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N.° 30

SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios - os srs.

Amandio Eduardo da Moita Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

No expediente dá-se conta de um officio e um telegramma. - É nomeada a deputação que tem de ir a Santarem assistir ás exequias pelos que falleceram no incendio do club artistico. - Parecer da commissão de commercio e artes, sobre o decreto de 12 de julho de 1894 - Requerimento do ar Abilio Beça. - Considerações do sr. Cincinnato da Costa, em desaggravo da memoria de seu pae, fallecido na India, e cuja morte attribue a uma perseguição. Responde-lhe o sr. presidente do conselho.

Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 7 (pensões a militares), usando em primeiro logar da palavra o sr. ministro da guerra, que responde ao discurso do sr. Arroyo, proferido na sessão anterior. Segue-se o sr. Dias Ferreira, que combate o projecto, entendendo que, em vez de pensões, se deviam conceder postos de accesso por distincção. - Representação e justificações de faltas.

Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada, 49 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho, Lucio e Silva, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Candido da Costa, Antonio José Boavida, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Bernardino Camillo Cincinato da Costa, Conde de Anadia, Conde de Valle Flor, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moucada, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto José Maria do Couto, Jayme de Magalhães Lima, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, José Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Lopes Carneiro de Moura, João Marcellino Arroyo, João da Mota Gomes, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Adolpho de Mello e Sousa, José Bento Ferreira de Almeida, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Bailio, José Freire Lobo do Amaral, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Mendes Lima, José dos Santos Pereira Jardim, José Teixeira Gomes, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria Pinto do Soveral, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Marianno Cyrillo de Carvalho, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde da Idanha, Visconde de Paliria de Almeida e Visconde de Tinalhas.

Entraram durante a sessão os srs.: - Aarão Ferreira de Lacerda, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Adriano da Costa, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José Lopes Navarro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Rangel de Lima, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Dias Ferreira, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, Luciano Affonso da Siva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Pedro Guedes, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Quirino Avelino de Jesus, Romano Santa Clara Gomes e Theodoro Ferreira Pinto Basto.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire do Figueiredo, Alfredo de Moraes Carvalho, Antonio Augusto Correia da, Silva Cardoso, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio de Castro Pereira Corte Real, Augusto Dias Dantas da Gama, Augusto Victor dos Santos, Carlos de Almeida Braga, Conde de Jacome Correia, Conde de Pinhel, Conde de Tavarede, Diogo de Macedo, Francisco José Patricio, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, José José Pereira Charula, João Maria Correia Ayres de Campos, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Correia de Barros, José Joaquim Aguas, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, Licinio Pinto Leite, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Bravo Gomes, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Sousa Avicles, Polycarpo Pecqnet Ferreira dos Anjos, Visconde do Banho, Visconde de Leite Perry, Visconde de Nandufe e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

De Marie Pasteur, agradecendo a homenagem prestada por esta camara á memoria de mr. Pasteur.

Para a secretaria.

Telegramma

Para Lisboa - De Santarem. - N.° 1:163. - Exmo. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugneza. - A camara de Santarem, celebrando exequias no dia 27, no templo da Graça desta cidade, para suffragar as desgraçadas victimas do incendio do club artistico, tem a subida honra de assim o communicar a v. exa. = O vice-presidente, Alfredo Glauco de Oliveira.

Para a secretaria.

O sr. Presidente (Antonio José da Costa Santos): - Participo a camara que, por motivo justificado, faltei ás tres ultimas sessões.

Em presença do telegramma que acaba de ser lido, julgo interpretar os sentimentos da camara, nomeando

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330 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

para assistir ás exequias em Santarem, alem dos srs. deputados eleitos pelo districto, os srs. deputados Simões Baião e José Ferreira Ribeiro.

Antes de conceder a palavra aos srs. deputados inscriptos, peço a v. exas. a fineza de virem mais cedo para se poder abrir a sessão antes das tres horas; porque, sendo aberta mais tarde, fica muito pouco tempo para os trabalhos da camara.

Faço este pedido, esperando ser attendido pelos srs. deputados, porque de contrario poderá succeder que algumas vezes tenha de declarar que não ha sessão por falta de numero.

O sr. Cincinnato da Costa: - Declara que faltou ás sessões anteriores pelo motivo doloroso do fallecimento de seu pae, Bernardo Francisco da Costa, funccionario do estado em serviço na India portugueza.

Vem agora cumprir o dever sagrado de pedir uma justa reparação para o enorme aggravo que acaba de feril-o no que tem do mais santo no seu coração. Exige-a tambem o decoro e o prestigio da nação. Põe de parte a politica; não vem com intuitos opposicionistas; vem unicamente defender a memoria do seu pae e reclamar justiça.

Leal servidor da patria e portuguez de lei, seu pae, que havia sido amigo dedicado de Sampaio e Fontes, foi agora victimado por uma odienta, repellente e criminosa perseguição.

É ao governo que pede coutas dos factos occorridos.

Orgulha-se de ser filho de Bornardo Francisco da Costa, e não se envergonha de dizer que nasceu na India.

Seu pae, cuja palavra no parlamento foi sempre escutada com respeito, pela sua correcção e seriedade, e cujos serviços e firmeza de convicções foram sempre tidas na maior consideração, militou nas fileiras regeneradoras e foi nomeado inspector dos estudos na India por um decreto de Pinheiro Chagas.

Os factos a que quer referir-se, ligam-se com a ultima rebellião, com a qual, em vista dos seus antecedentes, não se podia acreditar que Bernardo Francisco da Costa tivesse qualquer relação.

Não conhece as origens d'esta rebellião, mas parece-lhe que ella tem servido para se apresentar como heroe quem não passa de um embusteiro.

