dominio colonial contra a rapacidade estrangeira, antes de acceitarem o encargo de governar?!... A declaração do Sr. ministro, de que ignora o que o seu collega pretende fazer sobre as nossas colonias, envolve um perigo para a nação, contra o qual sou obrigado a protestar. Sem terem um plano assente do que hão de fazer para o futuro, nem se comprehende como sujeitaram á sancção do parlamento o tratado de Inglaterra e este agora, denominado da Lunda, com o Rei soberano do Congo!

Espero que a esta parte da minha argumentação de hontem que dêem hoje a indispensavel resposta.

Urna outra cousa para que tambem desejo a attenção da camara e para que peço uma resposta do sr. relator. Como é que se explicava, dizia eu hontem, que se impozesse a esta camará uma discussão seria, e eu não posso partir da hypothese de que alguem admitta que a discussão não seja seria, obrigando-a a estudar, a discutir e a votar dentro de horas um convenio de tamanha importancia politica e economica?!

Que rasões imperiosas obrigaram o sr. relator a querer tomar de assalto o parlamento, negando-lhe condições e tempo para estudar e discutir?!

Com que direito pretendiam levar de encontro a uma parede o deputado que quizesse discutir este projecto, obrigando-o a estudal-o em menos de vinte e quatro horas, a ler no mesmo praso todo o Livro branco, a comprehender o alcance do que se fez e do que se pretende fazer?! Que idéa se continua a formar nas regiões do poder e nas da maioria d'esta casa, do deputado que honra e zela o mandato que lhe foi confiado pelo povo?!

O que lucra o parlamento n'este assalto á consciencia publica?! O que lucra em querer esmagar aquelles que querem trabalhar, tirando-lhes o tempo para emittirem com consciencia o seu voto?!

O que lucra, repetirei ainda, n'estes expedientes, que repugnam a todos e que cada vê mais nos exautoram dentro e fóra do paiz?! Não sei. O que é certo é que está pouco explicada a urgencia inadiavel que levou a pedir-se a discussão de um projecto d'esta importancia, d'esta grandeza, sem darem a quem o queria estudar pelo menos vinte e quatro horas para se preparar, porque nem a vinte o quatro horas chegou o tempo que me foi concedido?!

Espero que o sr. relator me esclareça com rasões dignas d'elle e do seu competidor.

Mas, pr. presidente, esta violencia acha-se sobremaneira aggravada com o expediente de se negarem ao parlamento os documentos de que elle carece para emittir juízo seguro!...

Já hontem demonstrei que se não podia discutir este parecer, sem o ver instrumentado com as peças capitães a que elle mesmo se refere!

Como é que o parlamento portuguez poderá emittir um voto consciencioso sobre matéria tão grave, subtraindo-se-lhe as peças capitães do processo?!

Sem a declaração de neutralidade e delimitação territorial, assignada pelos estados, incluindo o do Rei soberano, em l de agosto de 1885, e sem a carta annexa, indispensavel para se formar juizo, homem nenhum honesto pôde dizer, quo emitte conscienciosamente sobre este tratado, um voto seguro; porque sem medir claramente os direitos, os limites que ali são impostos, não póde formar-se juizo do que se fez mais tarde, alterando-o.
Com as cartas annexas argumentaram os plenipotenciários de um e de outro lado; com essas cartas carece o parlamento tambem de argumentar.

A Belgica, que veiu a Portugal singularmente armada, que trouxe, tanto no seu delegado technico, corno no seu plenipotenciario, homens de uma tão completa erudição, do tanta segurança nos golpes que vinham dar, que era necessario contrapor-lhe outros equivalentes, e que é lastima confessar nós não tivemos, lançou mão das mesmas cartas annexas, para fazer ver que Portugal nunca fizera valer os seus direitos sobre a Lunda e se contentava em ter por limite natural o Cuango, sem ir alem d'aquelle ponto.

Como pudera então um deputado, que não vive nas re-

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giões officiaes, que não conhece dos segredos do governo, que não priva com elles, emittir juizo certo sem estes mappas annexos, em que se baseava o competidor, sem que lhe fossem trazidos como instrumento do processo cm que devia julgar?!

Dar-lhe menos de vinte o quatro horas para estudar todos estes instrumentos do processo, e por cima reclamar que se vote, equivale a menosprezar a soberania popular, a reduzil-a a proporções minusculas, a peior do que isso, a expol-a ao escarneo do mundo; e, emquanto eu tiver aqui o logar que me foi Conferido pelo povo, livre de macula e exemplo de quaesquer compromissos, levantarei a minha voz como protesto, e envidarei os meus esforços para castigar como merecem tão lastimosas demasias!...
Além das cartas armexas a que já me referi, falta ainda o convenio com a Allemanha, de 8 de novembro de 1884, onde o Estado Livre do Congo limitou os seus verdadeiros dominios. Como póde esse convénio deixar de ser a peça instrumental do processo que se debate?!

Sem os contratos, sem as cartas e sem tempo para estudar, é o mesmo que dizer ao parlamento que abdique da sua intervenção na administração do estado e se limito a chancellar tudo o que lhe, for ordenado!

Podem todos aqui estar dispostos a fazer o que lhes manda o governo, eu é que estou habituado desde pequeno a só fazer aquillo que devo. Assim devo emittir o meu voto com consciencia; e para dar esse voto com consciencia, preciso de estudar, e para estudar preciso das peças do processo e preciso de tempo.

Qual foi a implacavel urgencia de circumstancias que obrigou o governo e a camara a esta violencia?

A resposta dada pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros a esta pergunta é verdadeiramente desastrosa. S. exa. disse que a urgencia de tratar com o Estado do Congo, provinha d'elle ser fraco e poder em breve ser substituido e representado por outro mais forte!

E o tal Estado fallido e agonisante, a que se referiu o sr. Ferreira do Amaral.

Pois se está fallido o agonisante, direi eu agora, nós vamos entregar-lhe de mão beijada vastissimos territorios para com elles contemplar em disposição testamentaria o proximo herdeiro.

Mas o argumento de s. exa. procederia, se o fallido e phantastico estado do Congo, estivesse só por horas.

Mas s. exa. caiu em contradicção, dizendo em seguida que o enfermo não estava tão mal que não houvesse grau de numero de potencias a dar-lhe vida!

Repito, nào comprehendo a urgencia imposta ao parlamento, e ainda menos a violencia coro que se pretendia arrancar-lhe hontem mesmo a approvação do tratado!

Foram estes abusos que excitaram a natural irritabilidade do meu genio, e me obrigaram a manter a palavra até hoje, na esperança, repito, de que n'esta casa alguem mais me acompanhe e ao sr. Ferreira de Amaral, na justissima inpugnação feita ao tratado.

Não haverá ninguem; assim será; mas eu liquidei as minhas contas com o parlamento e com a minha consciencia; fiz o que julgueei do meu dever e tanto basta.

Entrarei agora propriamente na apreciação do projecto.

Eu hontem colloquei esta questão de uma maneira nitida e singela; hoje faço o mesmo para auxiliar o sr. relator dár-me uma resposta da mesma indole. Primeiro, este tratado representa uma, dupla capitulação vergonhosa a que nos arrastou a nossa incúria governativa e diplomatica, dupla capitulação tanto no campo do direito como no campo dos factos.
Quem a assignou foi o sr. relator na sua qualidade de plenipotenciario portuguez, mas quem lh'a preparou foram os governos da monarchia, os seus funambulescos agentes diplomaticos. Atraz de s. exa. estava uma serie de antecedentes, de erros politicos, mais do que erros, incurias para não lhe chamar o seu devido nome, perante os quaes s. exa. se dobrou e se deu por vencido logo ás primeiras escaramuças do pleito diplomatico em que se viu envolvido. Fazendo justiça, á rectidão das suas intenções e ás suas qualidades pessoaes que nào desconheço, s. exa. caiu prostrado na arena, porque lhe falleceram as forças, a arte e a experiencia.

Para se conhecei-a desigualdade da lucta e é desalento que depressa se apossou do seu delicado espirito na conferencia realisada em Lisboa, basta ler a nota que s. exa. dirige a seu pae, então ministro dos negocios estrangeiros, aconselhando pazes e uma partilha amigavel com o adversario das terras da Lunda, nota a que mais tarde me referirei, e que póde bem denominar-se uni epitaphio da nossa e da sua diplomacia.

Eu peço aos membros do parlamento que se dêem ao trabalho de ler os protocollos da conferencia de Lisboa para verem com os seus proprios olhos a grandeza do desastre quo este tratado esconde.

É certo que s. exa. tentou durante duas sessões salvar a causa do nosso direito, mas tão mal preparado estava para ella, tão facilmente se sentiu enleado na rede da argumentação cerrada dos delegados da Belgica, que se deu por vencido. No campo do direito s. exa. é levado a declarar na referida nota, quo o direito não estava do nosso lado, ou que estando-o, só em parte nos poderia caber, porque a outra lhe parecia do nosso competidor! Como póde parecer exagero da minha parte, peço licença para ler as proprias palavras de s. exa.; vem a pag. 31 finé e a pag. 32 principio:

Se a questão ao direito positivo fosse resolvida em arbitragem contra o Estado Independente, não resultaria d'isso, ainda assim, a afirmação de que o territorio da Lunda fosse nosso por virtude do tratado de fevereiro de 1880. Em presença do texto do tratado, a Lunda, o imperio dos Mwatianwas, ou é do Estado Independente, ou não é de ninguem.

Eis o que dizia o nosso plenipotenciario!

Os delegados da Belgica viram Portugal tão mal ferido dos seus golpes, que não duvidaram um só momento de manter a sua causa com toda a certeza de exito!

A proporção que vão levando de vencida os nossos delegados, vão consignando o seu triumpho e accentuando que não temem o combate em qualquer terreno para quo os chamem.

Veja bem o paiz como as cousas estavam preparadas de antemão para nos infringirem esta vergonhosa derrota!...

Dêem-se os srs. deputados ao trabalho de ler, de meditar n'este tratado e suas respectivas origens, e vejam como uma nação audaz, embora pequena, se prepara para dar batalha a outra mais, forte, e como esta predispõe as suas cousas para lhe cair nas mãos vencida!

Qual é a arma unica, dominante, de que a Belgica se serve para anniquilar o nosso direito, para escarnecer das nossas tradições, para inutilizar tantos esforços, antigos e modernos, tantas tentativas gloriosas, como a ultima do major Henrique de Carvalho?!

Essa arma, unica, dominante, verdadeiramente mortifera, foi a quo nós mesmos lhe entregámos, é o famoso tratado de fevereiro de 1885 !
Sem palavras, sem rodeios, sem subterfugios, limpida e claramente o estado soberano do Congo limita-se a exigir aquillo que com elle pactuamos; se o não quizermos, ainda se limita a lembrar o recurso da arbitragem! Vejam por aqui a situação segura que lhe démos, e a posição inferior e mesquinha em que nos collocámos!

O tratado de 14 de fevereiro de 1885 não dá para o nosso competidor motivo a duvidas. Por mais arte, por mais habilidade, por mais subterfugios, por mais seducções que o nosso agente diplomatico empregasse perante o contrario, nada lhe valeu! Em vão se invocaria o passado, e os proprios actos firmados pelo Rei soberano com as mais potencias!...

Contra nós invoca o direito que lho conhecemos, e pela

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fórma porque o fizemos, e que com actos posteriores confirmámos, e esmaga-nos depois com ironias e com o ridiculo!

O Estado do Congo a fallar no seu direito e a impol-o ao meu paiz?! Que escarneo e que irrisão! E no emtanto é forçoso confessar que o auctorisámos a que assim procedesse!

E os trabalhos seculares dos nossos maiores, não valeram de nada?! E as proprias palavras da França reconhecendo que só nós podemos ter ali direitos, e que só nos reconhece ali serviços de quatro seculos, e que nos concedo ali o primeiro logar?!

Li as cartas firmadas pela própria Belgica com as outros potencias traçando os seus proprios limites, e todo o nosso passado e todo o nosso presente, onde fulgura o nome portuguez, de nada valem, para intimidarmos o contrario?!

Assim parece, porque no entender dos delegados belga vale mais do que tudo a letra expressa do tratado que com ella firmámos.

Já de longa data alguns filhos benemeritos d'este paiz chamavam a attenção dos governos para as riquezas naturaes que se espargiam pelas terras da Lunda, e incitavam-nos a que tomássemos conta d'ella. Já hontem á noite tive occasião de citar o que a este respeito escrevia n'um jornal da capital a Vanguarda, uma das nossas primeiras auctoridades em assumptos de Africa, o dr. José Falcão, lento da universidade, espirito independente e culto que repella tambem com a maxima energia o tratado em discussão.

Diz s. exa. no referido artigo:

«Em 1843 dizia o illustre sertanejo Rodrigues Graça: «A vista de tanta magnificencia espargida n'estas terras pela natureza contrastada com a fereza do seu governo, move a ousadia de um genio emprehendedor a vir conquistar este paiz; e a quem cumpre este feito? Quem com mais direito terá de levar as luzes áquelles povos? Á nação portugueza, que sem muito custo dominará em um territorio do rico e fecundo!»

«Ha perto de cincoenta annos que fomos avisados pulo genio sagaz dos nossos africanistas, e nós vamos dormido, confiando nas vigilias intermittentes do sr. conde de Macedo, e dos illustres ministros dos negocios externos, que tanto têem illustrado estes ultimos annos du monarchia brigantina.