Depois de referir e commentar factos que considera abusivos e cruéis, por parte do governador geral da India, a quem imputa a responsabilidade da perda de seu pae, o orador lê algumas cartas que recebeu da India e que, segundo diz, corroboram as suas affirmações.

Pede, por isso, ao governo que sem delongas tomo a resolução de demittir aquella auctoridade, sujeitando-a depois a um conselho do guerra.

(Este discurso será publicado na integra quando o orador o restituir.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Já deu a hora de se passar á ordem do dia, mas vou consultar a camara, se consente que v. exa. use da palavra.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Não é meu intento protelar a discussão; mas a camara comprehende que eu faltaria a um dever de consideração para com o illustre deputado que acaba de fallar e ao mesmo tempo ao dever do meu cargo, se neste momento não me levantasse para responder a s. exa.

Vou fazel-o em brevissimas palavras.

É perfeitamente respeitavel, como a camara toda comprehende, o sentimento que dominou o illustre deputado nas mias apreciações nimiamente apaixonadas, quando reivindicava a memoria do seu pae, e pugnava, num desforço que julgava legitimo, contra o que, na sua consciencia, reputava ser um acto do violencia, exercido por uma auctoridade, até ao ponto de levar a sepultura seu proprio pae.

Comprehende-se muito bem que n'estas cireumstancias quem sente no sou coração a mais profunda e mais acerba dor, quem se lembra do que deve a seu pae, seja, como foi o illustre deputado, caloroso, vehemente e apaixonado na exposição dos factos, talvez mesmo injusto em muitas das suas apreciações.

S. exa., formulando uma accusação directa ao governador geral da India, accusação que se relaciona com o facto de que se deriva a morte de seu pae, reclamou do governo a immediata demissão d'aquella auctoridade; mas um momento de reflexão e de serenidade mostrára ao illustre deputado como o governo, sem faltar a um principio de justiça, não póde condemnar ninguém sem o ouvir.

O sr. Cincinnato da Costa: - Peço a palavra.

O Orador: - O illustre deputado expoz os factos e deduziu a sua accusação. Quer porventura s. exa. que o governo, simplesmente por essa exposição, demitta já o governador geral da India, sem ao menos ouvil-o sobre as arguições que lhe são dirigidas para elucidar o seu espirito e fortificar a sua decisão? Seria faltar precisamente a um principio elementar no julgamento para a applicação de qualquer pena.

Se pelas arguições deduzidas e pelas explicações dadas se reconhecer que o governador geral da India praticou um acto de violencia, mais ainda, de deshumanidade, creia o illustre deputado que a decisão do governo não se fará esperar. (Apoiados.)

Se o governador geral da India, exorbitando das suas attribuições, ou mesmo não exorbitando, mas, sem necessidade, praticou um acto atroz de revindicta politica, ou de som é-nos comprehensão das circumstancias que se davam, em relação a um funccionario distincto, como era o pae do illustre deputado, procedeu de fórma a incorrer na censura e na reprovação geral, creia o illustre deputado que o governo não cobrirá com a sua auctoridade aquelle funccionario. (Apoiados.) É necessario, porém, ouvil-o.

De mais, o illustre deputado referiu-se com alanceada magua, com paixão perfeitamente desculpavel a factos que occorreram na India, e nesse ponto não me pareceu nem que fosse justo para com o governo, nem que fosse justo para com aquelles que foram arriscar a sua vida em defeza dos principios da disciplina militar e da manutenção da ordem social, n'uma das nossas provindas mais importantes e mais ricas.

A reflexão mostrara ao illustre deputado, como em presença de factos gravissimos que occorreram na India, e que produziram a inversão da disciplina militar, o desacato da auctoridade, investida das suas funcções, de actos verdadeiramente atrozes, que importaram uma conflagração geral n'aquella provincia, o governo não podia absolutamente permanecer despreoccupado nem immovel. (Apoiados.)

Precisou, pois, por dever seu e por dever para com a nação, de restabelecer a ordem, porque era exactamente essa, a primeira das suas obrigações. Para isso organisou e fez marchar uma expedição militar; para isso teve de substituir o governador geral, que estava na India. E o illustre deputado comprehende bem que, em presença de factos tão anormaes, tão absolutamente injustificados, que nada pouparam, nem a auctoridade, nem o respeito quer pela vida, quer pela propriedade, nem mesmo pela integridade dos cofres publicos na India, porque tudo se atacou e tudo se violentou, o illustre deputado comprehende, digo, e a sua rasão serena lhe demonstrara, que nem o governo podia ficar absolutamente quedo, nem deviam os seus agentes deixar de exercer uma repressão severa, immediata, urgentemente reclamada pela propria gravidade das circumstancias que acolá se davam. (Apoiados.)

Se porventura houve excessos n'essa repressão, é ne-

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cessario distinguir aquelles que são proprios de todas as repressões, quando se exercem em circumstancias similhantes, e aquelles que, premeditados, hão filhos de um erro de procedimento, ou de uma intenção mal inspirada na comprehensão das attribuições de quem governa n'uma provincia d'aquella ordem.

Mas tudo isto tem de ser averiguado, e francamente, creia o illustre deputado que não é um jornal como o Times of India, ou outro qualquer, por muita auctoridade que tenha, que póde pesar na consideração dos factos, nem determinar o procedimento do governo. (Apoiados.)

Do mesmo modo tambem nato posso, pela honra do exercito portuguez, porque me impende tanto esse dever a mim, como impende ao illustre deputado o dever de desaggravar a memoria de seu pae, tambem não posso, digo, deixar passar em silencio as palavras que o illustre deputado proferiu, no tocante a maneira por que se tem conduzido na India as nossas forças militares. (Apoiados.)

As forças do nosso exercito não são forças que, quando ponham uma medalha qualquer ao peito, provoquem um sentimento de escarneo e de ridiculo. (Apoiados.)