«O paiz parece que não quer que o incommodem mais com questões africanas. Vamos tendo abundancia de papel para arremendarmos as necessidades caseiras. No ministerio só falta uma joia para estar completo um governo leito do todas as sumidades da politica, os fundos já vau subindo alguns pontos, signal evidente de que só estava pobre no bons o honrados ministros, e por isso que leve o diabo a Lunda e o Muata-Lanvua, e quem não estiver contente que emigre para o Brazil de vontade, se não quizer que o inundem para a Africa á forca.»

Isto escrevia um portuguez benemerito cm 1843, isto assevera-o hoje uma das nossas primeiras sumidades, e é agora que vem o listado do Congo perguntar-nos quaes são os nossos trabalhos; quaes os titulos do direito que temos a uma região em que, com o nosso sangue e a nossa paciencia, implantámos o nome portuguez! E o nosso plenipotenciario limita-se a citar o presente, e por fórma que foi mais uma humilhação para nós! Não lhe acodem á mente tantissimos titulos do gloria patria com que poderia, ter corrigido a audacia da pergunta!

Já que os delegados do Rei soberano se aventuraram a perguntar ao delegado portuguez que titulos tinhamos aos territorios da Lunda, porque os não confundiu com os factos positivos da nossa historia secular, porque não cegou os olhos d'aquelle mocho com os raios fulgidos da nossa gloria indiscutivel?!

Porque emittiu Rodrigues Graça, Silva Porto e tantos outros de cujos trabalhos devia estar ampla e minuciosamente informado, para se limitar a citar um só que, apesar de muito glorioso e benemerito, se tornava contraproducente para o governo portuguez pela nenhuma consideração que mais tarde lhe merecera?!

O sr. Bocage, alem da minha pobreza de argumentos, com que tratou com os adversarios, aggravou a sua já de si lastimosa posição, querendo passar por sabedor c participante dos negocios da conferencia de Berlim!

Eu na posição em que s. exa. se achava, não teria a coragem de querer partilhar d'aquelles trabalhos, que foram a origem de grandes inales para a minha patria.

O sr. Bocage (relator): - Os plenipotenciarios na conferencia de Berlim foram os srs. Antonio do Serpa e marquez de Penafiel. O delegado technico foi o sr. Luciano Cordeiro. Eu não fiz parte da conferencia de Berlim.
O Orador: - Quando na conferencia do Lisboa, mr. do Cuvelier, mantinha com energia singular, sem trepidar, os direitos do Estado do Congo aos limites naturaes do Cuango, idéa que factos posteriores pareciam confirmar, e que a Belgica astuta e cautelosamente mais tarde fez valer, s. exa. disse então o contrario. Vem a pag. 42, vou traduzil-a:

«Mr. Roma du Bocage tomou a palavra para dizer que tendo assistido á conferencia de Berlim, está no caso de conhecer quaes as regiões com que quizeram que fosse constituido o Ei ta do Independente. Nunca entrou no pensamento da Allemanha, nem da França, attribuir-lhe a Lunda. Quando Portugal concluiu o tratado de 1880 com a associação do Congo, pelo qual reconhecia o curso do Cuango como o limite dos territorios da associação, suppunha implicitamente, segundo o conhecimento das actas anteriores, que se deveria entender esta fronteira no sentido em que pila tinha sido definida por essas actas, isto é, entre o 6.° parallelo e o parallelo de Noqui.»

Assim faltou s. exa. dizendo-se mais do que assistente, fazendo-se interpreto da conferencia de Berlim.

E quer s. exa. que eu lhe diga o que penso e o que tinto da conferencia de Berlim?

Eu, não dormiria tranquillo se tivesse feito parte d'aquella assembléa do povos em que a patria foi mutilada e envolvida em perigos e trabalhos como este e outros que já vincam e ainda outros que mais tarde hão de vir.

É melhor não recordar o que se fez n'essa conferencia contra nós, e que representa o abatimento do nosso antigo valor de lusitanos!...

N'aquella ariopago de povos, onde se ia fazer a partilha do grande Continente Negro, cabia a Portugal, que o descobrira e o iniciara para a vida da civilisação, um logar de havia, o primeiro logar.

Quando ali entrou representado pelos seus delegados, tinham estes indiscutivel direito a que o saudassem como ao benemerito do mundo, e que acatassem a sua voz auctorizado, e o seu direito que primava e prevalecia a qualquer outro.

Quem ali entrava com similhantes titulos, podia erguer bem alto a cabeça e nunca receber como favores o que de mais a mais só representava para elle uma expoliação!...

Não quero dizer como procederam aquelles que o representaram n'aquella conferencia.

O sr. Luciano Cordeiro: - Diga, diga.

O Orador (com energia) : - Procederam com uma fraqueza tal, que mais pareciam receber como um lavor, aquillo quo não era mais do que um direito.

O sr. Luciano Cordeiro : - Era melhor estudar antes de vir dizer isso ao parlamento.

O Orador: - Era melhor estudar, replica-mo ainda o sr. Luciano Cordeiro?!
invocar-se aqui a obrigação de estudar contra aquelle que subiu a esta tribuna exactamente para protestar contra o expediente de se discutirem e votarem leis, sem o tempo necessario para o seu maduro exame, hão de confessar que é um cumulo!

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Sim, era melhor estudar e estudar muito, o que ainda está por revellar e sair d'aquella amaldiçoada conferencia.

Foi ali que creámos com o nosso assentimento, e até direi com o nosso applauso, os inimigos que nos devoram agora! Tanto basta para manter a muita asserção.

Saimos d'ali expoliados, e trahidos e ainda por cima desejam que nos confessemos reconhecidos!

O que lucrámos da conferencia?! Foi El Rei do Portugal mandar ao Imperador da Allemanha uma espada de honra crivada de brilhantes, para nós citarmos agora aqui crivados de supplicios!

Quando mais não houvesse, bastava, depois da derrota que nos infringiu a Inglaterra, a affronta que tambem agora nos veiu fazer o Rei Soberano do Congo!...

O sr. Bocage dizia que não era a intenção nem da França, nem da Allemanha nem de Portugal, conceder á Belgica tamanhos dominios!

Ora em questão de direitos não ha intenções, ha ou deve haver disposição clara, palavras escriptas, que definam o direito e a obrigação de cada um.

Desde que Portugal sabia quo um benemerito, como o sr. Henrique de Carvalho estava n'uma expedição politica, e muito honrosa para quem o mandou e para quem a cumpriu, explorando Lunda, tinha obrigação de salvar os nossos direitos áquelle trabalho que nos custara muito dinheiro, e nos deu muita honra, quando firmou o tratado de fevereiro de 1885.

E no entanto não póde restar duvida, é ver como argumentaram a este respeito os delegados da Belgica na conferencia de Lisboa, não póde restar duvida, digo eu, que demos aqui um golpe mortal á nossa justificada aspiração ao Muatianvua!

É o laço do enforcado o tratado de 1885, e acceitam agora como beneficio o não ficar o paiz ali hirto como um cadaver! Tal é a obra da nossa diplomacia!

Acham como um favor tudo quanto d'ali vem; mas eu tenho o direito de protestar contra o que ali se fez, contra as poucas ou nenhumas garantias a favor dos nossos direitos, e protesto ainda contra a falta de meios que nos cumpria empregar mais tardo para salvarmos esto erro diplomatico, vergonhoso para Portugal.

A mão que firmou o tratado de 14 de fevereiro do 1885 não era portugueza, forçoso é dizel-o.

O Sr. marquez de Penafiel, de nomeação regia, plenipotenciario de Portugal em Berlim, firmou com o representante do Rei dos belgas, fundador da associação internacional do Congo, o citado, convenio onde entre outras clausulas, sobre o ponto em questão, se estipula a seguinte, (palavras textuaes);

«O parallelo de Noqui até a bua intersecção com o rio Cuango.

«A partir d'este ponto na direcção do sul o curso do Cuango.

Já hontem chamei a attenção de v. exa. para a fórma porque nos protocolos da conferencia de Berlim publicados no Livro branco de 1885, se acha disposta esta ultima parte da convenção.

Ali não só se separa Gata ultima parte da primeira parte com um ponto e virgula; mas faz-se, propositadamente decerto, destacar n'um periodo separado, em linha aparte, para nào deixar equivoco, que, além do ponto de intersecção do rio Cuango com o parallelo 6.°, havia a continuação do mesmo rio na direcção do sul!

Pois ha um embaixador portuguez que firma um contrato bilateral com uma potencia estrangeira sem medir as palavras, as virgulas, os pontos e virgulas e os pontos finaes?!

Pois tinha sido posto um ponto e virgula o não um ponto final nas palavras até ao rio Cuango, porque é quo depois d'isto ao partir d'este ponto, só falla no curso do rio na direcção sul?!

Para que se pozerem ali aquellas palavras?!

Para a Belgica nos dar agora este golpe fatal! É facada traiçoeira que muito mais me molesta no meu orgulho de portuguez do quo os golpes brutaes que nos feriu a Inglaterra, fiada na sua força!

Desde que firmou este artigo nos termos em que foi escripto, Portugal abdicou dos seus direitos a Lunda!

Desde que se confessou que este rio era o limite natural entre os dois estados; desde que se acceitou em letra escripta esta clausula, nào ha diplomatas capazes de a illudirem.
Esta é que e a tal corda lançada ao pescoço do enforcado a que me tenho referido.
Porque o deixaram esperneando na forca, julgam-se agora muito habeis e muito felizes em lhe alargar um pouco o laço, e prolongar-lhe mais uns dias de existencial...

Eis o espirito maligno que presidiu contra nós aos trabalhos de Berlim, e é por isso que quando o illustre relator declarou na conferencia do Lisboa que tinha assistido á conferencia da Allemanha e quiz escudar-se com o espirito e as intenções das potencias ali representadas, ouviu, replica severa quo lhe deram o diante da qual tive de calar-se!...

Mas eu pergunto agora ao illustre relator, já quo está tanto ao facto d'esses negocios diplomaticos, porque é que a este convenio de 14 do fevereiro de 1885 não se juntou uma carta annexa explicativa dos nossos dominios, como aliás se fez com outros convenios?

S. exa. não podo negar que na convenção da Belgica com a França lá vem uma carta annexa, e que o mesmo succede na convenção com a Allemanha.

Porque é, pois, que uma carta annexa da mesma indole desapparece d'esta convenção?!

Porque é que só abriu uma excepção para nós e contra nós?!

Como explicam que a Belgica nas suas convenções de neutralidade com as mais potências fosse tão expressa e solicita em declarar o que ficava sendo seu, e para evitar equivocos até explicava por meio de cartas annexas quaes os limites que acceitava para si; e só comnosco mudasse de processo e armasse-se da tactica do guerra que hoje vemos da mascarada n'esta infeliz conferencia do Lisboa?!

Nào nos bastariam já as duras lições inflincida á nossa inepta diplomacia, para nos acautelar-mos, senão fazendo obra da nossa lavra, imitando ao menos o que as mais nações adoptavam para sua defeza?!

Porque é que deixámos lançar ao pescoço o laço do tratado de fevereiro de 1880, o não ti atámos mais tarde do evitar-lhe algum dos seus effeitos, vindo só tarde e a más horas propor pactos que nos enxovalham e nos ludibriam?!...

Porque é que se fez isto tudo?! Posso considerar mo auctorisado a dizer que se fez isto tudo para a Belgica ficar á sua vontade e para a Inglaterra e o mundo inteiro se rirem dos nossos diplomatas!!

Já chamei á nossa diplomacia mosca tonta. Mais tonta do que hoje nunca a vi assim. Tão tonta que até se deixa cair na teia que lhe teceu o Estado Livre do Congo!...

Uma outra pergunta faço ainda, ao illustre relator, e ninguem melhor do que s. exa. me poderá responder, visto dizer-se tanto ao facto das idéas e intenções das potencias signatarias da conferencia de Berlim.

Porque é que, principiando a expedição do major Henrique de Carvalho antes da conferencia de Berlim e trabalhando elle n'esse tempo pela gloria do seu paiz, ao me nos não acudiu o seu nome n'aquella conferencia, para se salvarem mais tarde os seus trabalhos?!

Porque é que não lembrou o nome d'aquelle illustre africanista, cujos trabalhos multiplos nos dariam mais direitos do que a outro qualquer povo ao interland da Africa?! Porque é que se esqueceu n'aquella conferencia a idéa politica que presidira e determinara aquella expedição?! Porque e que esqueceram então os factos passados da nossa
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historia, como esqueceram os da mais palpitante actualidade?!

O major Henrique de Carvalho mantinha na Lunda os direitos e as tradições de Portugal; cada dia da sua exploração era um dia de gloria; celebrava pactos com os regulos; fundava, embora provisoriamente, estações para o nosso commercio, como o illustre relator o confessa perante os delegados belgas; como é pois que não previnem as consequencias naturaes que derivavam da sua expedição e apenas se limitam a consignar na lei palavras bastantes para nos ludibriarmos a nós mesmos perante o inundo?! Os delegados portuguezes em Berlim nem tempo tiveram talvez para pensar n'estas bagatellas!

O deslumbramento do novo e grande imperio parece que os cegara; a honra de sermos convidados para tomarmos parte na conferencia de Berlim, não era tão insignificante que valesse a pena discutir e acautelar os nossos direitos!

E lembrar-me que bastavam duas palavras na lei para inutilisarmos toda a chicana usada agora contra nós!

Bastava que Portugal tivesse resalvado os seus direitos aos terrenos em questão, terrenos n'essa epocha de mullius, bastava que lhe acudisse á memoria idéa que presidira á expedição de Henrique de Carvalho, para a Belgica recuar diante da arbitragem a que hoje recorre impavidamente!...
Bastava que exigisse uma cai ta explicativa dos limites então reconhecidos, como se fizera com as mais nações, para só não dar esta affronta do novo convenio!

Não souberam ou não quizeram defender na lei os nossos direitos; mais tarde não reconheceram ou não quiseram remediar o mal que tinham feito, e pretendem agora que tudo isto passe sem discussão e sem protesto! Não póde ser!

A Inglaterra, armada com formidaveis esquadras, impoz ha pouco ao meu paiz um contrato que eu em nome do povo repelli por indecoroso. Para aquelles que cederam perante a força, não descortino que rasão haverá para cederem agora perante o mais phantastico dos estados!

Ofugir-se diante do leopardo não é rasão sufficiente para fugir-se tambem diante de um mono, e um mono é o symbolo mais exacto para representar o novo Estado do Congo!

Tenho-os visto nas praças publicas representando tambem o papel de reis e a quem não falta nem corôa nem manto, e tão bem ensaiados e tão cheios de si, que merecem a corte das multidões ingenuas!

O que é certo é que esta simio do Congo, tambem se achou com titulos e forças bastantes para intimidar o velho descobridor dos mares, o conquistador de Africa, e obrigal-o a um pacto mais expoliador e muito mais irritante de que o convénio com a Grau Bretanha!...

Ate onde chegou a decadencia e a inexplicavel indifferença d'este malfadado paiz!

O tratado de fevereiro de 1885 e a sua consequencia logica e natural, o tratado que hoje se discuto, suo muito mais affrontosos que o de 10 do agosto e o seu concommittante, o que foi ha pouco votado! E no entanto é ver a frieza e a indifferença com que tudo isto agora se faz!. . . E agora chamo a attenção da camara para umas palavras por mira proferidas quando se discutiu o tratado com Inglaterra.

Perguntava eu então n'esta casa o que lucrávamos nós com a approvacão do tratado no caso de um conflicto com qualquer outra potencia?

Quando houver um conflicto entre Portugal e alguma nação nossa inimiga na Africa, a Inglaterra obriga-se porventura a proteger-nos e a defender os nossos direitos?! Por forma alguma, o a prova de que nos abandona na primeira occasião, é vermos este conflicto com a Belgica no qual se invoca até contra nós a auctoridade do seu nome!.. .

Em resumo, na questão precisamente juridica o nosso representante em Berlim procedeu com tamanha inhabilidado que o nosso competidor se firmou no que foi por elle clara o expressamente consignado no convenio, para na occasião opportuna inutilisar todos os nossos sacrificios passados e os nossos direitos superiores aos de outro qual quer!...

E depois de commettido o primeiro erro, os nossos governos, partilhando da mesma insania, desarmaram-se perante o competidor, não lançando mão dos recursos que tinham ao seu alcance para neutralisar o mal já feito, e não só abriram mão d'esses recursos, mas inutilisaram aquelles que n'um momento de feliz intuição haviam adoptado, como succedeu com a expedição do major Carvalho!

Collocou-se Portugal com estes erros politicos n'uma situação tão desastrosa, que a Belgica por mais de uma vez o convidou para dirimir a sua causa perante um tribunal arbitrai e elle não quiz!

Nós que, mais do que nenhum outro povo, carecemos d'este tribunal para fazermos valer o direito contra a força, tivemos de fugir da arbitragem para agora propormos o acceitarmos uma nova partilha em que a parte do leão é representada pelo gruterco Estado do Congo!

Porque mãos têem corrido ultimamente os destinos d'este infeliz Portugal!
Derimido assim, o pleito no campo do direito puro, o plenipotenciario portuguez deu-se por vencido declarando as palavras que eu ha pouco li á camara.

Abandonando s. exa. o terreno do direito para entrar em outro mais escorregadio e traiçoeiro, o dos factos, s. exa. concebeu por um momento a esperança de que ahi seria mais feliz, e isso fez sentir a seu pae, o então ministro dos negócios estrangeiros.

O que então se passou, e que constituo o segundo capitulo das transacções diplomaticas da conferencia de Lisboa, e onde é maior a responsabilidade do sr. Bocage filho, é digno de dilatado estudo, porque encerra proveitoso, embora duro, ensinamento, do quão difficil e arriscada é a carreira diplomatica nas mãos dos inexperientes!.. .

O que se passou na conferencia de Lisboa depois que a questão foi desviada pelo sr. Bocage para o campo dos factos, porque a havia perdido no campo do direito, só o póde bem julgar quem se der ao trabalho de ler os protocolos da conferencia.

Nem o illustre plenipotenciario, nem o governo, que elle representava, se tinham preparado de antemão, e devidamente, para aquelle repto e de ahi proveio o ficarmos tão escalavrados como na questão de direito ou ainda peior!...

S. exa. levanta sobre a sua cabeça uma enorme avalanche de argumentos, de factos, de erros nossos e de velhacarias contrarias, que mais me parece um homem ao mar temendo ser submergido e afogado pelas ondas!

Sinto dizel-o por mim, por s. ex.ª e pelo paiz que representava.

O que no sou nobre e dedicado espirito se passou de doloroso e desalentador, dil-o melhor do que ninguem a sua nota do 27 de março ultimo a que já me referi.

Este documento que o honra muito, e que eu li com doloroso acatamento, não me leve s. exa. a mal que na rudeza da minha linguagem lhe diga, se me afigurou corno um epitaphio da sua vida diplomatica!

Reconheço que n'este terreno s. exa. foi ainda vencido pelos erros accumulados da monarchia, como já o havia sido no terreno do direito; mas era da sua responsabilidade a escolha da arena em que se entrincheirava, e não devia entrar no liça sem a certeza do exito e sobre tudo sem. estar preparado para ella.

A diplomacia portugueza tem andado ha muito tempo á matroca.

Ainda não se viu com clareza os perigos de que estamos cercados, e quanto carecemos, mais do que nenhum outro povo, do intelligencias provadas e seguras para nos defenderem contra a guerra que nos é feita lá fóra com o intuito de nos despojarem do que é nosso!...

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A cambra de já avaliar as responsabilidades que acarretou para este paz o plenipotenciario português que em Berlim firmou o convenio de fevereiro de 1885, e as vergonhas que representam para nós o projecto era discussão.

Eu não lembrarei á camara o que se passou commigo um dia, por occasião da guerra austro-prussiana, quando eu, encontrando-me com um dos nossos diplomatas n'uma das côrtes mais aristocraticas da Europa, quiz sondal-o sobre as qualidades que distinguiam um monarcha junto do qual fora acreditado.

Soube-me dizer dezenas de minucias sobre a vida intima do dito soberano, que nada vinham a proposito e nada significavam; mas a respeito dos seus planos de governo, das suas idéas políticas da sua influencia sobre a marcha aos acontecimentos, melhor será que eu guarde o mais completo silencio sobre a sua resposta!

E com diplomatas desta indole e feitio que vamos defendendo os nossos direitos lá fóra, e por isso soffrendo os revezes do tratado do fevereiro de 1855.

Ahi tem o sr. Bocage a causa primordial dos desastres a que se viu forçado a submetter-se, e porque, apesar da sua boa vontade, lembrou a seu pae a conveniencia de não se discutir mais com os delegados da Belgica e de lhes propor pazes com a assignatura de um convenio era que mais uma vez nos damos por felizes por cão nos levarem tudo!

Aqui temos em poucas palavras a que se reduz a questão da Lunda: no campo dos nossos direitos a completa carencia d'elles na opinião do nosso illustre plenipotenciario!

Tal é o que s. exa., apura dos debates travados na conferencia de Lisboa! E s. exa. que o diz, e para não supporem que é engano meu, peço licença para ler á camara mais uma vez as suas palavras.

Diz s. exa. na referida nota, palavras textuaes:

Se a questão do direito positivo fosse resolvida em arbitragem contra o Estado Independente, não resultaria disso, ainda assim, a affirmação de que o territorio da Lunda fosse nosso por virtude do tratado de fevereiro de 1885. Em presença do texto do tratado, a Lunda, o imperio dos Muatianvuas, ou é do Estado Independente, ou não é de ninguem.

"Em 1885 a 1886, é publico e notorio que não reclamámos aquelle territorio para a nossa esphera de influencia; e v. exa. sabe, melhor do que ninguem, que, se o não fizemos, foi por ainda se não poder confiar absolutamente, em janeiro do 1886, no resultado da expedição do major Carvalho; e foi em janeiro de 1886 que primeiro se indicaram os limites da nossa esphera de influencia nas negociações que então proseguiam com a França e com a Alemanha, negociações em que eu tive a honra de tomar parte, tanto com uma como com a outra nação."

"Concluiram-se em maio as negociações com a França, ultimaram-se era dezembro as que houve com a Allemanha, e nem mesmo na convenção a que estas ultimas deram logar consignou o governo de Sua Magestade o resultado da expedição do major Carvalho, que pouco depois regressava á Europa.

"Destes factos, tão palpaveis que se não podem contestar, tiram os representantes do Estado Independente o seu principal argumento para affirmar que ao tratado de 1885, nunca póde ser dada interpretação que nos attribua toda a Lunda; e ao meu espirito afigura se muito difficil que o medianeiro lhes não dê rasão."

E s. exa. que curva a cabeça diante da argumentação do seu competidor o quem vera dizer: "E forçoso confessar que elle tem tambem o direito do seu lado". Desde o momento em que um plenipotenciario declara officialmente que a outra parte tem direito...

O sr. Bocage (relator):- V. exa. faz favor de dizer a quem o declarei?

O Orador: - Declarou-o ao nosso governo. Era esse então o estado do seu espirito, e se estava assina convicto como podia fazer outra cousa senão propor a partilha amigavel? Era a conclusão logica das suas palavras.

Mas sabe s. exa. qual é a conclusão que tira quando reconhece que o direito está tanto da pai te d'ella, como da nossa, o deseja entrar no campo de factos? Eu lhe vou dizer. Ainda me sirvo das suas palavras; vou ler.

"Eis o motivo por que, depois de d sentir os direitos perante o tratado e os direitos locaes adquiridos sobre os indigenas, pareceu conveniente dar ainda uma nova orientação aos nossos esforços, procurando agora conciliar os interesses que tanto Portugal como o Estado Independente possuem n'aquellas terras, e tentando uma fórma de partilha de tão vastos estados, que passa satisfazer, ao menos até certo ponto, a aspiração dos dois paizes.

"Não se póde negar com justiça que o Estado Independente tenha n'aquellas paragens interesses creados e direitos adquiridos. É triste confessal-o porque as creou e adquiriu por culpa nossa, mas o nosso primeiro dever é penitenciar nos de passados erros."

Aqui tem s. exa. a que chegaram as suas diplomacias!

No campo do direito confessa que elles têem direito como nós. No campo dos factos condessa tambem que os factos são a favor d'elles como a nosso favor! Como podia, pois, proceder um plenipotenciario n'estas condições? Propor as pazes, como fez. Mas eu protesto contra tudo isso, que é a synthese de uma política que eu abamino, e contra a qual ando revoltado ha muitos annos!

O sr. Bocage vendo-se traindo pelas circumstancias e pela sorte, reconhecendo que no campo do direito e dos factos, elles, belgas, estão em condições iguaes às nossas, senão superiores, propondo a partilha reconhece por outro lado que os nossos competidores valem mais do que nós, porque lhes concede a parte do leão, reservando para nós a do cordeiro!

Quando s. exa. assumiu a enorme responsabilidade de abandonar a questão de direito, onde; se confessou vencido, para entrar no campo dos factos, não previa a situação inferior e arriscada em que se ía colocar ao lado dos seus competidores!...

Eu chamo a attenção do parlamento mais uma vez para a sessão da conferencia de Lisboa do dia 2 de março, a pag. 58 do Livro Branco.