As nossas forças militares, que a ordem de marche partiram sem um murmurio, sem uma hesitação, sem uma fraqueza para o que fosse necessario, que chegaram á India, que a veram de luctar com o clima, com as asperezas das jornadas, com todas as fadigas e doenças, com tudo, e que se não luctaram com mais inimigos, é porque mais não lhe appareceram, não podem ser motivo para ninguem, nem de irrisão, nem de menoscabo. (Apoiados.)

Cumpriram o seu dever militar, e creia o illustre deputado que, por muito acabrunhados que possamos estar n'um momento de dor, pela paixão que pesa sobre nós, não devemos ir até ao ponto de esquecer que é precisamente na honra do nosso exercito que esta o prestigio do nosso bom nome e que, por consequencia, atacar, ferir no seu procedimento, quasi na sua dignidade, uma parte do exercito portuguez, não é decerto nem honrar as nossas quinas, que o illustre deputado quer ver levantadas bem alto, nem o nosso brazão de armas, cujo brilho quer ver mantido, mas que com isso só se mancha e não brilha, como é forçoso n'uma nação que se prosa de ser digna nos seus commettimentos levantados e nobres. (Apoiados.)

Não posso nem quero alongar-me em mais considerações em resposta ao illustre deputado, o sr. Cincinato da Costa. Ninguem mais do que eu faz justiça a dor que o opprime e a paixão que o afflige. Respeito o motivo que dictou as suas palavras, a morte de seu pae, e tanto me bastou para que eu afastasse do debate qualquer nota que podesse parecer irritante; mas não podia, no desempenho do meu cargo, deixar de me levantar para pugnar pela honra do nosso exercito é mostrar que os principios de justiça não podem nunca ser postos de lado, nem mesmo nas occasiões em que o nosso espirito se encontra maguado.

Cumpri o meu dever, e o meu respeito pelo illustre deputado só é accrescentado pela fórma como s. exa. veiu aqui pugnar pela revindicta da memoria de seu pae.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

O sr. Presidente: - O sr. Cincinato da Costa pediu a palavra, mas temos de entrar na ordem do dia...

O sr. Cincinnato da Costa: - Desejo dizer apenas duas palavras.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem s. exa. a palavra.

O sr. Cincinnato da Costa: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se ella entende que esta aberto um incidente sobre o assumpto:

O sr. Presidente: - A camara pronunciou-se apenas no sentido de se dar a palavra a v. exa., mas eu vou submetter agora a votação o seu requerimento.

O sr. Marianno de Carvalho (sobre o modo de propor): - Eu sei que a pratica usada n'este caso é a da votação por sentados, mas n'uma questão como esta, quem
approva deve levantar-se. Parece-me portanto que v. exa. deve pôr á votação a necessidade de se abrir o incidente, levantando-se os deputados que approvem.

Resolveu-se no sentido affirmativo.

O sr. Cincinnato da Costa: - Agradece ao sr. presidente do conselho as palavras com que s. exa. se referiu a morte do seu pae.

Affirma que não disse cousa alguma que podesse melindrar os brios do nosso exercito; apenas se referiu afigura que o estavam obrigando a fazer na India. Declara tambem que não se da por satisfeito com a resposta do sr. Hintze Ribeiro, que politicamente póde ser muito habil, mas que não resolve cousa alguma.

Continue o governo defendendo o seu delegado na India, que elle por sua parte fará o que entender, com o que o governo nada perdera, por isso que não precisa do seu apoio, nem da sua voz, que é insignificante.

O sr. Arroyo: - Vou ser muitissimo breve nas considerações que desejo fazer, ácerca do incidente que se discute, porque sendo já tarde e devendo usar da palavra na ordem do dia o sr. ministro da guerra, em resposta ao discurso que proferi na sessão de sabbado, eu por fórma alguma desejo concorrer para que se demore a resposta de s. exa.

Feita esta declaração que explica a rapidez das considerações que vou fazer, entro no assumpto.

Eu escutei, com o respeito que merece a palavra do sr. Cincinato da Costa, que n'este momento se apresenta ardente na defeza de uma causa para que não ha elogio que não seja merecido; ouvi a palavra do sr. presidente do conselho defendendo a attitude do governo, mas confesso a v. exa. que por mais alheio que me quizesse achar a esta questão, de sua, natureza irritante e irritada por mais desejos que tivesse de abreviar a discussão d'este caso, não podia deixar de notar, como notei, a abertura da inscripção especial, para lembrar ao governo que todas as respostas que se fundem no adiamento, tudo quanto seja protrahir uma resolução sobre a India, me parece impensado e abaixo da coragem que o ministerio deve mostrar em relação a este incidente.

A questão da India é muito grave; quem leu o relatorio publicado no Diario do governo, embora a palavra habil e eloquente do sr. Hintze Ribeiro possa procurar attenuar as responsabilidades do funccionario que firmou aquelle documento, englobando, sob a fórma de repressão, os actos de verdadeira atrocidade que na India se fizeram, reconhece, e a evidencia entra pelos olhos dentro, que se torna de urgente necessidade collocar-se o governo no seu logar e fazer justiça, de uma vez para sempre, fira a quem ferir.

Eu afasto d'este assumpto qualquer ponto de vista politico, ou partidario; dirijo-me ao sr. presidente do conselho, e parece me que n'este momento o paiz falla pela minha boca, para dizer-lhe que quem soube acclamar e festejar os que tão nobremente cumpriram o seu dever em Africa, da mesma fórma pede tambem que justiça se faça aquelles que não se souberam conter dentro da boa ordem, tão necessaria n'esta occasião.

Dirijo-me ao sr. Hintze Ribeiro para que de uma vez para sempre ponha de parte n'esta questão tudo o que seja um simulacro de habilidades parlamentares, pedindo-lhe neste incidente toda a sua energia, toda a sua coragem de homem d'estado e de chefe de situação, sem demora, porque as consequencias do adiamento recaem unicamente sobre os seus hombros e dos seus collegas.

Faça-se prompta justiça, exigindo-se desde já as responsabilidades a quem as deve ter.

Vou terminar, repito, porque estou ancioso por ouvir a palavra do sr. ministro da guerra. Não quero, porém, fazel-o sem ter apresentado individualmente a expressão muito sincera da minha condolencia ao nosso illustre col-

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lega e camarada, o sr. Cincinato da Costa, e pedir a s. exa. e creio que n'este momento interpreto bem o sentimento de toda a camara, (Apoiados.) que veja no sentimento commum de todos nós, motivo sufficiente para que não nos retire a sua collaboração o continue a prestar o auxilio e o apoio da sua palavra e da sua intelligencia. (Apoiados.) Creia s. exa. que, se o fizer, distinguira bem as responsabilidades d'aquelles a quem ella assiste, e da injustiça que faria, abandonando esta sala, aquelles que lhe tem tributado toda a sympathia e toda a estima, ao ouvil-o fallar como filho digno e como cidadão prestante.

Dito isto termino, rogando mais uma vez ao sr. presidente do conselho, que sem demora e sem delongas proceda como chefe do governo, como aquelle a quem impende, n'este momento sacratissimo, o dever de ferir a quem deve e de exigir as responsabilidades a quem as tiver.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - O illustre deputado o sr. João Arroyo collocou a questão em um campo de generalidades em que eu tenho de fazer distincções.

Só se trata de um facto preciso, qual aquelle a que se referiu o illustre deputado o sr. Cincinato da Costa, facto em que se argue uma violencia praticada pelo governador geral da India, é evidente que sobre esse facto preciso ouvir esse funccionario. O governo não hesitára em tomar uma resolução, se tiver havido uma demasia ou um excesso. Mas não confundamos um facto preciso, que traz responsabilidades determinadas, com considerações de ordem geral ácerca do estado da India.

A este respeito só tenho a dizer uma cousa ao sr. deputado João Arroyo. A questão da India é uma questão de ordem publica. Nas questões de ordem publica o governo sabe perfeitamente as responsabilidades que lhe incumbem. Essas responsabilidades nem as alija, nem trepida diante d'ellas; assume-as por completo. Mas desde que a responsabilidade é d'elle e a manutenção da ordem publica, na India não está ainda restabelecida, o governo pede á camara que lhe deixe, ao menos, a liberdade de proceder como entender conveniente.

Tome-lho depois as contas que quizer.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Poucas palavras direi.

Encontro-me em uma situação excessivamente melindrosa. Tenho a honra, desde annos, de ser amigo pessoa do sr. governador geral da India. Mas não ha principio nenhum, nem consideração nenhuma de amisade pessoal, que me impeça de cumprir o meu dever, por mais doloroso que elle seja.

Não quer isto dizer que venho desde já condemnar o procedimento do sr. governador geral da India; quero dizer que o relatorio publicado no Diario do governo e as informações que tenho visto, e não repito, me têem causado a mais dolorosa impressão.

O sr. presidente do conselho distingue o facto isolado, que carecia de averiguação, dos factos de ordem geral, que dizem respeito á manutenção da ordem publica. Portanto, o governo que tem a responsabilidade, tem o dever de manter a ordem publica, com firmeza, sem trepitar um momento; e não póde alijar a responsabilidade que impede sobre elle.

Mas todos sabem que, desde 4 ou 5 de novembro até ao principio de dezembro, na India se têem praticado atrocidades que a civilisação do nosso seculo e as tradições gloriosas da nacionalidade portugueza de modo nenhum permittem.

Resolva o sr. presidente do conselho depressa, mas resolva bem. Isto é que não póde continuar assim.

(S. exa não reviu.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 7 relativo a pensões militares

O sr. Presidente: - Entra em discussão juntamente com este projecto a moção mandada para a mesa pelo sr. João Arroyo na ultima sessão.

O sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - Sr. presidente, já ante-hontem aqui affirmei que as assembléas politicas não são as mais proprias para administrar justiça e que são, quasi absolutamente, improprias para a discussão de quaesquer assumptos que se prendam intimamente com a administração da justiça no que respeita as instituições militares.

Por duas vexes fallou na sessão anterior o sr. deputado João Arroyo sobre o projecto que se discute, e confesso a v. exa., sr. presidente, que não sei ainda se s. exa. é a favor ou contra as pensões que n'elle se propõem. Ainda n'este momento ignoro se merece ou não a approvação de s. exa. o quantitativo d'essas pensões, nem sei se o illustre deputado está de accordo com o criterio estabelecido no projecto para a sua concessão.

Por duas vezes fallou s. exa., como disse; da primeira mandou para a mesa uma proposta, que é apenas, evidentemente, uma moção de desconfiança politica, tentando depois justifical-a.

Da segunda vez UBOU da palavra, tratando o ministro da guerra muito desamoravelmente, por não ter correspondido como devia, na affirmação de s. exa., a gentileza do seu proceder e aos primores com que se lhe dirigira no seu primeiro discurso.

Synthetisando agora tudo quanto lhe ouvimos, temos em primeiro logar algumas phrases violentas, violentissimas até, proferidas contra o ministro da guerra, cuja situação politica s. exa. classificou de deploravel neste momento, chegando mesmo a affirmar que elle foi exautorado, primeiro na commissão de guerra e depois pelo coronel Galhardo. Temos depois alguns argumentos, muito poucos, para demonstrar duas incoherencias de que me accusou.

É isto apenas o que se apura do discurso de s. exa., e é a isto exactamente que eu vou responder no menor numero de palavras que poder, para não incorrer na censura de contradictorio, por isso que sendo opinião minha que as questões d'esta natureza devem ser tratadas com a maior serenidade e o mais desapaixonadamente que possa ser, claro é que seria contradictorio commigo proprio, se concorresse por qualquer modo para que esta discussão conservasse o caracter accentuadamente politico que o sr. Arroyo lhe deu.