Estamos no protocollo n.º 4, documento n.º 29. N'esta sessão já estava vencida contra nós a batalha no campo do direito, e nós vencidos ahi appelavamos para a batalha no campo dos factos; era o sr. Carlos Bocage do um lado, e o sr. Eduardo Rogier do outro:

"Mr. de Grêle Rogier demande quels sont les document que le Gouvernement Portugais a l'attention de soumettre à l'examen de la conférence.
Mr. Roma du Bocage répond que ce sont les traités conclus avec les chefs indigénes qui se tronvent publiés dans louvrage du major Carvalho et le mémoire de cet explorateur ser le Lunda. Mr. le major Carvalho croit que cet ouvrage renferme des document suirisantis, et il attend ceux que l'Etat Indépendant juge convenabul de produire.
"Mr. de Cuvelier dit qu'il sattendait à ce que le major Carvalho fit l'exposé verbal des actes doccupation du Portugal dans le territoire du Muntianvo.
Mr. Roman du Bocage regrette de voir que les mémoires publiés sur ces actes d'occupation nes ne pas parvons à la connaiseance de l'Etat Indépendent du Congo. Au coura des deux dernières séances, il avait fait allusion au mémoire du major Carvalho, et auenno objection ré scíant produite de la part du plénipotentiaire de s'État Indépendant du Congo ni de son delegue technique, il croyait que cê mémoire avait été accepté comme base élémentaire de la discussion, et il sattendait à cê que lê delegue de l'Etat Indépendant du Congo présentat l'exposé dus faits doccupation de son Gouvernement. II será dimecile de reduire le long ouvrage du major Carvalho. Cependant, si mr. le représentant de l'état Indépendant du Congo, insiste, il

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[texto em francês]
faudra au delegue technique du Portugal un certain temps pour rédiger lê resumo qui ne pourra être presente avant plusieurs jours.

tiír. de Grette Rogier répond que, si Je Gouverneinent Portugais n'a pás d'autres documents à présenter à Ia conférence que ceux auquels se borne 1'ouvrage publié par lê major Carvalho, il n'insiste pás sur Ia présentation d'un mémoire spécial, qui ne serait que Ia reproduction textuelle des renseinemente consignes dans Ia relation inipriraée du voyage de l'explorateur.
Mr. Roma du Bocage dit que Ia publiuation du major Carvalho est en effet l'exposé préliminaire dês faits quo lê Portugal soumet h Ia conférence. II se reserve pourtant le droit de produire de nouvelles preuves, s'il le juge né-cessaire, dans lê cours de Ia discussion.»
Assim, pergunto, quando s. ex.ª abandonou a questão do direito para entrar no campo dos factos, o que levou para instruir a sua causa?
Como respondeu á pergunta inevitavel do plenipotenciario Belga? Apenas com a presença e os trabalhos do sr. major Henrique de Carvalho que o paiz, não digo bem, que os governos entregaram a um completo e absoluto abandono! Era então que s. ex.ª devia allegar todos os factos claros e positivos das nossas excursões na Lunda desde remota data; precisal-os tão miuda e cautelosamente que não deixasse uma unica saída aos aventureiros e especuladores do novo Estado soberano! S. ex.ª porém, reptando os seus adversarios para este terreno onde deviamos ficar em incomparavel superioridade se fossemos nação bem governada, limitou-se quasi ao silencio!
Reparem os senhores, n'esta sessão do protocolo que é, como as mais, muito cheia de ensinamento.
A Belgica começava por dizer que deixava resalvados os seus direitos e que se tivéssemos duvidas que appellassemos para o tribunal arbitrar e onde ella tinha a certeza de nos vencer.
Quando, por condescendência para com e. ex.ª, entrou no novo campo das transacções amigaveis, logo á abertura da sessão as palavras do plenipotenciario são as que eu lá li perguntando o que levávamos á conferencia para prova dos nossos trabalhos!
Não previu s. ex.ª, mio previu o governo portuguez, que auctorisou aquelle acto arriscado, que indo nós para à conferencia de Lisboa armados apenas com os trabalhos do major Carvalho, nos sujeitavamos a que os delegados belgas lhes dessem, quando muito, a mesma importancia que até á ultima hora lhes ligou o próprio governo portuguez?!
Era de prever a resposta que nos daria a Belgica, o fracasso a que ainda por esse lado nos íamos expor!
Se a joia com que Portugal enflorava a corôa do seu direito sobre Lunda, eram os trabalhos do major Carvalho, essa joia tinha sido depreciada pelo proprio governo portuguez, e não podiamos exigir do estrangeiro que lhe dessem mais valor.
Se não tinhamos então mais do que esses trabalhos íamos expol-os ao confronto dos trabalhos dos nossos antagonistas, que não dormiram desde o dia em que projectaram empolgar-nos aquelles dominios e que armados com elles vieram para a conferencia de Lisboa para os fazer valer!
Não lembro por vergonha a lucta desigual que ainda n'este campo se travou entre os nossos representantes e os da Belgica! Que o diga melhor do que eu as palavras de desanimo de s. ex.ª que eu ha pouco citei!
Por consequencia o sr. Bocage ficou vencido no campo dos factos, como já tinha ficado vencido no campo do direito !
Uma dupla derrota!
Ora, quando as instituições vigentes defendem a nossa honra e o nosso direito por esta fórma, é necessario acreditar que a alma do paiz não está com ellas, que lá fóra existe uma outra nação que e a patria que eu estremeço e zelo!
Vou terminar srs. deputados porque me sinto cansado e porque vejo que é inutil o meu sacretario. Antes do o fazer, porém, desejo consignar categoricamente que no que disse não houve da minha parte idéa alguma ás obstruir os trabalhos parlamentares, nem vontade do subir a esta tribuna, para fallar, porque, como já disse, nunca fillo mais contrafeito como aqui.
Fui obrigado a lavrar este protesto e a impedir que se tomasse de assalto o parlamento n'uma questão tão momentosa, porque apesar de vencido aqui dentro e isolado, creio que commigo está lá fóra uma patria rejuvenescida que acredita como eu, quo O mundo do passado baseado na força, ha de desapparecer diante do mundo novo baseado na justiça.
Creio que se a nação portugueza está destinada a deixar correr á revelia os seus negocios, não ha então partido algum que a salve. Não é mesmo o partido republicano, que a salvará.
Sou republicano, porque não ha outro nome que symbolise por ora melhor o credo que eu sigo. Sou republicano porque desejo que a alma do meu paiz esteja no coração de todos nós, e que não haja grupos ou facções em que ella se divida e se enfraqueça.
A democracia pura é a unica fórma do governo bastante ampla para dentro d'ella caber á vontade toda a familia portugueza, e prender-nos por esta maneira na mais estreita solidariedade, porque a nação é um organismo, uma unidade viva, sagrada, moral, civil o politica, que deixa de existir, como es individuos, quando perde a harmonia do seu proprio funccionamento.
É preciso que o paiz entre cm vida nova, e para o conseguir é preciso que tenha coragem bastante para desmanchar tudo quanto restada vida velha. Tal como está: desmantellado, dividido, descrente e exanime, não póde continuar a viver.
Todo este velho edificio politico, desaprumado e carcomido, está pedindo, está reclamando uma commoção social, profunda e completa, que o faça desapparecer de vez como em 1755 o grande terramoto que motivou que das ruinas da velha cidade se levantasse triumphante e ostentosa a que é hoje a admiração de nacionaes e estrangeiros.
O grande reformador de que se carece agora é o accordo, a unanimidade de todas as vontades, a alma da patria, servida por quem directamente lhe preste obediencia e homenagem.
Se bebendo n'ella a força, a vida, o direito, a confiança, não a podermos salvar, não resta então mais nada para onde recorrer.
Em obediencia aos principies que sigo e que propago, confio e espero ainda no resurgimento da patria, e, em nome do povo que represento, subi a esta tribuna para protestar contra os que não têem sabido defender os nossos direitos, nem a nossa dignidade. Tendo protestado contra o tratado luso-britannico, onde fomos vencidos pela força, deixaria de ser coherente se não protestasse agora aqui contra este novo convénio, onde seremos vencidos pelo ridiculo !
Contra a força antepuz o direito; contra o ridiculo anteponho a propria dignidade e a do paiz, de que me preso de ser, embora humilde, dedicado representante.
Tenho dito.
O sr. Carlos Bocage (relator}: - Não posso deixar de responder a alguns pontos do discurso do illustre deputado e meu amigo, o sr. Ferreira do Amaral, era que B. ex.ª mais particularmente se dirigiu ao relator do projecto em discussão, que por coincidencia foi também o negociador do tratado; antes, porém, preciso agradecer a s. ex.ª a perfeita correcção da sua critica, as palavras amaveis que me dirigiu, e, mais ainda, outras extremamente

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lisongeiras, com que s. exa. se referiu, a outra pessoa, o que mais obriga o meu agradecimento.

Não me surprehendeu que o illustre deputado, que foi durante uns poucos de annos governador de Angola, não achasse bom este projecto e não concordasse com o tratado que se discute, pois já na sessão das commissões reunidas, s. exa. tinha exposto as rasões porque não concordava com elle e sustentado doutrina igual á que hontem sustentou perante a camara.

Não me admirou, pois, o discurso do illustre deputado, porém, devo dizel-o, também me não levou a acceitar as apreciações de s. exa., que precisam ser sujeitas a um coefficiente de correcção pessoal.
Para bem apreciar a sua doutrina, é necessario attender a que s. exa., tendo deixado Angola ha cinco annos, vê ainda hoje as cousas ou como estavam então, ou como o zeloso governador esperava que viessem a ficar, se fossem coroados de exito os seus louvaveis esforços.

Procurarei responder, como me cumpre, a alguns argumentos de s. exa. mostrando quanto as circumstancias variaram.

O illustre deputado fallou uma hora, quando muito com absoluta proficiencia e pleno conhecimento do assumpto, e o seu discurso bastaria para garantir a competência do antigo governador de Angola, se o paiz inteiro não conhecesse já os relevantes serviços prestados pelo sr. Ferreira do Amaral áquella provincia africana.

O discurso do illustre deputado impressionou a camara, mais pela auctoridade com que s. exa. o proferiu, do que pelo valor da sua argumentação.

S. exa. mostrou o que lhe ia na alma ao ver que não podia realisar tudo quanto sonhara, quando organisava a expedição do major Carvalho, que de Lisboa lhe enviara o sr. Pinheiro Chagas, a quem dirigiu palavras de louvor tão merecidas, não esquecendo tambem no seu elogio outro ministro, que a esse tempo empregava já os maiores esforços para fixar os limites das nossas possessões ultramarinas, da maneira mais vantajosa para Portugal.

Cumpro um agradavel dever, respondendo ao illustre deputado; antes, porém, comquanto tenha de alterar a ordem natural das minhas respostas, eu peço licença para em primeiro logar dirigir algumas palavras ao orador que se lhe seguiu no uso da palavra, não para oppor argumentos a argumentos, não para combater rasões, porque s. exa. não invocou rasões; mas, para desfazer quantas insinuações levantou, quantas falsas interpretações accumulou.

Quantas accusações infundadas fez o illustre deputado, sob o pretexto de lhe faltarem documentos ou de terem sido subtrahidos os elementos com que havia de estudar as clausulas do tratado!

Eu já hontem tive occasião de responder a s. exa. em apartes, que alguns dos documentos que pedia estavam publicados no Livro branco que foi distribuido a todos os srs. deputados e que portanto, se não viu esses documentos e não os estudou, foi porque não quiz; assim como já hontem affirmei ao illustre deputado que de maneira alguma tinha direito para pôr em duvida a seriedade de caracter d'aquelles que intervieram n'esta negociação, suspeitando da sinceridade dos protocollos da conferencia.

Accusações como esta é que se não fazem, senão quando se têem as provas na mão, e s. exa. nem as tem nem póde tel-as.

No seu discurso de hontem, que teve raros ouvintes, e que s. exa. em grande parte repetiu hoje, mostrou o illustre deputado um lamentavel desconhecimento dos factos, fazendo por isso apreciações erradissimas sobre o modo por que as cousas se passaram.

Bem sei que o illustre deputado allega não ter tido tempo para estudar o tratado; porem essa desculpa não colhe para uma grande parte das inexactidões que s. exa. proferiu.

Se o illustre deputado conhecesse exactamente o tratado de 14 de fevereiro de 1885, a que tantas vezes se referiu, e o acto geral de Berlim de que elle é inseparavel; se tivesse estudado as consequencias que de um e de outro documento dimanaram, poderia ter estudado e comprehendido os documentos relativos ao tratado da Lunda.

Não é por falta de tempo de certo, que o illustre deputado não conhece o tratado de 1885. Em seis annos teve s. exa. tempo de sobra para estudar aquelle pacto internacional sob todos os aspectos.

Não faltou tempo ao illustre deputado para o necessario estudo; mas o que não quiz foi aproveital-o, porque é mais facil declamar, e apresentar argumentos e doutrinas que se não sustentam em face da mais ligeira controversia, do que analysar os documentos, compulsar às cartas, e pedir informações áquelles que vieram das terras onde nós não fomos, para se saber como as cousas se passam n'aquellas regiões longiquas.

O illustre deputado nem quiz ler os protocollos da conferencia de Lisboa, onde se mostra que os documentos de cuja suppressão só queixava não eram necessários, por serem conhecidos de quantos só interessam pelos assumptos africanos.

S. exa. só leu dos protocollos da conferencia os trechos que lhe serviam para exaltar com os seus elogios os representantes de um estado, que ao mesmo tempo mimoseava, com um nome que eu não quero repetir.

Desde que é um estado soberano e o governo portuguez com elle contrata, eu não posso deixar de referir-me, aqui e em toda a parte, a esse estado com respeito. Não injurio.

O sr. Manuel de Arriaga:- Eu não injuriei ninguem. Se não se injuria a Inglaterra, chamando-lhe leopardo, que é um bicho, tambem se não injuria o Estado Livre do Congo chamando-lhe mono, que é outro bicho.

O Orador: - Fica avchivada a interpretação dada pelo illustre deputado ás suas palavras.

Diz o illustre deputado que não viu a carta annexa o queria que lh'a reproduzissem ; porque o iilustre deputado não leu o protocollo n.° 2 da conferencia, ou não soube entendel-o.

O illustre deputado só leu alguns trechos de documentos que nos eram contrarios, pois expunham a doutrina dos nossos contendores, porém deixou constantemente de ler os que nos podiam ser favoraveis, reproduzindo os nossos argumentos.

Empregando taes processos é facil aos que se assentam d'aquelle lado, insultar tudo e a todos; e nunca se apartam de similhantes ardis no constante empenho de rebaixar e vilipendiar os que lá fóra sustentam o nome portuguezes e defendem os interesses do paiz a que se honram de pertencer.