As palavras vehementes, ás phrases acrimoniosas proferidas pelo sr. Arroyo na sessão de ante-hontem, tive eu ainda ensejo de responder em duas palavras no final dessa sessão. Hoje, em relação a essas phrases, limitar-me-hei a repetir o que então disse.

O sr. João Arroyo affirmou que só criticava o ministro, que só censurava o ministro, mas que, por modo algum, tinha a intenção de se referir a pessoa do ministro; e depois acrescentava que se fosse essa a sua intenção teria a coragem precisa para o fazer, por isso que dia sempre o que quer, como quer e onde quer.

Sr. presidente, com toda a serenidade, e sem quixotismos, que são sempre de mau gosto e improprios d'este logar, eu respondo ao illustre deputado o sr. Arroyo, que, com a mais profunda convicção eu acredito piamente o que s. exa. disse; mas que tambem creio que eu, pelo facto de ocupar uma cadeira de ministro, não me julgo um reprobo, nem... como direi eu? um d'esses desgraçados e infelizes leprosos que noutros tempos se podiam injuriar impunemente.

Portanto, espero eu tambem que terei sempre a coragem de me desafrontar, se alguma vez for offendido.

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Eu não digo isto só a s. exa.; digo geralmente, porque não ha homem nenhum com sangue no coração que se deixe injuriar e apedrejar impunemente.

E nada mais direi sobre este ponto, parecendo-me que tenho dito já o sufficiente.

Sr. presidente, eu fui accusado pelo sr. Arroyo de duas grandes incoherencias. A primeira, diz s. exa., consiste em ter eu apresentado aqui em 23 de janeiro uma proposta para a concessão de postos de accesso por distincção, ao passo que antes de hontem, n'este mesmo logar, mostrei-me contrario a esta concessão.

A segunda incoherencia, de que s. exa. me accusa, consiste em eu me ter desinteressado de um projecto apresentado a esta camara pelo illustre deputado e referente ao coronel Galhardo, tendo eu declarado perante a camara que o defenderia na commissão de guerra, como se elle fosse meu.

Pois, sr. presidente, eu não me considero incurso em nenhuma d'estas incoherencias. Comprehendo perfeitamente a possibilidade de n'outra qualquer occasião, n'outro qualquer assumpto, ser accusado de ter mudado de opinião. E confesso a v. exa. e a camara que não me envergonharia, se isto alguma vez me succedesse, porque para mim não é por nenhum modo deprimente-o facto de alguem se mostrar arrependido de um erro qualquer que commetteu, quer este erro seja constituido por um facto, quer seja constituido por uma apreciação; pelo contrario, penso que se exalta sempre quem tem a coragem e a franqueza de dizer que errou. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, a verdade é que não houve incoherencia alguma da minha parte; não commetti erro algum que deva vir confessar a camara, pedindo lhe que me releve, como vou mostrar.

Antes de me referir a primeira supposta incoherencia, devo dizer duas palavras muito breves acerca d'essa exautoração, soffrida por mim na commissão de guerra, como disse o illustre deputado.

Eu disse aqui ante-hontem que a modificação feita na commissão de guerra a proposta do governo, fóra indicada ou proposta por mim. Depois levantou-se o meu illustre amigo e collega, o sr. Ferreira de Almeida, para declarar que os factos se haviam passado exactamente como eu os tinha referido.

Não precisava que s. exa. o affirmasse, mas agradeci-lhe, e de novo lhe agradeço, o ter-se apressado de tão boa vontade a mostrar que eu não tinha alterado na mais pequena cousa a verdade do que se passára.

Não houve exautoração. Se as duas commissões de guerra e de marinha, reunidas, acceitaram as propostas que eu fiz, se essas indicações foram attendidas, e o projecto modificado, do accordo com o que eu indicara, é claro que não houve nem podia haver exautoração.

Por parte das commissões estou certo que alguém virá defendel-as das accusações que se têem feito ou se possam fazer.

O outro facto accusado por s. exa. é o de ter-se dirigido o coronel Galhardo ao sr. presidente do conselho e não ao ministro da guerra.

É facil a explicação.

O sr. coronel Galhardo pensou primeiro em dirigir um requerimento a esta camara pedindo que o projecto não fosse approvado.

Antes, porém, de tomar esta resolução que julgara extrema, entendeu que devia procurar um dos ministros e pedir-lhe que, pela sua influencia na propria camara, conseguisse que não fosse approvado o projecto apresentado pelo sr. João Arroyo.

É claro que o sr. coronel Galhardo, escolhendo o sr. presidente do conselho, escolheu muito bem, por isso que não sou eu que tenho, nem pretendo, nem nunca pretendi ter influencia nos meus collegas deputados.

Essa influencia é de presumir que exista, e creio que realmente existe, no sr. presidente do conselho e no sr. ministro do reino, que de todos os ministros são aquelles que mais activamente tratam da politica do governo, e não em mim, que não a tenho, não quero ter, não procuro, nem desejo ter.

Esta dada a explicação por que o sr. coronel Galhardo se dirigiu ao sr. presidente do conselho e não ao ministro da guerra.

Se se tratasse de uma questão oificial; se elle, como coronel, no cumprimento dos seus deveres, em vez de se dirigir a mim, procurasse qualquer outro dos ministros, é claro que então eu não poderia dizer que, até certo ponto, o argumento do illustre deputado não era procedente, porque nesse caso, o coronel Galhardo faltava a consideração a que tem direito o ministro da guerra; mas então, tambem devo dizel-o, o meu procedimento seria outro.