Pois os representantes de Portugal no estrangeiro, saiba-o o sr. Manuel de Arriaga, nunca permittiram a ninguem, que diante d'elles, malsinasse ou atacasse, um só que fosse, dos membros d'esta casa. Mas volto ao protocollo, onde o illustre deputado não quiz ver as seguintes palavras de uma declaração lida por mim na segunda sessão da conferencia:

(Leu.)

Não vem, não é preciso que venham cartas annexas; porque as cartas publicadas por occasião da conferencia de Berlim, foram examinadas por todos os que as quizeram ver, e se o illustre deputado quizesse fallar com conhecimento de causa das questões africanas, havia de as ter visto muitas vezes, pois teria começado por estudar ao ab initio a nova politica africana, a politica actual, que tem por base essencial o acto geral da conferencia de Berlim. (Apoiados.)

Lesse s. exa. os protocollos d'aquella conferencia, que s. exa. podia ter requisitado, se quizesse, porque ha muitos exemplares em Portugal, que teria visto tambem a carta referida, e fallaria com mais conhecimento de causa.

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queria s. exa. que lhe deixassem mais tempo para estudar!

Pois ha, quinze dias que lho foi distribuido o Livro Branco, sobre os limites do Congo, e s. exa. não sabia hontem o que era o accordo previo de 7 e 8 de fevereiro!

Já vê o illustre deputado que não é por serem escassas vinte e quatro horas, que não estudou o assumpto; não estudou porque não quiz; porque a s. exa. é muito mais facil fallar de todos os assumptos do que estudar um só.
Por vezes na oração do illustre deputado a sua consciencia, que não é republicana, lhe fugiu para a verdade. Não admira.

A consciencia de s. exa. nasceu de origem diversa das suas convicções politicas actuaes, nasceu lhe das tradições de uma familia illustre, e da sua educação esmerada; casa consciencia que não póde apertar-se nos limites estreitissimos do facciosismo politico, obriga-o de vez em quando a fazer justiça, e obriga-o a mais do que isso, a ser primoroso ás vezes com os seus adversarios.

Agradeço-lhe sinceramente as palavras que me dirigiu n'uma d'essas occasiões em que a sua consciencia o obrigou a desamparar o facciosismo partidario.

Disse o illustre deputado que o tratado que assignei é o epitaphio da minha carreira diplomatica.

Não comprehendo bera como um tratado possa ser o epitaphio de alguem.
Um tratado é um pacto bilateral, é o resultado do accordo da vontade de duas nações; chamar epitaphio a isto, é o mesmo que dizer, que chamar mono a uma nação, não é offendel-a. (Apoiados.)

Mas volto ao epitaphio para dizer ao illustre deputado que estou vivo e são, e espero que a providencia me dará ainda vida bastante para continuar a responder-lhe.

O sr. Manuel de Arriaga:- E gloria até, pelo tratado.

O Orador: - A minha carreira é breve, comecei-a, porém, e o illustre deputado não o sabe, porque se não quiz dar ao trabalho do estudar os Livros brancos que se referem á conferencia de Berlim, comecei a minha carreira, digo, contra o Estado Independente do Congo, esforçando-me para conseguir de um paiz que não deve ser suspeito, pela fórma de governo, ao illustre deputado, para conseguir da França que nos acompanhasse na lucta que trazíamos empenhada contra a Europa inteira, em Berlim.

N'esse momento tive a fortuna, não de certo pelos meus merecimentos, mas pela bondade da nossa causa, de conseguir que a França acompanhasse Portugal n'este momento em que se empenharam os maiores esforços para que Portugal e a França reconhecessem o Estado Independente do Congo e fixassem os limites das suas possessões cora aquelle Estado.

Censurou muito o sr. Manuel de Arriaga o tratado de Berlim e renovou os argumentos apresentados pelos representantes do Estado Independente que d'elle se derivam; para lhe responder bastava ler os que eu adduzi, mas eu não quero cansar a camara com essa leitura.

O illustre deputado referiu-se por vezes aos plenipotenciarios de Portugal na conferencia de Berlim, e disse que o governo de Portugal não tinha homens capazes de serem seus representantes aqui ou fora. Não houve palavras duras que não empregasse contra elles; nem ao menos teve o respeito devido aos seus annos, aos seus serviços e ao seu caracter.
Sabe a. exa. quem são esses plenipotenciarios de quem se poz em duvida, n'um aparto, que tivessem exame de instrucçãoo primaria.

Eu vou dizer quem são, e se têem ou não exame de instrucção primaria. Um é o illustre chefe do partido a que tenho a honra de pertencer, um homem cuja larga vida publica merece respeito aos seus adversarios mais intransigentes, o sr. António de Serpa; (Apoiados.) o outro é o sr.
marquez de Penafiel, um dos mais queridos e apreciados de entre todos os representantes estrangeiros em Berlim. Não o conhece talvez o sr. Manuel de Arriaga, mas se s. exa. quizer indagar dos seus titulos scientificos, pôde fazel-o quando encontrar n'esta casa o seu amigo e correligionario o sr. Latino Coelho; pois o sr. marquez de Penafiel foi alumno laureado da escola polytechnica, tendo por condiscípulos Fradesso da Silveira, Andrade Corvo o Latino Coelho; do quem se distinguiu em tal companhia bem se pôde duvidar que tivesse exame de instrucção primaria!

As criticas infundadas do illustre deputado ao convenio de Berlim se revellam que o illustre deputado não conhece as condições em que se firmou esse pacto; se as conhecesse devia consideral-o, não como uma derrota, mas como uma victoria.

Eu não faço n'este momento a historia d'essas negociações porque s. exa. póde encontral-a quando quizer nos Livros brancos, que existem no ministerio dos negocios estrangeiros, e n'esta camara.

Basta que s. exa. queira dar-se ao incommodo de os ler.

Continuarei agora contendo a minha carreira antes de chegar ao epitaphio. Não e por vaidade que digo o que vou expor, mas para mostrar como sabia conduzir-se a representação republicana n'esta casa quando se discutiu o tratado da Guiné em que eu fui plenipotenciario.

Este tratado foi aqui apresentado, e approvado sem discussão, estando n'esta casa dois representantes do partido republicano. Um d'elles era o sr. Consiglieri Pedroso, que os seus correligionarios politicos expulsaram da camara, sabio professor, cujos discursos, cuidadosamente estudados, ricos em argumentos, abundantes em idéas sensatas, a camara ouvia sempre com interesse.

O outro, foi a morte quem o separou de nós, e referindo-me a elle n'esta occasião, permitta-me a camara, que junte ás minhas palavras a expressão de saudade, que me inspira a memoria de José Elias Garcia, que foi meu mestre e até ao fim da vida me honrou com a sua amisade.

Quando os ouvíamos, ouviamos doutrinas, por vezes diversas das nossas, porém, conscienciosas sempre e de proveitosa lição; declamações não as tinham; era bem melhor que a representação republicana n'esta casa seguisse o exemplo que lhe fóra legado por illustres predecessores.

Lamentou-se o illustre deputado de que no fim da sessão de hontem apenas se viam na sala sete srs. deputados.

O sr. Manuel da Arriaga: - Estava a minha consciencia.

O Orador: - Nem essa, que até a consciencia do illustre deputado o abandonou por vezes.

A queixa deve dirigir-se principalmente aos seus correligionarios, que s. exa. nem ao menos logrou alcançar que ouvissem as suas declarações.
Como quer s. exa. que acreditemos na virtude d'ellas, como ha de s. exa. convencer-nos de que este tratado é uma vergonha, se os seus correligionarios se calam e abandonam s. exa., e se a propria imprensa do seu partido se limita a censural-o moderadamente n'um ou dois artigos, aliás bera escriptos?

Havemos de acreditar que o illustre deputado espera convencer nos e pretende fazer-nos tomar a serio as suas criticas.

Comece o illustre deputado por convencer os seus correligionarios, deve ser-lhe mais facil, do que modificar a opinião dos adversarios.

Preciso entrar no assumpto e começarei por indicar qual é o territorio contestado, para melhor se comprehenderem os termos e os effeitos da sua partilha.

Os terrenos a que se refere o tratado ficam comprehendidos entre o Cuango e o Lubilache e vão do 6° ao 12° do latitude meridional; a sua extensão é de 360:000 kilometros quadrados; quatro vezes a extensão de Portugal

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coninental, e d'essa immensa area ficam para Portugal 15:000 kilometros quadrados, mais do dobro do territorio occupado por Portugal na península Iberica.

Estes 15:000 kilometros quadrados foram, pelo tratado em discussão, acrescentados á província de Angola.

Dizendo-o, preciso rebater uma affirmativo do sr. Manuel da Arriaga, que não é exacta; rebato-a, não com a minha auctoridade, aliás insignificante, mas com a auctoridade superior, que invoco, do sr. Ferreira do Amaral. É inexacto, dizer-se, que os territorios contestados, faziam parte da província de Angola e que n'elles exerciamos soberania effectiva ou domínio permanente.

Nunca nos territorios contestados Portugal exerceu, soberania effectiva ou domínio permanente, nunca lá tivemos auctoridades nossas, digo e repito.

Se não é exacto, se as tivemos, diga-nos s. exa. quaes foram, por quem foram nomeadas, e em que pontos exerceram as suas funcções.

Tivemos, bem o sei, a favor da extensão da nossa esphera de influencia as viagens de Rodrigues Graça, do Silva Porto e do major Carvalho, e quer o illustre deputado saber porque não acrescentei á minha argumentação a narrativa d'essas viagens? Porque ellas vem miudamente narradas na obra do sr. major Carvalho e seriam desnecessarias as repetições; achando se ali a narração completissima de tudo quanto temos feito na Lunda desde que ella é conhecida, não precisava eu acrescentar outros documentos aos livros do delegado technico portuguez na conferencia.

É forçoso confessar, porque é essa a verdade, que nas terras da Lunda nada fizemos senão preparar o terreno para ali estabelecermos ulteriormente a nossa soberania, mas a posse effectiva não foi realisada só por esse facto.

Os terrenos de alem Cuango nunca fizeram parte integrante da província do Angola, nunca assim os considerámos, e a prova d'isso está nas cartas officiaes portuguezas, em que o curso do Cuango foi marcado como limite dos nossos territorios.

Foi este um dos factos allegados pelo delegado technico do Congo, para demonstrar que nós não consideravamos anteriormente a Lunda como territorio portuguez, e que o nosso limito tradicional era o curso do Cuango; ao passo que explicava não ter passado o Estado Independente, no seu traindo com a Allemanha, para o sul do meridiano 6°, pelas pretensões eventuaes d'aquella nação.

A camara sabe que a par da viagem do major Carvalho realisou-se a de Wissmaun que até foi recommendada ás auctoridades portuguezas; d'esta e das anteriores expedições poderia a Allemanha queerer deduzir o direito de ali se estabelecer, e de facto não lh'o podíamos contestar em 1885 durante a conferencia do Berlim, porque o major Carvalho ainda não tinha transposto o Cuango, e as anteriores viagens de Rodrigues Graça e Silva Porto não tinham tido caracter político.

Quando em 1885-1886 negociámos coro a França o tratado de limites, tambem ainda não era conhecido na Europa o resultado dos trabalhos do major Carvalho, nem podia sel-o porque não podia saber-se na Europa o que ainda não tinha succedido em Africa ou ia succedendo dia a dia; não podiam, portanto, similhantes trabalhos ser discutidos nem tomados em consideração na conferencia de Berlim, em 1884-1885, nem na de Paris, que terminou em maio de 1886.

Estava, portanto, na intelligencia de todos que o curso do Cuango era o limite da província de Angola, pelo menos emquanto se não podesse contar com o resultado favoravel dos patrioticos esforços do major Carvalho; quando se soube o exito completo que tinha tido a sua viagem, era natural que se procurasse aproveital-o; mas não succedeu assim; motivos que não vem a proposito apreciar n'este momento fizeram com que decorressem dois annos sem que nós occupassemos os territorios que deviam pertencer-nos, em vista da boa disposição que por toda a parte encontrou o illustre official portuguez.

Foi a nossa completa inacção aproveitada pelo Estado Independente do Congo, que, decorridos os, dois annos, se apressou a mandar numerosas expedições com ordem de percorrer a Lunda e ali assentar a soberania do Estado.

O corollario d'essas expedições foi o decreto de 10 de junho, e a sua provada existencia foi causa de termos de partilhar os antigos dominios do Muatianvua.

Diz o illustre deputado a quem respondo, que o plenipotenciario portuguez na conferencia de Lisboa tinha uma corda passada ao pescoço pelo tratado de 14 de fevereiro de 1885. Engana-se s. exa. Se quizer examinar com imparcialidade e justiça, não só o que leu alto, mas tudo o que não leu alto, ha de encontrar rasões para sustentar a nossa interpretação d'aquelle tratado e mesmo muito melhores do que as produzidas pelo Estado Independente; não por serem expostas por mim, mas porque são conformes á, verdade. Essas rasões, que se encontram consignadas passo a passo nos protocollos da conferencia, se não as reproduzo no officio em que dou conta das negociações, é porque ali devia mencionar principalmente os obstaculos que eu encontrei, obstaculos que eu tinha de expor a quem me havia nomeado, ao pedir novas instrucções.

S. exa. leu só os argumentos contrarios a nós, não quero dizer que occultou á camara, porque não emprego as palavras que s. exa. usou contra mim, mas esqueceu-se de ler tudo quanto provava que o representante de Portugal tinha defendido os direitos do seu paiz; lamento que não fosse mais imparcial nas suas leituras e apreciações.

O que é certo é que o estado de direito existente com relação a estes territorios lhes marcava duas fronteiras distinctas - uma segundo a nossa interpretação e outra segundo a interpretação do Estado Independente do Congo. Submettida immediatamente a pendencia a urna arbitragem, tinha o arbitro de se decidir por uma ou pela outra; mas, o que não devemos nunca perder de vista, referindo-nos ao juizo arbitrar, é que, se elle resolvesse contra a interpretação do Estado Independente, ainda assim não nos attribuia nunca o territorio contestado; apenas affirmava que não nos era prohibido ir alem do limite do Cuango, que o Estado Independente nos attribuia.

Por conseguinte, depois do se reconhecer que o territorio não era do Estado independente, dado que essa fosse a sentença, ou havia de partilhar-se amigavelmente entre os dois estados, ou elles haviam de pedir ao mediador ou ao arbitro que fizesse partilhas.

O governo portuguez entendeu que era melhor a, negociação directa, que equivalia a julgar resolvida contra o Congo a questão do direito; com uma nação pequena e fraca, mais pequena o mais fraca do que nós, dever mostrar que sabíamos ser transigentes, e que; se reclamarmos contra a força ou n prepotencia alheia, não queríamos usar dos mesmos meios.

E vem a proposito dizer a s. exa., que durante tanto tempo, só admirou de que nós, tendo cedido ao leopardo inglez, cedessemos tambem ao Estado Independente, que o governo portuguez sabe dar lições de honra e do dignidade, não abusando da sua força para comprometter um estado que estava em condições difficeis, Estado com quem estava negociando, e cuja attitude o illustre deputado confessou que tinha sido correctissima.

É preciso vermos qual era a situação em que nos encontravamos, relativamente á partilha da Lunda; não esquecendo que tres ministros d'estado, succedendo-se no poder, tiveram n'este ponto a mesma comprehensão.

Teve-a o sr. Barros Gomes, quando o sr. Agostinho de Ornellas insinuava ao representante da Belgica, a conveniencia de delimitar as espheras da influencia de Portugal e do Congo.

Teve-a o sr. Hintze Ribeiro, que, como muito bem disse hontem o sr. Ferreiro, do Amaral, com tanta energia e hom-

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bridade repellíra a invasão do Estado Independente do Congo, consignada no decreto de 10 de junho, pois nas instrucções que dera ao sr. conde de Macedo, admittira essa partilha como se póde ver no seguinte documento.
(Leu.)

Este modo de ver dos srs. Barros Gomes e Hintze Ribeiro, foi partilhado pelo ministro que lhes succedeu, por isso que adoptou por systema a negociação directa, e admittiu implicitamente a partilha dos territorios.
Disse o sr. Ferreira do Amaral e é este o ponto para o qual chamo a attenção da camara, que este tratado era prejudicial ao commercio da província de Angola.

Não posso acompanhar o illustre deputado n'esta sua opinião. De certo ao affirmal-o, s. exa. considerava ainda que por detrás de Angola havia um hinterland, onde podíamos exercer dominio incontroverso e esquecia que os territorios contestados estão incluídos na zona do commercio livre, bacia convencional do Congo.

Esta apreciação de s. exa. exacta quando se referisse a 1885, é altamente inexacta quando se trata da actualidade.

No tempo que decorreu entre a salda de s. exa. de Angola e a epocha actual, numerosas expedições do Estado Independente se dirigiram á margem direita do Cuango, e territorios até ao Cassai, e começaram a negociar n'aquellas regiões.

Conforme os principies da conferencia de Berlim estavam e estão no seu plenissimo direito, pois é claro que não podemos impedir que exerça o commercio n'aquella região quem o quizer exercer.

Ora o mal que nos pôde provir de nos fazerem concorrencia junto ás margens do Cuango não nasce d'este tratado mas sim da fixação da bacia do Cuango. Não é d'este tratado que nos pôde resultar o mal, do que elle ha de resultar é de não se tratar de explorar aquellas regiões, de lhes desenvolver a riqueza e o commercio, de as pôr em communicação, mais rapida e directa com a costa.

Eu creio que tudo isto é indispensavel fazer para assegurar o commercio de Angola; mas este trabalho depende da approvação immediata d'este tratado, porque depende da fixação definitiva das nossas fronteiras.

Se nós formos explorar aquelle territorio nada perderá o commercio de Angola, se o deixarmos abandonado, sem o delimitarmos nem o explorarmos, então as perdas são inevitaveis, e hão de ser muito grandes, não já para Malange mas para Loanda.

Eu não posso responder a s. exa. sobre o plano colonial do sr. ministro da marinha; mas o que posso é fazer votos para que n'esse plano entre, como deve, a exploração da província de Angola, actualmente acrescentada com as terras da Lunda, porque parar na exploração das nossas colonias é morrer; é perder em poucos mezes o que fizeram seculos de trabalhos constantes.

Digo e affirmo com a minha consciencia que eu nunca firmaria, nem as camaras portuguezas o acceitariam, um tratado que fosse ignominioso. (Apoiados.)

Digo e affirmo que liquidámos honradamente a questão das fronteiras, e se fechámos hoje por uma vez essa liquidação, principiemos ámanhã uma nova era de trabalho e dedicação, procurando mostrar ao mundo que podemos aproveitar o que é nosso, porque agora podemos dizer com segurança que sabemos o que é nosso e o que o não é.

Terminarei pedindo a v. exa. e á camara que me desculpem o ter-lhes tomado tanto tempo.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado.)

O sr. Eduardo Abreu: - Declara que não poderá estudar com a minuciosidade que era precisa o projecto era discussão, mas ouvira com toda a attenção o discurso do sr. Ferreira do Amaral, bem como o que fóra proferido pelo sr. Manuel de Arriaga, e isso o convencera da ruindade do tratado.
Ainda ha pouco fallára com um general portuguez que residira vinte o tantos annos n'aquellas paragens, e esse official era completamente da opinião apresentada pelo sr. Ferreira do Amaral, concordando em que similhante tratado seria um grande cheque dado no commercio de Angola.

Respeitava muito o sr. relator da commissão, mas estava na inteira convicção de que antes de muito pouco tempo o corpo diplomatico portuguez havia de levar um boléu formidavel, porque sendo uma das sanguesugas maiores que nós temos, tem soffrido derrotas em toda a linha.

Dissera o illustre deputado que o sr. Arriaga podia ter feito um estudo mais profundo, e que podia ter apresentado emendas ao tratado para serem apreciadas pela camara.

Mas isto fóra fogo de vistas, porque alguns srs. deputados foram testemunhas de que hontem, por mais de tres quartos de hora, estiveram na sala apenas dez: deputados; ora, os que hoje estavam presentes eram os mesmos que hontem abandonaram a sala e foram para casa.

Estranhava que, tendo nós ha pouco recuado diante de uma nação forte, fossemos agora tambem ceder perante um estado ridiculisado em toda a parte. Hontem cedemos perante a força; hoje cedíamos diante de um estado selvagem.

Pela sua parte negava o seu voto ao tratado.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Vae votar-se.

O sr. Manuel de Arriaga: - Requeiro a v. exa. que consulto a camara se quer que haja votação nominal sobre este projecto.

A camara rejeitou este reguerimento, senão em seguiria approvado o projecto.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á discussão do projecto n.° 4.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 4

Senhores. - Á vossa commissão de administração publica foi presente o projecto de lei n.° 125-A, de iniciativa parlamentar, apresentado pelo illustre deputado José Victorino de Sousa e Albuquerque em sessão de 10 de junho de 1890. Este projecto tem por fim auctorisar ajunta geral do districto do Vizeu a contar ao primeiro official, cheia do repartição da mesma junta, Germano Adelino de Andrade, só para o effeito da sua aposentação, o tempo que serviu como conductor nas obras publicas do estado.

O n.° 2.º do artigo 357.° do codigo administrativo do 17 de julho de 1886 concede o direito de aposentação aos empregados das secretarias das juntas geraes, determinando-se no artigo 361.° do mesmo codigo, que á aposentação d'aquelles empregados sejam applicados os preceitos relativos ás aposentações dos empregados civis, regulados pelos decretos n.ºs 1.° e 2.° de 17 de julho d'aquelle anno.

Os vencimentos dos empregados administrativos aposentados são encargo dos cofres por onde se pagavam os vencimentos da actividade, ao tempo da aposentação, conforme o disposto no artigo 359.º do referido codigo, e por isso mesmo se determinou n'este artigo, que, para os effeitos da aposentação, sómente se conte o tempo de serviço pago por aquelles cofres.

Esta restriccão não é decerto justa, quando se trate de aposentar um empregado que tenha exercido um logar, embora civil, que lhe dê tambem direito á aposentação.

Por isso, a vossa commissão é de parecer, que a Germano Adelino de Andrade, primeiro official, chefe de repartição da junta geral de Vizeu, se deve contar, para o effeito da aposentação, o tempo que serviu como conductor

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nas obras publicas do estado; devendo ser approvado para esse fim o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E auctorisada a junta geral do districto de Vizeu a contar ao primeiro official, chefe de repartição da mesma junta, Germano Adelino de Andrade, para o effeito da aposentação, o tempo que serviu como conductor nas obras publicas do estado.

Art. 1.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 15 de junho de 1891. = Joaquim Germano de Segueira = Arthur Hintze, Ribeiro - José Maria Pestana de Vasconcellos = Antonio Ribeiro dos Santos Viegas - Manuel Vieira de Andrade = Marcellino Mesquita = Jayme Arthur da Costa Pinto = Amandio Eduardo da Motta Veiga, relator.

N.º 125-A

Senhores. - A desigualdade nos direitos perante a igualdade nas obrigações é sempre uma injustiça; na lei, porém, que regula a aposentação dos funccionarios publicos, desde que todos são obrigados a contribuir para ella com uma parte dos seus vencimentos, essa injustiça transforma-se em extorsão violenta. Está n'este caso o primeiro official, chefe da repartição da junta geral do districto de Vizeu, que, tendo servido como conductor de obras publicas do estado, logar que tem direito a aposentação, só por uma lei especial é que lhe pôde ser contado para a reforma o tempo que serviu fóra do emprego que actualmente exerce. O alludido funccionario é o unico da sua classe que hoje está soffrendo tamanha desigualdade da lei, porque outros em identicas circumstancias têem sido com toda a justiça attendidos pelo poder legislativo.

Para quo esta excepção desappareça, tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisada a junta geral do districto de Vizeu a contar ao primeiro official chefe da repartição da mesma junta, Germano Adelino de Andrade, só para o effeito da reforma, o tempo que serviu como conductor nas obras publicas do estado.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 10 de junho de 1890. = José Victorino de Sousa e Albuquerque.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de saede publica.

Fez-se a chamada.

Entraram na urna 59 listas e sairam eleitos os srs.:

Adriano Cavalheiro 59 votos
Agostinho Lucio 59 » »
Silva Cardoso 59 » »
Arthur Hintze Ribeiro 59 »
Eduardo de Jesus Teixeira 59 votos
Vieira das Neves 59 votos
Silveira Figueiredo 59 »
José Antonio de Almeida 59 »
José Castello Branco 59 »

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a discussão dos pareceres n.ºs 13, 14 a 15.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

O redactor = Barboza Colen.

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APPENDICE A SESSÃO N.° 30 DE 4 DE JULHO DE 1891 19

O sr. Adriano Monteiro: - Mando para a mes o seguinte projecto de lei:

«Senhores. - É certo que as circumstancias, tristemente excepcionaes da nossa vida economica absorvem, no presente momento da nossa historia nacional, toda a iniciativa dos altos poderes do estado. O paiz, attento como está na salvação da nossa nacionalidade pela regeneração economica que deve movimentar as nossas forças productivas, de modo que o verdadeiro trabalho nacional se approxime das necessidades do consumo, pelas diversas manifestações de actividade agrícola, industrial e commercial, para nos libertarmos quanto possivel das influencias deprimentes estrangeiras, digo eu, senhores, o paiz não pôde ainda assim, apesar da temerosa crise que nos assombra, esquecer a satisfação das necessidades palpitantes da saude publica; não tenho auctoridade scientifica, nem mesmo pessoal para recommendar á vossa consideração o assumpto de que vou occupar-me, e que constituo o objecto especial do presente projecto de lei. Mas espero que a benevolencia da camara verá n'este meu pobre trabalho o movimento espontaneamente humanitario de um representante da grande população dos campos e das povoações ruraes, animado pelas solicitações de benemeritos facultativos da minha terra natal (Evora), especialmente do illustre clinico o sr. dr. João Baptista Rollo, a quem presto aqui fervoroso culto de admiração pelas suas altas e brilhantes qualidades medicas o humanitarias. Ninguem desconhece que a terrível molestia a varíola, continua a ser em Portugal a epidemia mais traiçoeira do que qualquer das outras que se fazem acompanhar pelo cortejo do terrores panicos.

«A variola mata surdamente milhares e milhares de pessoas, e deixa muitas outras incapazes de trabalhar pelas deformidades physicas, em que abunda a cegueira. Ora, se nós não recuâmos diante de maiores sacrificios pecuniarios para evitar epidemias de cholera ou febre amarella, chegando a estabelecer despendiosos cordões sanitarios para calar o animo publico, embora os resultados possam ser duvidosos, segundo opiniões scientificas de alto valor, pergunto eu: por que não empregaremos a prophylaxia estudada da variola, a vaccinação?!