Mas não foi assim. Era pessoal, nada tinha com o serviço militar, o assumpto de que elle ia tratar e por consequencia, como tinha o direito de se dirigir a quem fosse mais seu amigo, ou mais proprio para attender a pretensão que tinha, nada tem de estranhavel que se dirigisse ao sr. presidente do conselho, e não a mim, que não podia prestar-lhe o serviço que desejava.

Voltando outra vez ás incoherencias que me attribuiu o illustre deputado, o sr. Arroyo, devo dizer que a primeira consiste na supposição de que eu mudei de parecer em relação a concessão dos postos por distincção; e mudei de parecer, disse s. exa., por isso que em 23 de janeiro apresentei aqui uma proposta regulando as condições e o modo por que se podiam dar os postos de accesso, e antes de hontem mostrei que não era favoravel a concessão dessa distincção.

Posso dizer a s. exa. e a camara, que não existe essa incoherencia nem essa contradicção, pois que eu não disse, como me é attribuido em alguns jornaes, que era absolutamente contrario a concessão de postos por distincção.

Não o disse, não o digo, nem nunca o direi.

O que disse foi que, no meu entender, essa distincção, só muito raramente e em condições muito excepcionaes, se deveria conferir.

Foi isto o que eu disse na sessão anterior e é o que hoje repito.

Não ha, portanto, incoherencia nenhuma entre as minhas opiniões de antes de hontem, no sentido de que os governos devem ser muito parcos - foi até esta a phrase que empreguei - na concessão d'esta distincção, e entre as palavras que proferi na sessão de 23 de janeiro, ao apresentar uma proposta de lei, que habilitava o governo a promover ao posto immediato quem pratique certos feitos em campanha.

Não sou absolutamente contra as concessões de postos por distincção, mas entendo, e foi o que eu disse na sessão anterior, que os governos devem ser muito parcos nessas concessões.

E, a proposito, eu, que não costumo pedir rectificações acerca das palavras que me são attribuidas no summario das sessões, excepcionalmente, digo hoje, que no summario da ultima sessão me é attribuida uma opinião, que não tenho.

Diz-se n'elle que eu sustentara, que se devia ser parco na concessão de taes recompensas, e acrescenta: "que sobretudo não deviam ser concedidas, senão com a clausula de o serem, sem prejuizo dos camaradas". Eu não disse isto. Certamente as minhas palavras foram mal interpretadas.

Sr. presidente, creio que disse o bastante, para demonstrar que não sou réu d'essa primeira incoherencia que me foi attribuida, porquanto, o não querer que se distribua largamente uma graça, não significa que se seja absolutamente contrario a ella.

A segunda incoherencia que me é attribuida, consisto no facto de ter dito n'esta camara, que defenderia na

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commissão de guerra, como se fosse meu, o projecto do sr. Arroyo, e depois ter-me desinteressado d'elle.

Tambem não confesso esta incoherencia e tambem digo e affirmo que não sou réu do tal delicto.

Quando o sr. deputado João Arroyo apresentou o projecto a que me tenho referido, pretendia evidentemente que fossem galardoados os serviços importantes e valiosos prestados pelo ar. coronel Galhardo, em Africa. N'essa hypothese levantei-me e declarei, em nome do governo, que estava de accordo com o projecto de s. exa. e que eu o defenderia na commissão, como se meu fosse.

Mas porque fiz eu esta declaração? Evidentemente, porque julgava que um tal projecto seria agradavel ao sr. coronel Galhardo; mas desde que esta hypothese não era verdadeira, desde que o sr. coronel Galhardo declarava que lhe era desagradavel receber como premio dos seus serviços um posto por distincção, incoherente seria eu, se não me tivesse desinteressado do projecto.

Pois se o desejo do governo e do paiz era conceder um premio, podia eu continuar a interessar-me por um projecto em que se conferia ao coronel Galhardo uma distincção que lhe era desagradavel? Seria querer que em vez de se conceder um premio, se infligisse um castigo.

O meu procedimento, pois, sr. presidente, julgo eu que foi correcto e que foi coherente; correcto porque a intenção do governo estava perfeitamente em harmonia com a intenção do sr. Arroyo. A idéa do posto por distincção seria ou não seria a melhor; mas o que é certo é que o sr. Arroyo, quando apresentou o seu projecto, julgava que era a melhor e eu julgava que elle seria agradavel ao sr. coronel Galhardo. Fui coherente, porque desde que aquella circumstancia se não dava, eu não devia impor a um official distincto que tinha praticado relevantes e valiosos serviços em Africa, um prémio que elle não queria acceitar.

Sr. presidente, pouco mais tenho que dizer, porque, alem dessas incoherencias a que me tenho referido, e alem da affirmação de s. exa. de que eu tinha sido exauctorado pela commissão, pouco mais disse que me obrigue a responder. Não quero, porém, deixar sem resposta uma supposição de s. exa.; e não quero, porque não estava no meu espirito fazer insinuações.

Pareceu a s. exa. que quando eu disse ante-hontem n'este logar, que esta discussão podia ser prejudicada pelo facciosismo politico, pretendia insinuar que o illustre deputado estava mordido por essa paixão.

Devo dizer a s. exa. que nunca pensei similhante cousa; e nunca o pensei por duas rasões; a primeira, porque esse artificio rhetorico, a insinuação, não é do meu agrado. Eu ou estou convencido de um facto ou não estou; se não estou não insinuo; se estou ou me refiro a elle affirmando-o, ou então calo-me; não fallo n'elle.

Fique, pois, assente que eu não quiz insinuar que o sr. deputado Arroyo apresentava aquelle projecto para crear difficuldades politicas ao governo, movido pelo facciosismo politico.

Ainda outra rasão, e essa não é minha, respeita ao proprio sr. Arroyo.