«É passado mais de um seculo quasi que o sabio Eduardo Jenner descobriu a vaccina, cuja efficacia está hoje provada por milhões de casos; caminham actualmente na mesma esteira brilhante para a cura de outras molestias não menos horríveis, a hydrophobia e a tuberculose, homens eminentes na sciencia, como sâo Pasteur e Weck, e nós, que tudo esperâmos do estrangeiro, ainda não pensámos na vaccinação obrigatoria para as classes civis!!!

«Se em corporações officiaes, como são o exercito e a armada, é obrigatoria a pratica da vaccinação, não vejo rasões justificaveis, á face da hygiene publica e privada, que aconselhem o contrario para as classes civis. Pôde dizer-se que os espíritos incultos resistem ás innovações; assim é em parte, mas subjugam-se pelos factos, e muito particularmente quando elles prendem com a saude do corpo, que é o alojamento da alma sempre amiga das suas commodidades. E tanto é verdadeira esta minha affirmação, que já presentemente consideravel parte da população dos nossos campos corre voluntariamente á casa da camara dos seus concelhos, para receber os benefícios da vaccinação, como eu mesmo tenho presenceado em Evora, a primeira cidade agrícola do nosso paiz. Não seria difficil, e até poderia ser lucrativo para o thesouro, pelas multas impostas por virtude de penalidades, tornar obrigatoria a vaccinação e revaccinação pelos meios legaes que assegurassem o melhor resultado d'esta humanitaria instituição. E assim evitaríamos, em grande parte, um flagello a que, é verdade, estamos costumados, mas que concorre para a estatística obituaria era 1/10 da mortalidade da nossa população! É mesmo incomprehensivel que o desleixo criminoso, embora irresponsavel pela ignorancia de alguns pães de famílias continue a alimentar a ceifa de vidas de milhares do creanças e adultos, que facilmente poderiam escapar de uma morte certa pelo uso obrigatorio da vaccinação. Pelo que tenho exposto, cuja imperfeição sou o primeiro a reconhecer, e muito prazer teria em ver corrigida, tenho a honra de sujeitar ao vosso sabio criterio e esclarecida apreciação o seguinte projecto, de lei:

«Artigo 1.° E obrigatoria a vaccinação de todas as creanças durante o primeiro anno da sua existencia, nascidas em Portugal, continente o ilhas adjacentes.

«§ 1.° É igualmente obrigatoria a revaccinação successiva para os indivíduos em que a vaccina não tenha pegado nas inoculações anteriores, até um limite de idade conveniente.

«§ 2.° É da responsabilidade exclusiva das camaras municipaes a vaccinação e revaccinacão dos expostos.

«Art. 2.° É o governo auctorisado a decretar as providencias regulamentares necessarias á execução rigorosa d'esta lei.

«Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario a esta.

«Sala das sessões, 4 de julho de 1891. = O deputado por Evora, Adriano Augusto da Silva Monteiro.»

Escuso de encarecer as vantagens d'este projecto, porque a camara, e especialmente os meus collegas, que são medicos, melhor do que eu poderão fundamentar um projecto n'este sentido; mas, em todo o caso, com as poucas forças de que disponho e com o meu fraco saber, julgo cumprir uma missão humanitaria apresentando este projecto á consideração da camara e do governo.

Ha dias fallei aqui na questão das lãs; e estou realmente insistente e teimoso até n'esta questão. Talvez não devesse fallar mais em tal, mas sou levado a fazel-o por circumstancias que todos conhecem.

Vi hontem no Diario do governo um annuncio que diz que em 15 d'este mez finda o praso, que tinha sido ampliado para a arrematação de lanifícios e mais artigos de fornecimentos para vestuario do exercito.

Se isto é assim, e se antes d'esse dia não se tomam medidas que obstem aos prejuizos que fatalmente vae soffrer a industria agrícola, não sendo empregadas as lãs nacionaes, não posso senão lastimar que tal succeda e que o governo não se opponha, formalmente, com a sua acção superior a fim de salvar a collocação certa d'aquelles productos naturaes.

O sr. ministro da fazenda prometteu outro dia, e estou certo de que ha de cumprir o que prometteu, que viria dar a esta camara todas as explicações a respeito de qual é o pensamento que o governo tem para acudir ás reclamações da industria agricola, de alguns commerciantes e de muitos industriaes e fabricantes.

Tenho pena que o sr. ministro não esteja presente para alargar as minhas considerações, que incommodam a camara, porque realmente, repetir tantas vezes reflexões a respeito do mesmo assumpto, é enfadonho, e até parece teimosia.

Eu nada diria, talvez, se não visse no relatorio da commissão, que examinou e classificou as amostras, allusões que não podem deixar de me incommodar.

Pelas representações e protestos feitos o anno passado, tanto pelos agricultores como pelos industriaes, o governo de então adiou a arrematação, ou antes, estabeleceu um praso comprehendido entre 17 de junho e 20 de agosto, para que os fabricantes apresentassem amostras fabricadas com lã nacional.

Isto teve logar, e as amostras assim obtidas foram sujeitas a um exame technico, parecendo que todas ellas continham lã nacional, sobretudo as que estão sob os n.ºs 19, 29, 32, 36, 37 e 38, como se vê a pag. 108 do folheto em que foram publicados os documentos por ordem do ministerio da guerra.

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ha uma amostra toda fabricada com lã nacional, a que está sob o n.° 14 da fabrica de Castanheira de Pera, e muitas outras têem de lã nacional percentagens muito variaveis, que vão de 2 a 5 por cento e de 10 a 50 por cento, segundo declaração dos fabricantes, não garantida pela commissão de exame dos lanitícios.

Parecia que estas amostras, sendo certa a declaração dos fabricantes, da qual aliás não será licito duvidar, garantiam a collocação das lãs nacionaes, depois de serem approvadas pela commissão de exame dos lanifícios para o exercito; mas veiu o annuncio publicado no dia 11 de maio ultimo, e na condição 4.ª vejo o seguinte:

«Nos tecidos de lã serão empregadas de preferencia as lãs nacionaes, sem prejuízo, todavia, das outras condições a que esses tecidos devem satisfazer.»

Ora, a comparação entre o relatorio e o annuncio deixou no meu animo a impressão de que se duvida do emprego das lãs nacionaes no fabrico dos tecidos examinados, embora a commissão os tenha approvado com a declaração de terem sido fabricados com estas lãs.

Não sei se tem rasão de ser a minha reflexão, fazendo este parallelo entre a que se lê no relatorio e o que foi publicado no annuncio?

Em todo o caso, e apesar de não estar presente o sr. ministro da fazenda, que foi a pessoa do governo que se encarregou de tomar informações, respondendo ao meu illustre collega o sr. Avellar Machado, como tive a honra de ler no extracto de uma das sessões anteriores, eu continuo a fazer algumas observações, as quaes não prejudicam a questão, que pôde e ha de reviver quando s. exa. compareça a esta camara, onde não comparece hoje, de certo por motivos justificados.

O que se passou mostra que a commissão, se não teve má vontade ás lãs nacionaes, teve um ponto de vista muito differente d'aquelle que os governos devem ter, porque os governos devem procurar harmonisar os interesses de todas as classes; isto é, no presente caso, as classes dos productores, dos industriaes e dos commerciantes.

Diz-se isto no relatorio (pag. 106 e 107 do citado folheto):

«Da administração das lãs nacionaes nos tecidos resultou, como era de esperar, uma sensível depreciação em alguns artefactos, sendo muito notavel a de algumas das amostras agora apresentadas pela fabrica da Arrentella, que fabricou a maior parte dos padrões typos, já estudados.
«É devéras....................................commissão.

«A introducção da lã nacional nos pannos destinados aos soldados teria sido effectivamente bem cabida no passado, porque, apesar da sua qualidade muito inferior, ella é sem duvida muito preferível á lã regenerada, que, em grande parte, entra na composição dos tecidos de lã muito em uso no exercito. Que louvavel não seria a cruzada dos nossos lavradores, fazendo guerra crua á insignificante e por todos os títulos inconvenientíssima materia prima que tem servido para o fabrico do vestuario do soldado?»

Que culpa temos nós de não sabermos que os lanifícios para o exercito eram recebidos, apesar de fabricados com lãs regeneradas?!
Agora é que se confessa aqui que as lãs portuguezas são melhores, apesar dos seus defeitos, do que as lãs regeneradas, cuja existencia era desconhecida dos creadores de gado lanigero.

Que culpa, repito, têem os lavradores de só agora saberem isto?
O protesto não appareceu antes e apparece agora, porque só agora se sabe do estado da questão, e a crise economica nos aperta cada vez mais.
Ha outras cousas curiosas que vou ler. Continua o relatorio:

«Só agora, porém, chegou a necessidade do protecção ao commercio das lãs.»

É um modo de fallar.

Chegou agora!... Não chegou tal. Agora é que se viu que era necessario pugnar pela collocação das lãs nacionaes no fornecimento de lanificios para o exercito, que é um consumidor certo que vemos fugir-nos.

Encontra-se ainda no relatorio:

«Que fundo de justiça c de seriedade assiste aos defensores de uma tal causa?

Falta de seriedade!...

Eu abstenho-me de tomar isto para mim, porque seria muita vaidade se eu suppozesse que a administração militar estava a pensar na minha pessoa.

Falta de seriedade ?... Porque?! Por que é que não ha seriedade?!

Pois não sabe toda a gente que o movimento agrícola iniciado ha annos corresponde á necessidade de se occorrer a uma crise de economia rural que avassalla o paiz inteiro?

Pois isto não é serio e muito serio?!

Pela parte que me toca, como represento unicamente os interesses agrícolas, não me incommoda nada, pessoalmente, que se diga que não é serio, porque não acredito, repito, que se pense na minha pessoa, mas protesto em nome da agricultura nacional.

Continuemos a ler, porque vale a pena, como disse.

«Não sabe toda a gente que o nosso paiz cultiva em pequeníssima escala a lã branca, unica applicavel no fabrico dos padrões typos, e que na sua cultura são, em regra, esquecidos os indispensaveis elementos que podem assegurar o desenvolvimento da sua producção e a melhoria da sua muito inferior qualidade, como são, alimentação, natureza do solo, selecção, etc., etc.?»

De maneira que, ao ler este período, fico pensando que a commissão mais se preoccupou com a critica do que vale a lã nacional, do que com o exame das amostras, o que devia ser o objecto principal do seu trabalho obrigatorio.

A commissão não tinha que ver se as lãs eram boas ou más, mas sim deveria examinar se os tecidos, feitos com lãs nacionaes, satisfaziam ao fim a que se destinavam.

Parece que estava preoccupada com a idéa de reprovar os processos por que se dirige a industria agrícola, tanto que, n'estas minucias eruditas falia na alimentação, na selecção, na natureza do solo... e ainda lhe escapou a estabulação. Podia tambem ter fallado do cruzamento das raças, dos prados artificiaes, com forragens proprias para afinar as lãs.
Em que consiste a estabulação? Em recolher o gado durante a intemperie das estações.

Já o anno passado disse á camara uma cousa que parecerá extraordinaria e que repito agora. Desejava ver estabular cinco ou seis mil ovelhas juntas ou separadas, porque havia de ser muito praticavel e economico; e depois de estabuladas ver o preço por que pagavam as lãs. Devia ser curioso. Talvez venha a succeder alguma vez, porque parece ser opinião corrente nas altas regiões do saber. Então pediremos a conta d'esta exploração.
Sabemos ainda mais, pela leitura do mesmo periodo, que a lã preta não tem destino, porque ahi se diz que os padrões actualmente approvados para fardamentos do exercito não podem ser fabricados senão exclusivamente com a lã branca. Só é assim, a lã preta não tem destino no consumo official, que deveria ser o primeiro a dar exemplos de patriotismo!

E todos sabem que a maior producção é de lã preta!

O sr. Avellar Machado: - Quatro quintos.

O Orador: - Diz o meu collega que essa producção é

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APPENDICE Á SESSÃO N.º" 30 BE 4 DE JULHO DE 1891 21

de quatro quintos. Não sabia. Por consequencia os productores d'esta especie de lã, ou variedade, como melhor deva chamar-se, estão completamente condemnados a não vender um fio para este destino.

O briche, parece-me que da Covilhã, podia ser fabricado com lãs pretas, como em tempo se dizia; (Uma voz: - Era fabricado.) e satisfazia muito melhor ás condições de resistencia e duração, do que os padrões approvados para o fornecimento actual. Se é assim, porque não voltamos a este regimen economico? E a preoccupação de querermos parecer ricos?! Pergunto: o exercito não satisfaria á sua missão de ordem e de defeza nacional vestido de briche?

O que me doe é ver o contribuinte, que tem de pagar ao estado as suas contribuições, ficar privado da venda certa dos seus productos. Não me preoccupa a idéa do que o exercito vista de azul ou de encarnado.

«E, considerando que a lã branca produzida no paiz não chega para alimentar o fabrico, que só ella, pela qualidade da sua fibra, pôde dar artefactos especiaes a que o nosso mercado está habituado, é claro que, sendo applicada ao fato do soldado, teria certamente de augmentar de modo consideravel a importação, que já hoje se faz, de lãs merinos de muito inferior qualidade, para satisfazer a todas as necessidades.

«Posto isto, que prejuizo advirá para o lavrador de se importarem de preferencia lãs de Hespanha e de America muito superiores ás nossas em qualidade e unidade de fibra, se as de origem nacional têem sempre saída no nosso mercado?»