Não insinuei, nem podia insinuar, porque, francamente, ainda não sei se s. exa. esta ou não contra o governo no momento actual. E se o não sei, se ignoro quaes são os seus amigos ou inimigos politicos, como é que eu podia fazer essa insinuação?

O sr. Arroyo: - Como não desejo tornar a usar da palavra ainda outra vez n'este debate, se o nobre ministro me da licença, responderei em duas palavras a s. exa.

O Orador: - Eu não provoquei resposta ao que disse.

O sr. Arroyo: - Ao desejo que v. exa....

O Orador: - Tambem não manifestei desejo.

O sr. Arroyo: - A falta de conhecimentos, expressa por v. exa.

O Orador: - Quer dizer a minha ignorancia.

O sr. Arroyo: - Eu não queria dizer ignorancia, mas sim duvida sobre a minha situação.

Começo, pois, por declarar que me acho n'esta camara absolutamente desligado de qualquer partido politico. Não tenho a mais pequena ligação nem com o partido regenerador, nem com o partido progressista, nem, emfim, com nenhum dos partidos monarchicos que florescem em Portugal. Sou um simples deputado, respondo por mim individualmente e critico, como sei e posso, os actos do poder executivo. Quando os julgo bons; calo-me e applaudo-os, quando os julgo maus, critico-os, como sei e posso.

O Orador: - Ainda que eu, antes de fallar, tivesse ouvido a explicação do illustre deputado, não deixaria de dizer exactamente o que disse.

S. exa. esta na posição mais invejavel que póde ter um membro do parlamento.

É ecletico, esta separado de todos e, portanto, nunca póde ser movido por facciosismo politico.

Depois, s. exa., suppondo que eu lhe havia dirigido essa insinuação a que se referiu, declarou que tambem poderia insinuar não sei que, a respeito do procedimento do ministro da guerra.

Esse não sei que que s. exa., segundo disse, poderia insinuar mas que não insinuou, e ainda bem que o não fez, era que no meu procedimento havia qualquer interesse.

Eu disse a s. exa. e á camara que apesar da minha pequena estatura estou tão alto e tão acima dessas apreciações que nem ellas me offendem, nem d'ellas me defendo, nem nunca me defenderei.

E mais nada sobre este ponto.

Tambem o sr. conselheiro João Arroyo accusou de inexato o relatorio das commissões reunidas de guerra e de marinha, na parte em que se diz que o relatorio do sr. commissario regio era baseado em informações do sr. coronel Galhardo.

Como foi a commissão quem disse isto no seu relatorio, qualquer dos seus membros, se quizer, respondera a s. exa.; mas, ainda assim, n'essa parte sou eu obrigado a responder, visto que fui eu quem affirmou ás duas commissões reunidas que o sr. conselheiro Antonio Ennes tinha ouvido o sr. coronel Galhardo, antes de enviar ao governo o seu relatorio.

Trata-se de um facto.

Existe elle ou não?

Qualquer de nos falla sobre informaç5es.

Das minhas tenho eu a certeza completa de que são exactas; parecendo-me, portanto, que não são as que se deram ao sr. Arroyo.

As minhas eram do sr. Antonio Ennes e do sr. coronel Galhardo; vem de um e de outro.

Foi o sr. Antonio Ennes quem me disse que tinha ouvido o sr. coronel Galhardo, e foi o sr. coronel Galhardo quem me disse ter informado verbalmente o sr. conselheiro Antonio Ennes.

Até me recordo, e bem, de um facto que assim o demonstra; e é que entre os officiaes, ultimamente condecorados, ha tres ou quatro que não conheço; mas recordo-me do nome de um d'elles; é o tenente Alves; e foi por informação exclusiva do sr. coronel Galhardo que elle foi condecorado.

O mesmo succedeu a respeito de tres officiaes, pertencentes ao exercito de Africa.

Repito, é uma questão de facto.

O sr. conselheiro João Arroyo falla por umas informações e eu fallo por outras.

Creio ter respondido a tudo quanto disse o illustre deputado de mais importante na sessão de ante-hontem; e julgo tambem ter demonstrado que s. exa., pondo a questão politica, não discutiu o projecto que esta submettido a apreciação da camara.

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SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1896 335

Como vejo que o sr. conselheiro Marianno de Carvalho está tomando apontamentos.

O sr. Marianno de Carvalho: - Eu estou tomando apontamentos no uso do meu direito, mas não é para ter a honra de responder a v. exa. (Riso.)

O Orador: - Não é? Pois tenho muita pena. (Riso)

Emfim, como disse, creio ter respondido ao sr. conselheiro João Arroyo.

Se não defendi o projecto, foi porque ninguem até agora o atacou; mas defendi o governo das accusações que se lhe fizeram; e, assim, dou por findas as minhas considerações, reservando me para novamente tomar a palavra se o julgar necessario, no interesse do assumpto, em discussão.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu este discurso.)

O sr. Dias Ferreira: - Desejava que, sendo este projecto uma novidade no systema de recompensar serviços militares, o sr. ministro da guerra lhe dissesse as rasões por que fez esta innovação.

A seu ver, este projecto, para poder ser devidamente estudado pela camara, deveria ser acompanhado dos relatorios dos srs. conselheiro Antonio Ennes e coronel Galhardo, porque elle, orador, pela sua parte, não lê o que foi mandado para a mesa, por entender que os documentos desta ordem, desde que não possam ser publicados, tambem não devem ser lidos ali.

Na sua opinião o que se propõe no projecto, não se coaduna com os serviços prestados. Os feitos militares prestados em campanha não se pagam com dinheiro, mas com medalhas e postos por distincção.

S. exa., para justificar o projecto que se discute, citou, na sessão anterior, as pensões de Camillo Castello Branco, Capello e Ivens, e as dos tres duques; mas essas pensões não têem paridade alguma com o assumpto que se discute, pois que nenhuma d'ellas foi dada como prémio de serviços prestados no campo da batalha.

Tambem o sr. ministro tinha dito, para justificação do mesmo projecto, que, na nossa legislação vigente, não ha nada estabelecido com respeito a postos por distincção, e que apenas a lei de abril de 1835 se refere a esses postos incidentemente; mas a verdade é que a lei de 1835 permitte claramente a concessão de postos de accesso, e o mesmo faz a lei de 1856. Mais ainda; n'uma lei mais recente, a de 1884, onde se trata da organisação dos quadros, concede-se o posto de marechal por distincção no campo da batalha.

Não pretende dar conselhos;, mas emitte francamente a sua opinião. Se fosse governo, quando o coronel Galhardo e o capitão Mousinho de Albuquerque desembarcassem em Lisboa, já deviam trazer respectivamente os galões de general e de major, ganhos por distincção. Deste modo affirmavamos lá fóra que, quando as nossas forças entram em combate, ha sempre quem se distinga a ponto de merecer um posto de accesso.

Diz se no relatorio da commissão que esta redigira este projecto depois de ter examinado o relatorio do sr. commissario regio, elaborado sob as informações do sr. coronel Galhardo.

Esta animação não lhe parece perfeitamente exacta, por varias rasões: a primeira, porque quando se deu o combate de Marracuene o sr. coronel Galhardo ainda estava em Lisboa, e portanto não podia dar informação dos militares que n'elle se distinguiram; segunda, porque não assistiu ao feito do capitão Mousinho, e portanto tambem não podia informar sobre elle; terceiro, porque s. exa. commandava a columna do norte e não podia saber o que se passava na columna do sul; e quarta, finalmente, porque o sr. Galhardo era incapaz de indicar o seu nome para recompensa.

Como deu a hora de se encerrar a sessão, vae terminar, mas antes disso deseja que fique bem assento que o coronel Galhardo não rejeitou o posto de accesso por distincção, que ninguém lhe offereceu, e apenas pediu que não fosse approvado o projecto do sr. Arroyo.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, guando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Pedi a palavra unicamente para esclarecer uma questão de facto, porque não desejo que, com referencia a uma declaração feita por mim, possa haver sombra de duvida.

O illustre deputado o sr. Dias Ferreira, no final do seu discurso, disse que desejava que ficasse bem accentuado, "que o sr. coronel Galhardo nunca recusára o posto por distincção, pela simples rasão de que ninguem lh'o offerecera; simplesmente manifestára desejos de que não lhe fosse concedido o posto de accesso, sem prejuizo da antiguidade, como constava do projecto do sr. Arroyo.

Como precisamente n'este assumpto é que tem havido referencias a declaração feita por mim, eu não venho rectificar o que, disse o sr. Dias Ferreira, venho, sim, confirmal-o. Mas tambem quero pela minha parte assentar uma cousa. O que disse o sr. Dias Ferreira não rectifica o que eu declarei, confirma-o.

A unica cousa que n'este assumpto póde fazer fé é o que consta do Diario das sessões, e como foi na outra camara, e tão só ali, que eu fiz algumas declarações a este respeito, declarações muito anteriores ao discurso de s. exa., ou a quaesquer apreciações que possam ter-se produzido no assumpto, por isso que essas declarações foram feitas na sessão de 3 de fevereiro e estamos hoje a 24, vou ler o que eu disse na camara dos dignos pares.

É o seguinte:

"Quanto a outra ordem de considerações feita pelo digno par, tenho a dizer que, como é sabido, foi apresentado na outra casa do parlamento um projecto de lei que designadamente visou a dar-se um posto de accesso ao coronel Galhardo.

"O sr. ministro da guerra associou-se, por parte do governo, ao pensamento, desse projecto, pela intenção que elle revelava de se prestar assim um testemunho de consideração ao commandante militar da expedição.

"Procurou-me, porém, o sr. coronel Galhardo, para me dizer que nada pedia, nem solicitava como recompensa dos seus serviços; desejava, todavia, que aquella proposta de lei não tivesse seguimento; e por isso se dirigia a mim para que eu, junto dos meus collegas e dos membros do parlamento, instasse n'esse sentido."

Esta foi a minha declaração, precisamente conforme aos factos.

As palavras do sr. Dias Ferreira confirmam, portanto, a minha declaração, em vez de a rectificar. (Apoiados.) Nada tenho tambem a rectificar; só tenho a confirmar precisamente o que s. exa. disse.

(S. exa. não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Documentos mandados para a mesa n'esta sessão

Representação

Dos ex-arbitradores judiciaes da camara de Ponte do Lima, contra o decreto de 15 de setembro de 1892, que revogou o artigo 37.° do decreto de 20 de julho de 1886 e regulamento de 17 de março de 1887.

Apresentada pelo sr. deputado Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, e enviada á commissão do bill.

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386 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Justificação de faltas

Participo a v. exa. que por falta de saude não pude comparecer ás ultimas sessões. = O deputado, Visconde de Tinalhas.

Participo a v. exa. que por falta de saude não compareci ás ultimas sessões. = O deputado, Antonio José Boavida.

Declaro que por motivo justificado tenho deixado de comparecer as sessões da camara. = O deputado, Jeronymo Osorio.

Participo a v. exa. e á camara que pelo motivo, para mim dolorosissimo, do fallecimento de meu pae, Bernardo Francisco da Costa, faltei ás ultimas sessões. = O deputado, Cincinnato da Costa.

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado visconde de Nandufe tem faltado e faltará a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Lopes Navarro.

Participo a v. exa. e á camara que o illustre deputado sr. Luiz Osorio não tem podido assistir ás ultimas sessões, e deixará ainda de comparecer a algumas outras por motivo de doença. = O deputado, J. Cunha da Silveira,

Para a secretaria.

O redactor = Lopes Vieira.

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