Desde que pozeram fóra do combate todas as lãs pretas, e que é positivo que são em pequena quantidade as lãs brancas nacionaes, é certo que não causa incommodo algum que as vão buscar lá fóra, a Hespanha e a Buenos-Ayres, aonde se produzem lãs brancas. Mas as nossas lãs pretas, o que lhes fazemos? Não se vendem, vão adubar terrenos?! Deve ser bom e economico.

Aqui está um cavalheiro, o sr. Bebiano, que sabe que não se venderam já algumas este anno.

O sr. Lemos Vieira, de Evora, costumava vender áquelle cavalheiro as suas lãs todos os annos, e o sr. Bebiano deixou de lh'as comprar este anno, porque teve rasões para assim proceder. Quaes serão ellas para não serem parecidas com estas, que estou apontando? Já vêem que não estou animado de intenção má.

Quando a commissão foi encarregada de estudar os lanifícios para o exercito, não lhe mandaram proteger ou offender a industria agrícola; mandaram-lhe escolher os padrões do typo que melhor satisfizesse aos fins a que se destinavam.

V. exa. (dirigindo-se ao sr. Moraes Sarmento) fez-me o favor de me mostrar alguma cousa a esse respeito. Tenho os documentos mandados pelo ministerio da guerra quando era ministro o sr. Serpa, e que esclareceram a questão.

Não aggrido a commissão, e se alguma cousa digo...

Uma voz: - A responsabilidade é dos ministros.

O Orador: - O governo é que tem responsabilidade perante a camara e o paiz; mas, como o governo publicou, em serie, todos os documentos que dizem respeito a esta questão, quem pôde assumir a responsabilidade do que aqui está escripto, é quem o escreveu; o ministro não pôde ser responsavel por qualquer palavra, embora de effeito rhetorico, que aqui se encontre.

Eu, em nome da minha dignidade, tinha obrigação de me referir a este assumpto desde que se duvida da seriedade de quem defende o emprego das lãs nacionaes; não sei quem deixou de a ter - eu prezo-me de a ter. (Apoiados.)

Embora reconheça, como acabo de dizer, que a commissão satisfez ao fim que tinha em vista, fez muito mal em se ter desviado do objectivo dos seus estudos.

A commissão estava tratando do escolher o melhor typo de lanifícios para o exercito, e não tinha nada que se occupar da natureza das materias primas, se não como incidente, e principalmente quando andava a fazer experiencias, directa e muito minuciosas, das qualidades de todas as amostras assim fabricadas, isto é, em lãs nacionaes. Tudo que fosse sair d'aqui, era sair da questão. Ou approvava ou reprovava as amostras; mas não se comprehende que, approvando-as, reprove as lãs nacionaes que entram na sua composição ou fabrico.

(Continuando a ler.)

«Não será mais justo quo o beneficio que d'aqui poderá resultar para o lavrador, em tal caso transformado em negociante, vá recair no industrial, e por conseguinte no consumidor soldado?»

O lavrador tornado commerciante! Como? Confesso que não entendo: só porque protesta pela minha voz humilde e pela sua representação contra a falta de collocação certa dos seus productos, que tem direito de collocar, porque é ao mesmo tempo contribuinte? Aonde se prova que se tornou negociante e foi invadir as attribuições sociaes de outras classes, cujos interesses são tão justos como os seus?! (Apoiados.)
Não sei como, nem porque. Pergunto qual é o contribuinte cuja materia collectavel não pôde fugir á incidencia do imposto; é o soldado? É o industrial? Ou é o proprietario? A materia collectavel d'este é tangível, não ha sophisma que a faça escapar ao imposto.

Eu vejo qual foi o pensamento de proteger o industrial, mas não sei porque se não faz o mesmo ao productor. Effectivamente, a administração militar, por circumstancias que são alheias ao meu proposito, chegara a convencer-se e que não podiam continuar as cousas assim; porque, comparando a liquidação dos fornecimentos com os pagamentos, via o enorme deficit de 300 contos de réis proximamente, e que varia conforme a epocha do anno economico.

O maior mal certamente da nossa administração publica é não pagar em dia, porque ha de comprar caro e mau; e se isto é criterio geral para todas as administrações do estado, é claro que a administração militar não podia estar fóra d'elle. Era preciso remediar de vez este estado de cousas; plenamente de accordo; mas como? Excluindo a industria estrangeira para preferir a industria nacional.

N'esta epocha, pois, de proteccionismo forçado, era natural que se preferissem os fabricantes portuguezes; mas, pergunto, por que não se estendeu a mesma protecção aos productores naturaes? Ainda que houvesse um movimento de retrocesso na escolha ou no ideal de um melhor fardamento parece-mo que valia a pena. Eu faço estas considerações sinceras, talvez mesmo ingenuas.

«Acresce ainda que, nas condições actuaes de producção de lã nacional, é por tal modo rapida a sua degeneração que se torna impossivel encontrar com uma rasoavel unidade de fibra a quantidade de lã conveniente para se lotar com outras de procedencia estrangeira, e conseguir com esta mistura a necessaria materia prima para se fardar o exercito.»

A lei dos cereaes, que é essencialmente protectora, porque sem isso não podia continuar a viver a cultura cerealífera, estabelece o bom principio geral. O productor nacional fornece em quanto tem, e quando não tem, é que vem do estrangeiro o complemento para o consumo. Porque não se applica o mesmo processo ao fornecimento de lãs? Emquanto houver lãs nacionaes, gastam-se, o quando não as houver, mandam-se vir as do estrangeiro. Isto é natural, economico e patriotico.

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«Quem ha que não conheça o pouco valor da lã branca nacional? A grande e irregular grossura da sua fibra, a sua pouca elasticidade, a abundancia de jarro, e a falta de condições de filtração, são circumstancias que a tornam impropria para tecidos pisoados e com a elasticidade que requerem os pannos destinados, por exemplo, a calças, calções, dolmans e jaquetas.»

Tudo isto pôde ser verdade, mas eu pergunto, não valia a pena perder alguma cousa para ganhar mais depois, pelo augmento da riqueza publica? Porque, quem paga o deficit do soldado? É o estado, e onde e que o estado vae buscar as suas receitas? Ao contribuinte. Logo, para o que vem esta preoccupação do deficit, se realmente tudo sáe do bolso do contribuinte?
Desde que se diminuiu o tempo da effectividade de serviço e se augmentou talvez o numero de artigos que se distribuem ao soldado, o deficit havia do ser maior fatalmente; e como vencer esta differença, augmentando o valor dos factores que para ella contribuem, appellando apenas para a duração dos tecidos?!

Se no relatorio viesse, um calculo rigoroso de medição de todos os artigos e do deficit actual, e ao mesmo tempo e paralellamente, o augmento de preço que iam ter os artigos pela melhoria de lanifícios, e a fixação do novo deficit, eu poderia convencer-me de que tinham rasão; porque, n'esse caso, augmentava o valor do lanifício o por consequencia o preço dos artigos até ao ponto em que a differença pelo augmento do duração dos tecidos, entre o que o soldado paga e o que realmente o estado despende, fosse o deficit mínimo, e um minimo, já se vê, muito inferior ao determinado n'estes ultimos annos. Digo que me poderia convencer, porque em questões d'esta ordem só convencem os algarismos.
A commissão nada diz a este respeito, provavelmente pela impossibilidade de o fazer.

O annuncio tambem não traz bases de licitação; e por isso tambem por ali se não pôde presumir qual é o preço dos lanifícios.

Está-se á espera que appareçam os concorrentes e marquem o preço. Por consequencia, nem ao menos é presumivel quanto custarão os artigos que constituem os fardamentos de cada praça.

Eis as rasões porque eu permaneço na minha opinião.

Continúo a ler.

«Nas amostras 10 a 5 por cento. É claro que as quantidades do lã nacional que entram nos diversos tecidos foram indicadas pelos fabricantes, e com tal indicação se conformou a commissão, por ser absolutamente impossível o determinal-as.»

Assim será. E d'aqui que, me parece, nasceu o todavia da 4.ª condição do annuncio de 11 de maio d'este anno. Continuo a ler.

«Em alguns dos tecidos nota-se uma certa unidade de materia prima, embora de procedencias diversas. Esta circumstancia é sem duvida devida á escolha muito apurada da lã nacional, ou antes ha pouco tempo nacionalisada.

«Este facto levou-me a fazer a alguns fabricantes os seguintes interrogatorios:

«Se ficar adjudicatario do fornecimento, poderá matel-o com a unidade de fabrico da amostra?

«Posso apenas comprometter-mo a empregar todos os esforços para o conseguir, mas creio que, nem mesmo com as lãs mais ordinarias, o que é impossível empregar, me seria facil cumprir tal encargo.

«A lã nacional que empregou é do typo vulgar das nossas lãs?

«Nao é, e creio mesmo que será impossível obter no paiz, á parte aquella resultante do gado ha pouco importado, e que deve considerar-se mais estrangeiro do que nacional, 100 kilogrammas de qualidade igual.

«Este pequeno interrogatorio desenha com as mais vivas cores a falta de sinceridade dos que advogam a lotação das lãs nacionaes com as estrangeiras de mediana qualidade.

«Ha é verdade, para contrapor a este quadro a amostra n.° 14, fabricada só com lã nacional.»

O que devo concluir d'isto tudo? É que tão irrisorio foi o concurso das amostras, como inutil o seu exame e impossível o fornecimento n'estas bases.

Este interrogatorio é interessante, porque conclue de menor para maior.
Interrogados alguns, concluiu-se immediatamente que todos pensavam assim. Ora, francamente quem é que não tem sinceridade? Não serão os que apresentam amostras, sabendo que não podem fabricar pannos assim?!

Continuo a ler,

«Esta amostra é de panno para capotes, e teve uma classificação superior á de outras amostras fabricadas com pequenas percentagens de lã do paiz, e até á de uma do mesmo fabricante, toda feita com lãs estrangeiras.

«Este facto, que parece abonar muito o merito da amostra em questão, explica-se facilmente pelo muito mau fabrico das outras que se lhe seguem na classificação. Distas, umas têem excessivo pisão, o que estragou sensivelmente a materia textil, e outros têem má tintura.

«É certo, porém, que a má apparencia do tecido, similhando abaeta ordinaria, a sua pouca feltração, prejudicando as condições diathermicas do tecido, e muito especialmente a sua extraordinaria permeabilidade á agua, o torna improprio para o vestuario do soldado.»

Superior á de outras. Quaes outras? D'aquellas que approvaram ou de outras que foram rejeitadas? Não sei.

Em ultima analyse a amostra n.° 14 é apreciavel, mas não é approvada; é como um premio de consolação sem beneficio.

Vou ler o mappa para mostrar á camara e ao paiz as amostras escolhidas.
«N.ºs 1, 4, 6, 8, 20, 24, 33, 42, 43, 44 o 45 da fabrica do Campo Grande; n.° 41 estrangeira; e n.° 48, Alemquer-Chemina.»

A commissào que, estou convencido, tem toda a probidade scientifica, e digo isto porque vejo que procedeu realmente a todas as experiencias proprias para apreciar a resistencia de um tecido, approvou amostras, que têem todas lã nacional. Pergunto eu: porque, é que, sendo assim, se não fixou terminantemente que se não acceitavam lanifícios senão conforme as amostras? Nasceu o todavia do annuncio da critica reprovadora das lãs nacionaes ou do tal interrogatorio?

Diz a commissão que não tem a certeza de que estas amostras sejam feitas com a percentagem de lã que se diz terem, por que não pôde verifical-as.

Mas não poderá haver fiscalisação effectiva para que a administração militar tenha a certeza de que no fabrico dos lanifícios se empregam lãs nacionaes? Não se poderá estabelecer a responsabilidade para as fabricas que apresentaram estas amostras, de modo que se mantenha a percentagem de lãs que declararam ter introduzido no fabrico d'essas amostras?
Se não pôde ser, está justificado o todavia, e estão mais justificadas ainda as minhas suspeitas, de que a producção de lã nacional não tem destino absolutamente para este consideravel consumidor-o fardamento do exercito. Nota-se que, das amostras escolhidas, ou antes approvadas, o maior numero (11) pertence á fabrica do Campo Grande.

Não ha nada que ver que sejam escolhidas de preferen-

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cia estas amostras, porque são naturalmente as melhores; mas o que me parece é que, desde que vem indicado quaes são as melhores, os outros concorrentes difficilmente podem apparecer na praça, visto que a condição de homogeneidade de tecido e outras, que hão de ser exigidos forçosamente hão de pol-os fóra do combate.

Todo o mundo sabe que ha um modo especial de fazer, em cada fabrica, e que os tecidos não dependem só da materia prima, mas tambem das condições de fabrico; pois é um facto, que toda a gente conhece, que não ha ninguem que possa fazer duas cousas iguaes, nem mesmo a natureza o consentiria.
Eu vou concluir, fazendo a mesma pergunta que já tenho feito umas poucas de vezes. É ou não obrigatorio, no fornecimento de pannos para o exercito, o emprego da lã nacional? D'esta vez ainda acrescento: pôde ou não pôde modificar-se o typo dos padrões adoptados para o fornecimento dos pannos para o exercito, de modo que as lãs nacionaes tenham emprego certo?

Uma voz: - Pôde.

O Orador: - Mas quem responde?

Quando s. exa. o ministro estiver presente tornarei a levantar esta questão, e não me hei de cansar de o fazer tantas vezes quantas poder, no interesse dos meus constituintes.

Tenho dito.

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